Seus olhos buscavam os meus, e eu apenas os desviava, lágrimas, somente lágrimas, era o que se via no meu olhar, ela acariciou meu rosto, e em seguida me obrigou a encará-la, eu já não escondia mais, chorava compulsivamente amparada por seus braços, no silêncio de meu choro, nos afagos de seus dedos eu permiti que a paz me atingisse antes que mais uma vez a tempestade recomeçasse, talvez melhor, talvez pior, mas agora eu tinha ela.

–Juntas minha pequena, a partir de agora sempre juntas.

************ Último a 3 anos atrás ***********

Minha cabeça doía, ela parecia querer explodir, uma dor tão aguda que chegava a me cegar, meu nariz estava carregado e seco pela cocaína, assim como a minha garganta, as drogas muitas vezes foram o meu refúgio, o meu esconderijo, a bebida sempre minha companheira, mais essa ressaca, a ressaca moral, era insuportável, cada palavra que eu disse, cada expressão que me acusava, martelava em minha cabeça, assombrava meus pensamentos, eu queria abrir os olhos e esquecer tudo que acontecera, eu queria não sentir essa culpa, queria não me importar com quem eu havia ferido, mais me importava, esse sentimento que tinha agora me maltratava, tinha medo de abrir os olhos e constatar quão grande era o estrago que havia feito, tinha medo de abrir os olhos e ver que estava sozinha...

Esse medo se apoderava de mim, de meu coração, foi então que percebi que não estava só, ela me abraçava pela cintura, seu rosto repousava ternamente sobre meu colo, ela não me abandonou em nenhum momento, deslizei minha mão sobre seus longos fios loiros, ganhando um beijo em meu pescoço.

–Por que fez isso Karolina? –me perguntou com a voz embargada de sono.

–Ela queria ver como eu fiquei depois de tudo... –Camila me abraçou mais forte. –Ela precisava ver Mila... eu já não aguentava mais...

–E se drogava por isso Karolina?

–Eu precisava de uma fuga...

–Oh minha pequena...

–Eu não sou mais pequena Camila. –resmunguei.

–Sim você é Karolina, você realmente parou para pensar na sua vida? No que Antonela queria pra você?

–Do que está falando Mila?

–Karol você sempre foi uma criança, sempre sonhando acordada, sempre longe, se afundando no seu próprio mundo sem cor, você se afundou tanto nas suas dores, deixou de viver, você colocou seu sentimento por ela acima de você mesma, ela errou eu sei, é uma covarde, mais e você Karolina? Você se prendeu a isso, ao invés de tomar como lição, ao invés de se tornar uma mulher, de crescer, você se afundou, não evoluiu, não viveu, permaneceu criança, uma pessoa pequena, você devia ter se tornado melhor, mais mulher, para que quando ela voltasse vise a besteira que havia feito, mais não. Você está aí, cheia de dor, com ressaca, se corroendo por alguém covarde, como espera que um dia ela possa olhar pra você se continuar assim?

–Por que está me dizendo tudo isso Camila? Você é minha namorada devia estar do meu lado!

–Por que você tem que crescer, tem que aprender...

–Por que está comigo então?

–Por que eu vejo a menina que você é, e a mulher que pode se tornar, e sinto a necessidade de estar do seu lado.

–Você sabe que não te amo Camila. –nossos olhos se buscavam e mais uma vez eu senti aquela necessidade de ser sincera com ela. –Eu acho que nunca vou conseguir te amar... não como a amo...

–Sei disso, mas não tente me impedir de cuidar de você, não tente me afastar porque eu não vou deixar, eu te amo Karolina, e você não pode negar que está apaixonada por mim.

Sorri buscando seus lábios, me entreguei aquele beijo, pela primeira vez eu me sentia somente dela, eu queria que percebesse o quanto significava pra mim, e o quanto eu a queria.

–Você vai ficar comigo?

–O tempo todo.

Saímos do quarto em silêncio, a casa de Tia Ceci estava quieta, apertei sua mão com certa força, não me sentia pronta, muito menos confiante, mais certas coisas na vida devem ser feitas assim, sem expectativas, sem motivos, sem coragem.

Todos estavam reunidos na sala, eu atraí toda a atenção quando entrei, sabia o que tinha que fazer, o que eu precisava falar, era uma fraqueza tão grande aquela que tomava meu corpo, e um nó invadia minha garganta dificultando a minha respiração, impossibilitando a minha voz de sair.

Busquei Antonela com o olhar ao mesmo tempo em que o olhar dela também vinha ao meu encontro, meu pai pigarreou chamando a minha atenção.

–Você estava drogada Karolina. -ele me olhava sério, assim como todos os outros presentes. -Nós sabíamos do seu problema com bebidas, mas drogas?

–Escuta pai. -respirei fundo antes de continuar, passando o meu olhar por todos presentes, notei que Giordana não estava o que me deixou um pouco aliviada. -Nesses últimos anos eu me tornei uma pessoa, que nem mesmo eu conheço, eu deixei que uma coisa, uma dor, se tornasse maior que eu mesma, não sabia o que fazer, como fugir, fiz muitas besteiras, me recusei a entender que aquilo teve um fim, mais eu sei que estou errada, todos estamos, não adianta negar que essa família é um fiasco, eu só acho que devíamos, pelo menos entre a gente, tentar ser um pouco mais verdadeiros, parar de fingir que está tudo ótimo sempre, eu deixei que algo do meu passado me perturbasse, e falei coisas horríveis para vocês, peço desculpas...

Meu pai me abraçou e eu novamente me senti uma garotinha amparada pelo seu herói, e enquanto eu chorava em seu colo, via o resto da minha família cheia de defeitos, a se aproximar, aquele era um dos momentos que você sabe, que você sente, nada precisa ser dito, por que muitas vezes as palavras não conseguem expressar a magnitude do momento, começamos a nos afastar e minha mamãe me puxou para seus braços.

O clima voltou a ser bom, todos voltaram a sorrir, era como se meu surto temporário nunca tivesse acontecido, mais todos nós sabíamos e aceitávamos esse novo fato, nós não éramos perfeitos, nossa família não era a melhor, mas mesmo com as suas falhas ela era uma família.

Minha namorada estava feliz por mim, talvez Camila me compreendesse melhor que eu mesma, talvez por isso ela me apoiasse tanto, e me protege-se de mim mesma.

–Vai falar com ela. -disse a minha loirinha quando nos preparávamos para ir embora.

–Acho melhor não...

–Acaba com isso Karolina.

Ela me deu um beijo e saiu em direção a entrada, ainda temerosa me aproximei de Antonela, ela estava perdida em pensamentos apoiada a grade da varanda, pensei que fosse me ignorar quando comecei a falar.

–Sinto muito por Giordana...

–Tudo bem. -ela suspirou cansada. -Eu só me sinto mal, ela sempre foi boa comigo... Eu não queria que tivesse acabado assim...

–Vai ir atrás dela? -por mais que fosse desconfortante eu precisava saber, eu tinha total consciência que não ficaríamos juntas, mas não conseguia fingir que esse fato não me importava.

–Não.

–O que vai fazer agora? - perguntei temerosa me aproximando dela.

–Vou embora. -outro suspiro cansado. -Já acertei a passagem...

–Você não pode...

–Vai me impedir? -seu olhar era debochado como se já soubesse a resposta.

–Eu... eu...v... -abaixei a cabeça derrotada deixando uma lágrima escorrer. –Não, eu não vou.

Ela sorriu, e se aproximou de mim acabando com o espaço entre nós, seus lábios se uniram aos meus em um roçar em um beijo rápido há muito tempo esperado por mim, partindo-me por dentro novamente ao se afastar, me olhando uma última vez ela sussurrou.

–Era essa Karolina que eu esperava encontrar quando voltasse. -então ela me deu as costas se dirigindo a sala, mas parou no meu do caminho. -E você estava certa, eu fiquei com inveja de ver você e aquela garota aqui.

Fim do capítulo