Em uma bela fazenda, no município de Campos de Goitacases (RJ), morava Isaura, uma linda escrava de pele branca. Isaura era filha de uma bonita escrava que por não se sujeitar aos sórdidos desejos do senhor comendador Almeida (dono da fazenda) sofreu as mais terríveis privações. Esta escrava teve um caso com o feitor Miguel, que era um bom homem e não aceitou castigá-la como mandou o seu senhor, sendo Isaura fruto desse relacionamento. Isaura perdeu a mãe no dia que veio ao mundo, sendo criada e educada pela mulher do comendador, Isaura era dotada de natural bondade e candura, inteligente aprendeu ler, escrever, italiano, francês e piano. A mulher do comendador tinha desejo de libertar Isaura, porém não fazia para mantê-la em sua companhia, pois se sentia só, já que seu marido o comendador Almeida, era um homem rude, avarento e extremamente canalha.


O Comendador tinha um filho, Leôncio Almeida, um homem que herdara o gênio do pai, era mau caráter, corrupto, dominador e devasso,porém dono de uma bela aparência. Leôncio vivia em Portugal, havia mudando-se no intuito de estudar, coisa que jamais fez devido a vida devassa que levava. No entanto, obrigado pelo pai diante da ameaça de ser deserdado, Leôncio casou-se com uma bela brasileira de família nobre, Malvina.


Após a morte da esposa do comendador, este aposenta-se retirando-se para a corte, deixando a fazenda aos cuidados do filho, que após o casamento com Malvina, retorna ao Brasil, principalmente para assumir sua herança.


Após a morte da mulher do comendador, Isaura apesar de ter sentido a perda, estava em estado de êxtase, pois acreditava cegamente que o desejo de sua senhora seria cumprido, e ela então teria sua tão sonhada liberdade, ledo engano. Portanto, após a partida do comendador da fazenda, ela ficara em alerta, pois ele não mencionara se seu filho a libertaria, por isso aguardou ansiosamente a chegada de seu novo senhor.


Jamais esqueceria o momento que os viu entrando( ou seria: os VI entrando? Afinal essa é a minha história) pela porta principal, da grande casa que possuía um verdadeiro estilo feudal, minha vida mudara ali. Aguardava junto com os demais empregados, todos enfileirados demostrando educação e submissão aos novos senhores. Eu estava entre, Miguel( meu pai e capataz da fazenda), Belchior ( o jardineiro ), Ana ( governanta ), Jurema ( a cozinheira ), Inácia ( arrumadeira ), Rosa ( também arrumadeira ).


Logo que notei a presença dos senhores na grande sala, levantei os olhos para analisar minuciosamente os patrões. Acreditava que apenas Leôncio e sua esposa viriam, no entanto, havia mais um homem com eles.


--Finalmente chegamos nesse fim de mundo!


O Homem bonito, alto, de cabelos castanhos e olhos pretos, desabafa enquanto caminha na direção de uma das poltronas, ignorando completamente a presença dos servos, demonstrando-se esnobe e arrogante de imediato. No entanto, o rapaz loiro e a mulher também loira, dirigiram-se até nós, sendo a mulher a primeira a se manifestar.


--Boa tarde!


Todos cumprimentamos a senhora ainda de cabeças baixas, exceto por mim que estava encantada com a beleza e semelhança dos senhores a minha frente. A mulher era absurdamente linda, olhos verdes muito claros, numa mistura com cinza, cabelos ondulados num loiro muito "vivo", possuía um corpo muito bem feito, que estava bem delineado sob o espartilho que vestia. Mas o que mais me impressionara, era a forma que sorria e olhava nos olhos de todos os servos, de igual pra igual.


O rapaz que certamente era irmão da senhora, pois possuía os "mesmos" olhos, e os "mesmos" cabelos, também nos cumprimentou, aparentando ser tão simpático quanto sua irmã. A mulher prosseguiu.


--Então! Eu sou Malvina, esposa de Leôncio, e esse é meu irmão Henrique! Poderiam se apresentar pra nós? Já que conviveremos diariamente a partir de hoje...


Seu sorriso era singelo, meigo, sua voz era doce, suave, extremamente calma, passava segurança a quem quer que ouvisse. Nos entreolhamos, e então Ana tomou a palavra, já que era governanta.


--Me chamo Ana senhora, sou a governanta e estou a vosso dispor.


E assim sucessivamente a seguimos, também nos apresentando.


--Me chamo Miguel, sou o capataz da fazenda e estou a vosso dispor!


--Belchior senhora, o jardineiro a vosso dispor.


Todos se apresentaram restando apenas eu, estava intrigantemente nervosa, havia recebido a melhor educação possível, convivi com pessoas da alta sociedade, não entendia o porquê do nervosismo diante dos irmãos.


--Isaura senhora, sua dama ao seu dispor!


Minhas palavras foram quase inaudíveis, já que as proferi olhando nos olhos da senhora, que sorria enquanto me observava atentamente.


--Não sabia que teria uma dama!


Ela virou-se na direção do marido, que até aquele instante não havia nos olhado. Leôncio fumava um charuto estirado na poltrona, quando virou o rosto em nossa direção no momento que a esposa mencionou-me a ele. Vi seus olhos " caindo" sobre mim, no mesmo instante um arrepio percorreu minha espinha, não era uma sensação boa, fora uma espécie de calafrio, um mal presságio.


Manteve-se calado por alguns instantes, apenas observando-me, vi seus olhos brilharem sinistramente, desviei-os. Novamente a senhora voltou-se em minha direção.


--Pois já que és minha dama, gostaria que apresentase-me meus aposentos!


--Sim senhora!


Só nesse instante que percebi, que meu pai e Belchior, carregavam as bagagens para o interior da casa. Fiz um gesto para que a senhora seguisse pelo corredor, e assim a segui.


--Aqui é o quarto principal senhora, preparamos para vossa chegada!


--É grande...de muito bom gosto. Gostei!


Mantive-me em silêncio enquanto a senhora observava cada centímetro do quarto, ela sorria, feliz, encantada. Belchior bateu na porta, entrando logo em seguida com algumas bagagens, assim que saiu, a senhora aproximou-se de mim, tocando levemente em meu braço.


--Ajuda-me a desfazer as malas? Enquanto isso podemos nos conhecer melhor!


Arrepiei-me, mas desta vez não como quando Leôncio olhou-me, desta vez fora intrigante. Acatei seu desejo com um leve manear de cabeça. Sentando-me ao seu lado no tapete felpudo que havia em frente a cama, para desfazer as bagagens.


Meu coração estava duelando, por um lado eu ansiava que o senhor me chamasse até seu escritório, e desse-me a alforria, por outro lado, eu queria continuar ali, e descobrir um pouco mais sobre aquelas pessoas. E pensar que eu tive essa oportunidade e ela fora desastrosa.

Fim do capítulo