Pentimentos por Cidajack
Capítulo 3
TRÊS
disclaimer no capítulo UM
Todos os dias brincava de casinha com Becky, indo jantar e dormir com ela. No começo, como não era cotidiano ainda, foi divertido. Nos finais de semana, Becky ia para a mansão, quando tinha a bendita folga.
De uma hora para outra, ela redescobriu seus dotes culinários e esperava seu amor com algo para comerem, um bom vinho (obviamente, uma das cortesias suas que irritavam Becky), e toda a paciência, que nunca teve, para escutar as aventuras diárias de sua amada criatura.
Gostava do fato de serem apenas elas. O apartamento era mínimo, mas era um ambiente querido, trazia recordações de sua juventude, de como tudo começou para a estudante de medicina tão ambiciosa e motivada.
O apartamento, na verdade um living-dormitório em uma região central da cidade, um lugar tradicional, fora escolhido a dedo pelos pais de Luciana e tinha sido um presente para que ela pudesse estudar em São Paulo. Estavam orgulhosos da filha que tinha sido aprovada na mais renomada faculdade de medicina. Seus pais...há quanto tempo os deixara...
Depois da primeira discussão entre elas, simplesmente colocara Becky ali.
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Naquela época, os sentimentos de Luciana estavam confusos. ter deixado Becky vê-la tão desamparada não a agradara, porém o beijo com gosto de ódio que recebera de Rebecca a incomodara. O significado da frase "invadir sua vida" perdera-se completamente. Luciana entendeu que não poderia remover a menina de sua vida tão simplesmente. Entendeu também que sua invasão na vida de Becky fora mais profunda e sentiu novamente a vergonha queimar-lhe a face. Ela era a invasora, a que tinha atravessado um destino, engolindo em seu rastro, como um quasar, uma vida mais significante que a sua. De repente, lembrou-se dos sonhos da jovem e de como ela estava implicada neles.
Quando retomou sua calma e foi até o quarto de Becky, ela tinha ido. Sem destino, sem lar, sem dinheiro, com uma única muda de roupa.
Saiu atrás dela. A fúria que sentia era consigo mesma. Quem ameaçara fora ela e, no entanto, temia mais do que qualquer pessoa chegar a este ponto e ali estava desesperada. Seus olhos estreitavam-se tentando enxergar além de todos os muros e portões. Todos os vultos. As ruas eram ermas e, pelo horário, somente se um carro tivesse parado e ...não queria pensar. Já perdera antes, conhecia a dor e dela tentara se preservar. Agora, sabia que estava começando a senti-la. Sua garganta estava seca, sua cabeça doía, dirigia como uma alucinada, alternando alta velocidade com freadas bruscas.
De repente, em uma destas paradas de ônibus, ela viu o vulto. A pequena forma estava menor, pois encolhida. Ao ver o carro, tentou correr. Luciana não pensou e, se fosse preciso, a atropelaria para retê-la. Atravessou o carro na frente dela e saiu, quase com o carro em movimento ainda, deixando a porta aberta.
Novamente, estavam cara a cara. Luciana estava quieta. Seu corpo todo estava tenso, preparado para reagir a qualquer tentativa de fuga da loirinha.
- Aqui, neste lugar sem dono, eu posso dizer: sai da minha frente e eu tirarei você da minha vida, doutora.
A dor que consumia o corpo da mulher tão poderosa fazia com que ela se sentisse pequena diante daquela força pura que emanava do corpo tão menor que o seu. Num ato de força suprema, ela ainda ergueu os ombros, tentando recuperar a extensão de seu corpo. Para Rebecca, fora mais um ato de arrogância.
- E agora, o que vai fazer, doutora? - o olhar era desafiador - Eu não levei nada seu, além do olhar que eu amo e ficará em minha memória para sempre como a mais cruel lembrança que já tive de alguém.
Luciana deu meia-volta e entrou no carro. Fez a manobra e deixou o pequeno vulto parado no meio da pista. As palavras ecoavam em sua cabeça, que cada vez mais parecia querer explodir. Seu carro foi interceptado por outro, que a obrigou a parar.
Para sua surpresa, era Clara.
- Desculpe-me, Dra. Luciana, mas eu dei por falta de Rebecca e os seguranças informaram que vocês saíram separadas, de uma forma pouco comum...bem...
- Ela está lá. - e apontou para um lugar qualquer na escuridão - Traga-a de volta, Clara....Por favor.
Seja lá o que fora que Clara dissera, Luciana era grata pelo fato de ter trazido Rebecca de volta, sã e salva.
Na manhã seguinte, conversaram. Rebecca ficou sabendo que a secretária tinha tido ordens para providenciar a mudança dela para o apartamento.
- É uma caridade, doutora?
- Gratidão, você salvou minha vida.
- você também.
Repetindo os movimentos, Luciana puxou Rebecca e a beijou. Não com raiva, mas com muita ternura e carinho.
- Não tenho tanta certeza, minha criança. - havia tristeza na voz de Luciana.
Naquela noite, apesar de raramente estar com ela, saber que não estava sob o mesmo teto que sua menina, doeu demais.
Fechou-se em sua vida novamente.
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O apartamento era bem aconchegante. Pequeno, mas com todas as coisas bem conservadas.
A primeira noite sozinha ali não foi nada tranqüila.
Não gostara da maneira como saíra da vida de Luciana. Sabia que ambas tinham se magoado muito, ainda que o orgulho não permitisse que admitissem.
Correu na noite escura sem bem saber para onde ia. Queria sair da vida de Luciana, ir para longe. Quando saiu do quarto dela, estava cega pelas lágrimas. Passou pelos seguranças, que a interpelaram, mas ao reconhecerem-na apenas a advertiram pelo adiantado da hora e contra possíveis perigos da escuridão noturna.
A lua não estava clara e não ajudava. Tropeçou uma vez, chegou mesmo a cair. Um único carro passou por ela, mas nem percebeu seu pedido de carona, ou temeu ser alguma ladra. Sabia que eram raras as linhas de ônibus que passavam ali, ainda mais àquela hora. Decidiu se abrigar em uma parada de ônibus até surgir o primeiro. Não tinha dinheiro, mas não seria a primeira vez.
Ouvira o barulho do motor quando estava bem perto, por isso poder ver o carro. Correu por reflexo. Sabia que seria alcançada. Armou-se contra o que poderia vir. E tudo foi um desastre. Quando Luciana voltou para o carro e a deixou, sentiu que queria morrer.
Então Clara apareceu e simplesmente disse que Luciana pedira para trazê-la de volta. E enfatizou o fato da mulher sempre tão arrogante e autoritária ter dito por favor.
Depois a conversa breve. O beijo. E ali estava ela.
Clara explicara que Luciana tinha chegado da viagem com esta resolução, antes mesmo delas terem discutido. Era algo já decidido.
O apartamento era um bem pessoal da doutora, não tinha sido herdado ou pertencia ao grupo de empresas. Também era desejo da doutora que ela recebesse algum tipo de orientação profissional para que pudesse iniciar sua vida. Era uma oferta justa e a faria se sentir quites.
Obviamente, Becky não queria aceitar. Nada tinha que ser quitado. Não havia acertos de contas, ao menos em nível material. Não queria depender dela.
Com certa destreza, Clara foi colocando os pontos e fazendo a pequena enxergar que suas opções não eram nada boas.
- Rebecca, onde você pensa em ficar? Pretende voltar a mendigar? Aceitar o que a Dra. Luciana oferece é tão mais humilhante?
Rebecca pensara em Renée, mas sabia que não poderia contar com o amigo, pois este temia o pessoal de Pedro. Ela mesma, pensando bem, temia levar nova reprimenda dos bandidos. Há quase três meses estava fora das ruas e provavelmente tinham considerado-a como morta. Dinheiro não tinha. Estava melhor preparada, mas nada que pudesse abrir-lhe portas.
- Pensa bem, Rebecca. Vou me empenhar em prepará-la. A dra. deu-me carta branca.
- Não queria mais nada dela. Ser sustentada por ela.
- Quando você estiver trabalhando, arrumaremos outro lugar, fique calma.
- Não queria que fosse assim. Eu vou estar ligada a ela, ainda.
- E você acredita que ela realmente quer se livrar de você?
Os olhos verdes brilharam. Clara jamais fora tão ...tão...intrometida. Era a primeira vez que ocorria.
- Rebecca, mais do que você, eu conheço aquela mulher. Ela não tem meias medidas. Se dissesse fora, você estaria fora mesmo! Nem que você tivesse devolvido a ela as coisas que mais lhe foram caras, era teria qualquer consideração e não hesitaria em colocá-la no meio da avenida, sem nada. Sob esta ótica, temos duas opções: ou ela realmente aprendeu o que é gratidão, e você estaria ofendendo-a se não aceitasse a sua primeira manifestação deste sentimento; ou ela sabe que ainda não está preparada para assumir as mudanças que você opera nela e precisa de tempo. Aliás, uma coisa não invalida a outra, pois se ela aprendeu algo sobre sentimentos nobres, foi mais uma mudança que sentiu com você.
Clara falava calmamente, enquanto checava o funcionamento das coisas: encanamentos, água, gás, luz, armários. Becky observava cada movimento. A meticulosidade, a preocupação com os detalhes, a precisão com tudo. Certas coisas são natas e Clara nascera para ser secretária.
- Dê esta chance prá ela. Nesta madrugada, depois de tantas humilhações que já sofri, depois de todas as vezes que amaldiçoei esta mulher; bem...eu vi que pode existir um ser humano escondido por trás daqueles belos olhos e só uma pessoa especial poderá resgatá-lo da prisão na qual se fechou.
Assim, com estas palavras ecoando em sua cabeça, Rebecca dormiu naquela noite, para acordar em uma nova vida.
Foram seis longos meses!
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Como entender as pessoas?
Clara virara a correspondente no meio daquela guerra sentimental. De um lado, Becky com perguntas sobre a doutora, do outro Luciana discretamente sondando o que acontecia.
- Ela está se esforçando nos estudos, Clara?
- Ela está enfurnada no hospital, Clara?
- Ela tem feito amigos, Clara?
- Ela está saindo com o personal trainer de novo?
Luciana fingia preocupada com o desenvolvimento de Becky, dizendo que tão logo ela começasse a caminhar com as próprias pernas, mais rapidamente terminariam seus vínculos. E, claro, o mais importante, Clara poderia retomar suas atividades rotineiras.
Becky, menos velada, era bem objetiva nas coisas sobre as quais perguntava e queria mesmo saber se Luciana estava bem, se retomara sua vida habitual, fosse ela qual fosse, se aparentava diferenças.
Nestes meses, nunca mais haviam se visto, embora Clara tinha quase certeza que Becky "seguia" Luciana, que por sua vez, sempre procurava saber quando Clara e a jovem iriam há algum lugar público, para observá-las. Certa vez, pelo espelho de uma loja, Clara viu o inconfundível vulto. Desde então, sem que Luciana perguntasse, ela dava um jeito de informar.
- Rebecca, com você eu posso ser mais direta.
- Tá. Fala.
- Por que você não liga prá Dra. Luciana?
- Por que eu? Eu me considero amiga dela tanto quanto ela demonstrou ser minha. Então, se ela sentisse minha falta, também poderia ter ligado.
Amizade? Quem elas queriam enganar? As duas se amavam.
- É só amizade?
- Poderia ser outra coisa,Clara? Além do que já é um bem muito precioso. Quer saber, penso que ela é minha única amiga.
- E você também seria prá ela. Aquela mulher é a pessoa mais solitária por não confiar em ninguém. O que você chegou perto dela é a maior prova de que ela também quer a sua amizade.
- As poucas vezes em que me vi em perigo, eu só pensei nela e ela apareceu.
Clara ficou sabendo da aproximação entre as duas.
- Vocês nasceram uma para a outra. Ela precisa de você, da sua mansidão, sua bondade. E você precisa dela, da proteção, da dedicação, da fúria e coragem, da malícia. Vocês se completam.
E mais alguns meses se passaram com aquela mesma rotina.
Não se falavam, nem por telefone. Ambas eram extremamente teimosas.
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Em sua tentativa de não ser percebida, Luciana estava parada discretamente, quando um estrondo fez uma onda de pessoas correrem pelo corredor do shopping. Com sua habitual fleuma, ela ficou parada e foi atropelada pelas pessoas.
Clara percebeu a figura toda atrapalhada, com a maior cara de nojo tentando, em vão, não ser tocada pela multidão. Num gesto abrupto, fingindo medo, Clara arrastou Becky junto com a multidão e, habilidosamente, lançou a loira nos braços da morena.
Os olhos verdes ergueram-se, seguindo o caminho dos seios firmes a sua frente até se depararem com a boca perfeita, semi-aberta; o nariz imponente e os olhos azuis mais lindos do mundo. Ambas estavam abobalhadas. Foram alguns minutos, nos quais a multidão espremiam-nas uma contra a outra. Seus corpos entrelaçados. Os braços de Luciana prendendo Becky pela cintura. As mãos dela sobre os ombros da doutora.
- Luciana? Como...o que...
Havia uma mancha escura na camisa branca e nas mãos de Becky, uma pasta de shoyu com catch*p e nuggets.
- Não! Luciana, desculpa...- e começou a esfregar a palma das mãos no peito da camisa.
As mãos de Luciana ainda prendiam o corpo de Rebecca e ela pode sentir o tremor que percorreu o corpo da doutora, com seu gesto inocente. Rapidamente, foi afastada, não sem perceber a reação nos seios sob a blusa. Quase sorriu, mas se controlou.
- Deixa, Rebecca. Está ficando pior...não precis...- mas Rebecca, para provocar, continuou mais um pouco - Chega! Eu disse...chega. - o que começou num grito, terminou suavemente, sob extremo controle.
Trocaram algumas palavras amenas e foram embora.
"Como são teimosas, Jesus!", Clara pensou, ao se aproximar de Rebecca.
- Coincidência, não Clara?- Becky disse num tom bem irônico.
- Providência divina!!!!
- Como ela está bonita, não?
Clara concordou.
- E os olhos? - Rebecca sacudiu a cabeça, para afastar a lembrança. - Mas ela nem parou prá conversar. Sempre mantendo a pose.
A secretária sabia que quando chegasse na mansão, o diálogo seria bem parecido. Apostava sua mão direita.
- Clara, vamos voltar na loja, acho que deixei minha echarpe em algum lugar.
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O cheiro de Becky era suave. Ela sempre gostou de perfumes suaves, lavandas, águas. Muito sútil, às vezes infantil.
Tê-la nos braços, aqueles poucos minutos, foi um presente dos deuses, embora suspeitasse de uma certa secretária. Enfim, foram poucos minutos devastadores.
Como ela mudara. Clara estava fazendo um excelente trabalho. O corpo ganhara novos contornos, seus cabelos estavam mais claros e curtos, não usava mais prendê-los, como antes. Pode sentir as curvas.
Sem falar no esforço para afastar as mãos delas de seus seios. Que sensação. Chegou a sentir raiva do seu corpo por ser tão independente. Certamente, ela não percebera. Estava com um olhar tão inocente e fora algo tão reflexivo...não, não fora intencional. E se fosse?
O jeito que os olhos se encontraram. Luciana tremeu ao lembrar dos olhos. Como juntando um quebra-cabeça, associou o olhar tão terno e franco com a lembrança dos toques em seus seios e, para embalar tudo, o cheiro maravilhoso na echarpe que ela deixara presa ao cinto de Luciana e nem percebera, na pressa de se afastar. Tudo aquilo e a ausência faziam o coração da morena doer. Com ele também doía seu desejo. Foi uma longa noite.
Não só para ela, mas para a loirinha também. Rebecca se sentia ousada por ter brincado tão dissimuladamente com as sensações da doutora. Por um momento, sentiu-se tão poderosa por ver o corpo rebelar-se contra a vontade da poderosa dona. Lembrou do tom meio desesperado da voz de Luciana, como se ela não pudesse se conter aos toques das pequenas mãos, aparentemente inocentes, sobre seus seios. Não menos prazeroso era ter aqueles braços fortes segurando-na tão firmemente, mas com preocupação de não machucar, como se ela fosse um vaso de porcelana. Ficara claro que nenhuma delas tinha tido vontade de desfazer o abraço.
Sempre fantasiara estar nos braços dela, sentindo seu cheiro, pele, reações. Fora tão pouco, tão rápido, mas uma amostra muito poderosa. Seu corpo estava dando sinais. Estava sozinha há muito tempo e só queria uma pessoa.
Lembraram-se da noite em que passaram juntas, dormindo uma ao lado da outra, só o contato tímido. Por que não podiam admitir que queriam estar juntas?
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Era uma cena até engraçada: Luciana cochilando na porta do apartamento.
Rebecca ficou um bom tempo observando. Na verdade, admirando seu objeto de desejo. Jamais imaginara que Luciana, a toda poderosa e sempre além das fraquezas humanas, pudesse tirar um cochilo em um corredor. Está certo que ela estava em pé, encostada na porta. O que era algo meio incomum, mas ainda era bem humano.
Os olhos azuis se abriram. Perdidos, atordoados, desfocados, mas lindos como sempre.
- O que você faz aqui?" - as duas fizeram a mesma pergunta.
- Por sua vontade, eu moro aqui, lembra? - 'merd*, não era para ser uma tijolada",
Luciana desviou o olhar e tirou da sacola a echarpe.
- Você deixou presa em meu cinto.
- Ah...
Esticou o braço e, com sutileza, tocou as pontas do dedo que seguravam o tecido. Por um momento, confundiu a suavidade da pele com a seda da echarpe. Luciana tremeu.
- Bem, é isto...
- Clara poderia ter me entregue, não precisava se incomodar.
Sacudiu os ombros, num gesto de desdém.
- É...tem razão. Estou indo.
Silêncio. Becky obstruindo a passagem, Luciana evitando contato. Olharam-se. Verde quer, azul não quer, verde não quer, azul quer, verde está cedendo, azul está pedindo....
- Quer entrar?
Um sorriso fez-se presente na face de Luciana ao entrar no apartamento. Quantas recordações.
- Lembranças?
A voz de BEcky, trouxe a doutora repentinamente de volta, um tanto quanto surpresa pelo aspecto tão pessoal da pergunta. Se queria tê-la de volta, deveria começar a ter respostas.
- É. Tenho boas recordações das coisa que vivi aqui.
A resposta de Luciana fez Becky perceber que, se quisesse ser dela, teria que saber ser paciente para obter respostas.
- você se importa se eu tomar um banho? Acabei de chegar da academia e faltou água.
- Eu vou embora.
- Sua impaciência não permite esperar um banho, doutora? - "quer parar de agredir a mulher!".
Antes que Luciana pudesse responder, Becky foi para o banheiro. Em poucos minutos, ressurgiu, enrolada na toalha, os cabelos curtos pingando, as gotas escorrendo pelas costas. Luciana estava tentando manter o olhar afastado, enquanto Becky desfilava naturalmente, escolhendo suas peças de roupas. Diga-se de passagem, mínimas. Depois, sumiu atrás do biombo.
- você morou muito tempo aqui?
Luciana esforçava-se para não ser indiscreta, mas também tentava ver algo por entre as entreliças do artefato.
- Hum, hum...onde pego água?
- Na cozinha, não tem como errar.
Quando saiu da cozinha, surpreendeu Becky em suas lingerie, procurando algo no maleiro do guarda-roupas. Para alcançar o que queria, ficou nas ponta dos dedos, o que fez seus músculos todos se flexionarem. Estava perfeita. As costas maravilhosas, musculosas, os braços bem torneados, a bunda firme, as coxas tão sólidas. O copo com a água ficou parado a meio caminho da boca entreaberta, para logo em seguida ser esvaziado de uma vez só.
- você estava com sede! - o comentário foi divertido, pareceu inocente...seria?
Deixando o copo de lado, Luciana perguntou o que ela queria e pegou dentro do armário, procurando não olhar tão faminta para a beldade que esticava os braços apontando o local.
Becky foi novamente para trás do biombo e quando voltou, Luciana imaginava porque colocar algo sobre a lingerie, se estava com tão pouca roupa. Um top, um shorts mínimo e os pés descalços.
Depois que conseguiu se acostumar com a visão, Luciana e Becky conversaram. Riram também. Comeram comida chinesa de um fast-food e se despediram como amigas.
Luciana falara pouco, mas o suficiente para demonstrar que estava aberta. Rebecca perguntou muito, mas cobrou poucas respostas, para demonstrar que poderia ser paciente.
E assim foram os próximos meses. Pura troca de confidências. Havia um terreno pouco permitido. Uma zona de perigo. Nada, mas nada, era respondido, mesmo quando apenas insinuações, sobre o casamento. Ou sobre o fato dela não mais realizar intervenções médicas. Rebecca sentia o quanto Luciana amava sua profissão e se entediava com as coisas do hospital, por isso a curiosidade. Sempre sem respostas. Apenas um brilho estranho no olhar, um sorriso amargo e ...bem, com, o passar do tempo, ficou estabelecido que estes assuntos não eram bem-vindos.
Entre as conversas, vez ou outra, a temperatura se elevava. Um toque aqui, uma mão ali, o cabelo que caía na testa e era afastado num gesto carinhoso e por aí vai. Era incrível como a coordenação motora das duas sofrera um surto de deficiência, pois sempre derramavam as bebidas, babavam os molhos, perdiam o equilíbrio e toda sorte de pretextos para se tocarem.
Estava ficando insuportável. Para ambas.
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Clara inventara uma pesquisa sobre um tema e disse que na biblioteca da casa de Luciana eu encontraria tudo. Luciana estava viajando. A biblioteca era o meu lugar predileto. Tinha tantos livros e vasta variedade de assuntos. Muito sobre medicina, mas tinha muita coisa legal.
Perdida na leitura, acabei ficando até mais tarde.
De repente, recebi um aviso de que deveria me aprontar, pois Luciana queria minha companhia para sair. Estranhei, pois eram quase 11 horas da noite de uma quarta-feira. Nunca, nos tempos em que fiquei ali, a vira fazer tal coisa. Depois viria a saber que era comum.
- Mas, ela não estava viajando?
- Estamos falando da Dra. Luciana, não se esqueça. Vamos para o seu antigo quarto, você precisa se arrumar.
Sobre minha cama, uma roupa de couro de antílope, algo meio arrojado. Vesti e me senti super exposta, mas atraente.
Quando encontrei Luciana, perdi o fôlego. Ela estava toda em couro preto. Saia curta, com botas de cano bem alto, quase até as coxas. Um sobretudo também em couro. Os cabelos estavam trançados e os olhos azuis estavam transbordando sensualidade. Era uma deusa grega, "a deusa da caça ou ...do amor", pensei.
- Vamos.
Obedeci a ordem, pois não fora um convite.
Paramos na porta de um clube. Conhecia tais lugares, chamados de alternativos, onde todo tipo de pessoas marcavam presenças. Fomos recepcionadas muito bem e Luciana pareceu ser conhecida.
Até me acostumar a pouca luz e à música alta, demorei um pouco. Depois pude ver a pista de dança, as gaiolas, rapazes em trajes mínimos dançando com garotas seminuas. Luciana não estava comigo. Sem ela, comecei a circular pelo ambiente lotado. O calor era intenso e não havia como não tocar naqueles corpos suados e em êxtase. Renée me falara dos tais "dark-room" e, sem me dar conta, entrei em um deles. Era uma verdadeira orgia. Sexo feito abertamente. Homens com homens, mulheres se beijando, casais em atos explícitos. Fiquei pensando o que Luciana fazia em um lugar como este. Estava tão admirada, que fui literalmente agarrada e beijada por um estranho, que se esfregava em mim, bastante excitado. Senti sua força me empurrando para o sofá, quando ele foi segurado pelo braço. Era Luciana. Sem reagir, ele se afastou, agarrando um cara que vinha entrando.
Ela me levou para a pista de dança. Deu-me algo para beber. Nunca fora de bebidas alcoólicas.
- É um coquetel bem energizante. Beba sem preocupação.
Bem, em pouco tempo estava zonza, mas bem. Via Luciana ser assediada por homens e mulheres. Pensei, por um segundo, tê-la visto beijando uma delas. Mas a luz era pouca. Então começou a tocar uma música que eu gostava e sempre achei que era própria para excitar, deixar o desejo a flor-da-pele. Então olhei com muito desejo para Luciana. Ali, naquele ambiente que fervilhava e emanava sex* e desejo, não pude me conter. Nem eu sabia que dançava daquele jeito.
Apesar da diferença de altura, me vi dançando com uma mulher muito atraente, mas não tirava os olhos de Luciana, que apenas ficara parada na pista, com sua figura negra e imponente, a nos observar. Sentia o corpo da estranha em cada parte do meu, mas eram os olhos de Luciana que percorriam meu corpo. Era excitante. Desviei de seus beijos e quando ela pareceu insistente, aconteceu. Sem muito esforço, Luciana a substitui. Começamos a dançar juntas. Estávamos com partes de nossos corpos expostos pela pouca roupa e assim nos sentíamos, esfregando pele contra pele. O contato visual era o suficiente para sabermos o que queríamos. Nos beijamos ávidamente. Nunca havia me sentido daquela forma, livre.
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A cidade era chata, a reunião um porre e nada se resolvia. Voltei antes. Primeiro vôo que consegui. Não estava cansada e sentia uma excitação muito grande. Há muito não saía com alguém. Só pensava em Rebecca e nos últimos acontecimentos. Era nítida a necessidade que tínhamos uma da outra.
Liguei para pedir o carro e Clara informara que Becky estava lá e se teria algum problema.
- Claro que não...aliás, avise que iremos sair. Ajude-a a se vestir. Algo bem, digamos...ousado.
Ao desligar o celular, já tinha tudo planejado.
Freqüentava com certa regularidade um clube noturno GLS. Era bem ousado e eu me sentia bem entre aquelas pessoas. Era muito excitante ver a sensualidade e os riscos que aquelas pessoas corriam por uma dose de calor e prazer. Certa vez, deixara-me ser "explorada" no dark-room. Foi delirante não saber quem era a pessoa que me excitava e levava ao prazer.
Pensando nisto, imaginei tudo. Fiz a cena e deu tudo muito certo.
Queria obrigar Rebecca a se revelar. Naquele ambiente seria difícil manter o controle. Embora sentisse que algo estava faiscando entre nós, queria ter certeza se teríamos coragem.
Rebecca fizera tudo exatamente como imaginara. A curiosidade peculiar a ela, levou-a a ver tudo com gula de conhecimento. Ela era uma experimentadora, tal qual eu já o fora.
Fiquei de longe, observando-a. Incitei os caras a se aproximarem dela. Entreguei-me a um beijo sensual com uma velha conhecida, para provocá-la. Então vi o desejo e a luxúria naqueles olhos verdes sempre tão inocentes. Foi incendiário. Vê-la se esfregando no corpo da outra mulher sem oferecer resistência fez meu sangue bombear mais rapidamente. Quando toquei seu corpo, senti descargas elétricas diretas em meu sex*. Estava em êxtase. Nos beijamos sem qualquer receio. Foi alucinante.
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Ainda que cheias de desejo, permaneceram lá por mais algum tempo. Não foram para casa, foram para um apart. Não sabiam quem estava mais ansiosa. Luciana levava vantagem pela estatura mais privilegiada, mas Rebecca era forte também. Porém, fora facilmente colocada sobre uma dessas banquetas de bar e pode ficar no mesmo nível de Luciana. Olharam-se fixamente enquanto sentiam suas línguas se tocando. Estavam nuas e Rebecca abriu sua pernas, permitindo que Luciana se encaixasse no espaço entre sua coxas. Rapidamente, prendeu a doutora, ao mesmo tempo em que buscava os seios firmes e tão imponentes. Nunca amara uma mulher antes, mas sabia que era aquilo que ela própria queria. Tocava Luciana da maneira como queria ser tocada.
Sem muito esforço e no calor do ato, Luciana sem sair do laço, levou Rebecca para cama. Ou melhor, tentou, pois arqueou com a mordida da loirinha em seu ombro, seguida de uma sucção em sei seios. Caíram desajeitadamente em um sofá e dele para o chão. Rebecca estava por cima. Luciana estava com muita vontade, mas Rebecca não ficava em desvantagem. Que fome. Por um momento, Luciana se rendeu e deixou-se ser invadida da forma e como a loirinha queria. Delirou. Gem*u, falou coisas desconexas, gritou o nome do seu amor: Rebecca.
Mas era uma guerreira e não estava vencida. Com um leve toque, afastou Rebecca e a provocou, chamando-a para cama. Via o corpo nu da sua menina e queria mais e mais a mulher que a levara à loucura. Mais, queria que seu amor também perdesse completamente a noção do que era a vida antes de ser amada por ela. Não sobraria um milímetro de pele sobre aquele corpo que não seria explorado. E assim foi. Horas de prazer, alternadas na satisfação de ambas.
Luciana nunca pensou que estaria de volta ao prazer e ao amor através das mãos de uma menina, ainda que hábil como poucas mulheres. Dormiram vencidas pelo cansaço, abraçadas como pessoas que nunca estiveram separadas.
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Foi despertada de uma maneira que há muito não experimentava. Sentia o prazer percorrendo-lhe o corpo e afagou os cabelos loiros, erguendo-se sobre o cotovelos para encontrar olhos verdes maliciosos e cheios de desejos, sem que Rebecca parasse o que fazia. E era maravilhoso o que ela fazia. Luciana apenas pode largar-se na cama e se entregar aos espasmos que lhe percorreram o corpo antes do gozo. Sem muita dificuldade, puxou Rebecca, fazendo o corpo dela deslizar por toda a extensão do seu, até seus lábios se encontrarem. O atrito dos corpos suados. Luciana selara o momento com seu beijo característico: uma forte sucção nos lábios inferiores e a mordida, com o gosto do sangue. Pensou que assustaria Rebecca, mas teve a mesma atitude de volta.
- Vai, diz.
- O quê?
- Você sabe. Eu sei e vou dizer, mesmo que você não diga: eu te amo.
Luciana riu com muita satisfação.
- Nunca mais quero pensar em amor e prazer, se não for com você. - Rebecca continuou - Eu pensei que conhecia o prazer, o amor, a vida...
- Calma. você tem muita participação nesta minha.... performance. Não posso ficar com todos os louros. Melhor dizendo, eu só quero uma loirinha...
- Gracinha, você! Fala.
- Que eu te amo. Precisa mesmo...bem, não sei....- Luciana sofreu uma saraivada de tapinhas e depois um chuva de beijos e depois....- Rebecca, de novo?!?!
Saíram do apart com a noite de Quinta-feira quase terminando.
Foram direto para o quarto de Luciana e ficaram um bom tempo na banheira. Clara entrou e as pegou juntas. Um rubor subiu-lhe às faces, ao mesmo tempo em que um sorriso indisfarçável. Mesmo assim, ficou embaraçada, sem saber o que fazer.
- Vi que a dra. chegou...bem...quer algo? Querem algo?
- Privacidade e...champanhe. - Luciana disse, antes de beijar Rebecca provocativamente.
Elas sabiam que na manhã seguinte o assunto seria elas.
Com Rebecca relaxada entre suas pernas, Luciana sentia a água quente, as costas dela em seus seios, a pele agasalhada por seu braços e, de repente, pensou em voz alta: isto é a felicidade
- O que disse?
Luciana contou o seu sonho para Rebecca e, com surpresa, ouviu o sonho dela. Não acreditava em destino e nem em vidas passadas, mas era incrível o que lhes acontecera.
- Então, sua fé na bondade me trouxe a felicidade. Obrigada, mil vezes, meu amor.
Algo novo estava nascendo para Luciana. Uma vida de cumplicidade. De repente queria partilhar tudo com Rebecca.
Fim do capítulo
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