Capítulo 10 - Semente de Conexão
Cerca de dois meses se passaram desde que o Senhor Kodama estava recebendo cada vez mais informações dos históricos de sua empresa no Brasil. Tudo graças a Ana, que trabalhava incansavelmente para entregar tudo dentro dos prazos, sua dedicação havia se tornando a espinha dorsal da investigação.
Mizuki agora treinava o português com a estagiária praticamente todos os dias quando voltavam para casa. Mesmo ambas saindo tarde da noite do trabalho, a chefe sempre passava na sala de Ana para irem embora juntas, aqueles momentos haviam se tornado um ritual silencioso que foi se estabelecendo entre as duas. Elas passaram a interagir durante o trajeto, ainda que breve, até a praça da cidade, e por vezes até permaneciam no carro conversando alguns minutos a mais, o tempo voava quando elas estava na companhia uma da outra. Mesmo que agora Mizuki não ficasse mais no hotel, ela fazia questão de levar Ana quase até seu pequeno apartamento, um gesto de cuidado que Ana valorizava. Mizuki havia aprendido bastante sobre o idioma e ensinado a Ana várias novas palavras em japonês. Mesmo que nenhuma delas admitisse em voz alta, elas se sentiam sempre ansiosas para o fim do dia, pois era o momento em que poderiam passar alguns minutos na companhia uma da outra, aquela era uma pausa bem-vinda na rotina exaustiva.
Após a entrega do último relatório na reunião semanal, Mizuki perguntou a Lucrécia se algum de seus funcionários deveria receber o crédito pelo bom trabalho realizado nas entregas. Imaginando que Lucrécia iria ao menos reconhecer o esforço da estagiária, talvez até iria pedir que Ana fosse efetivada na empresa. Porém, a resposta que recebeu foi um balde de água fria:
— É, realmente trabalhamos muito bem, devo admitir. Mas a senhora sabe que somos uma equipe, todos nós aqui. Somos como uma segunda família e ajudamos uns aos outros, como deve ser. — Lucrécia disse, com um sorriso forçado, tentando roubar o crédito para si e para o setor.
— Entendo. — agora com sua própria voz Mizuki disse, sem emoção, mas seus olhos fixos em Ana, que estava no fundo da sala, de cabeça baixa, o rosto corado de vergonha e frustração.
Mizuki sabia que todo aquele trabalho havia sido feito pela estagiária, e ao invés de ser honesta e dizer a verdade, a Gerente simplesmente mentiu. Mizuki pensou em dar a chance de Ana dizer algo, de se defender, de reivindicar o que era seu por direito.
— Você ali. — Mizuki disse, apontando para Ana no fundo da sala. — Escolhe prêmio pelo trabalho.
Assustada, Ana levantou a cabeça e viu que todos estavam olhando fixamente para ela. Sentiu seu rosto corar intensamente, o calor subindo pelas bochechas. Quando seus olhos percorreram a sala, o único olhar acolhedor dentre todos ali era o de Mizuki para ela, era como um farol de apoio em meio à hostilidade. O que claramente era o extremo oposto do olhar de Lucrécia ao seu lado, que irradiava raiva e inveja.
— Eh, ahn…. — Antes que ao menos conseguisse formar uma frase, Lucrécia a interrompeu, a voz rápida e dissimulada.
— Ah sim, a senhora andou praticando nosso idioma, certo, senhora Hinata? Está falando muito melhor, se é que me permite dizer. Agora, sobre a nossa estagiária, ela não é muito de falar, sabe, mas creio que ela irá concordar que todos nós trabalhamos incansavelmente nos últimos meses, e como estamos quase no fim do ano, uma festa de confraternização do setor seria ótimo para o moral de todos nós. — Lucrécia desviou o foco com maestria, transformando o reconhecimento individual em uma celebração coletiva.
— Hai, será feito. Cuida de tudo. — Hinata disse, observando que Ana estava com os olhos cheios de água e parecia estar se segurando, porém apenas por um fio de desabar. A diretora saiu da sala, finalizando a reunião semanal, e se sentia de uma forma estranha, estava ligeiramente triste por dentro, sem saber exatamente o motivo daquela melancolia súbita.
—xxx—
O turno da tarde seguiu com uma longa reunião com seu pai, o Senhor Kodama que mesmo estando em uma viagem nos Estados Unidos fazia questão de agendar a reunião semanal.
— Saki hodo Mizuki dēta no kōshin o uketorimashitaga, kono jōhō ga areba doko de sonshitsu ga hassei shite iru ka o kantan ni tokutei dekiru to omoimasu. — (Mizuki, acabei de receber a atualização dos dados, e com essas informações, acho que podemos identificar facilmente onde as perdas estão ocorrendo.) A voz de seu pai era séria, mas com um certo tom de expectativa.
. . .
— Mizuki? — Seu pai disse, de forma impaciente, percebendo o silêncio do outro lado da chamada.
— Hai. — Hinata disse, depois de voltar à realidade. Por algum motivo, ela estava bastante distraída e dispersa depois da reunião no C.A.P, a imagem de Ana e a injustiça da situação a estavam assombrando.
"Não sei nem por onde começar para analisar todos esses dados. Ao menos meu pai não estipulou um prazo para finalizar meu trabalho por aqui, parece que ele está finalmente me dando algum espaço para trabalhar."
Começou então a procurar uma estratégia para verificar todas aquelas informações, mas sua mente divagava. Quando se deu conta, já estava tarde, e sua barriga, a essa altura, roncava de fome. Apenas quando estava saindo de sua sala, ela se deu conta do motivo que a havia feito se sentir triste durante todo o dia.
"Agora que Ana terminou o trabalho, ela não tem motivos para trabalhar até mais tarde. Eu não tenho mais motivos para ir até o setor dela todas as noites e nem mesmo para vê-la. Acho que nunca cheguei a ter amizade com alguém, nem mesmo deixei ninguém se aproximar de mim assim."
Ela pensava enquanto caminhava pelos corredores vazios da empresa, o eco de seus próprios passos como sua única companhia, até ver que a luz do setor de Controladoria, Análise e Processamento ainda estava acesa. Mizuki se aproximou para verificar e, na mesma proporção que se sentiu feliz por ver Ana, se sentiu intrigada do porquê estava vendo novamente a estagiária trabalhando até tarde.
— Gosta do trabalho, certo? — perguntou a chefe, como sempre fazia.
— Ah, oi… Hinata… Eu gosto de trabalhar até tarde, além disso, o Grupo Kodama não coloca limite de horas extras, então isso me ajuda a pagar meu aluguel no fim das contas. Eu finalmente terminei de lançar todos os dados, mas alguns não fizeram sentido pra mim, por isso não iria conseguir dormir se eu não fizesse uma checagem antes. — Ana disse, demonstrando total naturalidade ao falar com sua chefe. Ambas não precisavam mais de tantas formalidades, e Ana não parecia nem um pouco com a jovem em pânico daquele mesmo dia mais cedo.
— Verdade, uma coisa estranha nos números. — Mizuki sabia que mais cedo ou mais tarde seu pai iria querer que ela apresentasse resultados e não via ninguém melhor para ajudá-la a encontrar o problema do que a pessoa que lançou todas as informações.
— Tem sim, mas ainda não consegui encontrar o que é. — Ana confirmou, seus olhos fixos na tela, a determinação em sua voz.
— Você muito boa no trabalho. — Mizuki tinha que admitir que Ana realmente era excepcional, ela nem mesmo precisou que alguém dissesse que havia algo errado. Seu elogio fez as bochechas de Ana corarem, um rubor que Mizuki notou com um leve sorriso. — Quer trabalho? — Mizuki perguntou.
— I’m sorry, what did you mean? I’ve already work for you. — (Desculpe, o que você quis dizer? Eu já trabalho para você.) Ana disse, alegando algo que pensou ser óbvio para sua chefe.
— Com fome, vamos comer. — Disse Mizuki em um convite genuíno.
"Estou sonhando ou minha chefe acabou de me chamar pra jantarmos juntas? Claro que não é nada do que eu estou pensando… Aliás, o que eu estou pensando? Ela só deve estar querendo companhia." Ana pensou, o coração dando um salto.
—xxx—
No caminho, Mizuki explicou que gostaria que Ana trabalhasse normalmente durante o dia e após o fim do expediente, ela trabalharia em um projeto paralelo com ela para descobrirem o que havia de errado com os números e as movimentações financeiras da empresa. Apesar de Ana não ser especialista na área financeira, ela era excepcional quando se tratava de identificar padrões e, principalmente, distorções nesses padrões. Agora que elas já estavam no pequeno restaurante da cidade e haviam pedido algo para comerem, a conversa fluiu com mais naturalidade.
— Ah sim, posso te ajudar sim. — disse Ana, sem nem mesmo pensar, a oportunidade de ajudar a diretora e desvendar o mistério a empolgando. A mulher, do outro lado da mesa, a olhou com surpresa, afinal, a jovem aceitou sem hesitar.
— Vai ter salário também. — disse Mizuki, como se a negociação não tivesse terminado ainda, um leve sorriso nos lábios.
"Será que Hinata acha que eu aceitei rápido demais? Na verdade, a única coisa que eu quero é descobrir onde está a fraude e quem será que foi o culpado. Certeza que Lucrécia deve saber, isso se ela também não estiver envolvida. Mas… a quem eu estou querendo enganar, eu realmente preciso do dinheiro pro aluguel, mas estaria feliz só em ajudá-la" Ana pensou.
— That will be great. (Isso será ótimo.) — Ana respondeu, a gratidão evidente em sua voz.
— Continua a ensinar português também? — disse Mizuki, esperançosa em passar ainda mais tempo com Ana. Talvez ela pareceu até um pouco mais empolgada do que de costume e, por um segundo, deixou parte de sua compostura de lado, um brilho diferente em seus olhos.
— Uhum. — Ana assentiu, um sorriso discreto nos lábios.
Mizuki sorriu como Ana nunca tinha visto antes. Achou aquele sorriso lindo e prometeu a si mesma que aquele não seria o último sorriso que veria no rosto da mulher por quem estava claramente se apaixonando. Teve vontade de fazê-la rir mais vezes. Mas, assim como havia sido ensinada a vida toda a esconder seus sentimentos, Mizuki se conteve, ficando um pouco sem graça com o silêncio que se seguiu. Decidiu puxar um novo tópico para a reunião… "Reunião?" pensou. Ali elas não estavam em uma reunião, estavam jantando. Portanto, Mizuki poderia se permitir e perguntar.
— Sua família?
— Moram em outra cidade aqui perto. Meu pai, minha mãe e meus irmãos. E você? — Ana perguntou, a curiosidade superando a timidez.
Mizuki percebeu naquele momento que fazer perguntas significaria responder perguntas, mas se ela tomasse cuidado, isso não seria problema.
— Nihon. Japão… Pai e irmão. — disse, falando o mínimo possível. Não se sentia bem em mentir para a jovem em sua frente, mas a discrição era necessária. — Namorado?
— Não que eu fique sonhando a noite em namorar, mas se alguém nesse mundo quisesse namorar comigo, eu gostaria se fosse uma mulher. — Ana disse, rindo de nervoso com a pergunta, a confissão saindo de forma inesperada. — E você?
— Eu trabalhar muito. Um dia eu amar alguém, eu cuidar dela. — Mizuki respondeu.
Ouvir o pronome “dela” vindo da boca de Hinata fez o coração de Ana errar uma ou duas batidas, ainda que tentasse se convencer de que a mulher à sua frente apenas se confundiu com os pronomes dele/dela, era uma tentativa vã de racionalizar a emoção que sentia.
Conversaram um pouco mais sobre coisas aleatórias, procurando coisas que gostassem em comum, a conversa fluindo com uma leveza inesperada. Viram que o pequeno restaurante estava se preparando para fechar quando perceberam o quão tarde era, nem viram o tempo passar. Mizuki disse que levaria Ana até a porta de sua casa devido ao horário mais avançado e em agradecimento pela companhia naquela noite.
— Até semana que vem então. — disse Ana e, em um momento de empolgação e impulsividade, se despediu dando um beijo no rosto de Hinata e saindo apressada do carro, o coração em festa.
—xxx—
Minutos depois de sair do carro de sua chefe, Ana entrou em seu pequeno apartamento, deixando a porta se fechar suavemente atrás dela. A jovem encostou na parede mais próxima, a mochila caindo aos seus pés, um peso leve comparado ao turbilhão em sua mente. Ainda sem acreditar no que havia acabado de fazer, podia sentir o cheiro floral e envolvente do perfume de Hinata pairando em sua pele, aquela era uma lembrança olfativa que se recusava a desaparecer. A visão da pessoa sentada em sua frente no restaurante, tentando conversar sobre assuntos aleatórios, era alguém totalmente diferente da mulher imponente e superpoderosa de dentro da empresa, que mantinha todos sob uma rédea firme. Seria a mesma mulher que escondia seu sorriso com as mãos enquanto suas bochechas ficavam vermelhas?
"Ela parece uma pessoa totalmente diferente, com certeza. Me pareceu muito mais humana hoje no jantar, diferente de como a vejo todos os dias no escritório. Mas eu sabia que não deveria ter tomado uma taça de vinho no jantar."
A taça de vinho na qual Ana pensava, um rubi líquido que brilhava sob a luz suave do restaurante, havia ficado ainda pela metade na mesa. Embora tivesse tomado apenas metade, era muito mais do que o suficiente para deixar tonta e risonha uma jovem bastante inexperiente com bebidas. Rindo à toa e com suas bochechas vermelhas devido aos efeitos do álcool, a jovem estagiária estava com certeza fora de seu juízo perfeito quando beijou sua chefe antes de sair do carro. Ela lembrava da cena ocorrida alguns minutos atrás, a ponta dos seus dedos tocando seus lábios, como se para reviver o momento. Com os olhos fechados, ela tentava se lembrar do quão suave a pele de Hinata era ao toque, um desejo quase palpável se formando. Queria poder tornar cada milímetro das sensações daquela noite registradas e imortalizadas em sua memória. Aquilo poderia nunca mais acontecer, Ana poderia nunca mais ter a oportunidade de estar tão à vontade assim com sua chefe.
"Ana Ribeiro, você é doida." O pensamento ecoou em sua mente, em um misto de repreensão e êxtase.
Fim do capítulo
Bom dia! Boa tarde! Boa noite!
Tudo bem com vocês?
O que foi isso Ana? Como assim menina? Continua que a gente gosta kkkk
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HelOliveira
Em: 24/11/2025
Amei o 3 capítulos ....feliz por Ana estar sendo vista por seus esforços....
Olha o que meia taça de vinho é capaz hennnn.
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Jsilva
Em: 23/11/2025
Eitaaa kkkk tô amando essa troca esse flert esse beijo com sabor do Japão kkkkk ana já toda toda deixando claro q é do time. E a japa jogando também ? Vamos sonhar junto Com a Ana kkk
EmiAlfena
Em: 24/11/2025
Autora da história
Depois do perrengue que a Ana passou, podemos sonhar com momentos melhores pra ela
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EmiAlfena Em: 24/11/2025 Autora da história
Essa meia taça de vinho agitou as coisas kkkk