Capítulo 20
Os Anjos Vestem Branco - Capítulo 20
-- Quer mais suco Sabrina? - Margarete servia o café da manhã.
-- Não Marga, estou satisfeita. Obrigada - Sabrina passou a mão pela barriga.
-- Bom dia - Débora entrou na cozinha - Dormiu aqui Sabrina?
-- Não dona Débora, vim ver a minha loirinha.
-- Ela está dormindo e pelo jeito a Priscila também - Débora sentou para tomar o seu café.
-- Não estou mais - Priscila deu um beijo no rosto das duas - Dormi muito mal, a Bruna teve pesadelos a noite inteira.
-- Tadinha, ela deve estar sofrendo muito - Sabrina falou baixinho doce e pesaroso.
-- Gente. É pra tanto? Tudo bem que ela sempre teve o pai como o modelo da perfeição na terra, mas, estou achando um pouquinho exagerada essa reação.
Priscila e Sabrina trocaram olhares cumplices. Coitada da Débora. Nem imaginava que o problema era ainda maior.
-- A Bru é muito sensível mãe. Tenta entender - Priscila pediu gentilmente.
-- Eu entendo, mas não esqueça que precisamos dela Priscila, antes que o coitado do Nestor tenha outro "infarto" - fez sinal de aspas com o dedo e deu uma gargalhada.
Sabrina ficou com cara de boba, não estava entendendo bulhufas. Priscila então, resolveu contar.
-- Isso é segredo de estado Sabrina, nem a Bru pode saber - passou os dedos sobre os lábios como se fechasse um zíper.
-- Se ela falar, corto a língua dela e, olha que lésbica sem língua é uma tragédia - Débora riu alto.
Sabrina engoliu em seco. Mesmo que colocassem uma barra de ferro atravessada entre os punhos e os joelhos, pelada, amarrada, pendurada de cabeça para baixo a cerca de 20 centímetros do chão. Nessa posição que causa dores atrozes no corpo, sofrendo com choques, pancadas e queimaduras com cigarros. Não falaria.
-- SABRINA - Priscila chamou sua atenção.
-- Jamais falarei, nem sob tortura - respondeu rápida.
-- Mamãe acha que papai está simulando, que na verdade não sofreu infarto coisa nenhuma.
-- Caramba! - Sabrina ficou chocada e colocou a mão sobre a boca -- Com qual intenção Pri?
-- Primeira: Ter a Bruna do lado dele. Segunda: Porque Victória estaria rompendo com ele... - parou percebendo que estava falando demais.
-- Isso eu não sabia Priscila - Débora mostrou-se confusa.
Sabrina olhou assustada, enquanto Priscila pensava em uma explicação convincente.
-- A Bruna contou para nós - Sabrina foi rápida e Priscila agradeceu com os olhos.
-- Enfim, estamos procurando uma maneira de comprovar as nossas suspeitas - Priscila pausou para um longo respirar.
-- Mas isso é fácil. É só ver o resultado dos exames, o eletro e a dosagem da CPK-MB.
-- E você acha que eu já não tentei isso? Os resultados não constam no sistema e para retirar do arquivo, somente o próprio paciente ou o responsável. Se eu usar da minha influência, Nestor ficará sabendo na hora e poderá usar isso contra mim no futuro.
-- Eu posso conseguir esses exames - Sabrina olhou para as unhas bem feitas.
-- Pode? como? - mãe e filha perguntaram juntas.
Nem mesmo Sabrina sabia como, mas, era a oportunidade de ouro para conquistar a admiração da filha e de quebra a da mãe também.
-- Tenho um plano, mas é secreto - mentiu.
-- Poxa. Estou surpresa. Você é muito esperta - Débora elogiou e Sabrina derreteu.
Priscila levantou e foi até ela.
-- Você é um amor Sabrina - deu um beijo demorado no rosto da garota.
Foi só um beijo no rosto, mas fez o coração de Sabrina acelerar, e o seu corpo flutuar.
-- É uma missão difícil e arriscada, mas terei sucesso, não se preocupem - levantou com o peito empolado - Vou ver a Bruninha - saiu sentindo-se o máximo.
No quarto...
Bruna dormia agarrada a um travesseiro, em posição fetal. Sabrina se aproximou e deu um beijo estalado em seu ouvido a fazendo pular de susto.
-- Sua louca. Quer me matar do coração é? - Bruna saiu da cama e correu atrás de Sabrina até agarra-la e joga-la sobre a cama - Sua sem noção - pulou em cima dela fazendo cócegas pela sua barriga.
-- PÁRA BRU, PÁRA... - berrava desesperada.
-- Pede perdão.
-- PERDÃO, PERDÃO...
Bruna pulou para fora da cama.
-- Assim está melhor - correu para o banheiro.
-- Estava apurada é? Se não fosse eu, você teria mijado na cama. Bebê - falou alto para a garota que estava no banheiro.
-- Que horror Sabrina. Meninas fazem xixi, os meninos é que mijam - voltou para o quarto e sentou na cama.
-- Como você está?
-- Péssima, horrível, vegetando...
-- Chega. Já estou com pena de você. Não precisa mais. Te amo, você sabe disso né?
-- Sei, mas não consigo trans*r com você.
-- Nem eu. Então vamos conversar - sentou ao lado de Bruna e pegou em sua mão.
-- Vamos fazer sex* oral?
-- Vamos. Você começa, loira.
Bruna virou-se para Sabrina com um olhar triste e logo depois abaixou a cabeça.
-- Será que essa dor um dia vai passar Brina? Sinto tanta falta dela não sei se um dia conseguirei superar tudo isso.
-- Aos poucos, essa dor vai diminuir Bruna, sua rotina lá no hospital será retomada e o trabalho vai ocupar a sua cabeça.
-- Não sei se tenho forças para trabalhar - deitou na cama - Estou sem vontade até de sair da cama - cobriu-se com o cobertor até a cabeça.
Era muito triste ver a amiga daquele jeito. A garota alegre e brincalhona, contadora de piadas, havia se perdido lá pelos lados da Barra da Tijuca. Bruna estava doente. Doente de amor.
Mais tarde no hospital da Barra Sabrina chegava para mais um plantão. Estacionou o carro e caminhava em direção a entrada quando alguém a puxou pelo braço.
-- Sabrina espera, preciso falar com você - Victória pediu.
-- Acho melhor não Vic. Não quero confusão pro meu lado - tentou continuar andando mas a morena insistiu a segurando novamente.
-- Por favor, eu sei que você é uma pessoa compreensiva. Me ajuda Sabrina. Não estou bem - continuava segurando no braço da garota - Por favor, vai ser rápido, eu prometo.
Sabrina mesmo sabendo que esse encontro poderia chatear as irmãs Sontag, não conseguiu recusar o pedido de Vic. Ela parecia realmente estar sofrendo muito.
-- Tudo bem, mas antes preciso comunicar que já cheguei. Vem comigo.
Minutos depois já estavam sentadas frente a frente em uma mesa da lanchonete do hospital.
-- Desculpa te procurar Sabrina, sei que esse encontro pode deixar as meninas bravas com você -- falava sem encarar Sabrina, olhos no ar, como se a garota fosse ler os seus pensamentos.
-- Tudo bem Vic. Elas não precisam saber que nos encontramos. Não é mesmo? - tocou com o dedo em seu queixo a fazendo olha-la.
-- A Bruna não está trabalhando?
-- Não. A Bruna não está legal. Pediu afastamento de dez dias para resolver algumas questões pessoais. Que nós sabemos quais são - sorriu.
-- A vida dela era tão certinha. Estudo, residência, família, amigos e, a minha uma bagunça. Como eu pude achar que seria possível? Deveria saber que não daria certo. Eu só a prejudiquei. Olhe o mal que eu causei a ela.
-- Péraí, péraí. O problema Vic não está no relacionamento de vocês duas. Você a ama, ela a ama. Positivo? O problema está nesse relacionamento que você vem arrastando por dois anos com um homem casado. Não é errado se apaixonar por alguém casado, o errado é manter o caso por tanto tempo, enganando as pessoas, a esposa, os filhos.
-- Hoje eu entendo tudo isso, mas e daí? Eu já perdi o amor da minha vida - uma lágrima rolou pelo rosto da morena.
-- Não devia te contar, mas ela ainda te defende, dizendo que a culpa é do destino e que você sempre foi sincera e honesta com ela.
O rosto de Victória se iluminou em um sorriso contagiante.
-- Sério? Então ela não me odeia?
-- Claro que não. Conheço a Bruna desde a época que ela usava aquela ch*peta ridícula de joaninha escrita: Mamãe te amo - Sabrina pegou na mão de Victória sobre a mesa - Então sou a pessoa mais certa para te dar um conselho: Não cola os cacos da tua vida, faz uma nova, mais bonita, mais forte. A Bruna quando ama não brinca, ela ama. Ela vai ficar te rondando, mantendo uma distância segura, mas vai estar por perto. Não esquenta.
As palavras de Sabrina foram tão animadoras que Victória saiu daquele hospital sentindo-se outra pessoa. Sabrina era a pessoa que mais conhecia Bruna, portanto as suas palavras deveriam ser levadas muito em conta. Seguiria o seu conselho à risca e começaria hoje mesmo. Entrou no carro com esse pensamento fixo. Abriu bem os vidros, ligou o rádio e falou para si:
-- Hoje é o primeiro dia do resto da minha vida! - balançou as mãos como se exorcizasse todos os fantasmas do passado e partiu.
No Leblon
-- Bruninha. Vamos dar uma volta pela praia. O dia está tão lindo, meu amor - Priscila deitou ao lado da irmã na cama.
-- Não quero mana - virou para o outro lado.
Priscila sentia vontade de mandar dar uma surra tão grande em Victória, que ela não esqueceria pelo resto da vida. Por causa dela a irmã estava assim nesse estado. Ficou deitada na cama olhando para o teto branco. Como queria que a Sabrina estivesse alí. Ela sempre sabia o que fazer. Com certeza arrastaria a Bruna dessa cama até a praia. Ultimamente sentia tanto a falta da garota. Pegou o celular e ficou olhando para ele. Ameaçou digitar o número dela umas três vezes, mas desistiu. Esse sentimento era muito estranho. Sabrina tinha uma amizade diferente com Bruna. As duas sempre tiveram uma relação de irmã. O interessante que com ela não. Sabrina era toda reservada, saia correndo quando Priscila começava a trocar de roupa na frente dela, ruborizava quando era beijada. Ela realmente é uma fofa. Virou-se e abraçou a irmã pela cintura.
-- Bru, quer sorvete? A mana busca - beijou o pescoço da irmã.
-- Não - respondeu baixinho.
-- Credo. Tá mal mesmo - voltou a olhar para o teto e a pensar em Sabrina.
No Hospital Sontag...
-- A Bruna não está bem Nestor. Nunca imaginei que ela ficaria nesse estado quando soubesse da verdade - Débora estava em sua sala conversando com Nestor.
Nestor sabia que não era somente esse o motivo da depressão da filha, mas ficou quieto. Contava com o silencio da garota, já que pensava que o pai não sabia nada sobre ela e Vic.
-- Vou ter uma conversa com ela. Colocar tudo em pratos limpos.
-- Poxa, você esperou dois anos para limpar esses pratos - sorriu irônica.
-- Engraçadinha... - o celular de Nestor toca e ele atende - Pode falar Borges... No hospital da Barra? Muito bem, assim que tiver novidades me ligue - jogou o celular sobre a mesa de Débora.
-- Borges não é o segurança?
-- É, ele está fazendo um servicinho para mim - parou pensativo - A Bruna não foi para a residência hoje?
-- Pediu afastamento de dez dias. Por isso digo que ela não está bem.
-- Realmente, ela nunca falta. A noite converso com ela - levantou para sair - Vou ver como está o paciente da cirurgia de hérnia inguinal.
Minutos mais tarde o celular de Nestor começou a tocar em cima da mesa de Débora.
-- Mas é um cabeçudo mesmo - pegou o celular na mão e olhou para o visor - Que tanto esse Borges liga para o Nestor - colocou o celular novamente sobre a mesa e saiu.
Bruna acordou assustada. Que horas seria? Levantou sem pressa e foi para o banheiro. Tomou um banho, colocou uma calça Jens rasgada, uma camiseta preta e desceu. Estava caminhando em direção a porta de saída quando ouviu uma voz conhecida vindo da cozinha. Parou do lado de fora e ficou ouvindo a conversa.
-- A Victória está morando com o Thiago. Ela arrumou um emprego como enfermeira em uma clínica de cirurgia plástica - Ricardo contava as novidades para Priscila.
-- Aquele apartamento era bancado pelo papai, não era?
-- Era. Thiago me falou que Vic não quer mais nada que venha do seu pai. Inclusive quando saí de lá hoje pela manhã, ela estava colocando alguns presentes valiosos dentro de uma bolsa para devolver a ele.
-- Não faz mais que a obrigação - Priscila revirou os olhos sem dar muita importância a atitude de Victória.
Porém ali fora alguém dava muita importância a tudo isso. Era tão bom ouvir que a morena estava tentando dar um novo rumo a sua vida. Ela tinha que aprender que as melhores coisas da vida são aquelas conquistadas com muito trabalho.
Estaria sempre torcendo por ela. Pelo seu sucesso, pela sua felicidade.
Bruna estava sem saber o que fazer e para onde ir. Subiu em sua moto e saiu para tentar espairecer.
Rodou praticamente por toda a orla do Leblon, parou para tomar uma água de coco, mas logo continuou. Quando se deu conta estava parada em frente ao prédio onde Thiago mora.
Estacionou a uma distância segura e que lhe proporcionava uma vista privilegiada da entrada do prédio. Sentia-se uma idiota parada alí naquele lugar, ansiosa, com o coração aos pulos e correndo o risco dela nem passar. Mas fazer o que? Precisava arriscar, tinha que vê-la, ainda que fosse por um minuto...
No hospital da Barra Sabrina quebrava a cabeça tentando bolar um plano, mas tinha de ser perfeito para dar certo. Porque se desse errado, estaria ferrada. Pegou o celular e ligou para Ricardo. Ele seria um forte aliado e precisaria dele para ter acesso livre as dependências do Sontag.
-- Ric amigão. Preciso conversar com você, é urgente.
-- Acabei de sair do apartamento dos Sontag. Agora estou indo para me encontrar com o Thiago na Barra.
-- Estou de plantão no hospital aqui da Barra. Podemos nos encontrar mais tarde então?
-- Claro Sabrina. Fico te esperando. Você sabe aonde fica?
-- Eu e a Bruna já estivemos lá uma vez levando o Thiago.
-- Ótimo. Estamos combinados então. Beijo.
-- Beijo - Sabrina desligou o celular pensativa. Provavelmente teria que conversar com Ricardo na frente de Thiago e Victória. Será que seria uma boa ideia?
No estacionamento do Hospital Sontag...
Victória parou o carro e ficou batucando com os dedos no volante, estava muito nervosa. Aquele lugar a dois anos atrás era a sua vida, a sua realização, mas que parecia estranho agora, depois de tanto tempo...
Saiu do carro sentindo as pernas bambas e as mãos começarem a suar. Pegou as suas coisas e saiu em direção ao prédio.
O imponente prédio do Hospital Sontag ocupa um quarteirão inteiro. É um dos hospitais mais bem aparelhados do país e frequentado pela elite brasileira, sendo considerado um hospital de luxo, com diárias altíssimas...
Victória parou diante dele e olhou para cima.
-- Pra que tanta ostentação Nestor? Se até a sua filha prefere um hospitalzinho do SUS - sorriu lembrando de quando conheceu a simpática doutora Bruna.
Continuou o seu flashback...
Pouca coisa havia mudado na recepção, a cor e o posicionamento das cadeiras, as telas nas paredes, alguns funcionários. Coisas mínimas, que passariam despercebidas por alguém que não fosse tão detalhista como ela.
A morena caminhava a passos largos na direção do elevador.
O toc toc dos saltos chamaram a atenção da recepcionista que levantou a cabeça e levou um susto quando a reconheceu.
-- Victória? - a mulher estava pálida - Você não pode entrar.
Victória virou-se para a mulher e falou pausadamente, demonstrando uma calma que não sentia:
-- Tente me impedir - entrou no elevador e antes que a porta fechasse ainda falou: -- Não se preocupe eu sei muito bem aonde fica.
Fim do capítulo
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