Não sei precisar por quanto tempo fiquei sentada naquela escada de incêndio, a única coisa certa é que chorei como não fazia há muito tempo. Senti uma dor forte, vazio, apatia, e descrença. Não entendia a força da dor uma vez que poucas vezes na vida me dei esse privilégio, sentir dor. Cedo aprendi a camuflar os sentimentos, nunca tive um colo para chorar, sempre sobrevivi a muita coisa o que de certa forma transformou-me no que sou hoje, uma mulher forte e sem ilusões...

 

Skya...ela quebrou barreiras, mas não poderia ser simples assim. A minha vida inteira protegi-me desse tipo de coisas, jamais permiti ser dominada por sentimentos pouco objetivos, jamais tive esse tipo de sentimentos por nada e nem ninguém. Eu me sentia perdida, baralhada e no entanto ela aparecia e tudo parecia simples...ou não.

 

Jamais quis fazer sex* a três na minha vida e não seria com ela...eu a queria só para mim...só para mim...

 

Levantei e andei pelo último andar sem saber o que fazer, para onde ir...queria sumir do mapa, dormir e acordar em outra realidade, a minha realidade confortante, onde dominava tudo, onde tudo seguia como o planeado.

Não tinha mais forças para chorar e nem motivação para tentar entender o estado da minha alma...a apatia persistia e agora associada a uma cabeça completamente oca.

Entrei em casa quase cambaleando e nesse instante percebi a gravidade do meu estado. Olhei-me ao espelho do corredor e tive vontade de correr de mim mesma. Tinha o peso de várias coisas nos meus olhos, nos ombros...

Deitei-me no sofá e protegi meu rosto com uma almofada. Ouvi passos dentro da minha casa e o miado característico do meu gato. Não consegui mover os olhos quanto mais o corpo...

--Catherine...

A voz do Yourgos pareceu-me um filme de ficção científica. O que ele ainda fazia em minha casa?

--Cathe...- Ele sentou-se no sofá e tirou-me a almofada do rosto.

Não tive forças para brigar ainda mais quando vi que Scout estava nos braços dele e me olhava com aquele olhar que eu já conhecia, olhar de interrogação.

--O que foi isso afinal?

--Foi o que viste...- Ele não tinha entendido?

--Mas eu não entendi nada, quem era aquela menina?

Ai homens e a pouca perspicácia...

--A Skya...

--Sim e quem é a Skya?

--Uma mulher que me enlouqueceu em pouquíssimo tempo...

--Enlouqueceu?

--Sim, eu não sei o que pensar Yourgos, mas ela me tira do eixo, eu não vejo e nem penso em mais nada...

Yourgos me olhava com um ar indecifrável e Scoutie também. Mas se nem eu me entendia...

Alguns minutos depois de um silêncio providencial.

--Cathe...

--Hmmm...

--Ela é tua amante?

--Não!

--O que existe então de concreto?

--Nada...

--Queres ser mais específica? Eu ainda não entendi uma vírgula...

"Nem eu!" - Pensei.

--Conheci essa menina numa viagem...

Contei a história toda com direito a pausas para divagações e olhares perdidos.

--Jamais pensei nessa possibilidade, não tu...

Olhei-o com ar de interrogação.

--Sim Cathe, és a ultima mulher que eu poderia imaginar querendo outra e ninguém me contou, eu vi o clima incendiário dentro dessas paredes...a menina é linda e tu és irresistível.

Sorri sem muita fé...eu irresistível? Sou uma complicada isso sim e que mal entende de si mesma.

--Eu nunca cogitei essa possibilidade Yourgos...deixei-me levar por uma coisa fora do comum, por uma pessoa invulgar. Acho que a situação em que estávamos permitiu que as coisas chegassem àquele ponto...

--E como é fazer sex* com alguém como tu?

--Hã?

--Alguém do mesmo sex*?

Viajei para momentos inesquecíveis...onde mãos perfeitas me tocaram, beijos me incendiaram e ao mesmo tempo me acalmaram, toques se eternizaram na minha pele...

--Bom...muito bom.

Ele pareceu pensar em alguma coisa e quase perguntei se já tinha passado por algo semelhante.

--Isso faz de ti gay? Não vais mais dormir com homens? Queres ficar com a Skya? Que nome lindo tem essa moça...

Quantas perguntas e todas sem resposta...confusão na minha cabeça já por si baralhada.

--Gay? Não...não é ser extremista demais?

Não me sinto gay, não sou gay...apenas senti-me atraída por uma mulher e tive muito prazer no sex*, mas isso não faz de mim gay...não.

--E homens? Sentes desejo, tesão?

--Claro. Eu gosto de homens.

--Então és bissexual?

--Não sei Yourgos...e tu?

--Eu?

--Sim, tu Yourgos. Já que estamos a falar abertamente...tu és bissexual?

Ele pareceu inquietar-se no sofá a ponto do vendido do Scoutie pular-lhe dos braços.

--Não...é preciso ter uma coragem que eu não tenho. Não me vejo vivendo aventuras como a tua...é preciso coragem.

--Entendo...

--Tu terias essa coragem?

--Já tive, ou não?

--Coragem de viver a fundo, de ter um relacionamento com uma mulher, relação mesmo, algo maior que apenas uma ou outra noite de sex* bom...terias?

Foi a minha vez de pensar e conclui que não...não tinha tempo para coisas muito intensas, não sabia lidar com a força que Skya representava e mais, não sabia lidar comigo quando me perdia naqueles devaneios...definitivamente não.

--Não! A minha vida vai continuar como está.
--Ainda mais que pela raiva que ela saiu daqui, essa não vai querer olhar na tua cara nunca mais. Permita-me apenas uma sugestão...

--Umhum.

--Vá falar com ela, liga, mande uma mensagem...peça desculpas, a situação dela foi complicada...

--Estou cansada Yourgos, sem forças para sair do sofá...ela foi muito dura comigo, é melhor deixar assim. Tu sabes que eu não tive culpa de nada, não planeei orgia alguma...foi um mal-entendido...

--Eu sei Cathe, mas ela não...

--Não...não. Vou dormir.

--Ok. Vamos!

--Como assim?

--Vou dormir contigo.

Ele sorria e eu não entendia nada. Esse homem ainda pensava em fantasias sexuais depois de toda aquela confusão?

--Yourgos...

--Calma dona Catherine, eu disse dormir. Vou colocar a tua cabeça no meu peito, fazer cocegas no teu cabelo até dormires. Ninguém aqui pensou em sex*...aliás eu não consigo mais pensar em sex* contigo.

--Por quê?

--Não sei explicar Cathe, mas saber que tens atração por mulheres...

--Não...

--Ok, pela Skya e depois de falarmos claramente que eu também sou um ser ambíguo, não consigo mais...

Eu ri, ainda que sem muita vontade.

--Mas não eramos exatamente assíduos na pratica...

--Não, longe disso, mas eu não quero mais fingir, pelo menos não contigo que teve a coragem de se abrir. Não vou aparecer com um namorado a tiracolo amanhã, mas não quero mais fingir, não contigo.

"Ele fingia tanto quanto eu...que loucura de dois adultos." - Pensei.

--Vamos para a cama?

--Vamos. O Scoutie pode vir junto?

--Pode, hoje tudo pode, embora esse gato seja falso.

Gargalhada do Yourgos e eu sorri, ainda que timidamente.

**************************************************

Rebeka já pensava na possibilidade de chamar os bombeiros para arrombarem a porta de Skya quando ela finalmente apareceu à sua frente.

--Skya, eu já ia chamar os bombeiros.

Ela nem olhou na cara da amiga e caminhou de volta ao quarto desabando em seguida no colchão.

--Skya, levanta esse corpo e vai para o chuveiro.

--Não quero nada e nem ouvir barulho...deixa-me aqui sozinha Bekie...por favor.

--Estás doida? Esqueceste que dia é hoje?

Skya olhou para o lado e afundou a cabeça no travesseiro.

--Skya levanta daí e não é um pedido.

Diante da inércia da amiga, Rebeka pulou em cima do colchão e a levantou usando de alguma força.

--Não quero Rebeka, respeite a minha vontade de ficar no meu canto.

--Nem ouse achar que vou levar essa loucura em conta...criatura é o teu sonho, uma luta de meses prestes a se concretizar e vais desistir agora?

Skya olhou para a amiga durante alguns minutos e pareceu cair em si pois levantou e correu para o banheiro.

Na saída rumo ao casting:

--Não vou perguntar o que te aconteceu, mas qualquer que tenha sido o motivo que te deixou assim, ele não pode ser mais forte do que a tua vontade de tocar no Metropolitan. A Skya que eu conheço é focada e sabe bem o que quer da vida...não te esqueças disso.

Skya abraçou a amiga e controlou-se para não chorar.

--Estás certa, vamos ao Metropolitan e seja o que tiver que ser.

--Assim que eu gosto, minha Skya determinada, focada e muito linda...ah e a melhor performance num contrabaixo que eu já vi na vida.

--Exagerada!

Risos!

--Que bom Skya, sorria sempre. Agora é melhor voarmos ou perderemos o casting.

--Nunca! Corra Rebeka.

Gargalhadas.

**************************************************

Três taças bateram num brinde acompanhado de muitas risadas de felicidade.

--Até agora não acredito...é uma sensação diferente, já toquei em várias orquestras mas a sensação de pertencer ao Metropolitan é...não tenho palavras.

--E pensar que essa doida quase não foi, acreditas nisso Ciara?

--Porque não? Medo de fracassar? Skya, tens talento para dar e vender.

Risos.

--Vamos tocar juntas num projeto inovador, eu estou tão feliz...nem era meu sonho mas essa menina me contagiou e agora vou dar o meu melhor.

--Obrigada Bekie, sem a tua presença à minha porta na segunda-feira...

--Mas afinal o que aconteceu?

Skya não queria falar sobre aquele assunto, mas...

--Eu não sei Ciara, mas deve ter sido algo muito grave porque a nossa artista multifacetada estava de rastos. Ela não quis falar e eu não insisti...

Todas olharam para Skya com ares de interrogação.

--Paixão pela pessoa errada...pela segunda vez consecutiva...ou seja, burrice ou infantilidade...ingenuidade, quem sabe...

--Hmmm...dessa matéria eu entendo um pouco, já sofri muito por me envolver com pessoas erradas, mas graças a Deus hoje em dia eu encontrei o amor ao lado da Susan...confesso que já tinha perdido as esperanças...

--Eu não tenho razões de queixas, não nesse campo. Até hoje vivi histórias boas, que me ensinaram muito.

--Eu só me apaixonei uma vez na vida...já vivi minhas histórias sem muito drama, diversão apenas, mas me apaixonei e tudo que parecia um sonho de repente transformou-se num verdadeiro pesadelo...

--E tudo isso aconteceu aqui?

--Não...a paixão louca que quase me enlouqueceu foi há mais ou menos um ano...e quando comecei a me sentir forte e pronta para a vida, tropecei de novo numa outra loucura...

Skya respirou fundo e olhou para longe.

--Entendo...essas coisas acontecem e muitas vezes não temos controlo...

--Pois, é isso mesmo, falta de controlo, muita ingenuidade da minha parte em acreditar que poderia ser diferente quando todos os indícios apontavam para mais uma loucura...mas já me curei.

Ela falou sem nenhuma convicção.

--Vamos focar no nosso trabalho, na música, na escrita e vais esquecer esses dissabores. - Disse de Rebeka de forma animada.

--Sim. Essa entrada para o Metropolitan, mais o projeto com a Ciara consumirão tempo e energia e a Catherine passará a ser apenas mais uma experiência. - Ela falou mais para si mas todas ouviram e entreolharam-se.

--Catherine? A tua paixão doida chama-se Catherine.

Skya sobressaltou-se, não queria ter dito aquilo, não em voz alta.

--Não...a Catherine é a ultima...

--Mas não é a Catherine amiga da Susan...claro que não... - Ciara conjeturou.

--Já eu acho que é ela...naquele dia na festa, agora tudo faz sentido...é ela Skya?

Todas olharam para Skya com muita expectativa.

--Não pode ser...ela é devoradora de homens...não pode ser. - Ciara parecia incrédula diante da quase confirmação no olhar de Skya.

--É ela...ou foi ela, não quero mais saber de nada disso.

Ciara abriu a boca e bateu com a taça levemente na mesa. Rebeka sorriu, provavelmente comprovando a sua perspicácia.

--Eu não acredito...mas como?

Skya resumiu a história delas em poucos minutos.

--Skya, eu sei que é difícil e que a opinião dos outros nem sempre é bem-vinda em situações como esta, mas minha menina, desista dessa doida, ela é sinónimo de problema. Essa mulher não gosta de ninguém, ela usa todo mundo e descarta...

--Eu sei, depois da última confusão eu percebi ou conclui que ela não se importa com nada além do próprio prazer e da obsessão por sex*...

Skya falava e a dor das palavras repercutia na face. Rebeka segurou-lhe uma das mãos.

--Nem quero saber o que ela te fez para não aumentar o meu desprezo por essa mulher...

--Ela já aprontou contigo? - Questionou Rebeka.

--Não, claro que não. Mas ela é amiga da minha mulher que mesmo sendo muito discreta sempre acaba por comentar alguma coisa...ela é do tipo de gente que abomino, representa tudo que eu quero distância. Skya mereces o mundo e não essa gente que não presta, o mundo de excelentes possibilidades, um mundo de gente interessante e coerente...um mundo de coisas boas.

--Concordo plenamente.

--Obrigada. Apesar de ter sofrido algumas agruras por aqui, eu só posso agradecer por ter decido vir para cá. Sinto que minha carreira vai ganhar nova dimensão e conheci pessoas maravilhosas. Um brinde a nós?

--Todos os brindes!

Trocaram sorrisos cúmplices.

**************************************************

--Amor, já estava roxa de saudades. Às vezes acho que preferes os bichos a mim.

--Ah Ciara, são amores diferentes...

Risos.

--Ah, ainda há campo para análise do grau de afeto? Eu não sirvo para nada mesmo...

Risos.

--Apenas para me fazer muito feliz...cada dia mais.

Susan beijou sua mulher com muito amor.

--Cheirosa...deliciosa.

--Hmmm, então não cheiro a bichos?

Gargalhadas.

--Tu és perfeita dona Susan...quase perfeita...

--Não sou perfeita, mas esse quase deve-se a quê?

Ciara pareceu pensar antes de falar.

--Amigas doidas, amizades improváveis e que a meu ver não te acrescentam nada...

--Sou grandinha para decidir isso, não concordas? Mas falas de quê concretamente? De quem?

--Não é óbvio?

--Ciara, não gosto disto, seja clara...

--A tua amiga, a idiota da Catherine.

--Ei...para. Não quero brigar contigo por um motivo tão idiota. A Cathe é minha amiga e ponto final. Não me meto nas tuas amizades e logo...

--Sabias que essa louca quis envolver a Skya numa orgia? - Ciara interrompeu Susan já com a expressão alterada.

--O quê?

--Isso mesmo. Ela enredou a menina, acho que elas tiveram alguma coisa, e tu deves saber muito bem, e essa doida achou normal convidar a Skya para uma noite a três com um dos idiotas amigos dela.

--Ciara...

--Não estou a inventar nada. A Skya contou-me com riqueza de detalhes sórdidos. Essa Cathe é nojenta.

--Ciara...a Cathe sugeriu claramente a orgia? - Por mais louca que considerasse a amiga, aquilo não lhe parecia típico dela...e com Skya menos ainda.

--Elas foram para o apartamento dela e de repente aparece um homem que tinha as chaves e entra e começa a beijar a doida e a comportar-se como se tudo estivesse previamente planeado...isso não é podre? Eu não tenho nada contra a fantasia sexual de ninguém, desde que consentida. A Skya quase perdeu uma audição por causa dessa loucura, essa mulher destrói tudo.

--Não generalize Ciara...e não achas que a Skya é adulta para resolver os seus problemas?

--Claro que sim, mas em se tratando da Catherine todo o cuidado é pouco. A Skya merece um amor, uma mulher ou alguém que a ame, alguém de verdade não uma louca depravada que faz do sex* o motor da vida.

--Chega Ciara. Eu não entendo essa animosidade com a Catherine, mas até aí tudo bem. Não és obrigada a gostar dela, mas falas com tanto desprezo...tu sequer a conheces, não és do círculo dela...isso a mim soa a leviandade.

--Leviana, eu? Convives com uma promiscua e a leviana sou eu...será que também foste corrompida?

Susan olhou-a com incredulidade.

--Eu não acredito que estamos a brigar por motivos alheios e completamente fúteis.

Susan deu-lhe as costas e foi para o quarto.

Algum tempo depois...

--Desculpa Sue...é que eu fiquei irritada com os fatos, a Skya não merece...

--A Skya é que tem de decidir o que merece ou não.

--Estás certa...mais uma vez, estás coberta de razão...

--Ciara, precisas ultrapassar os teus dramas, a Catherine não tem culpa de nada...

--Mas ela parece...

--Mas não é...não a conheces, ela é maravilhosa e cheia de defeitos assim como qualquer uma de nós.

--Mas ela brincou com os sentimentos da Skya...

--Que sentimentos? A Skya por acaso está a morrer de amores pela Catherine? Que eu saiba elas têm uma forte atração sexual...sentimentos?

--Mas ela precisava submeter a menina a um constrangimento desses?

--Problema delas e só ouviste a versão da Skya.

--Então ela mentiu, é isso?

--Não necessariamente, mas ela pode ter visto as coisas de forma equivocada. Não sei o que aconteceu e não pretendo especular sobre a vida alheia. A Catherine é minha amiga e não aceito que fales assim dela, ainda mais tendo como base apenas um lado da história.

--Eu não entendo essa amizade, mas estás certa...desculpa meu amor...desculpas?

--Desculpo sim, mas aviso que não quero mais essa conversa e muito menos que destrates a minha amiga aqui em casa ou onde quer que seja. Sabias que ela não deixa mais o Scout aqui em casa por causa das tuas atitudes?

--Mas que atitudes?

--Ah Ciara tenha respeito à minha inteligência e à da Cathe também que não é pouca...a ultima vez que ela esteve cá e que coincidentemente as tuas novas amigas também estavam, trataste-a muito mal, com direito a sarcasmo e a comentários desagradáveis. Ela é minha amiga, consegues entender isso, minha amiga.

--Não entendo mas respeito Susan e prometo não me exceder...o Scout pode vir para cá quando quiser.

--E por acaso achas que eu não disse isso à Cathe? Mas ela não quer e com toda a razão, ela não tem necessidade de passar por situações como aquela de outro dia...

Ciara abraçou Susan e pediu desculpas baixinho no ouvido dela...várias vezes até arrancar-lhe um sorriso.

*************************************************

--Nem imaginas o sacrifício que foi conseguir sair daquele escritório para vir lanchar contigo Sue. Agora a Karen que sempre foi assídua e profissional, resolveu faltar e não avisar.

Cathe abraçou a amiga e caiu pesadamente no puf do terraço onde estavam sentadas.

--Ainda bem que escolhi esse lugar com a vista mais linda da cidade.

--Tu és sempre perfeita minha querida.

--A Karen está com algum problema?

--Não faço a menor ideia...ela está estranha, mais calada do que o normal, mas eu não tenho tido tempo para prestar atenção nos problemas da secretária nunca foi o meu forte...

--Pensei que fosses mais amiga dela...

--E sou...não sou? Não tenho tempo para os meus problemas que dirá os alheios Susan.

--E tu agora tens problemas?

Risos!

--Quem não os tem?

--Hmmm...Catherine a descomplicada com problemas, seria caso de dizer que houve uma evolução?

--Sem muitas análises senhora veterinária.

Gargalhadas.

--Cathe, eu sei que tu és meio doida para os meus padrões, mas que loucura foi essa de quase fazer um menage com a menina dos sneakers?

"E eu que queria esquecer...ah Susan."

--Falam muito nessa cidade...- Tentei dar um tom de descaso ao assunto.

--Mas foi isso mesmo ou não?

--Claro que não Susan...tu me conheces...

--Será? Às vezes me surpreendes Cathe...

--Tudo não passou de uma confusão originada por essa minha loucura, no caso, loucura do Yourgos. - Continuava com meu ar de descaso.

--Não entendi.

--Vou explicar e da forma mais objetiva possível: Yourgos tinha uma fantasia que era invadir o apartamento de uma mulher como se fosse um ladrão e surpreende-la com fetiches...algemas, vendas e eu embarquei no delírio...na falta de algo mais interessante, por que não?

--E onde entra a Skya?

--A Skya...a verdade é que esqueci da fantasia do Yourgos quando dei de cara com ela. Não pensei em mais nada, deixei-me levar por um desejo doido, uma vontade de reviver emoções...

--Emoções?

--Sexo, claro.

--Sim, claro. A única coisa que te liga à Skya é sex*, então não tenho com o que me preocupar...

--Preocupar? Porquê?

--Fiquei com receio que pudesse ser outra coisa...receio por ela, não a conheço muito bem mas ela parece ser uma mulher de amores e não de aventuras...

--Não te preocupes dona Susan, nós queremos a mesma coisa...ou melhor, eu não quero mais nada e acho que nem ela, depois daquela confusão na há a menor chance...

Meu estomago contraiu, mas não liguei...a cabeça era meu órgão vital no momento.

--Mas diga-me uma coisa, a minha vida anda na boca do mundo?

Gargalhadas.

--Não...o que aconteceu foi que depois dessa coisa toda, a Skya passou um fim-de-semana fechada em casa, provavelmente digerindo o mal-entendido, e na segunda ela tinha um casting importantíssimo e teve que ser arrancada de casa pela Bekie...

--Bekie? - Interrompi Susan com meu estomago quase na garganta.

--A Rebeka, elas fariam o mesmo casting para o Metropolitan...

--Fariam? A Skya não fez? - Uma espécie de nervoso tomou conta do meu peito. -- Ela conseguiu fazer?

--Sim, graças à Rebeka que a arrancou da inércia e mostrou-lhe que o foco era a arte.

--Ela passou? - Meu coração batia...e o estomago pulava.

Susan olhou-me de forma estranha mas não disse nada diferente.

--Sim, e com mérito. As duas agora fazem parte de um projeto inovador do Metropolitan, e a Rebeka está com um livro prestes a ser lançado e ainda têm um outro projeto com a Ciara que engloba várias artes...acho que essas meninas vão acabar se apaixonando.

Tamborilei os dedos no tampo da mesa e franzi a testa.

--Mas essa Rebeka não gosta de homens? - Pergunta idiota ainda mais quando a minha interlocutora era a Susan.

--Tu também, ou não?

--Que elas sejam felizes e que encantem o mundo com sua arte. Mas ainda não me disseste como minha quase tragédia chegou aos teus ouvidos.

--A Rebeka comentou com a Ciara que mesmo mal e com muita raiva, Skya tinha arrasado no casting...foi assim.

--Wow, a mulher sem defeitos deve ter dito cobras e lagartos a meu respeito...- Aquela situação toda me incomodava e não era pela Ciara, definitivamente.

--Não te preocupes com a Ciara...ela não voltará a ser sarcástica contigo Cathe...

--Hmmm, não tenho medo dela Sue, apenas não digo o que penso em consideração à nossa amizade.

--Eu sei Cathe. O Scout pode ir lá para casa sempre que precisares...

--Não Susan, mas sem mágoas. Preciso ir meu bem, muita coisa para organizar no escritório, sem meu anjo e ainda viajo amanhã.

--Oh mulher que não para...assim não casas.

Gargalhadas altas.

--Quem sabe não me apaixono por um piloto?

--É, quem sabe...

**************************************************

Meu dia corria da pior forma possível. Chegara de viagem mal-humorada e sem saber por qual razão já que tudo tinha corrido muito bem, Karen mais uma vez não tinha ido trabalhar e no RH informaram-me que já era a terceira vez na semana. Fiz algumas asneiras o que não é usual e para fechar o meu dia com chave de ouro, a porcaria do carro decidiu não obedecer aos meus comandos e ficou parado no estacionamento da empresa, tudo errado.

Mas não existe um ditado ou sei lá o quê que diz que as coisas sempre podem piorar? Eu descobriria que sim alguns minutos depois de decidir regressar a casa de trem.

Há algum tempo que esporadicamente andava de trem. Convencia-me que era para evitar o stress do trânsito, mas meu subconsciente sabia a razão...doces lembranças que teimavam em perpetuar-se e dar-me uma sensação de liberdade. Eu gostava daquela sensação, embora também tivesse medo dela...

Entrei no trem, coloquei meus fones no ouvido e viajei na música. Estava de olhos fechados mas a cada paragem eu abria e olhava expectante para a porta. Mais uma das minhas insanidades...lembranças.

Na terceira paragem e já cansada de olhar e não ver nada de especial, permaneci de olhos fechados quando ouvi uma gargalhada que reconheceria entre milhões. Instintivamente encolhi-me para não ser vista, mas elas sequer notaram minha presença.

Skya e Rebeka entraram rindo e ambas portavam mochilas às costas e muitos livros nas mãos.

Não perdi um detalhe a partir daquele momento e agradeci aos céus por estar protegida por dois corpulentos que tapavam a visão delas, mas não a minha. Se bem que sendo honesta, elas não estavam interessadas em mais nada além da conversa aparentemente interessante que mantinham.

A cena toda me incomodava, mas ver Skya deitada nos ombros de Rebeka e tendo a cabeça beijada pela outra, quase provocou um curto-circuito no meu sistema nervoso.

Não desci na minha paragem, se o fizesse teria forçosamente que passar por elas e era tudo que não queria.

Cheguei a casa uma hora depois do horário normal e obviamente longe de estar de bom humor.

Tomei um banho relâmpago, comi qualquer coisa, ou tentei já que não tinha fome alguma e vaguei pelo apartamento numa inquietude angustiante.

Scoutie percebeu minha ansiedade e colou em mim...esse bicho é doido, quando quero dar amor ele corre, quando quero ficar só, ele gruda.

--Scoutie, fiz muita merd* hoje no escritório e a Karen ainda inventa de não aparecer...mereço.

Ele nem se mexeu.

--Ainda fui obrigada a ver felicidade alheia...

Ele permaneceu impávido e sereno.

--Elas pareciam felizes Scoutie...tão felizes. Eu não sei o que essa menina tem...

Finalmente o insuportável levantou as orelhas.

--Como que menina Mr. Scout? Quem mais? Scoutie eu tremi da cabeça aos pés, senti frio no estomago e uma vontade de...deixa para lá.

Ele me olhava profundamente.

--Vou esquecê-la Scoutie...ela nem lembra mais de mim e eu aqui preocupada com a loucura daquela noite, preocupada com os sentimentos dela...não fui conversar com ela, eu sei, mas ia dizer o quê se ela me despreza...vem cá meu amor.

Peguei meu gato no colo e enchi-o de beijos.

--Só entendo disso Scoutie...de te amar incondicionalmente, tu não me exiges nada...vou esquecer a Skya...vou esquecer...

 

Fim do capítulo