Era começo de inverno, eu tinha 35 anos, era a primeira segunda do mês de novembro e eu estava na academia fazendo uma série de flexões, abdominais e barra antes de começar minha sequencia de socos sem as luvas. Bruce chegou me dizendo que tinha uma garota nova na cidade interessada em lutar comigo. Minhas lutas já eram tão comuns que até atraiam alguns apostadores (mas o Bruce restringia as apostas, de forma que só quem treinava lá na academia tinha o direito de apostar). Naquele dia eu estava com um short preto e largo que ia até abaixo do joelho, uma regata verde escuro e também larga, meus cabelos castanhos estavam presos num rabo-de-cavalo e, como sempre, meus olhos castanhos escuros não tinham nada que os deixassem menos sem graça. Eu aceitei a luta e fui terminar meu treino.

Quando deu 18:30h eu enxuguei meu rosto e Bruce apareceu pra me ajudar a colocar as luvas, eu só usava um protetor bucal pra lutar e mais nada. Como sempre entrei no ringue primeiro e me virei ficando de costas para o lado onde meu oponente entraria. Só quando eu soube que ela já estava no seu lugar eu me virei. Era uma garota, 25 anos no máximo, cabelos de um tom castanho bem mais claros que os meus, pelo menos 7cm mais baixa que os meus 1,73m de altura. Mas foi quando ela me encarou por entre os espaços do protetor de cabeça que eu realmente fui forçada a prestar atenção nela.

A garota tinha olhos verdes, tão verdes que nem pareciam reais. Assim que ela me encarou eu notei a dúvida. Tinham preparado ela com todas as proteções e eu estava apenas com as luvas vermelhas. A garota era bem menor do que eu, com certeza uma categoria de peso a menos que a minha; eu tinha 68 kg, ela não deveria passar dos 55. Ela se virou para falar com Bruce que tinha ido na direção dela e pareceu reclamar um pouco, depois quis tirar o capacete de proteção, mas alguém disse algo à ela que fez com que a garota se irritasse mais, mas mantivesse o capacete.

Quando começou ela não disse nada, assim como eu. Afinal, não estávamos ali para conversar. Mas devo dizer que me surpreendi com a garota. Mesmo menor e mais leve do que eu os golpes dela eram pesados e firmes acertando minha guarda erguida. Depois de dois minutos (os rounds seriam de 5 minutos) eu achei que já havia analisado-a o bastante e parti para cima da menina. Eu sempre fui conhecida pelo peso dos meus golpes de esquerda apesar de ser destra, mas ela não demonstrou sentir a pressão comum que eu causava aos meus oponentes geralmente. Ao contrário, aquilo pareceu fazê-la se inflamar mais, como brasa que está para se apagar, mas reacende como uma grande fogueira quando soltam sobre ela o combustível certo.

Foi assim com aquela garota. Quando o segundo round de 5 minutos acabou ainda estávamos na mesma. Ambas cansadas, cheias de dores, mas sem nenhuma intensão de acabar. Era a primeira vez que eu tinha uma luta tão acirrada. Eu já havia perdido várias vezes sim, mas sempre para caras com no mínimo 20 Kg a mais do que eu. Me recusava a perder para uma garota menor e mais leve, no entanto, estava sendo uma tarefa difícil enfrenta-la e isso, ao contrário do que deveria, me animava.

Chamei Bruce quando ele entrava no ringue para anunciar o terceiro round, expus o protetor bucal e ele o pegou me permitindo falar:

- Quero falar com ela – disse quando pude pronunciar algo.

- Como assim Hamss?? – Bruce me perguntou confuso – Falar?? Você???

- Cale a maldita boca Bruce, me deixe falar com a garota – respondo num tom sério, eu raramente sorria dentro da academia, mas estava com vontade de fazê-lo hoje.

Ele acabou indo até a garota, o rapaz que me ajudava ficou com o protetor pronto para lavá-lo antes que eu tivesse que recoloca-lo de novo. Vi a garota passar o protetor para o homem atrás dela, que também era um dos frequentadores da academia e se levantar indo na direção do centro do ringue junto com Bruce. Me levantei e fiz o mesmo. Paramos uma em frente da outra com ela me encarando com um ilhar desconfiado.

- Charlote Hamss – digo calmamente – É o meu nome. Você luta muito bem, quer ser profissional não é? Bruce me disse.

- Sim; isso mesmo – ela respondeu, sua voz era mais rouca que a minha e possuía um timbre mais forte também – Porque quis falar comigo? Com medo de perder sua reputação? – ela indagou com um sorriso convencido.

- Eu sequer ligo para essa merd* que chamam reputação – respondi dando de ombros, porque era mesmo a verdade – Você luta bem, muito bem. Tão bem que me animou. Estou aqui para uma sugestão – falei de uma forma séria – Rounds de 5 minutos, até uma cair, pedir para parar ou ser nocauteada. É a minha proposta – disse com um meio sorriso.

Ela sorriu de volta, um largo, animado e divertido sorriso. Soltou um riso rápido e ergueu a mão com a luva parando-a entre nós duas.

- Feito, adorei a sugestão – ela disse ainda sorrindo largamente o que me fez sorrir um pouco mais também.

Bati minha luva contra a dela num toque leve e voltamos aos nossos lugares deixando um Bruce pasmo no centro do ringue. Depois de recolocados os protetores ele não teve escolha a não ser iniciar o terceiro round; que deveria ser o ultimo, mas que eu tinha certeza de que não seria. Lutamos mais 5 rounds totalizando 25 minutos a mais de luta do que o usual. Eu já estava esgotada, isso era nítido. Ela também, mas o peso da idade caia mais sobre mim e isso também era nítido, mas nem uma de nós aparentava tendências a desistir.

Eu estava para desmaiar de cansaço enquanto que ela ainda parecia ter um sopro de fôlego a mais quando aconteceu. Um cruzado de direita dela veio na minha direção e, a experiência, me fez ver a brecha. Eu só teria de ser louca para tentar, mas meu cansaço me dizia que eu não teria outra oportunidade. Joguei meu rosto contra a luva dela de forma a impedir o movimento completo do soco enquanto soltava meu gancho de esquerda por baixo do braço direito dela. Milésimos de segundos depois dela acertar minha sobrancelha, que abriu e derramou sangue na hora, meu soco acertou o queixo dela por baixo tirando-a centímetros do chão e jogando-a de costas contra as cortas e depois de lado contra o chão.

Por apenas um olho eu vi Bruce se aproximar da garota que tentava levantar, mas não tinha equilíbrio para se sustentar nem erguer os braços direito. Eu venci a luta por nocaute, mas eu sabia que aquilo tinha sido mais um empate do que uma vitória, isso porque eu mal consegui levantar do meu banco depois de me sentarem para que o médico da academia estancasse o sangramento no meu rosto. Bruce e mais alguns rapazes levaram a garota para um dos vestiários para que o médico a avaliasse depois e eu fiquei lá, me limpando, quando ele foi.

Eu não me preocupei com ela, tinha Bruce e um médico junto, mas eu sabia que não havia sido um golpe que traria riscos à saúde da garota. Ela provavelmente só teria uma boa dor de cabeça nas próximas horas. Por saber disso fui embora antes deles saírem dos vestiários. Afinal, eu precisava descansar depois daquela luta.

Fim do capítulo