Capítulo 21. A place of peace
“– Eu não estou te cantando. -- Ela pegou na mão de Emily e puxou-a.”
Emily foi guiada pela bartender para fora do club, passando pela porta dos funcionários, nos fundos do club. Elas saíram em um beco e seguiram por ele até o final da rua, chegando a um prédio com a arquitetura antiga, porém muito bem conservado. Na parede lateral do prédio havia uma série de escadas fixadas para dar acesso ao terraço.
A bartender foi a primeira a subir, mas ela parou no meio do caminho ao perceber que Emily não estava mais seguindo-a.
-- Você vem ou não? -- Ainda com as mãos e pés apoiados na escada, virou-se para olhar Emily, esperando que ela respondesse.
-- Minha mãe sempre me disse para não andar com estranhos. -- Ela deu um passo para atrás. Emily não estava confortável por saber que iria acompanhar uma mulher que mal conhecia para o terraço de um prédio qualquer.
A bartender não conseguiu conter o sorriso divertido que se formou nos seus lábios. Ela continuou observando Emily acreditando que aquela fosse apenas uma brincadeira, e ao notar que a jovem realmente não iria acompanhá-la ela desceu as escadas e caminhou em sua direção, estendo-a a mão logo em seguida.
-- Um momento de confiança. -- Ela gesticulou com a outra mão. -- E eu prometo que você não vai se arrepender. -- A bartender olhava-a atenciosamente, queria que Emily confiasse nela.
O instinto de Emily lhe dizia que ela podia confiar, mas a razão da jovem tomava um caminho completamente oposto. Ela repensou sobre as possibilidades do que poderia acontecer de ruim se ela a acompanhasse e acabou percebendo que não poderia ser algo de fato ruim. Emily segurou a mão da bartender, recebendo em troca dessa confiança um sorriso de canto de boca que foi retribuído a altura, seus olhos se encontraram novamente e elas não perderam essa conexão durante o curto percurso até a escada. A bartender andava para trás para poder persistir no olhar de Emily, buscando alguma evidência de desconforto ou incerteza, pois caso isso acontecesse ela não pretenderia insistir de novo. Mas Emily não demonstrou nenhuma dessas coisas, ela simplesmente a acompanhou, sendo guiada não só pelos passos da bartender, mas também pelos seus olhos que novamente voltavam a hipnotizar a jovem.
-- Se eu soltar a sua mão agora... -- A bartender olhava-a sem discrição alguma. Sorriu novamente e tentou encontrar as palavras certas para falar com Emily. -- Você promete que ainda vai subir?
Elas subiram as escadas sem pressa, trocavam alguns olhares entre uns degraus e outros, e ao chegarem no topo, tiveram que passar por um portão de madeira fechado por uma trinca com cadeado. A bartender tinha a chave do cadeado, o que levou Emily a ter a certeza de que esse não era um prédio qualquer, mas sim um prédio de posse da bartender. O terraço tinha uma pequena parte coberta aonde tinham alguns armários do estilo colegial,alguns equipamentos de crossfit, e um saco de pancadas. Na parte descoberta do terraço tinha um pequeno jardim, cultivado em uma greenhouse, e um amplo espaço vazio.
Emily ficou maravilhada com o lugar, lá era tão calmo que nem parecia estar localizado em pleno centro da cidade, e por sorte, esse era o maior prédio do quarteirão, permitindo que o terraço tivesse total acesso a linda visão do céu e também de grande parte da cidade. A bartender deu a Emily espaço para que ela pudesse observar todo o ambiente, mas mesmo dando-lhe esse espaço, ela mal conseguiu tirar os olhos da jovem. Era bonito ver aqueles olhos azuis brilharem apenas por estar vendo uma bela paisagem e o maravilhoso céu estrelado em tempo de lua cheia. Um sorriso de canto de boca se formou no rosto de Emily e vê-lo trouxe um sentimento agradável para ela.
A bartender caminhava em passos lentos pelo lugar, enquanto contava para Emily o real motivo de tê-la levado lá.
-- Esse lugar sempre me fez esquecer os momentos ruins do meu dia. -- Ela olhava o lugar tão maravilhada, como se também fosse a primeira vez que estivesse lá. -- Estar aqui é como poder respirar novamente. -- Dessa vez foi Emily que não conseguiu tirar os olhos da jovem que caminhava até a pequena contenção nas bordas do terraço. -- Eu não estava te cantando. Eu só pensei que... -- Emily completou.
-- Que talvez eu pudesse me sentir da mesma forma que você quando está aqui? -- Emily havia a acompanhado, estando um pouco mais atrás, até a contenção. Ela encostou-se na contenção, e só então a jovem notou a presença de Emily tão próxima dela.
A bartender olhou para ela e consentiu com a cabeça, confirmando suas suspeitas. Emily sorriu para a jovem e tocou seu antebraço de forma suave com uma das mãos.
-- Esse lugar tem a sua mágica. – Emily foi indireta ao tentar dizer que aquele ambiente realmente havia trazido bons sentimentos para a jovem. Ao sentir a mão Emily no seu antebraço, ela olhou para a mesma e sentiu-se bem com o contato. A bartender levantou seu olhar em seguida, alcançando os olhos de Emily mais uma vez. O jeito como Emily a olhava, com tanta atenção e intensidade fez um frio passar por sua barriga. Foi uma sensação gostosa, mas também estranha. Ela sentiu seu rosto corar e sua respiração fluir com certa dificuldade.
Emily observava cada detalhe daquele rosto angelical e delicado, a bartender era realmente linda. E aquele perfume doce embriagava Emily, fazendo-a quase perder o controle sobre suas ações. Elas trocavam olhares intensos e nenhuma das duas pôde evitar a aproximação lenta de seus lábios. Seus braços se tocaram e Emily estava prestes a beijá-la quando se deu conta de que se o fizesse, estaria indo contra seus próprios princípios e não estaria respeitando o espaço da bartender, que há poucos minutos atrás havia deixado bem claro que não gostava de ser “cantada” dessa forma.
Emily afastou-se um pouco, de maneira educada. Buscou por palavras para se desculpar pela quase ação, mas preferiu evitar o assunto, lembrando-se que nem mesmo sabia o nome da jovem.
-- Emily Harley, prazer. -- Ela estendeu a mão.
A bartender havia se esquecido completamente de que nem haviam se apresentado uma para outra. Ela teve vontade de rir com a situação, mas apenas sorriu encantada com a atitude de Emily, que surpreendentemente evitou o beijo que aconteceria. Afinal, uma das duas tinha que evitar aquela situação, e a bartender ficou feliz que tivesse sido Emily.
-- Mila Wolff. -- Ela cumprimentou Emily e suas mãos mantiveram-se conectadas por algum tempo a mais, pois ambas haviam se perdido no olhar uma da outra novamente.Após a apresentação, Mila caminhou até o armário e pegou dois tapetes de yoga, depositando-os no chão da parte descoberta do terraço. Ela se deitou olhando para o céu e lá permaneceu. Emily de inicio achou estranho ela se deitar lá, mas foi questão de pouco tempo até finalmente perceber qual o objetivo daqueles tapetes.
Emily caminhou até lá e se deitou ao lado de Mila, porém no sentido contrário. Ambas olhavam para as constelações no céu e ambas se perdiam em toda aquela imensidão de céu e também de pensamentos. Mila passava longas noites naquele terraço, ela já havia passado por muitos momentos complicados durante a adolescência e aquele lugar acabou acidentalmente tornando-se o seu lugar preferido. As estrelas não eram tão brilhantes quanto no interior, mas ainda assim mantinham o seu encanto sobre o olhar da jovem. Toda aquela calma e beleza levava-a para fora de toda a realidade, ter a imensidão daquele céu tão perto e ao mesmo tempo tão longe fazia-lhe acreditar que nenhum problema pudesse ser tão grande que não pudesse ser facilmente enfrentado. Mila inclinou a cabeça para poder olhar para Emily, e desejou que ela pudesse sentir a mesma coisa, desejou que ela pudesse ficar bem apenas por estar ali.
Passaram-se longos minutos até o momento em que uma delas decidiu recomeçar a conversa.
-- Eu passei por dias difíceis. Tudo que podia dar de errado, deu. -- Emily desabafou.
-- Você é do tipo super azarada então? -- Mila tentou não entrar muito no assunto, não queria que Emily se sentisse desconfortável com a conversa. Se fosse para se abrir, que fosse por simples e espontânea vontade.
-- Pior. Quando foram fazer os seres humanos, resolveram me colocar na fila do azar como repetente diversas vezes.
-- Acho que eu já sei de onde você me conhece então. -- Emily soltou uma risada junto a Mila.
-- Não brinca. É sério quando eu disse que eu já te conheço de algum lugar. -- Emily se sentou no tapete e a olhou. -- Só não consigo me lembrar de onde. -- Ela voltou a deitar, inconformada com o fato de ter se esquecido de alguém como Mila. Uma pessoa tão incrível como Mila não deveria ser facilmente esquecida dessa forma. Emily estava encantada pela simpatia da garota, ela nunca havia imaginado que uma completa estranha poderia fazer coisas surpreendentes só para fazê-la se sentir bem. Ela a olhou com discrição e sorriu ao lembrar que aquele era o lugar da Mila, e que aquela Mila era uma garota que com certeza ela queria ter por perto.
-- Eu acredito em você. Tudo é possível nessa cidade. -- Mila tentou olhar de canto de olho para Emily, mas foi pega de surpresa quando viu que o olhar da jovem já estava lançado sobre ela.
-- Não zombe de mim! -- Emily sentou-se e a encarou. -- Quando eu lembrar, você será a primeira a saber. -- Mila não agüentou a cara que Emily havia feito ao falar tão seriamente, um riso gostoso escapou.
-- Não estou zombando de você. – Mila acompanhou os movimentos de Emily e também se sentou. -- Se vamos mesmo fazer isso, você precisará manter o contato.
-- E você acha que passou pela minha cabeça não manter? -- Sorriu. -- Você é demais Mila. -- Seu rosto ficou rubro, mas ela decidiu continuar. -- Você foi incrível ao me trazer aqui, fazendo algo que definitivamente você não tinha a obrigação de fazer. -- Emily tocou a mão da jovem e apertou-a suavemente. -- Se você não se importar, acho que poderíamos ser grandes amigas.
Mila nem mesmo tentou esconder o sorriso bobo que se formou em seus lábios. Ela sentiu uma leve palpitação no peito e seus olhos seguiram de encontro aos de Emily.
-- Seria ótimo. -- Ela passou o polegar sobre a mão de Emily e levantou com sutileza, segurando a mão de Emily para que a acompanhasse. -- Vem, quero te mostrar uma parte do meu mundo. -- Mila recebeu um olhar curioso.
-- Você realmente sabe como começar uma amizade. -- Emily riu e a acompanhou.
Mila e Emily desceram um andar, mas dessa vez passando pela escada interna do prédio. Uma enorme porta de vidro as separava de um cômodo completamente escuro do prédio. Na porta, apenas um nome escrito em letras pichadas com cores distintas e misturadas, “Academia Bauer&Wolff“. Mila pegou um molho de chaves em seu bolso e abriu a porta. Emily adentrou em passos lentos, a escuridão era tanta que ela mal podia ver um palmo a sua frente.
-- Okay... Talvez eu esteja começando a rever a sua aptidão para começar uma amizade. -- Emily pensava ainda estar acompanhando Mila, mas a jovem já havia cessado os passos, fazendo com que Emily esbarrasse em suas costas, assustando-a. Mila agiu rapidamente ao segurar Emily, impedindo que ela caísse. -- Desculpa. Eu definitivamente na tenho visão noturna.
Os olhos de Emily já estavam se adaptando a escuridão, permitindo-a enxergar partes do rosto de Mila, ela estava com aquele sorriso incrivelmente lindo em seus lábios, fazendo com que Emily também sorrisse.
Mila afastou-se sem dizer nenhuma palavra, ela acendeu a luz do celular que iluminava poucos passos a sua frente. Emily permanecia parada, apenas observando a pouca luz que guiava os passos de Mila. A luz do celular se apagou, e logo um pequeno holofote iluminou o centro do salão onde estavam. Emily só tinha a visão de uma pequena parte do chão de madeira, ela sentiu-se confusa por não saber o que aconteceria a seguir.
Um som de piano invadiu os ouvidos da jovem, e ela manteve-se atenta a sombra de Mila que se aproximava da luz. Ela se aproximava em passos lentos que interpretavam exatamente o ritmo que tocava. A música que tomava as paredes daquele salão era “Walk on by – Noosa”.
Emily sentiu seu coração contrair-se com força assim que Mila tomou todo o controle sobre a música ao interpretar a letra em uma coreografia contemporânea. Ela transmitia seus sentimentos em movimentos calmos e livres de regras, seu corpo se movia e se alongava em passos mais ousados, uma mistura de movimentos de ballet e coreografia própria. Os olhos de Emily a acompanhavam por todo o perímetro de luz, eles reluziam e incontrolavelmente formavam cristais de lágrimas que não traziam consigo tristeza, mas sim um sentimento de admiração e felicidade. Um sorriso alegre se formou em seus lábios e um frio instalou-se em sua barriga, fazendo todo o seu corpo arrepiar. Sua respiração ficou compassada e tornou-se impossível para Emily controlar seu coração que batia tão forte e rápido em seu peito.
-- É você. -- Sussurrou para si mesma ao lembrar-se.
Fim do capítulo
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