Era uma quinta-feira. Camila estava em casa desde o natal. Faltava apenas três dias para o ano novo. Havia deixado ela na casa de Diana para pegar umas roupas e ficar com a prima enquanto eu estaria na minha última sessão de terapia do ano. Adentrei o consultório e dei boa tarde para a simpática recepcionista.

- Como vai, Laura? Tudo bem?

- Tudo sim. Passou bem o natal?

- Sim. Passei o natal em casa mesmo. Agora no ano novo vou viajar com meu namorado para a costa.

- Vão pra praia?

- Vamos sim. Escapar um pouco dessa neve. – Deu uma pequena risada.

- Tá certo. Faça uma boa viagem e se divirtam por lá.

- Obrigada. Pode se sentar que já vou avisar a Dra. Que chegou.

Assenti pra ela e me sentei nas cadeiras estofadas que haviam na sala de espera. Observei o quadro a minha frente. Uma pintura a óleo em tons de verde, azul e branco. Olhar para aquele quadro me trazia uma paz interior. Ri porque sabia que a intenção da pintura era exatamente essa. Não esperei nem por cinco minutos, logo a Doutora apareceu na sala me chamando.

                        Sentei no sofá, no mesmo lugar de costume. Cruzei minhas pernas e aguardei por ela. Ela se sentou e mexeu nos óculos antes de me dar um sorriso simpático.

- Então Laura, como foi sua semana?

- Foi um pouco agitada, pra falar a verdade. – Dei um meio sorriso.

- O que aconteceu?

Contei a ela o que havia se passado entre mim e  Camila. Nossa pequena briga, como nos acertamos de novo e contei do dia de natal. De como eu havia me sentido feliz aquele dia, com todos juntos e nossas brincadeiras na neve.

- Teve algum pesadelo essa semana?

Esta pergunta nunca faltava em nossas sessões, até porque era o motivo principal por eu ter procurado ajuda. Estava contende por já fazer semanas que a resposta era a mesma, e hoje não seria diferente.

- Não, nenhum pesadelo com o acidente.

Ela sorriu e pegou uma prancheta. Continuei conversando com ela. Ela vez anotava, vez apenas me olhava, dando-me atenção. Quase ao final da consulta ela folheou a prancheta e falou.

- Laura, faz quase dois meses que você não tem pesadelos. Nesse tempo você progrediu muito. Os pesadelos que você estava tendo era uma reação do trauma que sofreu no acidente. Como esses pesadelos persistiram por meses, nós o chamamos de estresse pós-traumático

Assenti para ela mostrando que estava entendendo.

- Quando esses sintomas permanecem por um período mais longo de tempo, indicam que a agressão, o trauma que sofreu, foi vivido muito intensamente, com um estado de estresse excessivo que leva à cristalização em um padrão de distresse. – Ela fez uma pausa. Engoli em seco, um pouco com medo do que ela falaria a seguir. - Esses padrões de distresse são organizações psicofísicas que mantém a pessoa paralisada num modo de funcionamento, sem poder voltar ao seu modo de vida anterior.

- Esse foi o meu caso? Como assim sem poder voltar ao modo de vida anterior?

- Por exemplo, uma pessoa que sofreu uma situação de violência, não consegue mais dormir à noite, ficando alerta e atenta aos barulhos da noite, sentindo medo de que a situação possa se repetir.

Ela deixou a prancheta de lado e continuou.

- O seu caso é um pouco complexo, porque nos seus sonhos, além de envolver o medo do acidente, percebi que sempre envolvia um medo atual seu.

Assenti novamente.

- Não se preocupe Laura, você procurou ajuda. Nos conseguimos tratar antes que chegasse a esse quadro. Tirar seu medicamento há um mês atrás, foi a prova final que precisávamos, para ver como iria reagir. Os resultados não poderiam ser melhores.

- Então quer dizer me curei desse estresse pós-traumático?

- Sim. Diante dos resultados e pelo que vem me contando durante as sessões, hoje você ganha alta. – Sorriu pra mim.

- Então essa foi a nossa última consulta?

- Sim, Laura. Foi nossa última sessão. Você está bem e totalmente tratada. Não tem mais sentido em continuarmos com as consultas.

Eu sorri pra ela. Ficamos mais tempinho conversando alguns detalhes e ela me levou até a recepção, onde assinei um papel. Me despedi dela feliz.

Parei o carro na frente da casa dos Hansen. Coloquei meu cachecol antes de sair do carro. Bati na porta e dona Malika veio me receber. Cumprimentou-me e disse que as meninas estavam na cozinha. Tirei meu casaco e pendurei no cabideiro atrás da porta. Fui até a cozinha e as vi mexendo entre um monte de ingredientes.

- Olá. – Cumprimentei com um sorriso. Fui até Camz e lhe dei um selinho.

- E ai, Laura? Como foi na terapia? – Diana perguntou.

- Foi ótimo. Minha última sessão.

- Claro né, daqui três dias vira o ano. Tem que melhorar as piadinhas, Carter.

- Não, Dih. – Sorri pra ela. – Foi realmente minha última sessão. Ela me deu alta.

- Amor que notícia boa! – Veio até mim e me beijou. – Então está tudo certo?

- Sim, estou livre do estresse pós-traumático.  – Abracei Camz por trás.

- Que bom, Laur. Fico feliz em ouvir isso.

- Obrigada, Dih. – Observei o que faziam e resolvi perguntar. – O que estão aprontando?

- Estamos fazendo brownie. – Camz se virou e passou farinha no meu nariz.

- Huum isso parece bom. – Esfreguei o nariz no rosto de Camz. – Estão colocando nozes?

- Sim. Muitas por sinal. – Diana respondeu.

Diana terminou de juntar tudo e chamou Camila para bater a massa. Peguei um copo d’água e me sentei na mesa. Comecei a conversar com Diana que também se sentou na mesa. Quando olhei para Camz percebi que estava cansada.

- Quer que eu bata, amor? – já ia me levantando.

- Não precisa, no final engrossa e fica mais difícil mesmo, mas já teminei.

Camz colocou a massa na forma e colocou no forno. Ajustou a temperatura e se sentou no meu colo. Percebi que ainda estava cansada, então lhe ofereci meu copo com água, o qual ela aceitou.

- Andei dando uma olhada nos cursos, e estou em dúvida entre dois.

- Entre quais está em dúvida? – perguntei para Dih.

- Administração e publicidade.

- Se daria bem em publicidade, você fala pelos cotovelos. – Ri da fala de Camz, não deixando de concordar. Antes que Diana falasse algo, Camz já emendou. – E também é muito criativa, acho um bom curso.

- Também acho que publicidade tem a ver com você. Administração também é legal.

- Pois é, andei pesquisando sobre eles e gostei do que fazem. Vamos ver. E vocês já pensaram em algo?

- Na verdade sim. –Camila respondeu e olhou pra mim, apenas assenti. – Nós vamos para Nova York.

- Por que lá?

- Por causa de Julliard. Camz vai fazer piano lá e eu tentarei passar em alguma faculdade de lá

- Camila querer Julliard não me surpreende. Na verdade, até esperava por algo do tipo. Mas e quando você resolveu isso, Laur? já sabe ao menos qual curso fazer?

- Andei pensando, gosto muito de exatas, então acho que vou acabar fazendo alguma engenharia. Sei que a New York University é referencia nesse campo. Inclusive em Administração e publicidade também.

- Vejo que já andou se informando bem sobre lá, Laur.

- Andei pesquisando, não nego.

A conversa rendeu tanto que quase esquecemos do brownie no fogo. Camila que se atentou para o cheiro e desligou a tempo.

Esperamos esfriar e comemos. Logo depois Camz quis tomar banho antes de ir, então fiquei deitada na cama com Diana, nós duas apenas em silêncio ao lado da outra, observando o teto.

- Você decidir ir para Nova York com a Mila é uma decisão e tanto.

- Eu sei, mas assim que ela me contou que queria ir pra lá, eu soube que também iria. Não tive dúvidas.

- O que seus pais acharam?

- Eu tenho que conseguir uma bolsa de atleta, por isso tenho me empenhado tanto nos treinos. Sei das minhas condições e bancar a faculdade e moradia ficará muito pesado para meus pais.

- Se bem que com essa situação com os pais da Mila, agora ela também tem que pensar na situação financeira, os pais praticamente a deserdaram.

- Eu andei pensando sobre isso também. Se ela conseguir uma bolsa, com a moradia ela não precisa se preocupar. Eu vou conseguir um emprego por lá e sei que com um pouco de esforço, a gente se vira.

- Então vocês vão morar juntas?

- Não vejo porque não. Estamos indo para a mesma cidade, somos namoradas, ficará até melhor morarmos juntas.

- Entendo. – O silêncio se fez presente por alguns minutos. – Você a ama né?

- Muito.

- E como sabe que é amor?

- Não sei explicar. Eu apenas sinto e sei.

- Você já se imaginou casar com ela? – Diana virou o rosto em minha direção. Sorri antes de responder, ainda observando o teto.

- Já me imaginei tendo filhos com ela, envelhecermos lado a lado.

De soslaio percebi Diana sorrir. Me virei pra ela.

- Camila é o amor da minha vida.

 Mal terminei de falar e Camz entrou no quarto, de banho tomado e trocada. Ela olhou pra nós e perguntou.

- O que foi que estão me olhando?

- Eu estou vendo o quanto fica linda nessa calça e moletom.

- E eu estou me perguntando quando foi que te emprestei meu moletom?

- Desculpe, Diana. Acabei pegando mesmo e nem pedi. Tem problema se eu usar? Ele é grande e quentinho.

- Nada que com uma caixa de bombons não possamos negociar

Apenas revirei os olhos e Camz riu. Pegamos suas coisas e nos despedimos de Diana e seus pais. Já no carro, puxei Camila para um beijo apaixonado.

- Estava com saudades. – Justifiquei.

- Eu também. – Me puxou para outro beijo.

Não demoramos e chegamos em casa. Meu pai estava na cozinha, dei boa noite e subi com Camz pro meu quarto. Ela ainda demorou um pouco e esperei. Peguei suas coisas para ajuda-lá.

- Poderia ter pego antes deu subir as escadas – Estava um pouco ofegante.

- Me desculpe, amor. Nem me toquei. – Lhe dei um selinho. – Eu já fui melhor né? – Perguntei insegura.

- Tudo bem. Você é Perfeita. – Acariciou meu rosto e me deu outro selinho já se dirigindo para meu quarto.

Fui pro banheiro tomar banho, enquanto Camz mexia no meu notebook. Acabei enrolando no banho, a água quente me relaxava.  Assim que sai encontrei Camila dormindo com o notebook do lado. Sorri para a cena. Fechei Notebook e coloquei na mesinha do lado. Como ela já estava de pijamas, apenas ajeitei melhor a coberta sobre ela. Beijei sua testa e apaguei a luz, descendo para sala. Meus pais estavam lá, juntamente com Alice. Sentei do seu lado e comecei a mexer no celular.

- Onde está Camila? – Minha mãe perguntou.

- Está dormindo. Acabei demorando no banho e ela capotou, deve estar cansada tadinha.

- Não vão jantar?

- Nós comemos lá na Diana, pai. Não se preocupe.

- E como foi a terapia hoje? – papai perguntou.

- Ainda bem que perguntou. – Sorri. – Já estava esquecendo de contar. Recebi alta. Hoje foi a última sessão. Estou totalmente tratada, não tenho mais pesadelos.

- Isso é uma ótima notícia, filha. – Meu pai foi até mim e me abraçou.

Contei mais detalhadamente como foi a consulta pra eles. Não demorou muito e logo o sono bateu. Subi até o quarto e abri devagar a porta. Troquei a calça por um de moletom e me enfiei debaixo das cobertas abraçando Camila.

- Laura? – Falou com a voz sonolenta

- Sou eu, amor.

Ela se virou pra mim e se aconchegou nos meus braços. Beijei o topo de sua cabeça e logo adormeci também.

 

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O som ambiente estava bom. Nem alto e nem baixo. Permitindo que as pessoas conversassem tranquilamente. Era véspera de ano novo, estávamos todos na minha casa. Resolvemos juntar com os Hansen’s para a virada do ano. Troy e Kate ainda estavam viajando, mas eu sabia que receberia uma ligação deles logo depois da virada.

Observei a mesa cheia de comidas e bebidas. Era uma mesa improvisada no meio da sala, maior e mais estreita que a nossa. Malika quem havia providenciado. Eu e Sean havíamos afastado os sofá dando mais liberdade de trânsito para as pessoas. Peguei um copo e me servi de ponche. Aproveitei e peguei um cacho de uva me dirigindo para o quintal. Papai improvisou umas luzes e mesas dispostas. Cansei apenas de lembrar o trabalho que deu para tirar a neve.

Avistei Camz e Diana em uma mesa no canto. Sorri e fui até elas.

- Obrigada, Carter. – Diana falou e já ia pegando minhas uvas.

- Não são pra você. – levantei a mão impedindo que pegasse. – São pra Camz. – dei o copo com ponche e o cacho de uvas.

- Obrigada, amor. – Me deu um selinho e sentei ao seu lado.

- Reparei que até agora não comeu nada.

- Não são pra você. São pra Camz. – Diana me imitou em tom debochado.

Camz riu e me olhou. Suspirei e fiz sinal para que pegasse as uvas. Diana sorriu toda boba enquanto comia.

- Estou esperando virar para comer com todo mundo. Sabe da tradição.

- Eu sei, amor. Mas você ajudou minha mãe e tia Malika a tarde toda na cozinha e não comeu nada. Pelo menos algo tem que comer.

- Tudo bem. – Pegou uma uva e comeu. – Huum está docinha, experimente. – Pegou uma e me deu na boca. Sorri e me aproximei do seu ouvido.

- Doce mesmo, mas não tanto quanto você. – Camila ficou vermelha e me deu um tapa no ombro.

- Que Que é isso? Só porque to sem namorado aqui, vão ficar de Love?

- Nós sempre estamos no “Love” – Fiz aspas com a mão e sorri.

- Quando Ian volta? – Camila perguntou e pegou mais uma uva.

- Não sei. Ele queria vir só pra passar o ano novo. Mas não achei justo. A tia dele não está muito boa e acho que ele deve ficar com ela. Assim que melhorar, ele vem.

Sean se juntou a nós sentando-se ao lado de Diana.

- Papai está contando as piadas de natal de novo. – resmungou.

- Deixa. Ele gosta. – Falei rindo.

- Fala isso porque não era você que estava ouvindo até agora.

- Eu gosto das piadas do seu pai.

- Só você e mamãe, Camz . Porque até Diana já flagrei escapando delas.

- É verdade, hoje mesmo quando ela chegou, papai foi contar uma piada, aquela do boneco de neve, e vi Diana falando que alguém a tinha chamado, quando na verdade só tinha eu na direção que foi. – Sean dedurou.

- Mentira! Eu não fiz isso com o tio Mike não, eu realmente pensei que alguém tinha me chamado.

- Aham, sei. – todos da mesa riram.

Ouvimos mamãe chamar todos para a varanda. Logo iria dar meia-noite. Nos reunimos na frente de casa e começamos a contagem regressiva.

- 10, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1!! – Falamos todos juntos e brindamos a virada do ano.

Beijei Camz apaixonadamente, sendo correspondida a altura. Geralmente não nos beijávamos assim na frente das pessoas, mas era ano novo e merecíamos.

- Meu amor, feliz ano novo! Este ano que passou foi maravilhoso por ter você ao meu lado e este que se inicia será melhor ainda. Eu te amo. – falei emocionada.

- Será um bom ano pra gente, Laur. Eu te amo.

 

Cumprimentamos o restante do pessoal desejando o melhor para o ano que acabara de começar. Abracei Camz por trás e nos apoiamos no parapeito para observarmos os fogos de artifício. Beijei sua nuca e apoiei a cabeça no seu ombro enquanto o céu ganhava cores.

Fim do capítulo