Capítulo 6 - Marina -
- Marina –
Eu simplesmente não conseguia me entender, e nem mesmo queria. Não queria saber o que era tudo aquilo que tão repentinamente Giulia me fez sentir, desde o momento em que via a sua foto e fiquei simplesmente encantada com tamanha beleza. Ela havia mexido comigo de uma forma inexplicável, com apenas uma foto. Tê-la ali em meus braços, sentindo sua respiração alcançar meu rosto me deixou completamente desnorteada. Mas não podia ser. Minha cabeça estava a mil, era muita coisa se passando em minha cabeça, mas tinha uma única ideia que minha razão gritava firmemente e repetia como um mantra “Esqueça o que quase aconteceu, esqueça essa garota e concentre-se!. E era isso que eu tinha que fazer, esquecer tudo aquilo e colocar na minha cabeça que Giulia era apenas uma publicitária da agência, e nunca seria nada mais que isso. Jamais! Eu tinha que me proteger, tinha que quebrar qualquer encanto em que aquela garota havia me envolvido. Eu não a conhecia, então aquilo não seria nada demais, apenas uma garota linda que me chamou atenção. … apenas isso!
A olhei de soslaio e a impressão que tive foi de que ela estava tentando se fundir a parede do elevador. Ela queria distância de mim. Como será que tudo aquilo aconteceu? Será que foi por impulso e ela se arrependeu? Ah! Isso não importava mais, o que importava é que aquilo foi um fato isolado e que jamais aconteceria de novo.
Mantive-me em meu lugar a olhando vez ou outra de soslaio, e ela ainda encarava os próprios pés. Foi assim até chegarmos ao térreo. Sai do elevador junto com todo o resto, menos Giulia. Observei uma certa resistência da sua parte em sair do elevador e instantaneamente me veio a cabeça que talvez ela tivesse machucado o seu pé, um torção no tornozelo ou coisa parecida. Resolvi verificar.
-- Vamos? – chamei-a.
Ela processou o meu chamado e após mais alguns segundos ela saiu, porém ela andava bem devagar, tanto que mesmo que andasse lento ela ainda ficava para trás. Olhava para ela logo atrás de mim e ela ainda olhava os pés. Acho que devia ter algo de errado com eles, talvez ela tivesse mesmo se machucado. Isso começava a me preocupar.
-- Giulia? – a chamei novamente.
-- Oi? – ela perguntou parando ao meu lado.
-- Você se machucou? Quer dizer, você torceu o pé? – perguntei olhando para seus pés procurando algum machucado visível, talvez um inchaço.
-- Não. To andando um pouquinho devagar pra evitar outro tombo.
-- Tem certeza que não machucou? Posso lhe levar a um hospital pra dar uma olhadinha. – eu estava deverás preocupada com uma possível torção.
-- Tenho sim. Não precisa não. Muito obrigada pela sua preocupação. – eu deveria estar com uma ruga de preocupação.
-- Imagina. – tentei disfarçar um pouco e me pus a seu lado por precaução - Ainda podemos andar um pouco pela agência ou prefere ir para minha sala descansar um pouco?
-- Não precisa, podemos andar pela agência. Estou bem!
Foi inevitável não sorrir com o alívio que senti quando ela disse sorrindo que estava bem. Relevei. Deixei aquela preocupação de lado e continuamos a andar nas dependências da JUMP. Eu indicava os lugares para ela e ela explicava o que funcionava ali e tal. Pessoas que passavam por mim e me cumprimentavam eu não perdia tempo e nem a chance, também fazia as apresentações entre a pessoa e Giulia.
Estava completamente empolgada falando sobre o patrimônio que consegui construir e fazer dar bons frutos com tanto esforço, que não consegui disfarçar meu total desagrado ao ver Verônica andando na direção contrária em que íamos. Deixei transparecer. Fiquei séria, repetindo em minha cabeça “Irá ficar tudo bem. Não acontecerá nada!”. Verônica também deixava transparecer, ela me olhava como se quisesse me punir por algo, mas ao observar bem, o olhar que ela lançava não era pra mim, era na direção de Giulia. “Deus! Ajude-me!”. Já imaginava o que viria pela frente. Não me faria de passiva novamente.
-- Precisamos conversar. – ela falou entre dentes parada bem próxima a mim.
-- Aconteceu algo? – perguntei após dar um passo atrás, mantendo um tom impassível na voz.
-- Preciso conversar com você. Em particular! – disse olhando para Giulia.
-- Vá até a minha sala daqui a pouco e conversaremos.
-- Marina eu estava lhe procurando, preciso mesmo conversar com você. – disse entre dentes tentando se controlar para não gritar, eu a conhecia.
Não queria deixar Giulia sozinha por puro capricho de Verônica. Seria uma total falta de educação, e iria ceder a vontade de Verônica. Quando ela ia entender que ela não tinha o mínimo direito de me fazer esse tipo de coisa? Ainda mais na frente de uma das funcionárias. O que será que ia ficar passando na cabeça de Gilia? Uma assistente minha exigindo sem modo algum para falar comigo. De maneira desesperada.
-- Depois Verônica!
-- Eu posso esperar. – disse Giulia nos interrompendo educadamente.
No mesmo instante, Verônica e eu paramos a guerra que travávamos com olhares e olhamos para ela.
-- Ta vendo? Ela espera Marina. A novata não vai sair correndo daqui. Vamos?
“Ela tem mesmo que chama-la dessa maneira?” - me perguntei em pensamento.
-- O nome dela é Giulia! Me desculpe Giulia. Você não se importa mesmo? -Perguntei olhando para ela esquecendo-se de Verônica.
-- Não. Eu lhe espero aqui.
Entrei na primeira sala do corredor que via aberta e aguardei que Verônica me seguisse.
-- O que você quer Verônica? – perguntei assim que a vi entrar na sala.
-- Que você deixe de se derreter por essa fedelha.
-- O que é isso Verônica?! – começava a perder a paciência - Giulia é funcionária da agência, e eu estou mostrando as dependências para ela, apenas isso. De onde tirou isso?
-- Marina, eu vi com meus próprios olhos. – gritou.
-- Você não viu nada porque não aconteceu nada. – eu tentava manter a calma, não queria explodir com Giulia ali do outro lado da porta.
-- Então eu estou louca, é isso Marina?
-- No mínimo vendo coisa onde não tem.
Em instantes ela se pôs a minha frente, praticamente bufando de raiva, enquanto tinha o seu rosto vermelho. Ela estava prestes a se descontrolar completamente. Eu não entendia do que ela estava falando, mesmo que não devesse explicação nenhuma para ela, o que eu disse não foi apenas uma desculpa, eu realmente não havia feito nada. A não ser o que aconteceu no elevador. Mas ela não teria como ter visto aquilo. E além do mais, foi apenas um pequeno acidente, o resto foi projeção da minha mente.
-- Não queira mentir pra mim Marina!! – ela gritou com o rosto quase colado ao meu, me apontando o dedo.
Foi a gota d’água. Não agüentei.
-- Quando você vai para com isso Verônica? Pelo amor de Deus, chega! – eu gritei a afastando de mim pelos braços.
-- Vai continuar com esse teatrinho?! – gritou descontrolada.
-- Eu não sei do que você está falando, isso só existe na sua cabeça. Para com isso! Chega!!!
Eu tinha que sair dali ou acabaria a agredindo – desferindo-lhe um tapa - tamanha era a minha irritação e falta de paciência. Isso não era do meu feitio, jamais fui a favor de agressões, mas eu estava realmente no meu limite, ela havia ultrapassado todas as barreiras. Faz muito tempo que agüento as suas crises e suas cobranças calada. Ouvia impropérios enquanto apenas ouvia, abaixando a cabeça e colocando o rabinho entre as pernas como se tudo que ela falasse fosse verdade. Como um cãozinho que havia derrubado um vaso de flores enquanto corria no meio da casa e a dona o recriminasse por tal coisa.
Não dava pra agüentar, sai da sala sem dizer mais nenhuma palavra. Deixando-a plantada no meio da sala me observando enquanto saia.
-- Desculpe ter lhe feito esperar Giulia. Podemos continuar? – perguntei enquanto tentava com um certo esforço me acalmar.
-- Tudo bem, não foi nada. Podemos sim. – ela disse sorrindo.
Esvaziei a mente e segui com o que estava fazendo antes, mostrando as dependências e lhe apresentando pessoas. A levei até o setor o qual eu era responsável e que ela ficaria escalada. Apresentei de um por um. Até chegar a um funcionário que não era nenhum exemplo dentro da empresa, Ramon! Ele era completamente irresponsável, atrasos era o que ele mais tinha, advertências a sua ficha estava cheia. Há um tempo atrás, Ramon era do setor de Pablo, e foi parar no meio para que a sua demissão fosse impedida. Pablo não o queria mais em nosso quadro de funcionário, porém, Ramon era filho de um grande amigo de seu pai, e a pedido dele estava ali. Portanto, não queria entrar em confronto com o seu pai por tirá-lo, na verdade, demiti-lo da empresa. Motivos não faltava, mas eu não queria causar problemas para o meu amigo com o pai.
Ramon era um homem rude, altamente machista, estúpido, e não escondia isso ao falar com qualquer pessoa que fosse. Até mesmo comigo ele já usou de brutalidade nas palavras, assim como já ouvi por outras bocas o que ele costumava falar pelos corredores durante uma crise interna que tivemos “… isso o que dá uma mulher na presidência! Se fosse um homem, de pulso, firme, as coisas seriam bem diferentes! Tem que ter a mesma coisa que eu tenho no meio das pernas! Tem que ser macho!”. Infelizmente eu podia até imaginar ele enquanto falava segurando seu órgão sexual. Cena grotesca! Ramon era o tipo de pessoa que eu não tolerava, ele fazia questão de me enfrentar, fosse diretamente ou não. Apesar de tudo ele era talentoso quando resolvia deixar a boca fechada e realmente trabalhar, e esse era um dos motivos pelo qual eu ainda o preservava lá, e além do mais, ele era antigo na empresa, e já era bastante experiente no setor. Juro, eu tentava me manter em cima do salto pelo meu amigo, mas qualquer deslize mais sério dele, eu não pensaria duas vezes. Não iria titubear!
Da forma mais profissional possível eu os apresentei:
-- Giulia esse aqui é o Ramon, o mais experiente aqui, e que nos acompanha a mais anos. … o mais velho no grupo, qualquer coisa pode falar com ele também. E Ramon, essa aqui é Giulia, a nossa mais nova publicitária. E por favor, bastante atenção nela, verás a imensa capacidade e talento que essa moça tem. – não deixei de sorrir ao falar do enorme talento que aquela garota tinha.
Os dois se apresentaram, e eu incumbi uma pessoa para que ajudasse Giulia de forma mais direta, a Natália, funcionária exemplar e altamente profissional. Natália estava com um projeto novo, que tinha acabado de dar início, então pedi que ela e Giulia terminassem o projeto juntas. Seria a mistura perfeita de talento! Feitas as devidas apresentações continuamos a andar pela agência.
A palavra que poderia me definir nesse instante era leve, eu estava me sentindo leve ao lado dela, ao lado de Giulia. Tanto que eu fazia questão de não olhar para o relógio para ver o quanto as horas haviam corrido e assim ter que libera-la para seu setor. Queria prolongar mais um pouquinho a sensação gostosa que a presença dela me causava, mas não dava mais pra protelar, finalmente olhei para o relógio. O expediente havia começado. Disse a ela que poderia ir, e que ficasse a vontade caso quisesse fazer algo antes.
Fui para minha sala pedindo aos céus para que Nanda não tivesse em sua mesa, ou assim que eu entrasse ela entraria logo atrás e me faria milhões de perguntas sobre Giulia. Tive sorte, ela não estava. Andei o mais depressa possível e entrei, dessa vez tomando cuidado de trancar a porta com a chave para que Verônica não entrasse na hora que quisesse e da forma que quisesse. A conversa de mais cedo já havia bastado.
Sentei em minha mesa e me pus a ler alguns contratos, passados mais ou menos uns 20 minutos o telefone de minha mesa tocou, era o telefone de Nanda. Já sabia o que fazer.
-- Pode vir, eu abrirei a porta pra você.
Não a deixei falar, eu sabia muito bem que eu o que ela queria era conversar, me encher de perguntas e mais uma vez tentar me convencer de que eu deveria me abrir para novas possibilidades, ou seja, investir nesse encanto que eu tinha por Giulia. Levantei e fui até a porta esperando ela bater.
-- Sou eu Marina. – ela sussurrou junto à porta acompanhado de duas batidinhas.
Destranquei e a deixei entrar e novamente tranquei a porta. Ela sentou no sofá e eu sentei ao seu lado.
-- Marina essa garota realmente é linda! Verônica vai surtar. – foi a primeira coisa que ela disse.
-- Ela já surtou. – suspirei.
-- Como assim? O que foi que você fez?
-- Ai é que está Nanda, como sempre eu não fiz nada. Ela simplesmente veio até mim quase exigindo falar comigo, e isso na frente de Giulia. Quando a levei para uma sala para conversarmos ela me acusou de estar derretida pela garota.
-- Mas você está derretida por ela?
-- Não, Nanda, claro que não. – minha boca dizia isso, enquanto meu coração queria dizer algo completamente diferente - Eu admito que me encantei, mas isso já passou, não durou nada e não vai passar disso. – aquilo era mais para me convencer do que convencer ela.
-- Marina eu nunca te vi tão ansiosa coma chegada de um funcionário. Você sempre os recebe muito bem, recebe pessoalmente, treina. Mas a ansiedade que eu vi hoje cedinho de você eu nunca havia visto. Você quase madrugou aqui por causa dessa garota e vem me dizer que o encanto que você sentia passou? Acha mesmo que eu não sei qual é a sua?
-- E qual é a minha?
-- Está se escondendo. Novamente! Pelo amor de Deus Marina viva a sua vida, seja feliz e esqueça de uma vez por todas o que a Larissa lhe fez. Ou melhor, esqueça que um dia aquela mulher existiu.
-- Não é tão simples assim Nanda, as feridas ainda continuam aqui, eu não quero chegar ao fundo poço como da outra vez. Eu tenho sim medo de me apaixonar, não quero me apaixonar por puro medo de sofrer mais uma vez.
-- Nem toda mulher é como a Larissa e você sabe disso, e se você não tentar vai ser sempre infeliz por medo.
-- E quem disse que eu sou infeliz?
-- Seus olhos! Quem te conhece sabe que eles sempre brilharam intensamente. E todo mundo sabe o quão romântica você é, sabemos que você sente falta de um corpo quente ao seu lado quando vai dormir, que queria alguém pra perguntar como foi o seu dia, pra dividir alegrias e tristezas, pra fazer ligações infindáveis durante a noite, ter alguém pra cuidar. Não minta pra você Marina, não pra você.
-- Eu não posso Nanda. – disse levando aos mãos até o rosto.
-- Pode sim! Você só tem que se permitir. Você merece toda a felicidade do mundo Marina. Permita-se. – ela disse retirando minhas mãos.
-- Eu não sei mais como fazer isso, estou em modo de defesa há muito tempo. Sempre na defensiva, não sei mais como reverter isso.
-- Só se deixe levar. As coisas vão acontecer naturalmente. Só te peço que pense um pouquinho. Sei lá, tente uma aproximação com Giulia, se ela também quiser, invista nisso.
Ah! Giulia! Como pode eu ter me encantado por uma garota assim tão de repente? Eu me sentia muito ansiosa na sua presença, e até mesmo quando ela não estava presente. Eu ansiava por estar perto dela. Eu ficava nervosa de um jeito descomunal, com direito a mãos soando e coração palpitando loucamente. Eu não conseguia compreender exatamente o que estava acontecendo, mas aquela garota me causava uma sensação maravilhosa. Estar perto dela era o mesmo que me sentir em paz. Isso em partes, porque a minha razão ainda titubeava com relação a ela. Entre o que era perigoso e o seguro. Hora eu queria sufocar meus pensamentos, porque o tempo todo ele voava na direção dela. Isso estava me perturbando.
-- Nanda... – suspirei resignada – Ta certo. Eu vou tentar, mas não prometo nada, muito menos que isso vai dar certo.
-- Fico feliz somente por você tentar. Agora deixa eu ir antes que a louca da Verônica coloque na cabeça que você está tendo um caso comigo.
-- Sabe que isso não seria má idéia! – brinquei.
-- Com certeza não, quem sabe um dia. – ela disse piscando e indo na direção da porta.
Depois que Nanda saiu, eu deixei a porta destrancada, a qualquer momento Verônica viria até a minha sala, e caso encontrasse a porta trancada à chave seria capaz de arrombá-la por suspeita de que eu estaria com outra mulher. “Deus até quando isso vai continuar assim?” – me perguntei.
Ocupei-me novamente com mais alguns papéis – contratos e propostas. As horas pra mim pareciam não passar, eu estava inquieta e vez ou outra olhava para o relógio em meu pulso. Me parecia que meu relógio havia parado, ou mesmo o tempo. Passei a manhã inteira tentando ocupar a minha mente, tentando não deixar a minha mente vagar por aí e encontrar Giulia. E mesmo tentando de forma não tão firme, eu me pegava pensando no sorriso dela, nos seus olhos pequeninhos, naquele rebol*do. Não consegui parar de pensar também no que quase aconteceu no elevador, o seu cheiro, o seu calor, tudo estava ainda vivo na minha memória, como se tivesse acabado de acontecer.
Enfim, a hora do almoço chegou, e como todos os outros dias, como era normal, sai para o almoço em companhia de meus amigos: Pablo, Juliano e Nanda. Era uma das melhores coisas que eu fazia no meu dia, almoçar em meio a conversas, brincadeiras, piadas e brincadeiras. Eu me sentia uma jovem novamente, que lanchava na hora do intervalo entre as aulas com amigos da sala, me soltava completamente. Isso só acontecia mesmo quanto eu estava com eles.
Nanda as vezes me olhava fixamente como se tivesse tentando ler algo em mim, como se me avaliasse, e eu sabia bem o porque disso. Depois da nossa conversa a tarde, ela havia visto uma luz no fim do túnel, havia nascido uma pontinha de esperança de que eu abandonasse a minha tão querida bolha de isolamento.
Havíamos acabado com a nossa refeição, permanecemos na mesa somente conversando, e claro, enquanto isso o meu celular tocava praticamente o tempo todo, com pequenas pausas entre uma ligação e outra, coisa de 5 minutos. Pra variar era Verônica que me ligava, na verdade, me monitorava e tentava me controlar.
-- Eu não acredito que estou vendo a poderosa e ocupadíssima Marina Amorim bem aqui na minha frente.
Ouvi uma voz feminina falando bem próximo a mim. Em milésimos de segundo vasculhei a minha mente e minhas lembranças na tentativa de encontrar alguma coisa que me dissesse de quem era aquela voz. “Não acredito!”. Era Lívia! A garotinha que foi minha vizinha por muitos e muitos anos, que estudou comigo durante todo o ensino médio e mais uma vez dividiu a sala de aula comigo na faculdade. E que infelizmente apresentou a sua prima à mim na época da faculdade, Larissa! Fazia anos que eu não à via.
Levantei em um reflexo incrível, rapidamente, me virando na mesma direção daquela voz.
-- Lívia! – eu disse sorrindo.
-- Sua ruiva sem coração! Faz tanto tempo que não nos vemos.
Estava tão feliz por reencontra-la dessa maneira depois de tanto tempo. Lívia era uma das minhas melhores amigas, daquelas pra toda hora.
-- Vai ficar ai parada e não vai me dar nem um mísero abraço? – ela perguntou de braços abertos.
-- Claro que não! – disse enfim, abraçando-a.
-- Que saudade de você!
-- Também estava com muita saudade de você. – eu respondi em meio ao seu abraço apertado.
-- Como você pôde fazer isso Marina, sumir e nunca mais falar comigo?
-- Foi a senhorita que resolveu morar em Londres e nunca mais deu notícia. – eu disse me separando do abraço quebra ossos de Lívia.
-- Cala essa boca e me abraça de novo. – ela disse me puxando para um novo abraço.
-- Você já está indo embora?
-- Infelizmente! Tenho uma reunião daqui a 30 minutos com um pessoal.
-- E você está morando aqui ou ainda está em Londres?
-- Em Londres, vim somente por causa dessa reunião. Mas me mudo para cá daqui a uns 2 meses mais ou menos.
-- Sério? – a notícia havia me deixado feliz.
-- Seríssimo. – ela disse balançando as sobrancelhas. – Agora vou ter que ir ruiva. Eu vou ficar aqui em São Paulo até amanhã a noite, podíamos nos encontrar pra conversar um pouco. O que acha?
-- Perfeito!
-- Pois então eu vou indo lá.
-- Espera! Vou com você. Você está de carro?
-- Estou sim. Você vem?
-- Vou sim! Vocês me esperam um instantinho? – perguntei olhando para os outros na mesa.
-- Esperamos sim Marina. – disse Nanda.
-- Volto em um minuto.
Saí do restaurante em companhia de Lívia, fomos até o seu carro que estava em uma vaga no estacionamento que ficava à frente do restaurante – aberto. Conversávamos enquanto caminhávamos tranquilamente. Lívia me perguntou como estava a minha vida, e se eu havia realmente superado Larissa. Ela sempre se culpou por ter nos apresentado, ela dizia que se não fosse por ela eu nunca teria conhecido Larissa, e consequentemente eu nunca teria sofrido tanto. Lívia trabalhava com modelos – em campanhas publicitárias – e acabou sendo transferida para a Inglaterra a trabalho, e lá conheceu um modelo inglês com quem ficou casada durante 4 anos, havia se separado recentemente, e esse era o real motivo para a sua volta para o Brasil.
-- Marina tenho que ir agora, mas não pense que eu esqueci que você aceitou sair comigo antes que eu voltasse para Londres. Está combinado não é mesmo? – ela perguntou parada ao lado de seu carro.
-- Está sim Lívia, combinadíssimo. Precisamos mesmo colocar a conversa em dia e matar um pouquinho da saudade.
-- Isso mesmo!
Ela me olhou de um jeito que me fez viajar a anos atrás, muito tempo atrás, me lembrei de parte de nossa adolescência, em que éramos amigas inseparáveis, sempre acobertando uma a outra, confidenciamos os segredos mais profundos e nos defendíamos com unhas e dente. Sempre tão meiga e ao mesmo tempo tão firme. Era uma amizade que eu levaria comigo para sempre.
-- Não mereço nem um pequeno abraço?
Não respondi, apenas a abracei apertado, era como se tentasse sanar um pouquinho da saudade que eu tinha dela.
-- … algo incrível te ver de novo depois de tantos anos amigas. – ela disse em meio ao abraço.
Foi uma fração de segundos que eu simplesmente não conseguia falar, apenas a abracei e me deixei ser abraçada. Sem conseguir controlar senti meus olhos embaçarem por lágrimas. O abraço durou, ficamos um bom tempo paradas, em pé no meio do estacionamento, e quando nos separamos pude ver que ela também estava com os olhos cheios d’água.
-- Tchau! Ela me deu um beijo na bochecha como sempre fez e entrou em seu carro.
Voltei a mesa em que deixei meus amigos com um sorriso estampado no rosto. Haviam dois motivos que me tiravam sorrisos com a maior facilidade nesse dia, fazendo com que eu esquecesse completamente do episódio Verônica. Estava verdadeiramente contente, por duas mulheres: Giulia e Lívia. Minha amiga de longa data, minha quase irmã, e a garota que estava quase me tirando o sorriso, a menina mais meiga e linda que eu havia visto na face da terra.
Quando cheguei à mesa apenas Juliano estava sentado.
-- Onde está a Nanda e o Pablo?
-- Nanda precisou sair pra resolver algo com relação ao João Pedro, ela disse que daqui a pouco te liga pra falar com você. E Pablo recebeu um telefonema misterioso e disse que precisava sair. Saiu tão misterioso quanto o telefonema. – ele disse sorrindo.
-- Que bom! Me abandonaram aqui. A Nanda ta perdoada, se foi algo com meu afilhado tudo bem, mas Pablo não. – eu disse com uma falsa expressão de raiva.
-- Ta certo que você consegue ficar com raiva de algum de nós. Sei. Mas Marina, eu preciso sair agora também, tenho que resolver alguns probleminhas no cartório. Desculpa te deixar voltar sozinha pra agência.
-- Tudo bem!
-- Pois então eu vou indo lá. – disse pegando o seu palito e dando-me um beijo na bochecha – A conta já está paga. Até mais tarde.
-- Até mais tarde. Juízo.
Ele sorriu e saiu. Peguei a minha bolsa em cima da mesa e dirigi ao meu carro no mesmo estacionamento em que eu havia acabado de deixar Lívia. Estava abrindo a porta do carro, pronta para entrar e voltar para JUMP.
-- Quem era aquela vagabunda que estava praticamente beijando você?!
Me assustei com o tom usado na pergunta, e no mesmo segundo me virei.
-- Quem era a vagabunda Marina? - gritava com os olhos esbugalhados e o rosto vermelho.
-- Você estava me seguindo, me vigiando Verônica?
-- Não desconversa! Quem era a mulher?
-- Não te devo satisfação nenhuma, mas, aquela mulher é uma amiga. – disse calmamente.
-- Que amiga? Como nunca vi essa lambisgóia?
-- Olha Verônica, não vou ficar aqui com você fazendo um showzinho para quem passa acompanhar. – entrei em meu carro.
-- Aonde você vai?
-- Vou trabalhar coisa que você também deveria fazer.
Não esperei resposta, simplesmente liguei o carro e sai. Grosseria da minha parte? Pode até ser. Mas eu não estava mais suportando aquela marcação de Verônica. Aquela situação estava acabando comigo, me desgastando dia após dia. Estava me consumindo de uma maneira nada agradável. Eu não podia dar um passo sem que Verônica me ligasse ou aparecesse fazendo a maior cena de ciúmes e possessão. Meus olhos estavam bem abertos agora.
Parei em um semáforo, e novamente me assustei quando um carro buzinou insistentemente logo atrás do meu carro, olhei para o retrovisor e era ela, era Verônica. Não pode ser! Olhei para frente e me concentrei no trânsito, aguardando impacientemente enquanto batucava com os dedos no volante do carro o semáforo abrir. Meu celular começou a tocar, o tirei da bolsa, e era Verônica. Meu Deus! O tempo pareceu parar, o semáforo insistia em permanecer vermelho me impedindo de segui. Meu celular não parava de tocar, o nome da mulher que ainda buzinava atrás de mim não desaparecia da tela. Ela queria me enlouquecer, só pode. Eu precisava fugir daquilo ou acabaria explodindo. Assim que o semáforo abriu, eu arranquei, nunca fui de dirigir perigosamente, pelo contrário, mas naquele momento eu me vi sem saída. Dirigia feito louca, fazendo ultrapassagens, e com certeza infligindo no mínimo umas 5 leis de trãnsito. Me sentia em um filme de ação em que eu era a mocinha e estava sendo perseguida pelo vilão. Verônica parecia um reflexo meu, tudo o que eu fazia para me distanciar dela, ela repetia. Eu estava absurdamente irritada, chateada, e com certeza com raiva das ações dela, e isso espelhava na minhas ações no volante. Eu estava cega de raiva. Fiquei possessa.
Entrei em uma rua qualquer tentando conseguir uma distância de Verônica, chegaria na agência antes dela e me trancaria em minha sala, de lá só sairia quando tivesse a certeza de que ela não estava mais no prédio. Não iria brigar novamente, não iria agüentar mais uma vez seus gritos gratuitos. Mesmo assim eu continuava a dirigir como antes, com o pé ainda pesando no acelerador. Olhei pelo retrovisor e não a vi mais, entrei apressadamente no estacionamento da agência cantando pneu, ecoando alto por toda parte. Estacionei em minha vaga e desci do meu carro quase correndo. Outro carro entrou da mesma maneira que eu, fazendo o barulho chato da borracha em atrito com o chão. Não precisei olhar para trás para saber de quem se tratava, era ela, só podia ser ela. O elevador ainda estava distante. Sentia uma irritação que não poderia jamais descrevê-la. Aquilo era loucura. Ela me alcançou.
-- Marina! – disse ela puxando o meu braço de uma forma que com certeza deixaria minha pele marcada.
-- Verônica me deixa em paz! – gritei assim que me virei para ela.
-- Quem era a biscate Marina? Quem era aquela mulherzinha?
-- Já lhe falei. Pelo amor de Deus, me esquece, segue com a tua vida. O que mais você quer de mim?
-- Quero você! Para de fingir que não me ama, para de andar com essas mulherzinhas pra cima e pra baixo.
-- Você não tem jeito! Eu não te amo!
-- Vai dizer que prefere aquela prostituta? Você não é nada sem mim Marina, é apenas uma pessoa incapaz de segurar uma mulher ao seu lado. Larissa te deixou pelo primeiro paspalho!
Ela mexeu na minha ferida. Minha sanidade já não existia. Desferi-lhe um tapa que doeu mais em mim do que nela. Eu odiava tudo aquilo. Mas nem mesmo isso a fez entender a verdadeira situação. Apesar de tudo ela tentou me beijar, ao que eu me esquivei, desvencilhei-me dela e aproveitei que o elevador havia chegado.
Quando aquilo iria chegar ao fim? Eu precisava me ver livre dela, ela precisava me esquecer. Aquilo era demais.
Me tranquei em minha sala, não queria ver mais ninguém. Não sai de lá por nada. Meu celular eu desliguei e o joguei no fundo de uma gaveta qualquer da minha mesa. Deitei em meu sofá e tentei me desligar do mundo ou enlouqueceria. Até o momento não haviam batido em minha porta e nem ligado para o telefone de minha sala.
Após algum tempo lembrei de Nanda e de João Pedro. Fui até a minha mesa e liguei para o celular dela. João Pedro havia caído durante uma brincadeira na creche e havia fraturado o pequeno bracinho. Já estava em casa e medicado, porém muito dengoso e pedindo colo a todos. Mesmo sabendo que ele já estava em casa fiquei com o coração apertado, e não lembrei de mais nada, apenas queria vê-lo. Rezei para não dar de cara com Verônica. Peguei a minha bolsa e novamente sai. Fui até a casa de Nanda.
Fiquei o dia todo com ele. Acabei cochilando no sofá da sala enquanto João Pedro dormia em meu colo.
-- Marina?
-- Huum?
-- Ele dormiu. – ela disse baixinho.
Ele dormia sereno em meu colo, alisei os seus cabelos castanhos repletos de cachinhos depositando um beijo em seguida.
-- Vou coloca-lo na cama. – respondi baixinho também.
O coloquei na cama, o cobri com seu cobertor favorito do Scooby-Doo e voltei para a sala encontrando Nanda sentada no sofá com uma cara pensativa.
-- O que aconteceu? – ela perguntou assim que entrei na sala.
-- O que?
-- O que houve com você?
Não tinha como esconder nada dela, ela me conhecia muito bem, desconfio que ela me conheça até mais do que eu mesma me conhceço.
-- Estou apenas cansada.
-- Verônica de novo? – apenas balancei a cabeça em sinal positivo. – Não vou nem perguntar o que ela fez, porque com certeza foi mais um espetáculo.
“Ainda bem que você não vai me fazer contar tudo Nanda, ainda bem!” – pensei.
-- Isso tem que chegar ao fim. – respirei longamente.
-- Hoje você não volta pra casa, você vai dormir aqui comigo. Eu arrumo rapidinho o quarto de hóspedes pra você.
-- Não precisa se incomodar Nanda. Preciso ir pra casa, não tenho roupas no carro...
-- Não queira arrumar desculpas. Roupa sua aqui em casa é o que não falta, tem até roupa adequada pra você trabalhar. Você não tem nada em casa lhe esperando. – ela disse sorrindo mas sem perceber como me afetou aquela frase.
Legal! Eu não tinha nada me esperando em casa mesmo, muito menos alguém! Giulia me veio a cabeça nesse instante. O seu sorriso, a sua voz, e a tranqüilidade que ela me trazia naturalmente.
-- Tudo bem! – eu disse por fim.
Tomei um banho rápido, e me joguei na cama, queria dormir o mais rápido possível e esquecer boa parte do que tinha acontecido no meu dia. Só não queria esquecer Giulia. Lembrei do que nos aconteceu no elevador. Como seria o gosto dos lábios dela? Será que um dia ela olharia pra mim? Será que eu deveria mesmo me deixar levar por aquele encanto, por aquele fascínio? Fiquei com a sua lembrança até pegar no sono.
Fim do capítulo
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