Depois daquilo Izzy e eu nos tornamos ainda mais íntimas, por assim dizer. Eu tentava animá-la de todas as formas que conseguia pensar (o que não eram muitas, visto que eu sempre fui péssima em animas as pessoas). Fiz com que ela treinasse ainda mais, incentivando-a a não parar. Nos tornamos incrivelmente unidas ao ponto de eu não me importar com ela vindo pro meu quarto toda noite pedindo pra dormir comigo. Eu gostava disso, era bom ter ela comigo. Era bom quando ela me incomodava por horas com brincadeiras quando estava sem sono; era bom quando nesses dias eu lutava com ela na cama até prender as mãos dela e começar a mexer nos cabelos dela até que via os olhinhos verdes se fechando.

Com o passar do tempo o jeito brincalhão e engraçado dela meio que começou a se incorporar a mim. Eu me via de uma hora para outra brincando com meus pacientes, com alguns colegas, com conhecidos; era estranho no começo, mas simplesmente as brincadeiras e piadas (mesmo que mais sérias) saiam sem que eu notasse. A convivência com ela me mudava aos poucos, mas completamente. Pena que a falta dela não me fez voltar ao que era antes.

Lembro daquele dia de uma forma confusa. Eu tinha ficado no hospital mais tempo do que deveria por causa de um caso que eu tive que atender na emergência; caso que era pediátrico no fim das contas, mas que era urgência e eu acabei saindo do trabalho quando já eram perto das 5:30h da manhã da quinta. Eu só teria que voltar perto das 12h porque meu paciente passaria por exames durante a manhã antes que eu tivesse que vê-lo e como não tinha mais nenhuma consulta marcada para aquela manhã avisei que ficaria em casa.

Cheguei no apartamento perto das 6h e assim que entrei passei pela sala vendo os consoles dos video-games da Izzy largados pelo sofá e pela mesa de centro onde haviam também umas três embalagens de jogos que ela deveria ter jogado na noite do dia anterior. Fui para a cozinha exausta, mas morrendo de fome; abri a geladeira e alguns armários até resolver ficar apenas com um iogurte de morango que já estava aberto. Enquanto eu virava a garrafa pela metade bebendo no bico mesmo alguém pula na frente da porta da cozinha.

Quando eu olho pra frente Izzy está com uma boxer azul e uma camisa preta e velha de banda que ela usava para dormir e que tinha as mangas cortadas. Ela segurava um taco de baseball (ela sempre mantinha ele no fim do corredor dizendo que se fosse necessário ele serviria como arma; naquele dia ela achou que precisava de uma quando saiu do quarto). Nos encaramos por segundos e então ela larga o taco e senta no chão mesmo colocando as mãos no meio dos fios castanhos.

- Caralh*, Charlie! – ela falou e deu pra ver que estava nervosa – Num me assusta assim mano. Eu quase morri do coração achando que alguém tinha invadido o apartamento.

- Pera....ia usar esse taco de baseball contra um possível assaltante? – eu perguntei colocando a garrafa na pia e encarando ela.

- Ha.Ha..... Muito engraçado – resmungou Izzy fazendo um bico de irritação e olhando para o lado – Eu podia ter arrebentado sua cabeça se não tivesse parado pra ver quem era, tá?

- Sei – eu respondi segurando o riso, mas notei que ela tinha mesmo se assustado e me abaixei em frente à ela – Desculpa – falei mesmo que não houvesse sido culpa minha – Não fica assim. Não foi nada; só um susto bobo.

- Mas eu me assustei Charlie – ela falou me encarando, vi o medo que a situação tinha causado à ela refletido naquelas íris verdes – Eu fiquei morrendo de medo, admito que fiquei – ela completa desviando o rosto.

Eu a abracei me ajoelhando e logo senti os braços dela rodearem a minha cintura. Logo depois ela soltou um longo suspiro e finalmente senti Izzy relaxar.

- Sinto muito mesmo ter te assustado – falei fazendo carinho na nuca dela – Eu só estava morrendo de fome e vim direto pra cozinha, nem me toquei de que fazer barulho acordaria você.

- Cê sabe que eu tenho sono leve, ainda mais quando sei que to dormindo sozinha em casa, poxa – ela resmungou contra meu peito suspirando de novo.

- Eu sei, me desculpe. Só estou muito cansada e não prestei atenção ao barulho que estava fazendo – disse suspirando também, eu realmente estava cansada.

Izzy se afastou para olhar meu rosto. Ela viu o cansaço e as olheiras fundas. Vi um sorrisinho de canto se formar no rosto dela e então Izzy tocou meu rosto com uma mão; seus dedos perto dos meus olhos. Ela fez um carinho na minha têmpora esquerda e logo depois começou a se levantar.

- Vem – ela falou levantando sem me soltar me fazendo levantar junto; quando já estávamos de pé ela manteve o braço na minha cintura e começou a me puxar para o meu quarto – Vem que você precisa de um bom banho quente e uma comida antes de dormir. A que horas tem que voltar pro hospital?

- Meio-dia, mais ou menos – eu falei sem reclamar – Por quê?

- Por nada não – ela respondeu; já tínhamos chegado no meu quarto e ela me empurrava para dentro do banheiro; antes de me soltar ela se ergueu alcançando meu rosto dando-me um beijo na bochecha, mas um tanto quanto perto demais do canto da minha boca – Toma um banho que eu vou arrumar algo pra você comer antes de dormir. Vai – ela completou me empurrando e fechando a porta me deixando sem escolha.

Quando sai do banho senti o cheiro de torradas. Vesti apenas um short curto e uma regata verde escura e comprida antes de sair do quarto e ir para a cozinha. Mas quando estava na metade do corredor Izzy apareceu na outra ponta.

- Pode voltar pro quarto, to levando sua comida pra lá – ela disse com aquele sorriso animado que parecia fazer os olhos dela sorrirem junto – Vai!

Fiz como ela mandou e me sentei na cama antes dela colocar a bandeja sobre as minhas pernas. Eram coisas simples, um copo de leite gelado, duas torradas feitas no micro-ondas com manteiga por cima e algumas fatias de queijo.

- Come, depois você vai dormir, eu cuido da louça suja e faço alguma coisa para você almoçar antes de voltar para o Hospital. Até lá a senhora vai dormir e descansar – falou Izzy com um enorme sorriso que me fez sorrir de volta; eu sempre sorria de volta quando via aquele sorriso animado dela.

- Esse queijo já estava cortado, não é? – perguntei brincando enquanto começava a tomar o leite – Porque do jeito que você odeia queijo acho que nem segurar um pra cortar você segura.

- Besta – resmungou ela fazendo uma cara engraçada – E não, fui eu mesma quem cortou sim. Agora fecha a boca e come.

- Como vou morder de boca fechada? – pergunto brincando de novo.

- Ah me poupe né Charlie – Izzy disse rindo – Cê entendeu o que eu disse.

Enquanto eu comia ela me olhava. Era a primeira vez que eu sentia aquele olhar dela tendo certeza de que era o dela. Nas poucas vezes que desviei os olhos da comida pude notar o quão fixos em mim estavam aqueles orbes verdes. Chegava a ser desconfortável pelo motivo de eu não saber o que atraia tanto a atenção dela.

- Tem algo na minha cara é? – acabei perguntando quando estava terminando de comer.

- Anh??? – falou ela confusa fazendo-me encará-la com uma sobrancelha erguida.

- Você está me encarando desde que eu comecei a comer Izzy – disse calmamente.

- Ah – ela pareceu entender; então vi o rosto dela corar de leve antes dela desviar o olhar do meu.

- Izzy você acabou de corar? – perguntei incrédula; afinal, ela era bem conhecida na academia pelas piadas indecentes.

- Termina sua comida vai – ela disse suspirando, mas aquele suspiro não foi normal.

Afastei o restinho da ultima torrada com o que havia sobrado de leite junto com a bandeja e forcei o rosto dela a me encarar quando segurei seu queixo virando-o para mim. Ela estava mesmo corada.

- Izzy, o que aconteceu? – perguntei diretamente e ela suspirou de novo.

Então nos encaramos olhos nos olhos por vários segundos. Eu podia ver a movimentação dos pensamentos dela pelos seus olhos, era como se tentasse decidir algo. Por fim os olhos dela se baixaram um pouco durante um suspiro e então voltaram a me encarar de uma forma intensa.

- Desculpa, Charlote- ela disse num tom baixo e tímido que não era próprio dela – Desculpa.

- Pelo quê, Izzy?? – eu perguntei já ficando preocupada e apreensiva; algo não estava certo.

- Desculpa – ela sussurrou de novo levantando do lugar ao meu lado; com um sorriso triste ao me encarar ela completou – Desculpa, Charlote....É que.....Bom....Desculpa mesmo; não era minha intenção me apaixonar por você.

Depois de dizer isso ela pegou a bandeja com o resto da comida e saiu do quarto. Eu?....Vergonhosamente, para a minha infelicidade, fiquei tão sem reação que não consegui fazer nada além de olhar os ombros dela se afastando de mim.

Fim do capítulo