Capítulo 20
As Cores do Paraíso - Capítulo 20
-- Fui escolhido presidente da comissão que analisa o Estatuto da Família - O senador Davi estava sendo entrevistado em uma rede de televisão.
-- Senador. Ao prever apenas a família formada por homem e mulher, o Estatuto da Família não vai contra as decisões mais recentes do Judiciário, como as que reconhecem a união homoafetivos?
-- Não acredito que vai na contramão do Judiciário. Acredito que o Judiciário em alguns momentos -- e neste caso -- quer legislar no lugar do Legislativo. Está errado isso. Esse é um assunto para o Legislativo.
-- Como o senhor avalia a repercussão da afirmação de que a família gay é "inconstitucional"?
-- Reafirmo essa declaração porque eu só posso considerar alguma coisa constitucional desde que ela esteja no texto. A famosa família gay, para mim, entre aspas, ela não existe na Constituição e só passará a ser constitucional, quando tramitada aqui e aprovada, sancionada. Só então, eu posso mudar meu conceito e dizer que ela passa a ser constitucional.
Luísa e Samanta assistiam a entrevista sentadas lado a lado no sofá da sala.
-- Esse homem não desiste nunca - Luísa mudou de canal. Não aguentava sequer olhar para cara do avô da filha.
-- Escuta o que eu estou falando. Ele não vai desistir enquanto não convencer os outros parlamentares de que, família gay é inconstitucional.
-- Ninguém pode falar que não somos família. Levou dez anos, para termos a decisão a nosso favor. Que a partir do dia 20 de março não éramos só uma família de fato, mas também por direito. É muito gratificante finalmente ter a proteção da Justiça. Faz você acreditar no país e nas instituições. Acabou sendo uma vitória da cidadania.
Luísa sempre esteve na linha de frente da luta pelos direitos LGBT no Brasil. No fim de março, depois de muita luta, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu de forma inédita, o direito de adoção por casais homossexuais.
-- Vocês lutaram tanto não é amor? Não é justo que agora um bando de políticos que se acham representantes do povo, queiram tirar o direito que nos foi dado justamente. Isso é um retrocesso.
-- Quando a Gabriela souber que o avô está encabeçando tudo isso, ficará muito decepcionada - Luísa olhou triste para Samanta.
-- Acho melhor nem comentarmos esse assunto com ela. Ao menos por enquanto - sentou de frente para a esposa - Por falar em Gabriela...o que você vai fazer com relação a ela e a Larissa? Exijo que você tome uma providência urgente. Quero ela longe de nossa filha - falou brava e saiu em direção ao quarto.
-- Ai ai ai... - Luísa coçou a cabeça - Problemas à vista.
No apartamento de Larissa.
-- Quer dizer que a garota te deu uma surra? - Mauricio ria da cara de cansada da amiga.
-- Digamos que ela é bem fogosa.
-- São os hormônios, querida.
-- Espero que ela saiba controlar esses hormônios. Porque se não, estarei ferrada - colocou a bolsa no ombro - Mauricio faz um favor para mim?
-- Se possível.
-- Vai até a livraria e compra esse livro - entregou o papel com o título do livro.
-- O Livro dos Espíritos. Publicado pelo educador francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, sob o pseudônimo Allan Kardec - Mauricio leu em voz alta - Hum...interessante mona. É uma das obras básicas do espiritismo. Curiosidade ou está pensando em seguir a doutrina?
-- A Luísa disse que o nosso relacionamento está fadado a não dar certo, devido a filosofia de vida da Gabi.
-- Para ser sincero, já havia pensado nisso. E me desculpe Lari, mas tenho a mesma opinião que ela.
-- Adoro desafios. Quer apostar? - Estendeu a mão para o amigo.
-- Você lava a louça da janta durante uma semana - riu.
-- Agora que vou me empenhar mais ainda - também riu - E se eu ganhar...massagem nos pés por uma semana.
-- Fechado!
No paraíso.
-- TOBIAS VOLTA AQUI - Talita correu atrás do cachorro que fugia com o controle remoto da televisão na boca - Gabi você tem que dar limites a esse seu delinquente canino. Os grandes ladrões começam assim, com pequenos furtos. Daqui a pouco está roubando caixa eletrônico.
-- Ele só quer chamar a atenção da gente.
-- Se eu fizer isso lá na casa da Alice será que chamo a atenção dela?
-- Dela e do pessoal do hospício. Como você está se saindo com ela? - Gabriela colocava o Miojo para cozinhar.
-- Estou correndo atrás do prejuízo, mas parece que ele é queniano - Talita falou desanimada - Mas, não vou desistir. Sinto que ela é a mulher da minha vida.
-- Talita deixa eu te contar uma piada:
Casados há 30 anos, eles estavam visitando os lugares por onde haviam estado durante a lua-de-mel. Ao passar por uma fazenda eles veem uma cerca alta margeando a estrada. A mulher diz:
-- Querido, vamos fazer como há 30 anos.
O sujeito pára o carro. A mulher se reclina sobre a cerca e eles fazem amor como nunca. De volta ao carro o marido diz:
-- Querida, você nunca se mexeu deste jeito há trinta anos ou em qualquer outra época!
-- É que há trinta anos... -- responde a mulher -- A cerca não era eletrificada.
KKKKK...
-- Essa foi boa Gabi...
-- Foi né. Tenho um repertório completo, só com piadas novas - pegou o prato vazio e levou até a pia - Você bem que podia aprender a cozinhar, né. Não aguento mais comer Miojo.
-- Nem eu. Mas aprender a cozinhar não está nos meus planos.
Gabriela vestiu a jaqueta e pegou o capacete de cima do armário.
-- Vai sair loira? -- olhou curiosa para a amiga.
-- Vou até o centro. Preciso comprar algumas cores de tinta que estão faltando. Quer ir junto?
-- Não. Estou muito cansada.
Gabriela olhou para a amiga estirada no sofá, sacudiu a cabeça e saiu.
Na construtora.
O clima entre Alice e Larissa, não era dos melhores. A corretora entrava e saia da sala da chefe sem falar uma palavra. Colocava os papeis em cima da mesa e saia rapidamente.
Larissa já estava de saco cheio. Essa situação era ridícula. Recolheu todos os documentos que havia assinado e ligou para que a amiga buscasse.
-- Com licença - Alice entrou caminhando rápido e foi até a mesa pegar os papeis.
-- Espera - a ruiva a segurou pelo braço - Essa situação está insustentável Alice.
-- Se quiser me demitir, fique à vontade - pegou os papeis e segurou junto ao peito.
-- Não vamos misturar assuntos pessoais com profissionais.
-- É isso que estou fazendo.
Alice falava e agia de maneira fria.
-- Você está com ódio de mim, não é mesmo?
-- Não tenho motivos né Larissa. Eu até estaria conformada se soubesse que você realmente está apaixonada por ela. Mas, não consigo acreditar nisso. Para mim você está apenas jogando. Como sempre.
-- Você não sabe de nada - deu a volta ao redor da mesa e sentou em sua poltrona - Gostaria que as coisas voltassem a ser como antes, mas acho que no momento está difícil. Vamos dar tempo ao tempo. Tem coisas que só o tempo pode mostrar, apagar, acalmar.
-- Falam que o tempo apaga tudo. Tempo não apaga, tempo adormece.
Alice saiu batendo a porta. Ela ainda estava muito magoada. Larissa entendia os motivos dela e seria paciente.
Uma mágoa não é motivo para outra mágoa. Uma lágrima não é motivo para outra lágrima. Uma dor não é motivo para outra dor. Só o riso, o amor e o prazer merecem revanche. O resto, mais que perda de tempo... é perda de vida. Chico Xavier.
No centro de Recife.
Gabriela estava parada diante de uma foto. Mãos nos bolsos, olhar atento. A autora tentava vislumbrar um desejo generoso e otimista de aliança com um passado que foi bruscamente interrompido e que nos afeta a todos, quer tenhamos ou não em nossas trajetórias exemplos similares. Cláudia Jacobovitz dignifica a memória de sua família através de fotos e por extensão confronta a sua própria relação com suas raízes neste ato insensato, como só um artista, este criador de harmonias a partir do caos, seria capaz de idealizar e levar a termo.
-- Admiradora de Claudia Jacobovitz?
Uma mulher muito bonita e elegante aproximou-se sorridente, tinha uma beleza radiante, seus grandes olhos negros contrastavam com a tez morena, seus dentes brancos e os lábios carnudos tornavam aquele sorriso ainda mais maravilhoso.
-- Admiro o trabalho dela, mas fotos não são o meu forte - sorriu - E você?
-- Eu admiro tudo o que é belo - a frase dela tinha duplo sentido pois os seus olhos estavam carregados de pura malicia - Trabalho aqui na galeria.
-- Sério? - Falou entusiasmada.
A morena sorriu diante do raio azul luminoso que era o olhar da garota.
-- Trabalho com atividades ligadas a produções artísticas. Faço consultoria/assessoria de projetos, realização de exposições, informações de editais e prêmios, assessoria de imprensa, comunicação, arte gráfica, textos críticos, release e convites.
-- Curadora.
-- Sim, sou uma curadora. Diane Blanche -- sorridente, estendeu a mão num cumprimento informal.
-- Gabriela Hoyer -- apertou com firmeza a mão estendida.
-- Você é estudante?
-- Não. Sou pintora - sentiu-se tímida diante da aparência poderosa da curadora.
-- Magnifique!!! - Exclamou empolgada - Gosto de artistas novatos. São vibrantes, sonhadores e guerreiros.
Gabriela estava encantada. A mulher era jovial, alegre, excitante.
-- Você tem um book?
-- Não - falou desanimada.
-- Hó, dommage (que pena)! - Ela bateu uma palminha, deu uma voltinha e virou-se novamente para Gabriela - Venha comigo, vamos tomar um café.
Saiu caminhando no passo gracioso e cuidadoso de mulher acostumada a saltos altos e saias justas. Parou um pouco mais adiante e olhou para a garota que estava congelada no mesmo lugar.
-- Allons (vamos) - fez um gesto com a mão.
Gabriela enfim conseguiu mover-se e seguiu a curadora pelos amplos e elegantes corredores da galeria de arte.
A noite no Paraíso.
Larissa andava de um lado para o outro. Estava preocupada, nervosa, brava, morrendo de ciúmes.
-- O casal se despede no aeroporto:
-- Sempre fico preocupada com as suas viagens de negócios, querido! -- comenta a esposa.
-- Bobagem, meu bem! Estarei de volta mais cedo do que você pensa!
-- É justamente isso que me preocupa!
-- O que você quis dizer com isso Talita? - Larissa parou de andar e manteve os olhos fixos na garota. Instintivamente levou as mãos à cintura e bateu várias vezes com as pontas do sapato no chão.
-- Que você não precisa se preocupar... - o celular de Talita toca. Ao ver o número, ela olha para Larissa.
-- Viva voz - Larissa a fuzilou com o olhar.
Talita obedeceu.
-- Fala loira...
-- Talita vou demorar. Não se preocupa, tá.
-- Aonde você está?
-- Cara, conheci uma mulher maravilhosa...
Larissa ficou com sangue nos olhos.
-- Sério? - Talita nem respirava.
-- Ela é curadora...
-- Curadora? Você está doente? Parecia tão bem quando saiu daqui hoje à tarde...
-- Curadora de artes, sua idiota.
A ruiva revirou os olhos e fez uma careta.
-- Há tá. Acho melhor você vir para casa loira. Se não, além da curadora você vai precisar de ortopedista, neurologista e cirurgião plástico. Vai por mim.
-- Eu estou na casa dela. Daqui a pouco eu vou. Fica com Deus.
-- E você com a deusa... - brincou e arrependeu-se quando viu a cara que Larissa fez.
-- EU VOU MATA-LA!!!
Fim do capítulo
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