Capítulo 37. Game Over
-- O que aconteceu com vocês duas? -- Mila quase cuspiu o leite que havia acabado de tomar ao vê-las adentrar a cozinha naqueles trajes cheios de lama.
-- A ‘espertona’ aqui caiu do cavalo, literalmente falando. -- Alice olhou-a por mais uma vez, e aqueles olhos azuis fitavam-na estando completamente sem graça.
-- Meu Deus Emily, você está bem? -- A morena já se levantava em sua direção quando a ruiva precipitou-se em dizer-lhe que estava tudo bem, infelizmente de maneira um tanto quanto grosseira.
-- Está tudo bem. Eu só preciso de um banho... -- Olhos azuis e dourados se cruzaram, e alguma coisa não estava certo entre aqueles olhares anteriormente tão em sintonia.
Emily forçou um sorriso para a morena que pareceu entender sua recusa em estar ali e afastou-se pacificamente.
-- Alice, o que houve? A Emily, ela... -- A morena olhou-a confusa, mas antes que terminasse foi interrompida.
-- Eu também preciso de um banho. -- Alice sacudiu a cabeça ao notar o duplo sentido de sua frase. -- Não no mesmo banheiro, é claro. Eu vou no outro, aquele do... -- Soltou uma respiração única e pesada, negando-se a continuar. -- Apenas tome seu café e depois eu te conto sobre o acidente, tudo bem?
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“O que foi aquilo que eu... Porque meu coração bateu tão forte? Eu só posso estar ficando maluca de vez, é claro, só pode ser isso. É coisa desse casamento dos infernos, e essa Anne, o Robbert... Ah! Mas a Alice, ela... ela me fez esquecer disso, e não foi só dessa vez. Ela sempre me tira desses momentos down e... Emily! Por Deus, pare de pensar nessas coisas! -- Eu bem que queria, mas é como se eu não tivesse controle sobre meu próprio corpo e ela é tão... tão linda. Como eu nunca sequer reparei na delicadeza daqueles lábios? Ou na forma como eles se movem de forma tão harmônica e sexy. -- Sexy? S-e-x-y? É sério que você está mesmo pensando isso Harley? Como pode pensar algo do tipo sobre a tua melhor amiga, sobre a sua al... Oh God, eu preciso parar.”
Emily enfiou a cabeça debaixo daquele chuveiro de água fria. Suas mãos apoiavam-se na parede à sua frente e ela fitava o chão com tanta veemência e distração que se ele simplesmente saísse de lá ela sequer perceberia. Seus pensamentos insistiam em voltar ao ocorrido minutos antes.
~~ Minutos antes: Lembranças de Emily ~~
-- Idiota. -- Emily puxou sua regata de volta para o normal. Ambas gargalhavam a essa altura.
-- Vem, nós precisamos voltar... -- Alice se levantou e estendeu as mãos para a amiga.
-- Nós necessitamos de um banho, isso sim.
A ruiva segurou naquelas mãos macias e permitiu-se ser ajudada, mas ao tentar apoiar os pés no chão sentiu uma forte dor na perna esquerda e isso a fez pisar em falso, puxando Alice para cima dela na falha tentativa de se segurar na amiga. Emily foi a primeira a colidir contra o chão, trazendo o corpo pálido e assustado de Alice para cima dela logo em seguida. A dor que sentiu naquele momento passou completamente despercebida pela ruiva, que entrou em estado de inércia no exato momento em que aqueles lábios avermelhados ficaram a milímetros dos seus. O hálito fraco da amiga tocou-lhe o rosto uma única vez antes dela esquecer-se até mesmo de como se respirava. A presença tão intensa de Alice causava-lhe falta de ar e fazia seus pensamentos vacilarem, e o fato de nunca ter se sentido assim a respeito dela ou de qualquer outra mulher a deixou completamente assustada. O que poderia estar acontecendo com ela?!
Os olhos dourados de Alice demonstravam a completa ausência de resistência contra aquela proximidade. Se Emily movesse-se apenas um pouco mais ou se... Se ela apenas respirasse naquele momento, Alice não conseguiria se controlar e a beijaria ali mesmo, sem dúvida alguma.
Os lábios de Alice moveram-se como se pretendessem dizer alguma coisa e Emily se prontificou a acompanhá-los minuciosamente com os olhos, desejando-lhe tocá-los com seus próprios lábios.
~~ Atualmente ~~
-- Emily, você está bem? -- Mila bateu na porta, uma vez que a ruiva demorava longos minutos naquele banho.
Emily desligou o chuveiro quase que imediatamente. Seu coração acelerou-se com o susto repentino que a voz de Mila tinha lhe causado. Sentiu-se como se estivesse sendo pega no flagra com outra mulher, e de certa forma até que estava, mesmo que em suas ousadas lembranças, e isso a trouxe um sentimento estranho, algo ruim.
-- Estou. Eu... Bom, estou bem. -- Emily auto lamentou-se com um balançar de cabeça após gaguejar tanto. -- Já estou saindo.
Mila sentou-se na cama enquanto aguardava pela ruiva que logo saiu do banheiro enrolada apenas em uma toalha relativamente curta, deixando aquelas pernas torneadas, pálidas e visivelmente ainda molhadas toda à amostra. A morena engoliu seco quando seus olhos inconscientemente acompanharam uma gota escorrer de sua coxa até seu joelho, e ela teria acompanhado mais se não fosse pela interrupção da ruiva ao pigarrear.
-- Como quer que sejamos apenas amigas se me olha desse jeito? -- Falou sem medir as palavras, fazendo a morena corar instantaneamente.
-- Desculpa eu...é... -- Mila soltou um riso nervoso ao sentir-se intimidada por aquela pergunta. -- Eu só queria ver como você estava e... Bom, eu não achei que fosse sair apenas de toalha. Desculpa, eu vou..vou indo. Quando se vestir nós conversamos -- Ela já se levantava e ia em direção a porta quando a ruiva segurou em seu braço, fazendo-a travar.
-- Você não precisa ir Mila, está tudo bem. -- As pontas de seus dedos deslizaram até o alcance da mão da morena. -- Alias, não é nada que você já não tenha visto com algum outro tipo de tecido. -- Emily puxou-a de volta para perto da cama. -- E na verdade, eu até quero que você esteja aqui. -- Mila sentiu seu coração vacilar com as palavras. -- Eu queria que desse uma olhada na minha nuca. Eu acho que bati com a cabeça quando cai e... Bom, aquele vermelho no chão do box quando lavei minha cabeça com certeza não era do meu cabelo. -- Forçou um sorriso ao olhá-la de canto de olho.
-- Meu Deus Emily, sua cabeça está sangrando? Vem cá, deixa eu dar uma olhada nisso. -- A ruiva virou-se de costas para Mila e levantou o cabelo com uma das mãos, dando a visibilidade de sua nuca.
A morena olhou com cautela por toda a região, avistando um pequeno corte pouco acima do início do couro cabeludo da ruiva. Ela mexeu nos cabelos de Emily, limpando as proximidades da ferida para que pudesse analisar melhor qual era a gravidade.
-- Emily, eu acho que você vai precisar de pontos... -- A ruiva interrompeu em um único sonante.
-- PONTO? -- Seus olhos se arregalaram. -- NEM PENSAR! -- Foi logo se afastando, temendo que a morena insistisse no assunto. -- Eu não vou dar ponto nenhum nisso ai, está louca?!
-- Você é que deve estar louca. Precisa levar pontos nisso ai, para de ser medrosa. -- Mila tentou segurar o riso ao ver a cena que a ruiva fazia, parecendo uma criança birrenta.
-- Minha querida e adorável Mila, você não está entendendo. -- Virou-se em direção a àquela morena dos olhos castanhos encantadores e mostrou-lhe o sorriso mais irônico que pôde antes de prosseguir. -- Eu não vou dar ponto nenhum, e não tem santo nesse universo que me obrigue a fazer o contrário! -- Ela gesticulava.
-- Eu não vou conseguir te convencer, vou? -- Mila arfou em desistência. -- Olha, deixe-me pelo menos cuidar disso ai, pode ser? -- Aqueles olhos castanhos demonstravam um sentimento de total proteção.
-- Tem um kit de primeiro socorros logo ali na primeira gaveta do guarda-roupa. -- Apontou-lhe.
Mila rapidamente prontificou-se a pegar o kit, sabia que não convenceria a ruiva a dar pontos naquele ferimento, mas não podia deixar como estava. Para a surpresa da morena, assim que ela se virou para falar com Emily novamente, ela avistou-a deixando a toalha cair intencionalmente ao chão, desfazendo-se daquele pequeno pedaço de pano que cobria-lhe suas peças intimas de renda preta. Suas palavras recusaram-se a sair, uma vez que se o fizessem com certeza interromperiam aquele momento de total vislumbre. Seus olhos, por outro lado, degustaram cada segundo que aquele corpo lhe ficou à amostra. As costas bem traçadas da ruiva eram de uma beleza esplêndida, aquelas pernas perfeitamente delineadas e sem dúvida o intermédio entre a primeira e a segunda menção lhe chamou muita atenção.
-- Achou o kit? -- Emily perguntava enquanto pegava uma loção corporal em cima da cômoda. Ela posicionou uma de suas pernas sobre a borda da cama e espalhou o creme por toda a sua região da coxa em movimentos lentos e intensos, demarcando suas curvas pressionadas pelas palmas das mãos.
A morena até que tentou se conter, mas seus olhos observaram cada movimento com tantos detalhes que ela sequer percebeu quando ficou boquiaberta, quase babando sobre aquela mulher, esquecendo-se que precisava responder a àquela pergunta.
-- Mila? -- A ruiva olhou-a por cima do ombro e sorriu ao vê-la tentar disfarçar a cara de total desejo com a qual ela se encontrava.
-- S..SIM? -- Seu timbre saiu um pouco mais forte do que ela esperava.
-- O kit, você o achou? -- Emily arqueou uma das sobrancelhas.
-- Está aqui. -- Mila o levantou em mãos, mostrando-o para a jovem.
-- Tudo bem, então vem aqui fazer o que tem que fazer. -- Emily foi direto ao ponto, não queria provocá-la e não estava o fazendo de forma intencional, mas que culpa podia ter se a morena lutava contra o próprio desejo de tê-la em seus braços?!
-- Você não vai se vestir antes? -- Mila sentiu uma estranha dificuldade ao respirar, talvez fosse o nervosismo da idéia de ter a ruiva seminua tão perto.
-- Eu preciso? -- Aqueles olhos azuis foram de encontro aos da morena que emanavam seu nervosismo.
-- Ah...ér...Não. -- Mila engoliu seco enquanto se aproximava da ruiva. Ela pôs o kit sobre a cama e de lá retirou tudo que precisaria para fazer uma limpeza e também algum curativo, mesmo que sendo sobre o cabelo. -- Você vai precisar prender o cabelo e deixar ele preso enquanto estiver com o curativo...
-- Sem problemas. -- A ruiva domou os cabelos em suas mãos e prendeu-os em um rabo alto, deixando sua nuca completamente livre.
O perfume que exalou daqueles cabelos finos e desgrenhados deixou a morena completamente embriagada. Ela respirou fundo enquanto tentava aproveitar o máximo que podia daquele cheiro maravilhoso.
Emily movimentava seu pescoço para um lado e depois eventualmente para o outro enquanto a morena tentava em sua total falta de atenção, terminar o curativo. Aqueles movimentos sucintos hipnotizavam-na.
-- Emily, eu sei que eu disse que eu não queria me envolver antes da viagem mas... -- A morena pegou-lhe pela cintura e a virou em um movimento rápido e eficaz, trazendo aquele corpo pálido para cima do seu. -- Eu acho que eu quero. -- A morena tentou tomar-lhe os lábios em um beijo urgente, mas ao primeiro toque entre eles, Emily teve a surpreendente reação de se afastar, recusando-a.
Seus lábios tocaram-se por breves segundos até que a ruiva afastou-se ao inclinar sua cabeça para trás.
-- Emily eu vim ver se... -- Alice adentrava ao quarto quando viu a ruiva, vestida apenas em suas peças intimas, nos braços daquela mulher que cercava sua cintura como se Emily fosse uma propriedade inteiramente dela. Suas palavras teimaram em sair naquele exato momento. Seu coração bateu de forma doída no peito. Como Emily podia em um segundo demonstrar de todas as maneiras possíveis que queria beijá-la e depois simplesmente se jogar nos braços de outra mulher?! É claro que ela faria isso, é da velha e galinha Emily que estávamos falando, e quando o assunto eram mulheres, a ruiva sempre se metia em alguma confusão por nunca saber o que realmente queria. Mas mal sabia Alice que a ruiva tinha uma única certeza: Ela não queria beijar Mila, não mais. -- Desculpa eu não sabia que... -- Alice apertou os olhos em lamentação. -- Estou saindo. -- Ela recuou alguns passos, fechando a porta atrás de si, enquanto a ruiva inutilmente tentava chamá-la de volta. Emily desprendeu-se dos braços de Mila, deixando-a completamente estática.
-- Alice não é nada disso que... -- Se calou ao ver a porta se fechar e a amiga deixar o quarto de maneira tão desolada. -- Droga.
-- O que foi que eu perdi? -- A morena franziu a testa ao encarar a ruiva.
Emily se apressou em pegar um roupa qualquer no guarda-roupa enquanto pensava em formas diversas de desfazer esse mal entendido terrível que provavelmente teria Alice como a maior vitima.
-- Emily? -- Mila observava-a a distância, notando o olhar perdido da ruiva que mexia desordenadamente em busca das roupas.
-- Você não perdeu nada Mila. É só que... -- Arfou. -- Eu contei a Alice da conversa que nós tivemos sobre... bom, sobre nós não acontecermos. -- Direcionou seu olhar a àquela mulher. -- Eu não contei exatamente o porque, mas é que... Como dizer?! Enfim, eu disse à ela que eu e você não ia rolar, entendeu?
-- Na verdade, não... -- A morena sentou-se na cama e continuou a olhá-la, tão confusa quanto antes.
-- Acontece que eu nunca menti para Alice, e não é agora que eu quero começar a fazer isso. -- Emily pressionou os lábios, pensando com muita veemência em suas próximas palavras. -- Você me disse que não queria que nós nos envolvêssemos antes da tua viagem, e por ela ser minha melhor amiga eu acabei compartilhando isso com ela... E agora ela entra no quarto e... -- A ruiva sentiu seu coração apertar ao imaginar como deve ter sido para ela ver uma cena dessas. -- Nos vê assim, juntas... É como se eu tivesse mentido para ela, você entende? -- Ela tentava não se embolar com as palavras, mas seu nervosismo fazia-lhe gaguejar muitas vezes. A ruiva não podia de forma alguma deixar que Mila pescasse alguma informação a mais do que aquela, ainda mais alguma informação ligada a seus tão inéditos pensamentos sobre a amiga.
-- É claro que é isso. -- Mila bateu a mão na própria testa, criticando-se em pensamentos. -- Me desculpa por isso Emily, eu não sabia que vocês tinham conversado sobre isso e... Nossa, me desculpa mesmo. -- A morena ficou cabisbaixa.
-- Não precisa se desculpar Mila, você não tem culpa, eu sou gostosa mesmo, é difícil de resistir, eu sei. -- Emily brincou, desejando que aquela brincadeira trouxesse o sorriso nos lábios daquela morena novamente, e ela o fez, sorriu tão inocentemente como uma criança. -- Olha, eu vou conversar com ela e explico isso tudo. Alice é esperta, ela vai entender. -- Como a ruiva queria que isso fosse verdade.
-- Não, deixe que eu falo com ela. -- A morena se levantou da cama, adiantando-se.
-- Não, não prec... -- A porta se abriu e a ruiva olhou imediatamente para ela, acreditando ser Alice novamente.
-- Emily, querida! A Alice me disse que você caiu do... -- Katrien se calou ao ver que a filha não estava sozinha.
-- E essa deve ser... -- Mila pensou um pouco alto.
-- M...mãe? -- A ruiva quase engasgou.
-- A mãe da Emily, muito prazer. Katrien. -- Disse já estendendo a mão para a jovem. O semblante daquela mulher mais velha estava sério, uma vez que sentiu-se desconfortável com as palavras da morena.
-- Mila, Mila Wolff. -- Cumprimentou-a. -- É um prazer conhecê-la senhorita Harley. -- A morena gaguejava. Como poderia ter repetido aquelas palavras em tom alto? Ela estava tão envergonhada que suas bochechas logo ficaram rubras.
Emily aproveitou o troca de olhares entre aquelas duas e tentou se vestir com as roupas que tinha pego, mas antes que pudesse terminar de abotoar o short sua mão se virou para ela.
-- O prazer é meu Mila. Se me permite, posso falar com a dominadora de cavalos ali? -- A morena sorriu amigavelmente e se retirou do quarto -- Emily... -- As sobrancelhas ruivas de sua mãe arqueavam-se como se a questionasse por estar naqueles trajes. -- Alice disse que você caiu do cavalo, você está bem? -- Katrien caminhou até a filha e olhou-a dos pés a cabeça, certificando-se de verificar cada parte.
-- Não foi nada de mais mãe, eu só machuquei a clavícula e... -- Hesitou momentaneamente. -- A cabeça.
Katrien olhou o ferimento da filha e franziu como se ela pudesse sentir a dor que a filha teria sentido quando se machucou.
-- Deixe-me ver a tua cabeça...
Enquanto aquela mãe coruja certificava-se de cuidar dos ferimentos da filha, Mila andava pelo chalé a procura de Alice. Ela queria explicar a ela que tudo aquilo que havia visto era um grande mal entendido e que Emily não era uma mentirosa, mas antes que ela pudesse achá-la, uma infeliz surpresa prestou-se de pé a sua frente. Aquela mulher de porte médio apareceu do nada como se fosse uma assombração e Mila sequer teve tempo de evitar o choque entre seus corpos.
-- Você? -- O timbre fino, arrogante e de certa forma repentino assustou-a, fazendo seus ombros tremerem por alguns segundos. A mulher fitava-a com um olhar amargo e uma expressão também surpresa, afinal, Mila parecia sempre esbarrar em tudo que via pela frente.
-- Oi? -- Mila engoliu seco. Ela sabia que eventualmente acabaria se encontrando com essa mulher, afinal, ela estava na festa de ensaio do casamento dela, era meio obvio que esse encontro aconteceria, mas em momento nenhum ela imaginou que seria apenas ela e aquela mulher com o olhar intimidador.
-- Claro, tinha que ser você. -- Anne sacudiu a cabeça em negação. -- Não bastou me derrubar uma vez não? -- Passou as mãos pelo vestido florido, desamarrotando-o.
-- Você apareceu do nada, a culpa não foi minha. -- Mila se prontificou a defender-se.
-- Eu apareci do nada? Ninguém aparece do nada. Você é que anda feito mula cega. Nunca vi pessoa mais distraída. -- Foi rude.
-- Olha aqui -- Mila estava pronta para começar uma discussão quando lembrou-se que aquela era a mulher com a qual o irmão da ruiva se casaria, ou seja, a festa era não só dele como dela também. Portanto, preferiu se calar.
-- Olha aqui o quê? -- Anne empinou o nariz e peitou a morena.
-- Nada. -- Mila respirou fundo, mantendo o controle. Forçou o melhor sorriso que pôde.
-- Foi o que eu pensei. -- Abusou de um tom de superioridade.
-- Agora eu sei porque a Emily não gosta nem um pouco de você. -- Resmungou em tom baixo, enquanto já se afastava.
-- O que você disse? -- Anne que até então estava certa de que o melhor seria deixá-la ir sem nenhum impedimento, virou-se rapidamente e a segurou pelo braço.
-- Que eu sei por que a Emily não gosta de você. -- Repetiu em um tom insolente. Mila cansou-se de ouvi-la falando grosserias e se pronunciou, batendo de frente.
Anne deixou escapar uma risada curta e irônica, debochando daquela mulher que logicamente não sabia de um terço do que estava falando.
-- E você acha que só porque ela te convidou significa que ela goste de você? -- Aquele tom calmo que Anne usava irritou a morena profundamente. Que mulher insuportável. -- Você não conhece a Emily de quem fala.
-- E você conhece por acaso? -- Seus olhos que antes travavam uma batalha com os de Anne, desceram pelo rosto bronzeado daquela mulher indo de encontro a sua boca. Mila observou com imenso desgosto o sorriso de grandiosidade que se formou naqueles lábios rosados.
-- Muito mais do que imagina. -- Anne pressionou os lábios em um sorriso malicioso. -- Mas isso não diz respeito a você, não é mesmo?!
A morena sentiu sua respiração pesar devido ao nervosismo que lhe subiu por todo o corpo. Quem aquela mulherzinha pensava que era para tratar-lhe daquela maneira? E o que ela queria dizer com “muito mais do que imagina”?! Anne era apenas a cunhada da ruiva, nada mais nada menos, certo?!
Semicerrou os olhos e abriu a boca para dizer-lhe umas boas quando foi interrompida por uma voz conhecida.
-- Anne, quando é que vai parar de importunar as pessoas desse jeito? -- Alice segurou no braço da mulher, o mesmo braço que ela usava para segurar Mila, e puxou-o para trás, fazendo-a soltá-la.
-- Alice. -- Cumprimentou-a apenas com um timbre de voz arrogante e um olhar desgostoso.
-- Thank’s. -- A morena apenas movimentou seus lábios sem pronunciar som nenhum.
Alice respondeu-a apenas com um sorriso simpático.
-- Enfim, eu já estava de saída mesmo. Preciso falar com a Emily... -- Anne se preparava para sair quando Alice deu um passo à sua frente, impedindo-a de passar.
-- Mas não vai mesmo. -- Alice mostrou-lhe os dentes em um sorriso sarcástico. -- Acho que a nossa querida Emily merece um pouquinho de sossego, e que eu saiba esse não é o teu nome.
-- Tente me impedir. -- Anne tentou desviar do corpo de Alice, mas ela logo fechou seu caminho de novo.
-- Acredite, eu vou. -- Aqueles olhos dourados e sérios fitavam-na intensamente, e neles podia-se ver claramente que ela não desistiria dessa idéia tão fácil assim.
-- Quando foi que a Emily começou a precisar de tantos cães de guarda? -- Fechou a cara ao encará-la.
-- Acho que foi quando uma piran... -- Foi interrompida.
-- Alice! -- A voz rouca da ruiva surgiu em meio a aquela confusão toda, fazendo a amiga tremer na base, não por ser pega falando aquelas coisas, mas sim por tão surpreendentemente estar de frente a ela tão logo. Por um breve momento a amiga se sentiu mal por ter sido impedida de continuar, ela imaginou que a ruiva pudesse estar protegendo aquela sem sal da Anne novamente, mas para sua outra surpresa, ela não estava. -- Ela não vale nem a saliva que você está gastando. O que você acha de... -- Emily se aproximou e pegou em sua mão, olhou em direção a morena que estava logo ao lado da amiga e sorriu. -- De nós irmos nos divertir apenas?
Aqueles olhos dourados expressaram uma completa surpresa ao ouvi-la. Finalmente Emily parecia conseguir sair de todo aquele emaranhado de sentimentos ruins que Anne lhe causava, e isso deixou a amiga incrivelmente satisfeita.
-- Você não poderia ter chegado em melhor hora Emily. -- A morena arfou, exausta pela situação chata em que havia sido colocada por aquela mulher completamente fora de si.
-- Vamos lá pra fora. -- A ruiva as acompanhou, deixando Anne de boca aberta com sua atitude. Como ela poderia ter sido tão rude dessa forma?! -- E Anne -- Olhou-a sobre o ombro enquanto se afastava. -- Parabéns pelo casamento na fazenda. Você sempre teve tudo planejado, não é mesmo?! -- Sorriu sem nenhuma vontade, mostrando à aquela mulher sem coração todo o seu desgosto com a escolha do lugar que anos atrás era o lugar delas, segundo a própria Anne.
-- Emi... -- Se calou no mesmo instante em que viu a ruiva se virar, rejeitando qualquer desculpa ou qualquer palavra que ela pudesse querer dizer.
Anne observou-as se afastar, seu coração batia forte no peito, era uma batida já conhecida, uma que lhe trazia incertezas e também um sentimento incomum de perda. A ruiva talvez tivesse falado sério quando disse que deveria deixá-la ir, talvez esquecer esse sentimento não fosse de fato algo tão difícil e Anne estivesse se martirizando à toa ao pensar ainda estar magoando-a. Eram muitas incertezas que invadiam sua vida nesse momento, principalmente aquela entre se casar ou não com o Robbert, e Anne precisava tirar todas as provas para que soubesse o que realmente queria. Emily não poderia escapar dessa conversa, e mais cedo ou mais tarde ela ficaria sozinha, totalmente livre para que pudessem ter essa conversa.
E foi exatamente assim.
Os preparativos corriam de pressa, uma vez que os convidados chegariam por volta das sete da noite e havia muito o que ser feito ainda, Emily e suas amigas ajudavam no que podiam quando a ruiva ofereceu-se para buscar algo para comerem já que só haviam almoçado e agora já eram quase seis da tarde.
-- Eu vou preparar alguns sanduíches e já venho. -- Informou-as enquanto se afastava.
-- Emily, eu posso falar com você? -- Robbert interrompeu seu percurso até a cozinha.
-- Robbert! -- A ruiva quase deu um grito com o susto do aparecimento repentino do irmão. -- Não era pra você estar se arrumando? -- Tentou desvencilhar-se da conversa.
-- Era. Na verdade, eu estava... -- O rapaz balançava a cabeça em lamentação, ele pressionou os lábios e após respirar fundo prosseguiu. -- Você sempre me ajudou a escolher as gravatas nessas ocasiões e... -- O olhar apreensivo, mas também atencioso do irmão direcionava-se a ruiva.
-- Use aquela que papai lhe deu, a preta com os sutis detalhes em prata...
-- Eu pensei que você talvez pudesse me ajudar a colocá-la também... -- A voz manhosa do irmão não a surpreendeu.
-- Não force tanto a barra, okay? -- O timbre rouco da jovem soou bem mais rude do que ela pretendia. -- Não no dia do seu ensaio de casamento.
-- Ensaio? -- O rapaz ruivo franziu a testa, confuso. -- A mamãe te disse que era um ensaio? -- Engoliu seco.
Robbert viu toda a feição do rosto da ruiva mudar em um piscar de olhos. Aquele rosto parecia-lhe bem mais pálido do que o normal, talvez pela descoberta tão em cima da hora, ou talvez por notar tão rapidamente que depois desse dia não teria mais volta, Anne seria de outro e não dela, nunca mais dela. Os olhos de extremos azuis ofuscaram-se, demonstrando a sensação de completo vazio que a invadiu. Seu coração falhou durante as próximas batidas, causando-lhe uma falta de ar mais forte do que podia esperar. Seu peito doía, pressionava-a, agoniava-a de uma forma tão freqüente e intensa que seus olhos não puderam conter as lágrimas que se formaram. A ruiva não podia deixar que o Robbert lhe visse daquela forma, ela desviou o olhar e disparou em direção ao interior do chalé, esbarrando no irmão quando passou por ele.
“Eu vou matar a minha mãe.” -- A grande verdade é que Emily não sabia sequer se teria forças para ter qualquer tipo de diálogo agora, será que Katrien não havia percebido que mentir para a sua filha definitivamente não era a melhor forma de se fazer as coisas?!
A ruiva, mesmo que sem forças, seguiu pelos corredores do chalé a procura daquela ruiva traiçoeira, bom, daquela mãe traiçoeira. Ela passava como um furacão pelas pessoas que organizavam todo o ambiente quando viu sua mãe adentrar a uma porta no final do corredor, apressou os passos pesados em sua direção, mas antes de alcançá-la acabou sendo puxada para outro quarto.
-- Emily, eu sei que você não quer conversar comigo, mas eu preciso falar com você, por favor. -- A morena puxou-a pelo braço, fazendo-a entrar naquele quarto contra a própria vontade. Ela nem sequer havia olhado para a ruiva, pegou a única oportunidade que pudesse ter antes do grande momento e a agarrou com tudo que pôde. -- Você precisa me ouvir. -- Quando Anne se virou para ela, a surpresa, a ruiva estava com seus olhos avermelhados e com lágrimas que escorriam em disparado pelo seu rosto. Aqueles olhos castanhos antes ansiosos transmutaram-se completamente ao demonstrar um estado de surpresa e principalmente de preocupação.
-- Você está errada. -- Falou atônica.
Aquelas três poucas palavras trouxeram a Anne uma grande quantidade de pensamentos sobre as possibilidades, mas a mais lógica, aquela que lhe tomou a razão foi a de que a ruiva se referia ao fato dela estar para se casar com a pessoa errada, ou seja, o Robbert.
-- Eu quero conversar com você, agora mais do que nunca. -- Semicerrou os olhos após permitir que uma feição de pura fúria tomasse seu rosto.
Anne engoliu seco. Os olhos da ruiva não pareciam perdidos e muito menos incertos sobre aquele casamento, na verdade, tudo que Anne conseguia ler neles era raiva, ódio, rancor.
-- Emily, antes que diga qualquer coisa, por favor, apenas me escute. -- O fato da ruiva não ter reagido de nenhuma forma a aquelas palavras fez com que Anne prosseguisse. -- Eu preciso saber de uma coisa.
-- E o que é Anne? -- Olhou-a nos olhos, intimidando-a.
-- Você me ama? -- Aquelas palavras pegaram a ruiva de surpresa, mas seu emocional carregava tanta raiva por aquela mulher que a surpresa não causou-lhe reação alguma, ela permaneceu estática, atônica. -- Eu preciso que você me diga, eu preciso que você diga alguma coisa, qualquer coisa...
-- E no que isso mudaria as coisas? Você vai se casar, é isso que você quer, é isso que sempre quis.
-- Emily, por favor. Você precisa dizer alguma coisa que me faça ter certeza se é realmente isso que eu quero para mim, para nós. -- A morena estava completamente perdida, seu olhar deixava isso transparecer muito bem. -- Eu preciso saber se estou fazendo a escolha certa... -- Emily riu irônica com as ultimas palavras.
-- Se está fazendo a escolha certa? Você já fez. -- A ruiva aproximou-se, segurando em suas mãos aquele rosto macio que aquela mulher tinha. Toda a sua raiva se foi junto a um forte suspiro deixado por ela. Aqueles olhos castanhos fitavam-lhe com dúvida e carinho, e em qualquer outro momento ela poderia se deixar levar por todo aquele sentimento que acreditava ver através deles, mas não hoje, não agora, não depois de tudo. Emily tinha um limite, um limite que Anne atingiu quando decidiu se casar com o Robbert no mesmo lugar em que havia descrito tão minuciosamente que seria o casamento delas. Qualquer um chegaria ao extremo da linha entre o amor e o ódio em um momento como esses, e foi justamente o que a ruiva o fez. Mas não havia ódio esperando do outro lado dessa linha. Havia um sentimento de pena e até mesmo um estranho conforto emocional, levando-a calmamente a um sentimento de paz interior de que sempre precisou, daquele sossego pelo qual buscou por tantos anos. -- Você amou todas as outras coisas quando deveria ter amado a mim, Anne. Enquanto eu te amava com todas as minhas forças você simplesmente punha tudo a minha frente, em uma ordem de prioridade que eu jamais entendi. E eu juro que realmente tentava entender até poucos dias atrás. -- A ruiva lembrou-se de quando escolheu desistir daquela mulher. -- A questão é que essa ordem deixou de ter importância para mim. -- Anne fitava-a com aquele olhar apreensivo tão conhecido por Emily. -- Você só me causou mal em todos esses anos em que eu fui perdidamente apaixonada por você. Mas quer saber?! Eu cansei de sofrer por você, cansei de esperar por você. Cansei de esperar por decisões que nunca serão tomadas...
-- Mas se você me pedir eu largo tudo por você Emily. -- A morena sentia sua respiração falhar à medida que seu coração se acelerava dolorosamente no peito.
-- Você bem que gostaria de ouvir isso, não é mesmo?! -- Soltou o rosto da jovem e afastou-se alguns passos. -- Mas eu sei exatamente o que essas palavras causariam. -- Ela deu uma risada irônica. -- Não para você, e não para o Robbert, mas para mim. Porque eu posso te dizer com muita certeza o que aconteceria, Anne Calliari. -- Neste momento a ruiva apontou o dedo para ela, gesticulando suas palavras. -- Você se sentiria realizada ao ouvir, mas sequer moveria um dedo para impedir esse casamento. E a otária aqui seria eu. De novo para variar. -- Emily fechou os olhos em um longo suspiro, sentindo todo aquele sentimento ruim, acumulado por anos, deixá-la durante uma simples conversa. A ruiva lembrou-se estranhamente daqueles olhos dourados de Alice, que neste momento, sem dúvidas estariam repletos de orgulho. Deixou um sorriso escapar com a lembrança do doce sorriso que a amiga tinha. Emily levou uma das mãos até a boca, colocando a ponta do polegar entre os dentes em meio a aquele sorriso gostoso de uma alegria que não imaginava poder sentir durante essa conversa. -- Eu não amo você. -- Ela dava passos em direção a morena enquanto afirmava com muita convicção. -- E eu não vou te pedir coisa alguma, Anne. Espero de verdade que tenha um bom casamento, você e o Robbert se merecem. -- A ruiva piscou para Anne e saiu do quarto, deixando-a.
Fim do capítulo
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