Desmistificando o suicídio
São Paulo, 26 de dezembro de 2015. 08h35min
Eu não queria me matar, sabe?
Eu quis, por alguns momentos. Mas fugi para o hospital e pedi a internação porque, apesar de naquele momento eu querer morrer, eu sabia que não era isso que eu desejava.
Vou te contar uma coisa que não sei se você sabe: suicidas não querem morrer.
E mais, essa história de que “quem quer se matar se mata, não fica anunciando” é bobagem. A gente fala, sim, a gente fala sobre isso o tempo todo numa tentativa desesperada de que alguém nos impeça.
Eu li em algum lugar que para cada tentativa de suicídio atendida em pronto-socorro existem 15 pessoas que pensaram seriamente em tirar a própria vida. Leva tempo até que nos distanciemos tanto de nós para que consigamos.
Pedimos socorro até o último momento.
Apesar de não querer mais morrer, eu tenho impulsos de autoagressão o tempo inteiro.
Quinas de mesa, janelas, paredes... Tudo é tentador.
Quando discuto com a Rebeca ou com minha mãe, gosto de me imaginar batendo o pulso com força na quina da janela do meu quarto.
Descobri essa forma de não me ferir: imaginar que estou me ferindo.
Meu primeiro impulso suicida foi querer pular da janela do meu quarto.
Você já se imaginou caindo? O seu corpo ali flutuando, a gravidade te puxando inexoravelmente para baixo... E então o baque. Sua cabeça jorrando sangue, as pessoas correndo para ver o que aconteceu.
É chocante, eu sei. Foi chocante para mim também.
Eu estou tentando desmistificar.
Por favor, não me deixe falando sozinha!
Eu estou tentando te convencer de que louco também é gente. Estou tentando te mostrar como é ruim para que você tenha empatia quando encontrar um nós. Pode ser dentro da sua família. E aí, como você vai reagir?
É preciso imaginar mil vezes o seu corpo caindo da janela, sua cabeça espatifando na calçada, até que você tenha coragem de pular. Temos a chance de pedir ajuda todas essas mil vezes e nós pedimos, mas quase ninguém ouve.
Ninguém me ouviu, então quando eu liguei do hospital para contar que estava me internando foi um choque.
As pessoas só se convencem quando o pior acontece. “Sua filha vai ficar aqui por um tempo, mas ela está bem, ela própria está assinando os documentos da internação. Não, não adianta a senhora vir aqui agora, ela vai descer para a unidade daqui a pouco e a senhora não vai poder falar com ela. Senhora, fica calma... A Betina está bem, ela só precisa descansar!”
Eu estava esgotada, cansada de pedir ajuda, cansada de imaginar meu corpo sendo atropelado pelo trem todas as vezes em que eu ia tomar o Metrô. Faltava tão pouco para que eu deixasse a gravidade me empurrar para os trilhos...
Mas eu não queria morrer. Eu só queria parar de me sentir vazia, feia, infeliz. Queria que a angústia parasse, mas não via um jeito de impedir.
Suicidas não querem se matar, querem matar a dor e o vazio. Nunca se esqueça disso!
Fim do capítulo
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Catarina
Em: 28/12/2015
Nossa capítulo forte. Educacional também. Muita gente não sabe disto tenho a certeza. Mas e uma pessoa a se internar já vai ajudar? Vão ficar bem?
Gosto da história porque é diferente e mostra uma perspectiva diferente. Bj
Resposta do autor em 28/12/2015:
Não acho que a internação resolva. Enxergo como uma medida desesperada da Betina para mostrar às pessoas que não estava bem.
A internação ajuda no controle dos efeitos colaterais, no ajuste das medicações e no acompanhamento para impedir a autoagressão porque a vigilância é constante.
Obrigada pelos comentários!
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