Capítulo 23. Vestida para casar!
Mila foi a ultima a sair da companhia, ela sempre ficava algumas horas a mais persistindo em seus ensaios e tentando novas técnicas. Ela saía do prédio para ir começar o turno de trabalho na boate quando parou na portaria para conversar com o porteiro, como de costume.
-- José, como estão as coisas lá com a Maria? Ela já voltou para casa? -- Mila encostou-se no balcão da portaria.
-- Quem dera minha querida. -- José já era um senhor de idade e mantinha um bom humor esplêndido. -- Maria está para receber alta na tarde de amanhã.
-- Então em breve a casa voltará a ficar em ordem. -- Ela sorriu.
-- Sim senhorita.
-- Me chama de Mila, por favor. Nós já falamos sobre isso. -- Ela retribuiu o sorriso. -- Deixa eu ir senão me atraso para o meu turno. Até amanhã José. -- Mila caminhava para saída do prédio quando ouviu José se pronunciar novamente.
-- Senhorita Mila, aquela moça bonita conseguiu achar a companhia de dança? Ela subiu e desceu tão rápido... -- Mila olhou-o, intrigada. Não sabia de quem José estava falando.
-- Que garota José?
-- Eu não sei o nome dela. Ela é uma menina dos cabelos de fogo. Como é que dizem mesmo... -- José era um homem simples, que mal havia completado metade do ensino fundamental.
-- Uma ruiva?
-- Isso, é assim que chamam esse tipo de mulher.
“-- Emily veio até aqui?” -- Emily era a única ruiva que Mila conhecia, a garota ficou confusa. “-- Porque ela viria até aqui e não falaria comigo?”
-- Senhorita Mila?
-- Ela deixou algum telefone ou cartão com você? -- Mila olhava-o.
-- Não. Ela não deixou.
-- Tudo bem. Obrigada José. -- Mila caminhou para fora do prédio, ela não conseguia encontrar motivos para os quais Emily iria até lá para não falar com ela.
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Um mês se passou desde a noite em que Mila passou com Emily. As coisas seguiam bem como de rotina tanto para uma quanto para outra. Mila continuava ensinando seus alunos da companhia de dança junto a Corbin, seu parceiro. Ela perguntava ao José todas as noites se a “garota dos cabelos de fogo” havia retornado ao prédio, mas a resposta era sempre a mesma. Mila não recebeu noticias de Emily durante todo o mês, e como não tinham trocado números, ela nem sequer podia ligar para tentar obter uma explicação pelo sumiço.
Emily estava aproveitando essas semanas para colocar seus pensamentos em ordem, ela não queria se prender a um sentimento que não era correspondido. Emily buscava maneiras distintas de se desprender dessas emoções, saía com os amigos quase todas as noites e se prendia em estudos que ampliavam seus conhecimentos na área da sua formação acadêmica, mas acabou percebendo que ela jamais saberia se esse sentimento continuava ali no seu peito, até que ela conversasse e visse Anne de novo. Ela aproveitou uma das várias tentativas que Anne fazia para se aproximar e acabou concordando em ir a uma cafeteria durante essa tarde para que pudessem conversar sobre as coisas que tinha acontecido entre elas desde o retorno de Emily.
Anne chegou a cafeteria que haviam combinado de se encontrar e avistou Emily sentada em uma mesa de canto, mais afastada da aglomeração de pessoas. Um sorriso surgiu, Emily estava linda, e Anne admitia isso para si mesma sem temor algum. Aqueles cabelos ruivos pouco ondulados caíam sobre a écharpe branca que envolvia o pescoço de Emily. Ela usava um trenchcoat azul marinho e por baixo uma calça em tom de bege. Nos pés um autênticoscarpin de Christian Louboutin.
-- Eu estava em dúvida se você realmente apareceria. -- Anne puxou uma cadeira para se sentar. A voz dela havia surgido de repente para Emily, que encontrava-se distraída em seus pensamentos enquanto repensava sobre a decisão que tinha tomado por querer reencontrá-la.
-- Eu não sou de furar. -- Emily olhava-a, esperando o momento em que qualquer emoção fosse vir à tona.
-- Obrigada por vir Emily. Você sabe o quanto essa conversa é importante para mim. -- Anne olhou-a nos olhos.
-- Eu não sei de nada Anne. -- Emily foi rude. -- Eu só não quero mais fugir dos meus problemas, porque eles já estão me prejudicando de mais. -- Referiu-se ao fato de ter se afastado de Mila.
-- Eu sou um problema para você então?!
“-- SIM.” -- Emily pensou instantaneamente, mas suas palavras foram outras. -- Você não é um problema, mas todas essas coisas que aconteceram entre eu, você e Robbert, sim. -- Emily sentiu seu peito arder ao lembrar-se, aquela sensação desagradável voltava a incomodar. -- Eu cheguei à conclusão de que preciso enfrentarpara poder esquecer e seguir em frente.
-- Tudo isso se trata daquela nova garota, não é mesmo? -- Anne sentiu uma pontada no estomago.
-- Não Anne, isso se trata de mim. -- Emily tentou controlar seu tom de voz que acidentalmente ficou mais alto. -- Será que você não percebe que eu preciso disso? Que eu preciso esquecer você? -- Respirou fundo. -- Eu não posso passar o resto da minha vida me sentindo desse jeito. -- Anne olhava-a intrigada, Katrien tinha a completa razão quando disse que Emily ainda era apaixonada por ela.
-- De que jeito? -- Anne precisava ouvir.
-- Você sabe muito bem de que jeito. -- Emily sentiu suas bochechas corarem, em conseqüência ao nervosismo que estava sentindo.
-- Não Emily, eu não sei. -- Insistiu.
-- A questão é: que eu não posso continuar odiando a você e ao Robbert. Afinal, ele é meu irmão e você em breve será a minha cunhada. -- As palavras de Emily auto machucaram-na, seu coração ainda não estava familiarizado com o fato de não poder ter a mulher que tanto amava.
-- Você está dizendo que está me perdoando então? -- Anne sentiu-se contente.
-- Não. -- Retrucou. -- Eu estou dizendo que estou dando uma trégua. -- Emily sabia que para esquecer o amor que sentia por Anne ela não poderia simplesmente ignorá-la pelo resto da vida, ela precisava continuar convivendo, mesmo que não fosse da mesma forma, até o momento em que esse sentimento se reduzisse a nada, ou a apenas um sentimento de amizade.
-- Uma trégua? -- Anne questionou, querendo que Emily fosse mais especifica sobre seus limites.
-- É, uma trégua. -- Emily pensou em como poder explicar antes de prosseguir. Seus olhos encontraram-se com os de Anne durante esse curto período de tempo. -- Eu não vou ser sua melhor amiga, se é o que quer saber. -- Anne desapontou-se com a resposta. -- Mas nós podemos tentar apenas ser amigas, ou colegas. Eu não sei o termo correto para o que estou querendo de você neste exato momento. Mas eu sei que tudo que eu não quero é que você venha desabafar comigo, ou me falar sobre a tua vida pessoal ou teus problemas. Eu não quero saber de nada disso. -- Emily deixou bem claro ao enfatizar as ultimas palavras. -- Eu estou te dando essa trégua para que apenas possamos conviver em paz. Porque felizmente ou infelizmente você vai se tornar parte da família agora.
Anne engoliu seco e sentiu seu coração apertar no peito. Ela não queria perder Emily dessa forma, mesmo que soubesse, no momento em que decidiu ficar com Robbert, que correria esse risco. Seus olhos umedeceram assim que ouviu Emily falar com tanta convicção. Anne respirou fundo e enxugou os olhos sem se preocupar com a presença da amiga.
-- Eu sei que não estou no direito de pedir nada a mais do que isso, e eu não vou. -- Anne tocou a mão de Emily que estava sobre a mesa. -- Mas de qualquer forma, obrigada por fazer isso. -- Emily retirou a sua mão do contato. -- E sobre aquele dia que eu te questionei sobre a tal garota... -- Ela foi interrompida.
-- Eu não vou falar sobre isso com você. -- Foi rude.
-- Eu não vou perguntar nada Emily. Eu só queria me desculpar. -- Anne ficou cabisbaixa. -- Eu não sei o que me deu na cabeça de ir atrás de você daquela forma.
-- Acontece quando as pessoas não sabem o que querem da vida. -- Emily foi irônica.
Antes que Anne pudesse retrucar seu celular tocou, dispersando as palavras que invadiam sua mente. Ela pegou o celular dentro da bolsa.
-- Eu preciso atender. Só um momento. -- Anne levantou e afastou-se da mesa, atendendo a ligação logo em seguida. Não demorou muito para que ela voltasse para a mesa onde estava Emily, ela ainda segurava o celular no ouvido.
-- Emily, eu sei que você vai querer acabar com essa história de trégua no instante em que eu te pedir isso, mas por favor, tente entender o meu lado. -- Emily ficou confusa. O que Anne poderia pedir-lhe dessa vez?! Ela se manteve calada e esperou que a jovem completasse. -- Meu vestido acabou de chegar de Londres e as minhas costureiras precisam que eu vá agora para a loja para que elas possam ajustar as medidas. -- Emily não gostou nem um pouco do caminho para onde essa conversa estava indo. -- E eu realmente não queria que a nossa conversa terminasse agora. -- Anne foi interrompida.
-- Sem chances, eu não vou com você. -- Foi ríspida.
-- Por favor Emily, eu ainda tenho tanto para falar. -- A feição de Anne era meiga, ela sabia que precisaria apelar para o lado sensível de Emily para que pudesse conseguir o que precisava. -- E depois do que você disse eu não acho que uma conversa como esta pode ter a chance de acontecer de novo...
Emily sentiu-se desconfortável com a ideia de ter que ver Anne com o vestido de casamento, mas esse era o único dia em que ela estava realmente se sentindo disposta para colocar seus sentimentos e pensamentos em ordem, mesmo que para isso ela tivesse que continuar essa conversa enquanto Anne experimentava um vestido para se casar com outra pessoa que não fosse ela.
Emily acabou acompanhando Anne até a loja. Elas haviam ido em carros separados, mesmo com toda a insistência de Anne para que fossem no mesmo.
Ao chegar a loja, Anne foi direto para a sala privada, aonde suas costureiras já esperavam por ela.
-- Eu prometo que não vou demorar. -- Anne olhou-a antes de adentrar a sala. Emily apenas concordou com um sutil movimento de cabeça.
Anne adentrou ao quarto com tanta ansiedade que mal havia se dado conta de que não havia fechado a porta por completo, deixando uma pequena brecha que dava à Emily a visão de um enorme espelho, por onde ela conseguia ver toda a movimentação das costureiras e também de Anne. A jovem obedeceu aos pedidos de Marta, a costureira chefe da loja, e retirou as peças de roupas mais superficiais, ficando apenas com sua lingerie branca com detalhes em renda verde esmeralda. Emily tentou lutar contra sua vontade de ficar espiando, mas não conseguiu. Ela acabou por observar todos os minuciosos movimentos de Anne ao tirar a roupa, principalmente o momento em que Anne teve que curvar-se para baixo para terminar de tirar a calça skinny que usava. Sua boca secou e seu coração disparou. Ver aquele corpo quase nu novamente deixou-a com seus hormônios a flor da pele. Emily não conseguia evitar o enorme desejo que lhe subia por todo o corpo, ela queria mesmo era entrar naquela sala e deixar todas as outras coisas de lado, queria poder tocar aquele corpo como se ele não fosse de mais ninguém a não ser dela, como já havia sido anos atrás. Emily conseguiu desviar seu olhar por poucos instantes, mas acabou cedendo a sua vontade novamente e assim que voltou a olhar pela brecha da porta a imagem de Anne não estava mais a sua disposição. Ela movimentou sua cabeça de um lado para o outro, modificando as localidades do quarto que podia ver através do espelho, mas não conseguiu encontrar o reflexo daquela mulher que sem dúvidas nenhuma ainda mexia com todos os seus sentimentos. Emily perguntava-se aonde ela poderia ter ido, mas sua resposta foi dada assim que o reflexo de Anne tornou a aparecer, deixando-a completamente sem ar. Ela estava usando um vestido tomara que caia e longo, os detalhes não eram exagerados e o brilho estava na medida certa, ela estava deslumbrante. Emily engoliu seco. Seus olhos reluziam ao deixar transparecer o encanto que aquela mulher tinha sobre ela.
Emily estava tão dispersa das coisas que aconteciam ao seu redor e ao mesmo tempo tão deslumbrada com a beleza da mulher que amava, que acabou não percebendo quando o olhar de Anne se lançou sobre ela através do espelho. Assim como Emily tinha visão sobre o que se passava naquele quarto, Anne também podia vê-la espiando pela brecha da porta. Seu foco ficou todo sobre Emily, ela mal podia acreditar que a garota estava espiando-a, mas adorou ver os olhos Emily tão fixos sobre ela. Emily olhava-a de baixo para cima, seu olhar subiu lentamente até o momento em que ela encontrou os olhos de Anne, tão fixos e intensos quanto os dela. Ambas podiam sentir seus corações pularem dentro do peito, aquele encontro de olhares e emoções parecia estar longe de acabar.
Sem tirar os olhos de Emily, Anne sussurrou para as costureiras.
-- Será que vocês poderiam me dar um momento? -- Emily não pode ouvir o que ela havia dito, e mal percebeu que as costureiras saíram do quarto pela outra porta.
O cabelo de Anne estava preso em um coque alto, e seu rosto estava com uma maquiagem leve, exceto pelo batom em tom vermelho. Aqueles olhos castanhos claros intimidavam Emily, e imploravam em silencio para que ela tomasse alguma atitude.
Emily aproximou-se da porta em passos lentos, abrindo parte dela com uma das mãos. Ela ainda se aproximava quando começou a se pronunciar.
-- Você está completamente e incrivelmente linda. -- As palavras apenas saíram, Emily não precisou nem sequer pensar no que dizer, estava sendo completamente espontânea. Ela já estava próxima o suficiente para pegar uma pequena mecha de cabelo que caia sobre o rosto de Anne e coloca-la atrás da orelha, ajeitando-a. Seus olhos ainda tinham toda a atenção de Anne. Emily podia sentir seu coração bater com tanta força em seu peito que por um breve momento sentiu medo de que até mesmo Anne pudesse ouvi-lo. -- Eu nunca imaginei te ver assim, tão perfeita e tão decidida a se casar. “-- Não com alguém que não fosse eu. -- Pensou.”
Anne sentiu o efeito que aquelas palavras lhe causavam, seu coração acelerou e sua respiração ameaçou falhar. Seus lábios suplicavam por um beijo daquela mulher que sempre fora tão apaixonada e dedicada a lhe fazer feliz. Por um breve momento o mundo exterior se tornou inexistente para Anne, seus pensamentos se restringiam a apenas uma pessoa: Emily. E bastou esse único momento de insanidade para que ela agisse de uma forma que nem mesmo ela conseguiria entender.
-- Eu odeio você. -- Aquelas palavras saíram totalmente contrarias aos pensamentos de Anne. Suas mãos avançaram para a nuca de Emily e com os dedos já entrelaçados em seus cabelos ela a puxou e envolveu-a em um beijo urgente. Emily não teve nenhuma outra reação imediata a não ser a de retribuir aqueles lábios que lhe beijavam com tanta vontade. Por alguns instantes Emily esqueceu-se de respirar. Ela estava tão desnorteada com a atitude de Anne que mal havia tido tempo para conseguir pensar na besteira que estava fazendo ao retribuir aquele beijo.
As mãos de Anne deslizaram sobre o corpo de Emily, e em um movimento rápido ela tentou tirar a blusa dela, mas suas mãos foram interrompidas pelas de Emily, que em resposta segurou-a pela cintura, relutantemente afastando-a de si. É claro que ela se odiou por isso.
-- Você vai se casar essa semana. -- A voz de Emily falhava por culpa da sua respiração ainda ofegante. -- Não é certo fazermos isso. -- Ela aproximou-se e beijou o rosto de Anne, forçando um sorriso logo em seguida. -- Você escolheu seu futuro, por favor, não se arrependa. -- O rosto de Anne ficou extremamente corado e um sorriso sem graça formou-se em seus lábios.
-- Eu não posso ficar perto de você. Eu não consigo Emily. Toda vez que você se aproxima eu simplesmente não consigo controlar essa imensa vontade que eu tenho de te beijar. -- Admitiu. -- Desculpa. -- Anne entrou em um pequeno cômodo adjacente e fechou a porta. -- Até qualquer dia.
-- Você está me mandando ir embora? -- Anne permaneceu em silêncio, deixando Emily falando sozinha. -- Acho que isso é um sim, certo?! -- Não obteve resposta. Indignada mais uma vez com a atitude de Anne Emily umedeceu os lábios com a ponta da língua enquanto controlava seu nervosismo, para que não gritasse com ela.
Emily deixou a loja sem se arrepender das coisas que havia dito, mas ela também não podia mentir para si mesma quanto à vontade que ela ainda estava sentindo de voltar no momento daquele beijo. Mas apesar de desejar poder tocar aqueles lábios de novo, Emily era justa e correta de mais para aceitar ser “a outra” na vida de Anne.
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Fim do capítulo
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