Naufrágio
São Paulo, 09 de dezembro de 2015. 20h30
Tive uma crise. Uma crise daquelas! Tudo me irritava, tudo me irritava. “Ah!”, eu resmunguei na enquanto esperava o sinal abrir.
Cheguei em casa e joguei as sacolas em cima do sofá.
“Tô passando mal, Re! Muito mal... Os barulhos estão tão altos. Mandei uma mulher calar a boca. E essa calça grudando no corpo... Me prendendo. Não quero vestir mais isso.”
Eu e Rebeca brigamos depois disso.
Acho que terminamos. Já tem dias que não conversamos.
Ontem o Ricardo falou muito mais do que eu.
“Já ouviu aquele ditado que diz que por trás de um grande homem existe uma grande mulher? No caso de vocês, por trás de uma grande mulher também pode existir outra grande mulher. Mas como você vai saber que é uma se nunca se permitir ser?”
Hoje foi meu dia de quiropraxia.
Fiquei lá deitada, ouvindo todos os ossos da minha coluna estalarem.
“Arrastei um casamento por dez anos. E não é fácil terminar, viu nega. Primeiro, você tem que aceitar que acabou, que não dá mais certo. Depois, você tem que matar todos os seus sonhos... Porque quando você casa, você planeja uma família, filhos, uma vida inteira juntos. Aí você tem que imaginar como é que vai ser a sua vida sem essa relação. Se não é fácil pra quem termina, imagino como deve ser para a outra pessoa...”
Não sei porque entramos nesse assunto, mas quase chorei. Eu sou a outra pessoa.
Tá tudo doendo. Meu ombro dói de tanto que ela apertou, meu coração dói de medo de como vai ser a minha vida daqui pra frente.
Eu sempre soube que esse dia chegaria. Tentei me preparar para ele, mas pelo visto foi em vão.
Não estou nada preparada.
Fiquei sentada no chão enquanto Rebeca descarregava em cima de mim todas as mágoas.
“Cala a boca, retardada. Infantil! Você não sabe o que fazer para chamar a atenção! Se você quer se fazer de louca, pode se fazer. Eu não vou compactuar com isso!”
“Então, junta as tuas coisas e vai embora, Rebeca! Vai embora! Só para de me humilhar.", eu pedi com a voz tão suplicante que mesmo eu senti vergonha.
“Tá bom, Betina! Tá bom. E não estou humilhando, não, estou constatando os fatos. Ano passado você não tomava remédio e era normal, para de se fazer de coitada!”
Me levantei e fui pro quarto. Já tinha tomado a medicação, a voz que dizia na minha cabeça que eu não passava de uma paciente mental já tinha sumido, então me deitei e dormi.
Não sobrou nada aqui.
Contei tudo sobre a briga para o Ricardo. Ele me disse que até um cachorro, se deixado com alguém que o confina, o maltrata e o agride, entra em depressão e tende a fugir.
Disse que eu tenho sensibilidade, tenho carisma e que existem pessoas que gostam de mim.
Amanhã vou me encontrar com Ana. Não nos vemos desde nossa alta do hospital.
Eu não como direito desde a briga com a Rebeca. Tenho certeza que a Ana vai me dar uma bronca.
Estou na casa dos meus pais e tenho medo de voltar pra casa e já não encontrar as coisas dela lá.
Que todos os Sagrados Orixás me abençoem!
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Ana_Clara
Em: 18/02/2016
Fico aqui imaginando que na cabeça da Betina ela é a certa. Deve ser dificílimo para o outro ter que lidar com as crises do companheiro. Um dia de perfeita tranquilidade e outro de muita confusão.
Resposta do autor em 24/02/2016:
Com certeza, deve ser um tanto "enlouquecedor" para o companheiro da pessoa doente...
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