Capítulo 8 - A Sexta-feira
Na reunião semanal, Mizuki entrou na sala com sua postura impecável. Lucrécia iniciou sua apresentação com uma falação incessante, despejando números de demandas e todo tipo de informação que a diretora nem havia solicitado. Mizuki escutava toda a apresentação sem interromper, sem perguntar nada. Apenas observava a tela com atenção cirúrgica, os olhos fixos nos slides que passavam. Assim que as projeções terminaram, a gerente aguardou, ansiosa, por algum comentário. Mizuki digitou em seu notebook, o som suave das teclas o único ruído na sala, naquele instante todos os presentes esperavam, tensos, pela voz robótica que sairia do aparelho.
— Posso estar equivocada, porém creio que me apresentou esses números em nossa reunião geral há alguns dias atrás. E além disso, não identifiquei os dados referentes ao progresso da demanda que solicitei. Afinal, esse é o único motivo para eu ter convocado esta reunião.
Ana, que se mantinha no canto oposto da sala, em um ponto de observação discreto, assistia com atenção observando a Diretora com um olhar firme e mesmo usando uma voz robótica conseguia transmitir uma firmeza e um ar de autoridade insuperável, enquanto que presenciava sua gerente mudar de cor. Lucrécia, com seu padrão de vestuário inalterável, sempre usava roupas que combinavam perfeitamente, e essa não era de fato a parte ruim de seu guarda-roupa. O problema era a paleta de cores: sempre vibrantes e chamativas, como verde-limão, rosa-pink e até um laranja berrante, que naquele momento, contrastava ironicamente com a palidez de seu rosto.
— Ah sim, senhora, aqui está…— disse Lucrécia, a voz um pouco mais baixa, entregando uma pasta contendo apenas uma página. Ana reconheceu imediatamente que aquele era o relatório que entregara naquele mesmo dia para Lucrécia, com os números referentes aos lançamentos que a estagiária havia feito a duras penas na última semana.
A diretora assentiu com a cabeça, pegou o documento e o analisou rapidamente. Então, para a surpresa de todos, Mizuki disse, com sua própria voz, suave e em seu idioma natal, uma única frase:
— Otsukaresama desu.
O elogio, embora simples, foi proferido com uma sinceridade que poucas vezes Mizuki demonstrava em público. Significava algo como "bom trabalho" ou "obrigado pelo seu trabalho árduo". Lucrécia, que diferente de Ana, não havia entendido o elogio em japonês, começou a argumentar e tentar justificar, sem saber o que estava acontecendo. Mizuki, sem se dar ao trabalho de corrigir ou explicar, apenas se levantou e se retirou da sala. Ao passar pela estagiária, percebeu que a garota estava sorridente e com as bochechas rosadas, como se estivesse extremamente feliz, um contraste marcante com a tensão visível no restante dos funcionários na sala.
De fato, Ana estava se sentindo tremendamente aliviada e eufórica por ter tido seu trabalho reconhecido por alguém tão importante na empresa, a Diretora Geral. Mesmo que tivesse que dividir o crédito com seus colegas de setor, Mizuki com certeza nunca iria saber de todo o esforço de Ana para realizar todas as demandas e ainda entregar dentro do prazo. Aquele único elogio, uma palavra em um idioma estrangeiro, fez a garota sentir que tudo aquilo havia valido a pena.
Cinco passos antes de sair totalmente da sala, o telefone de Mizuki tocou. Ana, com sua audição aguçada acabou ouvindo a resposta da diretora ao telefone:
“- Yeah, we can change the meeting time. I'll leave work earlier and we can meet at the square.”
—xxx—
No horário do almoço, foi a primeira vez naquela semana que Ana conseguiu sair do setor para almoçar comida de verdade. Afinal, nem havia ido para casa desde o dia anterior, e a essa altura ela estava se sentindo totalmente exausta, o corpo e a mente implorando por descanso e nutrição. Enquanto comia, ela escutou Raul, um dos seus colegas, dizendo aos outros na mesa, com um tom de voz de quem não se importava em ser discreto:
— Galera, estamos enrolados com essa japa. Ela parece querer nos matar com uma espada samurai só de olhar. Mas admito que ela iria ficar bem sexy em uma armadura cavalgando em mim na minha cama.
Todos riram e tiraram sarro, fazendo piadas grosseiras, mas Raul continuou, sua voz cheia de descontentamento:
— Mas é sério, a pior parte é que depois que ela apareceu aqui nem conseguimos mais fazer um happy hour decente, estou exausto e estou até pensando em sair mais cedo e pegar um atestado depois. O que acham? Vamos todos ter uma virose misteriosa, poderíamos até dizer que foi algo do refeitório.
— Mano, você é genial. — disse Jorge, com um sorriso no rosto. — Aquela mulherzinha está no nosso pé desde que ela chegou aqui que eu nem lembro mais o gostinho de uma cerveja geladinha. Será que ela não tem vida? Raul, você devia ir lá chamar ela pra sair, talvez ela comece a relaxar mais.
Ana, que buscava ser aceita no grupo desde que havia chegado, e sentindo-se um pouco mais à vontade após o elogio de Mizuki, decidiu contribuir para a conversa.
— Vocês deviam aproveitar hoje então, que ela vai sair mais cedo. — Todos olharam para Ana espantados, como se tivessem esquecido que a garota estava ali. O silêncio que se seguiu foi constrangedor.
— Mesmo que a gente não tenha pedido a opinião da estagiária, vamos relevar a intromissão só porque estamos almoçando, certo? Mas desembucha logo, o que você sabe? — A repreensão de Jorge foi clara, mas a curiosidade dos colegas era maior.
Ela contou que ouviu a chefe falando no telefone quando saía da sala deles sobre remarcar uma reunião e que sairia mais cedo da empresa para ir lá.
A notícia se espalhou como fogo em grama seca. Os rapazes comemoraram a notícia e, pouco depois do almoço, todos já se preparavam e estavam a postos para sair logo que vissem a chefe passando pelos corredores para ir embora. O que realmente aconteceu cerca de duas horas após o almoço, quando Mizuki saiu do prédio, uma visão incomum diga-se de passagem.
Todos foram saindo logo em seguida, a debandada quase imperceptível. Toda essa movimentação também deixava Ana feliz, pois naquele dia ela iria sair no horário certo, não iria fazer hora extra como de costume e poderia até jantar com seus pais em casa. Mesmo com toda a animação, Ana tentou focar no trabalho, havia ganhado um elogio da Diretora Geral da empresa, mas ainda havia muito trabalho a ser feito, e a pilha de caixas com documentos não parecia diminuir.
Faltava apenas meia hora para Ana registrar sua saída quando Mizuki entrou na sala, olhando ao redor, ela parecia espantada ao ver todas as mesas vazias. Enquanto a estagiária já estava com os olhos arregalados com a visita totalmente inesperada da pessoa que era chefe da chefe do seu chefe, o coração disparado no peito.
— Lucrécia? — perguntou Mizuki..
— Ela já foi embora. — disse Ana, sua voz era um sussurro quase inaudível, sabendo que a mulher à sua frente entendia um pouco seu idioma e com a sensação de que o mundo iria cair ao seu redor.
Mizuki apenas acenou com a cabeça e saiu da sala, sem mais perguntas. Nesse momento, a estagiária percebeu que esteve segurando a respiração por todo o minuto em que esteve sob os olhos daquela linda mulher. Mesmo com toda a tensão que ela irradiava no ambiente, Ana não podia deixar de notar tamanha beleza e elegância. Sempre com roupas impecáveis, seu cabelo liso e sempre muito bem arrumado, e o perfume suave que ela deixou no ambiente, fez com que Ana pensasse em como a pele daquela mulher poderia ser tão suave e macia ao toque quanto o seu perfume, ela desejou poder sentir um pouco mais daquela fragrância.
Tais pensamentos a fizeram corar, um calor inesperado subindo ao rosto. Ana possuía uma ética no trabalho inabalável e sempre foi muito focada em seus estudos, e dificilmente tinha pensamentos como esse com relação a alguém. Sacudiu a cabeça para afastar os pensamentos sedutores e voltou a trabalhar, tentando focar na pilha de papéis à sua frente.
—xxx—
No final de semana, Ana voltou novamente à cidade, para olhar o pequeno apartamento ao qual sua mãe havia comentado. Era de fato bastante simples, um espaço sem móveis, mas com potencial. O compadre de seu pai havia prometido um valor de aluguel bastante abaixo do mercado, uma forma de ajudar a jovem. Seus pais disseram que também dariam um jeito de ajudá-la, e aproveitaram o sábado para lavar todo o lugar. No domingo, já haviam trazido um colchão, para que Ana pudesse dormir ali já na segunda-feira, marcando o início de sua independência.
Na noite do domingo, antes de irem dormir, sua mãe sentou-se na mesa ao lado de Ana e, com os olhos marejados, expressou o quanto estava orgulhosa de sua menina, sua filha caçula que havia se tornado uma mulher. Riram da ideia de que Ana logo conheceria o homem alto e forte ou mesmo a mulher dos seus sonhos e visitaria sua mãe com seus netinhos. Riram um pouco mais até que Dona Maria disse que o mais importante era que Ana sempre buscasse sua felicidade, sua mãe se levantou para abraçar sua caçula, um abraço apertado de despedida, já que no dia seguinte Ana estaria morando sozinha pela primeira vez, longe do ninho familiar.
Ana precisou segurar as lágrimas na manhã do dia seguinte, quando saiu de casa com uma mala contendo apenas algumas roupas que usaria nos primeiros dias. Acabou indo mais cedo para o trabalho, pois precisava passar na casa que iria morar, na ‘sua casa’. Achou engraçado a ideia de ter um lugar só dela. Apesar de só ter um colchão no chão, pretendia deixar o lugar bem aconchegante. Sonhou onde colocaria sua cama imaginária, pensou que se tivesse um sofá, poderia até pensar em ter uma televisão ali no outro canto. Afinal, o pequeno apartamento possuía um total de três cômodos: um pequeno banheiro, uma cozinha onde, no momento, havia apenas uma pia, e, por fim, um terceiro cômodo maior, onde Ana pretendia fazer de quarto, e era exatamente onde ela tinha seu pequeno colchão de solteiro, colocado estrategicamente no chão ao lado de sua mala, onde já podia visualizar um guarda-roupa.
Mesmo tendo saído bem mais cedo de casa, seu desvio para o novo apartamento cobrou bastante do seu tempo de caminhada. Precisou sair apressada para não se atrasar, e com toda a sua pressa, atravessou a esquina de uma das ruas sem nem ao menos olhar para os lados, um perigo ignorado em sua pressa. Sua correria chamou a atenção de Mizuki, que também estava indo para a empresa, ela também gostava de finalmente ser independente dos funcionários de seu pai: empregadas, cozinheiras, motoristas, jardineiros e todo tipo de prestador de serviço.
Ela observou a estagiária correndo pela rua e, olhando em seu relógio, percebeu que estava bem próximo do horário de entrada oficial dos funcionários. No entanto, ela sabia que a garota não conseguiria chegar no horário hoje. O que não seria nada demais, considerando que os outros funcionários atrasavam no mínimo uma hora para chegar todos os dias. E graças à última sexta-feira, Mizuki estava decidida a dar um bom chacoalhão naqueles funcionários folgados.
—xxx—
Assim que Lúcia, a secretária de Mizuki, chegou, Mizuki pediu que ela avisasse em todos os setores que, em cerca de trinta minutos, ela passaria em cada um deles, e que seria apenas uma visita rápida, para não se preocuparem. As palavras foram enviadas a todos os funcionários, que ficaram tensos logo pela manhã, um ar de apreensão pairando sobre o escritório. Ana estava especialmente mais tensa do que todos, pois ela era a única que sabia do retorno da chefe na última sexta-feira, o que a tornava uma informante involuntária.
Mizuki passou pelos setores, repetindo apenas uma única pergunta com a voz robótica de seu notebook, que ecoava nos corredores:
— Bom dia a todos. Gostaria de saber de quem partiu a informação sobre saírem mais cedo na última sexta-feira?
Em todos os setores que visitava, a reação era a mesma: funcionários com um olhar de pânico, como se estivessem prestes a passar mal, desmaiar ou infartar. Aos poucos, as respostas foram surgindo, e os setores foram unânimes ao apontar que a iniciativa havia partido do C.A.P. O rastro de "indisciplina" levava diretamente à equipe de Lucrécia.
Depois de vários minutos, o setor de Ana recebeu a notícia, através de um funcionário de outro setor que, com um olhar de cúmplice, sinalizou sobre o questionamento da chefe. Lucrécia, que já estava pálida, começou a questionar seus subordinados, o nervosismo estampado em seu rosto. Mas antes que Raul ou Jorge pudessem dizer algo, Mizuki bateu na porta da sala e entrou. O silêncio foi absoluto, e a essa altura, Ana já estava se sentindo enjoada, o coração batendo descompassadamente.
A Diretora repetiu a pergunta que havia feito em todos os outros setores. A voz robótica preencheu o ambiente. Em resposta, todos do recinto, sem exceção, apontaram o dedo para a estagiária. Ana, sentindo o peso de todos os olhos sobre si, quis se afundar na própria cadeira, o rosto em brasa. Viu Mizuki digitar algo em seu notebook e a voz do aparelho disse:
— Quero que me acompanhe até minha sala.
Ana, com o coração na garganta, levantou-se lentamente, com seu destino incerto pairando sobre ela.
Fim do capítulo
Eita que depois desse final, nem vou comentar. Vamos para o próximo capítulo hein, o que acham?
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EmiAlfena Em: 24/11/2025 Autora da história
Respira que ainda tem mais kkkkk