Capítulo 3 – Dividindo
No dia seguinte, terça-feira, minha rotina foi a mesma e, na hora de sempre, me vesti com uma calça de moletom azul escura, uma regata de algodão cinza e um casaco de moletom da cor da calça e fui para a academia. Eu estava no final do meu treino quando uma voz falou atrás de mim:
- Izzy McCart.
Me virei e dei de cara com aqueles olhos verdes e reluzentes como grama de primavera. Era a garota do dia anterior, com a base do queixo de um leve tom arroxeado, assim como a parte superior do meu olho esquerdo. Ela sorria, como se nunca tivéssemos trocado socos. Eu sorri de volta, era impossível não fazê-lo quando se via aquele sorriso dirigido à sua pessoa; era um sorriso parecido com o de uma criança feliz. Era alegre, sincero, divertido, incentivador.
- Ontem, quando conversamos, eu não me apresentei – ela continuou se encostando à parede ao lado do saco de pancadas que eu estava usando – Eu geralmente me apresento quando vou cumprimentar o adversário depois de ganhar a luta sabe – ela riu fazendo piada de si mesma – Só que eu não venci ontem – completou colocando uma mão na parte de trás da cabeça, só então notei o quanto eram curtos os cabelos dela, repicados de forma a não passarem da altura dos ombros.
- Eu teria esperado, mas estava exausta então decidi que era melhor ir para casa – falei dando de ombros com um meio sorriso – Foi uma luta dura ontem.
- Eu que o diga – ela disse colocando a mão direita sobre o queixo e rindo; reparei nos vários brincos e piercing's que ela usava em ambas as orelhas – Olha, fazia anos que alguém não me nocauteava. Agora lembro porque, não é uma experiência lá muito boa sabe – ela continuou rindo enquanto colocava a ponta da língua par fora numa expressão engraçada que me fez rir baixo também – Você deveria ser profissional também sabia? Luta bem demais pra não competir.
- Ah não, eu só treino pelo esporte e pelo exercício. Não teria tempo para ser profissional – falo dando de ombros me virando para o saco de pancadas.
- O que você faz da vida então? – ela pergunta se desencostando da parede e parando atrás do saco de areia escorando-o para que eu pudesse bater.
- Sou médica – digo socando, ainda precisava terminar meu treino – Trabalho no Hospital Geral. Só posso treinar às segundas e terças. Minha folga.
- Oba, ao menos sei quem procurar se por acaso levar outra surra como a que você me deu ontem – brincou Izzy.
- Definitivamente não – eu disse rindo entre um soco e outro – Eu sou pediatra, não clínica geral. Você teria que vir pela emergência numa situação dessas.
- Pediatra!!!! Tá me zoando – riu ela quase soltando o saco – Você é Pediatra??? A boxeadora que me deu a maior surra da minha vida é uma Pediatra!! Agora fudeu a minha fama – disse ela gargalhando enquanto eu terminava meus últimos socos.
- Você não parece tão triste com isso – eu comentei parando de socar e colocando as mãos sobre o saco de areia ficando meio de lado de forma que pudesse vê-la do outro lado.
- Naah. To nem aí na verdade – ela disse rindo e dando a volta – Perder faz parte, apesar de eu odiar – ela parou ao meu lado e encarou minha sobrancelha; onde ainda estava um curativo pequeno sobre a linha do corte que estava quase fechado – Como é que tá isso aí? – ela perguntou apontando para o ferimento.
- Cicatrizando muito bem – digo começando a tirar as faixas das mãos e me sentando num banco ali perto – Seu queixo também não parece tão ruim.
- Não está, foi só a pancada chacoalhando meu cérebro que me apagou – brincou Izzy se sentando ao meu lado – Deixa eu ajudar – ela disse pegando minha mão direita para soltar o nó que prendia a faixa – Nós lutamos muito bem mesmo ontem – ela foi comentando enquanto soltava e enrolava a faixa verde para mim – Fazia muito tempo que eu não tinha que me esforçar assim fora de uma luta pra valer.
- Bom, há muito tempo também que eu não me animava tanto com uma luta – digo sorrindo, era mesmo a verdade – Foi um empate a nossa luta se quer mesmo saber a minha opinião. Aquele gancho foi sorte, pura sorte.
- Experiência eu diria, nem eu vi que tinha deixado aquela abertura por onde seu golpe entrou. Na verdade, nem eu seria tão doida pra receber um soco no olho pra usar aquela abertura – ela disse rindo, então completou – Tá, eu seria sim, loucura é uma velha amiga minha.
Enquanto eu arrumava e guardava as minhas coisas nós duas conversávamos. Mesmo depois de eu terminar de guardar tudo ainda ficamos sentadas conversando. Eram tantos assuntos; os mais variados tópicos, as mais diversas conversas. A conversa fluía de uma forma que nunca me aconteceu antes. Nem com meus colegas mais próximos do hospital, da faculdade, da vida; nenhum deles chegou sequer perto de falar comigo de forma tão solta quando ela. Isso porque mal nos conhecíamos. O que não ficou assim por muito tempo.
Izzy e eu conversamos até eu lembrar que tinha que ir para casa descansar; mesmo assim ela insistiu em me acompanhar e acabou mesmo caminhando comigo até a minha casa. Foi como fiquei sabendo que ela estava alugando um quarto numa casa ali por perto enquanto não achava um apartamento barato e perto da academia e do campus da universidade, onde iria começar a cursar música depois das férias de inverno terminarem.
Depois daquele dia Izzy apareceu todas as segundas e terças para treinar comigo (apesar de vir em horários diferentes durante os outros dias da semana). Nas segundas era ela quem ficava no meu lado do ringue me ajudando nos intervalos dos rounds sempre que alguém pedia para lutar comigo. Meus treinos se tornaram mais longos e animados. Conversávamos o tempo inteiro com ela fazendo piadas e me obrigando a rir. Em menos de um mês nos tornamos grandes amigas, mesmo com a diferença enorme de idades. Logo depois de começar Dezembro eu a chamei para dividir meu apartamento comigo. Ela ainda não tinha encontrado um barato o bastante e eu tinha um quarto sobrando numa casa enorme. Ela insistiu em pagar um aluguel e contribuir com as despesas da casa, mesmo comigo garantindo que não seria necessário já que eu só parava lá para dormir durante a semana mesmo.
Foi assim que, 15 dias antes do Natal eu ganhei uma companheira de apartamento. Nos demos incrivelmente bem, sabe-se lá se por causas normais ou pelo fato de eu praticamente não estar em casa durante grande parte da semana. O fato é que meu apartamento se tornou um lugar deveras mais confortável depois da mudança de Izzy para lá. Acabei por descobrir que Izzy era apelido de Elize e que ela odiava o nome. Devido ao assunto de apelidos ela acabou por decidir por ela mesma e de uma hora para a outra que me chamaria de Charlie e eu não tive como discutir.
A primeira vez que ela me chamou assim até foi interessante. Eram 6h da manhã de uma segunda, véspera de Natal, quando eu levantei e comecei a preparar um café da manhã para nós duas. Eu não poderia ir treinar na academia que estava fechada então decidi atrasar minha corrida diária. Por isso estava em casa quando, as 6:50h, Izzy acordou e veio para a cozinha com uma cara boba de sono e alegre ao mesmo tempo por sentir o cheiro de panquecas doces com calda de caramelo.
Ela simplesmente parou atrás de mim colocando a cabeça contra meu braço direito para olhar o que eu fazia no fogão, pousou as mãos na minha cintura, fechou os olhos inspirando fundo o cheiro da comida e suspirou com um sorriso bobo no rosto antes de dizer:
- Uau! Que cheiro maravilhoso Charlie. Isso parece estar uma delícia só pelo cheiro!!
- Como é que me chamou?? – eu perguntei confusa e sem jeito ao notar o apelido novo e a encarei.
- Opa... – murmurou ela se afastando enquanto mordia o lábio inferior, uma típica expressão de criança que foi pega em flagrante ao fazer uma travessura – Hehe...Chamei de Charlie....Você...vai ficar brava com o apelido??? Saiu sem querer! Eu juro Charlote – ela terminou fechando os olhos e colocando as mãos juntas em forma de prece sobre a cabeça – Juro que se te irritou eu não faço de novo. Juro!! Só não me põem pra fora de casa na véspera do Natal com uma comida tão cheirosa assim aqui dentro!!!
- Que isso Izzy – eu falei tendo que rir da reação exagerada dela – Para com o drama, garota. Não exagera não. Só fui pega de surpresa pelo apelido – falei balançando a cabeça com um sorriso divertido por conta da cara de alívio que ela fez ao ouvir meu riso – Vai, senta logo que já tá quase pronto. E não se preocupe, eu não achei ruim, só me surpreendeu. E não vou te colocar pra fora só por isso não, garota exagerada.
Aquela manhã foi cheia de piadas por parte dela com risos e gargalhadas por parte de nós duas. Ela correu comigo e, juntas, compramos o que era preciso e fizemos uma mini ceia de Natal para nós. A família dela morava em outro estado (não tão longe quanto a minha), mas Izzy havia praticamente sido expulsa de casa quando contou aos pais (quando tinha 18 anos) que queria ser boxeadora profissional, que gostava de mulheres, e que não iria se tornar uma contadora para assumir a empresa da família. Por isso ela se virava sozinha desde os 18, só com uma pequena ajuda do meio-irmão, que era dois anos mais velho, nos primeiros anos. Izzy tinha então 24 e já estava lutando profissionalmente à 2 anos quando decidiu cursar música e então decidiu vir para cá tentar a sorte no boxe e nas universidades.
Aquele acabou sendo meu natal mais animado em anos.
Fim do capítulo
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rhina
Em: 23/05/2016
A Izzy é tão leve suave.
Transmite uma energia super boa.
Luta boxe e vsi fazer música... demais.
E esta colocando cores na vida da Charlotte.
Beijos
Resposta do autor em 24/05/2016:
Ela é, tem um jeito realmente muito leve de encarar a vida o que trás sim boas energias.
;]
Mag Mary
Em: 24/12/2015
Quem é viva sempre aparece rsrs voltei!!!
Já gostei desse capítulo, a Izzy parece ser muito fofa e divertida, ela é inspirada em alguém?
Bjus
Resposta do autor em 24/12/2015:
Acabo d mostrar q estou viva sim =]
E sim, Izzy tem uma base inspirada em uma pessoa q eu conheço
;]
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