Os Anjos Vestem Branco - Capítulo 36

 

-- Responde Vic. Você foi ou não foi amante do meu pai? Eu preciso ouvir isso de sua boca.

Victória começou a chorar desesperadamente. Não, de novo, não.

-- Eu fui sim. Fui sim - sentou no sofá chorando. Colocou a cabeça sobre as pernas - Eu errei novamente. Pode me xingar, pode me deixar, me odiar.

-- Eu não vim aqui te xingar, meu amor, e nunca vou conseguir te odiar - sentou no sofá e segurou as mãos dela entre as suas - Eu vim te contar que eu lembrei. Eu lembrei de você, lembrei de mim, lembrei de nós. São apenas fragmentos, não lembro de tudo, faltam detalhes, mas conforme vão me contando, as lembranças voltam. Eu precisava ouvir isso de você, somente para ter certeza.

A notícia as pegou de surpresa. A primeira reação que Victória e Priscilla tiveram foi de arregalarem os olhos e abrirem a boca.

A segunda foi de agarrarem a garota e saírem pulando pela sala.

-- Vem Sofia - Victória chamou a enfermeira - Vem comemorar com a gente.

Sabrina chegou naquele momento com dois potes de sorvetes na mão e viu as quatro pulando e gritando hú hú como loucas.

-- Gol do Fluminense?

-- Não sua bobona - Priscilla a agarrou e deu um beijo demorado na garota.

-- Ei, ei, ei - Bruna puxou Priscilla pelo braço - Menos.

-- Estou vendo que a minha loirinha voltou... e chata como sempre - Sabrina abraçou a garota e a levantou no alto.

-- Tenho que te agradecer Brina. A ideia do gravador foi demais.

-- Não te falei que gravar tudo o que você fazia, inclusive o sex* maneiro com a Vic, iria ajudar?

-- SABRINA! Vou te bater - Victória levantou e foi em direção a ela.

-- Desculpa - correu e se escondeu atrás de Priscilla - Na boa, só fui analisar a gravação. Foi tudo muito profissional. Eu juro - juntou as mãos.

-- Não foram essas gravações que me ajudaram Sabrina - Bruna pegou o gravador da mão de Sofia - Eu esqueci o gravador aqui no apartamento. E não sei como aconteceu, mas aqui tem gravado uma conversa de Victória com a Priscilla - Bruna ligou o gravador.

-- Se eu fosse você contava tudo para ela, antes que outra pessoa o faça, Vic.

-- A reação dela vai ser a mesma da primeira vez, Priscilla.

-- Da primeira vez ela descobriu da pior maneira possível e você está correndo o mesmo risco novamente. Escuta o que estou falando. Vai que um bocudo chegue para ela e diga: Á sua namorada é a Victória, Bruninha? A ex amante do seu pai?

-- O que é isso?

-- Me dá aqui... é o gravador da Brú...

 

Bruna desligou o aparelhinho.

-- Foi eu - Sabrina falou baixinho, praticamente um sussurro.

-- O que? - Perguntaram juntas.

-- Foi eu quem ligou o gravador - confessou - A Priscilla insistiu tanto para que eu fosse comprar uma barra de chocolate, que achei que ela queria falar de mim para a Vic - falou envergonhada - Desculpe pela minha insegurança.

A cara que Sabrina fez foi tão guti, guti, que Priscilla não conseguiu ficar brava com ela.

-- Eu estou no TPM Brina e quando estou nesses dias, fico desesperada por um chocolate - colocou uma das mãos no rosto dela e a beijou na boca.

-- Quando chegamos em casa a Bruna, como fazia todos os dias, foi ouvir as gravações - Sofia caminhou pela sala e parou em frente a Victória - Quando ela ouviu o teor da conversa de vocês, entrou em crise, quebrou tudo o que via pela frente. Pensei em seda-la, ainda bem que optei por não o fazer, pois foi durante essa crise que ela começou a ter os flashes.

-- Lembrei de algumas maldades do papai, mana - passou a mão pelo rosto, sofrendo pela segunda vez a dor da decepção - Quero que você conte mais, preciso lembrar de tudo.

Priscilla abraçou a irmã e ficaram assim por um bom tempo.

-- Mas tem que ser aos poucos - Sofia aproximou-se das duas - Você não pode despejar um caminhão de informações de uma só vez.

-- Claro que não - Victória puxou Bruna pela mão até o sofá - Senta aqui, meu amor. Isso vai ter que ocorrer naturalmente.

-- Só quero lembrar a vocês, meus amores, que a reunião é na sexta-feira - Sabrina cruzou os braços sobre o peito e ficou olhando para elas - Não temos tanto tempo assim.

-- Que reunião? - Bruna estava perdida, sua cabeça estava cheia de dúvidas para as quais, buscava respostas.

-- A reunião que dará ao seu pai mais quatro anos na presidência do Sontag - Victória levantou as sobrancelhas e bufou.

-- E isso não é bom? - Bruna perguntou inocente.

-- NÃO!!! - Gritaram juntas.

-- Tá bom, tá bom - sacudiu as mãos no ar - Mas não me recordo de nada que tire o merecimento dele como presidente. Ele fez maldades, sim, mas não prejudicou o Sontag.

-- Inocente -- falou Sabrina com deboche na voz e um sorriso de canto de boca.

-- Faremos o seguinte então: -- Sofia fez mistério. Adorava isso - Trabalharemos por prioridades. Se a prioridade é essa reunião, conversaremos somente sobre a reunião.

-- IDEIA - Sabrina levantou o dedo.

-- Fala Sabrina - falaram em coro.

-- Vocês estão querendo trabalhar apenas com a audição, quando na verdade deveríamos usar todos os sentidos.

-- E como faremos isso? - Sofia estava curiosa, fazia lógica o que a médica estava falando.

-- Vamos para a rua. Queremos a senha? Então, vamos fazer coisas que a lembre da senha.

-- Começaremos por onde Brina? - Priscilla enlaçou os braços pelo pescoço de Sabrina - Fala aí Sabri sabichona.

-- Começaremos pelo fim - falou olhando para as unhas das mãos, bem-feitas, com o esmalte cor rosa Ninfa, discretíssimo - Se o fim será a gente pegar os documentos no cofre do banco... será por lá que começaremos.

 

 

Mais tarde...

 

-- Seremos presas em atitude suspeita - Victória olhava de canto de olho para a câmera de segurança do banco - Tem câmeras por todos os lados.

-- Então sorria, meu amor, você está sendo filmada - Bruna estava parada em frente ao cofre alugado por Débora.

-- E aí Bruninha o que me diz?

-- Legal isso aqui. Parece aqueles lugares dos filmes do agente 007 - Bruna fez um gesto com a mão, imitando um revólver.

-- Sua maluca, agora sim vamos ser presas - Sabrina a puxou pelo braço.

Neste momento, um homem bem vestido e aparentando ter 50 anos de idade aproximou-se desconfiado.

-- Posso ajudar?

-- Pode sim... - Bruna deu um passo à frente.

-- NÃO - Sabrina a puxou para trás - Obrigada, mas já estávamos de saída. Vamos meninas? - Saiu arrastando a garota pela gola da camiseta até na parte externa do banco.

-- O que eu fiz de errado, Brina? - Desvencilhou-se das mãos de Sabrina.

-- Se você contasse o motivo de estar alí parada, tarando o cofre, assim que virássemos as costas, ele ligaria para o seu pai informando - Sabrina fez um círculo em volta da turma com as mãos nas costas - Conheço bem esse tipo. São uns puxa-sacos de primeira.

-- E agora Brina? Qual será o próximo passo?

-- Agora amor, vamos para o Sontag - pegou na mão de Priscilla e apertou - Não precisamos nem entrar, a Bruna dá uma olhada lá do estacionamento mesmo.

Bruna abraçou Victória pela cintura.

-- Sabe Vic, a visita aqui não foi de toda em vão.

-- Porque amor? - Ficou de frente para a garota e ajeitou a mecha loira que lhe caíra sob a testa.

-- Porque lembrei que tenho dinheiro aplicado aqui nesse banco, portanto, não precisaria de dinheiro emprestado. Né Brina?

-- A Sabrina falou isso amor?

-- Falou, amor -- ela disse meio dengosa.

-- Que feio Sabrina. Querendo tirar proveito da situação - Victória deu um tapa nas costas da amiga.

-- Estava brincando - olhou para a garota que estava com cara de paisagem - Esqueceu do perigo, também, cabeça de nabo?

-- Boneco de Olinda.

-- Baby Beef.

-- Vara de colher coco.

-- Jóquei de Hamster.

-- Vou contar para elas que você me convidou para sair com umas garotas... - Bruna colocou a mão sobre a boca - Escapou, Brina.

 

 

 

No apartamento de Victória.

 

-- Eieeeeeeeeee... sapinhas, chegamos.

-- Acho que não tem ninguém em casa, Thiaguinho - Ricardo colocou as bolsas em um canto da sala e foi olhar na cozinha.

-- Agora fiquei magoado. Pensei que preparariam uma recepção divina para nós.

-- Vai ver pintou um programa melhor - Ricardo tirou a jaqueta de seus ombros colocando-a em cima do sofá.

-- Elas estão sempre aprontando... - foi até a cozinha abriu o freezer e ficou olhando - Riquinho do céu. Esse freezer é o paraíso na terra. Olha quanto sorvete.

-- A Vic deve ter comprado para a Bruna, Thiago, acho melhor não mexer.

-- Senta aí, deixa de besteira. Tem mais sorvete aqui que não fabrica da Nestle.

Sentaram cada um com um pote de sorvete.

-- Deliciaaaa... - Thiago revirava os olhos -- Humm que gostosura!!!

 

As meninas entraram fazendo um alarde daqueles!

-- Não quero nem saber Brina, está de castigo.

Sabrina tentava argumentar com Priscilla, mais não adiantou nada, ela estava irredutível.

-- Viu o que você fez? - Sabrina deu um empurrão em Bruna - Sua traidora.

-- Pára Sabrina, tadinha. Vai com calma. A Bruna é a pessoa mais fiel que conheci até hoje - Victória a abraçou e beijou com carinho.

-- Não sei onde estou que não te afogo em um bacio de banheiro público.

-- Não ia falar nada, mas você me deixou nervosa, Brina - Bruna deitou no sofá.

-- Esqueci que você não funciona sob pressão.

-- Também não exagera Brina, daqui a pouco a mana nem lembra mais disso.

-- Porque? Ela vai ter um TCE também - Sabrina sentou no sofá e colocou as pernas da loira sobre as suas - Estou tão feliz por você ter voltado loirinha - deu um tapa na perna da amiga.

-- Sinto que logo a minha memória voltará por completo, Brina, aí sim vai ser legal - sorriu feliz.

-- Abre o olho Brú. Fique sabendo, que se, o seu pai descobrir que você está recuperando a memória, ele vai fazer alguma coisa para atrapalhar.

-- É verdade mana - Priscilla saiu do quarto com uma barra de chocolate na mão.

-- Credo Prí, chocolate de novo?

Priscilla fez de conta que não era com ela e deu uma dentada no chocolate.

-- Me dá um pedaço aí.

-- Você ouviu alguém falando Brú? - Priscilla continuou ignorando Sabrina.

Sabrina levantou e caminhou em direção a cozinha.

-- Bruna vem. A Brina vai te dar sorvete - mostrou a língua para Priscilla.

Bruna saiu correndo atrás de Sabrina.

-- Olha só quem peguei roubando sorvete - apontou para os dois rapazes que estavam com a prova do crime na mão.

-- A ocasião faz o ladrão - Thiago levantou rapidamente e jogou o pote vazio sobre a pia - Não tinha ninguém em casa.

Ricardo levantou e abraçou Bruna.

-- A Vic nos contou por telefone que você está começando a recuperar a memória, meu amor.

-- É verdade Ric, pouca coisa, mas lembrar de vocês, da importância que todos têm em minha vida, é meio caminho andado e me faz muito feliz.

-- Que bom loirinha. Estávamos com tanta saudade de você - beijou o rosto dela com enorme carinho.

Priscilla e Victória entraram na cozinha e também abraçaram e beijaram os amigos.

-- Como foi em Porto de Galinhas?

-- Deve ter sido a maior galinhagem Vic - Bruna puxou a morena para sentar em seu colo.

-- E foi mesmo Bruna -- Um pedaço do Paraíso no Brasil, é tudo o que posso dizer daquele lugar - Thiago debruçou e apoiou-se na carteira de Ricardo.

-- Sempre sonhei em conhecer aquele lugar que parece de conto de fadas, de tão lindo que é - Ricardo fez um carinho nas mãos de Thiago.

-- Assim que tivermos uma oportunidade também iremos passar uns dias lá né amor?

-- Claro Vic. Vai ser uma de nossas várias luas de mel -- abraçou ela apertado e a aconchegou em seus braços.

-- Que fofo. Também quero ir.

-- Só que faltava - Priscilla revirou os olhos - Está louca para atrapalhar a lua de mel dos pombinhos.

Priscilla estava se preparando para colocar uma colherada de sorvete na boca quando o seu celular tocou em cima da mesa.

-- É a Dulce. Vou atender lá dentro, deve ser sobre a reunião de sexta-feira. Já volto.

-- Esse iPhone da Priscilla parece uma tv led.

-- Está com inveja Sabrina - Bruna colocou uma colherada de sorvete na sua boca e uma na de Victória -- Um menino falou para a mãe:

- Mãe, eu quero um iPhone!

- Por quê?

- Porque todo mundo comprou um.

- E se todo mundo pular da ponte você também vai querer pular?

- Claro que não. Eu vou ficar com o iPhone deles.

-- Isso é o cumulo da piada sem graça Bruninha. Você voltou e trouxe contigo todas as piadas sem graça.

-- Sabe qual é o cumulo da Burrice Thiago?

-- Não Bruna.

-- Ser reprovado no exame da urina - Bruna empolgou-se -- Sabe qual é o cumulo do Vegetarismo Brina?

-- Não.

-- Levar a namorada para trás de uma moita e comer a moita.

Todos riam. Não por estar engraçado, mas porque estavam sentindo saudades daquela Bruna contadora de anedotas sem graça.

-- O cumulo da obesidade é uma pessoa acordar de manhã e ter caído para os dois lados da cama.

Priscilla entrou na cozinha e cortou o barato de Bruna.

-- A Dulce está vindo aí. Vamos preparar o documento para oficializar o nosso pedido.

-- Que pedido mana?

-- De assumirmos a presidência do Sontag.

 

 

No Sontag

 

-- É só questão de tempo, Nestor. Você vai continuar como presidente por mais quatro anos. Não vejo possibilidade alguma da Priscilla ganhar. Ninguém seria maluco de apoia-la. Ela não tem experiência alguma em administração de hospital.

-- Mesmo que Bruna estivesse totalmente recuperada também não teria condição de assumir - Nestor já contava a vitória como certa - Sem contar que eu conto com o melhor advogado do Rio e elas... com uma aprendiz de advogada.

-- Não subestime a Dulce, Nestor, ela descobriu todas as suas falcatruas aqui no Sontag.

-- Com a ajuda da Débora. Aquela sim era perigosa. Sabia tudo em administração de hospital - parou uns instantes para pensar - Sabe que eu chegava a ter medo daquela raposa.

Jeronimo deu uma gargalhada.

-- Confesso que eu também Nestor. Quando ela me olhava com aqueles olhos penetrantes e negros, eu chegava a tremer de medo e não tinha noção do que fazer.

-- Convenhamos né, todos se borravam - risos - Minha mãe queria ela como presidente - falou, agora sério - Ela nunca confiou em mim. 

-- E porque, então passou o cargo para você?

-- Graças a um pedido e uma promessa de Débora - estava com ar saudoso - Ela pediu que minha mãe me empossasse e prometeu a ela que sempre estaria ao meu lado, assessorando e evitando que eu fizesse algo que prejudicasse a maravilhosa reputação do Sontag.

-- Porque as coisas chegaram nesse ponto Nestor? Sua família está praticamente destruída, sua ex mulher morta.

-- Porque? - Levantou e foi até a janela -- Porque eu não a queria mais ao meu lado, nem atrás, muito menos a frente. Ela era o fantasma da minha mãe aqui dentro. E eu sempre odiei isso - virou-se e falou com a voz carregada de raiva -- Quanto a família, eu só considero a Bruna, a Priscilla nem sei se realmente é minha filha.

 

 

Por dois dias seguidos, os amigos visitaram lugares e pessoas. Conversaram e riram muito com assuntos alegres, choraram com recordações tristes. Bruna a todo instante lembrava de algo novo. Comemoravam com vários hú, hú quando isso acontecia. Lembrou de todas as maldades do pai, mas não lembrava da bendita senha. Algo a bloqueava e cada vez que tentava com um pouco mais de concentração, sentia fortes dores de cabeça.

Na sexta-feira logo ao amanhecer Sabrina estacionou o carro vermelho, sósia do antigo e destruído carro de Débora, em frente ao prédio aonde Victória agora morava.

-- Pronto, o resto é com vocês - abriu as portas para Priscilla e Bruna entrarem - Toma cuidado meu amor - Sabrina deu um beijo demorado na boca de Priscilla.

-- Brú, meu amor. Não força nada, e se quiser desistir, pedi para a Priscilla dar a volta e retornar - estava preocupada.

-- Não se preocupe, meu anjo - segurou o rosto da morena com as duas mãos - Estaremos de volta para a reunião - se abraçaram e se beijaram longamente.

Priscilla ligou o carro e partiram esperançosas, mas também angustiadas. As duas irmãs repetiriam o mesmo percurso feito por Débora e Bruna no dia do acidente.

-- Vão com Deus... - Victória ficou acenando até o carro desaparecer no final da avenida.

-- Isso tudo é necessário, Vic - Sabrina notou que ela estava com o semblante preocupado - Fazer novamente a fatídica viajem até Angra dos Reis e parar no local do acidente, é a peça do quebra cabeça que está faltando.

 

 

No final da tarde na sala de reuniões do Sontag.

 

-- Não podemos mais esperar. Elas não virão. Vamos assinar o documento de posse - Jeronimo já levantava para começar a distribuir os papéis para a assinatura dos diretores, quando abriram a porta.

-- Calma Jeronimo - Dulce entrou sorridente - Ainda estamos no prazo. Falta exatamente... um minuto - mostrou o relógio de pulso - Vamos começar a reunião?

Bruna e Priscilla tomaram os seus lugares à mesa, sob os olhares de reprovação e desprezo de Nestor.

-- Está aberta a reunião...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fim do capítulo