Capítulo 7 - Uma Batalha Contra o Cansaço
A primeira semana de Ana como estagiária havia sido uma grande batalha, não contra prazos apertados ou tarefas complexas, mas sim contra o cansaço avassalador. Apesar de nunca ter sentido necessidade de tomar café, o líquido escuro e amargo tornou-se seu fiel companheiro, e ela se adaptou rapidamente aos efeitos estimulantes da cafeína, que agora pareciam vitais para sua sobrevivência.
Os dois primeiros dias foram preenchidos com a leitura de arquivos gigantescos, compondo a Instrução de Trabalho (IT) de apenas uma das demandas do setor em que atuava. A densidade do material era assustadora para uma novata. Assim que finalizou a leitura, sentindo uma pontada de orgulho por ter superado aquela montanha de informações, ela se dirigiu à mesa do seu Supervisor para relatar o feito.
— Jorge, eu finalizei a leitura da IT que havia me pedido, então teria alguma outra demanda para me passar? — Ana perguntou, a voz um pouco hesitante, mas com um toque de entusiasmo.
Jorge Alcântara era um homem com ar perene de tédio, sempre vestido com roupas que pareciam ter saido de dentro de uma garrafa de tão amassadas, normalmente uma calça jeans e uma camiseta simples sem estampa e sempre com o mesmo blazer, para dizer que estava com uma roupa social de trabalho, ergueu os olhos da tela do computador, sua expressão vazia. — Ah, você é a estagiária, né? Qual o seu nome mesmo, querida? — perguntou, com um tom que beirava a condescendência.
— Ana. — a resposta foi curta e direta.
— Então, já leu toda a IT de entrada de carga? Acha que dá conta de fazer um processo sozinha, então? Porque isso aí, querida, é o mínimo que a gente faz aqui. Então, olha, faça o procedimento nessa entrada aqui — disse, colocando uma pasta fina nas mãos da jovem, um gesto que parecia mais um descarte do que uma entrega. — E quero que você já comece a ler a IT de despacho de pagamentos também, viu. E vai logo fazer isso que eu tenho mais o que fazer aqui.
“Nossa, que mal-educado”, Ana pensou, o choque a impedindo de vocalizar sua indignação. Com a pasta em suas mãos enquanto ela retornava à sua mesa, um misto de frustração e determinação borbulhando em seu peito. Abriu a pasta e analisou o conteúdo.
O conteúdo era basicamente um relatório impresso do sistema, contendo uma lista de itens que aparentemente haviam sido recebidos de uma filial dos Estados Unidos, com os valores de cada item e um total no final da página. A segunda página continha um formulário escaneado, preenchido e assinado por um funcionário portuário que havia conferido pessoalmente os itens e validado as informações. Ana achou estranho: se aqueles documentos já estavam no sistema e conforme o documento que ela havia lido todo o procedimento poderia ser feito diretamente pelo sistema então por que precisavam deles impressos? Ela procurou na IT algo que informasse a necessidade de impressão, mas não encontrou nada. Achou melhor perguntar a Jorge.
— Jorge, sei que o senhor está ocupado e fiquei com uma dúvida sobre o procedimento… — Ana começou, tentando ser o mais respeitosa possível.
— Ah, eu sabia que ia dar nisso. Tô sem tempo pra isso, estagiária, você precisa ser mais proativa — disse Jorge, interrompendo Ana de forma abrupta. Virou-se para um colega. — Oh, Carlos, faz um favor e ensina essa menina como fazemos as entradas de carga e aproveita e já mostra os despachos de pagamento, vai.
Ana ficou assustada com a forma rude do homem de lidar com uma estagiária novata. Ele nem mesmo a deixou terminar a pergunta. Carlos, com uma expressão impaciente, sentou-se ao lado de Ana e, com um tom apressado, mostrou o processo.
— Você coloca o número aqui para pesquisar o processo. Aqui você imprime o formulário e coloca em uma dessas pastas que você pode pegar quantas quiser no almoxarifado. Depois você confere as informações e ali você valida e pronto. Simples, né? Tão simples que até um estagiário consegue fazer.
— Mas na IT está descrevendo de forma diferente, eu não preciso cadastrar no Histórico de Movimentações? — Ana questionou, lembrando-se da complexidade do manual.
— Não tem necessidade, fazemos assim como eu te ensinei. A IT é só um manual, mas quem precisa de manual pra fazer uma coisa tão idiota dessas? — Carlos respondeu, revirando os olhos.
Carlos também mostrou como era feito o Despacho de Pagamentos e, assim que se levantou e voltou para sua mesa, fez um sinal para Jorge, indicando que já havia terminado de "ensinar" Ana.
— Galera, sua atenção aqui um minuto. A estagiária já vai assumir o recebimento e o despacho, podem passar os números dos processos pra ela. — Jorge anunciou, sua voz carregada de um entusiasmo repentino.
— Aeee! — comemoraram os colegas, um coro de alívio ecoando na sala.
Uma parte de Ana estava feliz por finalmente estar assumindo alguma responsabilidade, por ser confiada com tarefas reais. Mas outra parte sentiu um medo gélido pelo que estaria por vir. A forma como a responsabilidade foi transferida, a falta de paciência, tudo indicava um ambiente de trabalho desafiador.
—xxx—Durante a semana que se seguiu, chegavam cada vez mais demandas para Ana analisar. Ela passou a observar o ritmo peculiar de seus colegas: saíam frequentemente para tomar café, para ir a outros setores conversar, ou simplesmente para desaparecerem por longos períodos. Jorge, seu supervisor, passava horas no telefone, falando sobre assuntos aleatórios, sem qualquer relação com o trabalho. Carlos e os outros, às vezes, se juntavam em um único computador para ficar mais de uma hora assistindo aos lances de futebol da partida do dia anterior. As conversas eram sobre música, shows, momentos da adolescência, sobre mulheres com quem saíram e até sobre assuntos inapropriados para o ambiente de trabalho.
“Sério que eles estão falando sobre sex* no local de trabalho?”, Ana pensou, um rubor subindo às suas bochechas.
Ana já estava com demandas que ocupavam todo o seu dia, e ainda que tivesse se sentido cansada nos primeiros dias, nada se comparava com o esgotamento que sentia naquele momento. Ela já havia começado a tomar café de verdade, e agora, considerava seriamente a possibilidade de um expresso, pensando se a dose extra de cafeína lhe daria ainda mais energia. Mas seria sensato uma jovem de apenas vinte e três anos consumir tanta cafeína assim? A dúvida pairava em sua mente, havia se tornado um dilema em sua mente, a necessidade de produtividade e a preocupação com a própria saúde.
Uma batida forte na porta, quase um estrondo, assustou Ana, que imediatamente saiu dos seus pensamentos, caindo de volta na dura realidade do escritório. Lucrécia havia entrado na sala, batendo a porta atrás de si, e parecia mais irritada do que o normal. Seu rosto estava vermelho, quase mais escuro do que suas roupas.
— QUEM ESSA GAROTA PENSA QUE É? Ela não sabe de nada e vem querendo mandar em todo mundo! Olha isso, gente — disse Lucrécia, aumentando a voz para que todos na sala pudessem ouvir o que ela tinha a dizer. — A mocinha que chegou um dia desses na empresa MANDOU — disse, fazendo o gesto de aspas com os dedos no ar, um sinal de deboche —, lançarmos o histórico inteirinho da empresa em apenas duas semanas!
Depois de um segundo para absorverem a informação todos começaram a falar quase ao mesmo tempo em um coro de desaprovação. Seria algo impossível, diziam. Onde a “adolescente” da presidência estava com a cabeça para pedir um absurdo desses? Mas Lucrécia interrompeu a todos, erguendo a mão, indicando que ainda não havia terminado de falar.
— E ela ainda vai vir aqui semana que vem para ser atualizada do progresso do nosso trabalho. — Lucrécia concluiu, um misto de raiva e incredulidade em sua voz.
Jorge, que estava sentado mais próximo de onde a gerente estava, questionou: — Mas e as nossas demandas de rotina? Como vamos fazer tudo isso e ainda o serviço do dia a dia?
“Que demandas, Jorge? Você só fica no telefone e jogando joguinhos no seu celular”, Ana pensou, a ironia da situação a corroendo por dentro.
— Acalmem-se todos — disse Lucrécia, tentando conter a comoção que estava se formando.
Um colega, com a voz embargada, adicionou: — Eu e vários outros aqui não podemos ficar fazendo hora extra, a senhora sabe que moramos em outra cidade e ficar até mais tarde não vai rolar.
— Fiquem tranquilos, vamos fazer apenas o que for possível. Isso que aquela lunática de olhinhos puxados está pedindo é uma loucura total. Mas preciso perguntar, alguém que estiver mais tranquilo consegue puxar mais essa demanda? Algum voluntário? — Lucrécia perguntou, olhando para a equipe, mas com a voz carregada de pessimismo.
Todos mantiveram silêncio. Nenhum dos colegas parecia disposto a aceitar o fardo. Foi então que Ana, impulsionada por uma estranha mistura de ingenuidade e senso de responsabilidade, ergueu a mão para dar uma opinião.
— Com licença, Senhora Lucrécia. Eu poderia dar uma sugestão?
— Olha aqui, garota. — interrompeu Jorge, com um tom ríspido. — Primeiro, estagiário não fala em reuniões, e segundo, ninguém aqui pediu sua opinião pra nada. Mas agora que começou, termina, né. — Sua voz estava carregada de desprezo.
— E se todos pegassem um pouquinho do serviço para fazer, assim talvez terminemos a tempo. — Ana sugeriu, tentando ser prática e colaborativa.
— Está querendo ensinar a nossa Gerente a como liderar a equipe, estagiária? Se enxerga, garota, você não é ninguém aqui. — O colega retrucou, com um tom agressivo.
— Está tudo bem, Jorge. Eu vou pensar em alguma estratégia pra solucionar isso, fiquem todos tranquilos e continuem o trabalho como sempre. — Lucrécia disse, tentando acalmar os ânimos, mas seu olhar se fixou em Ana. — E agora, olhando para Ana, — Vou precisar de uma ajudinha sua querida, vamos comigo para minha sala.
Ana engoliu em seco e imediatamente a seguiu com a cabeça baixa, enquanto ouvia os colegas reclamando ao fundo e as caixas com os arquivos começando a serem entregues na sala de Mizuki, o som de arrastar e empilhar documentos ecoando pelo corredor.
— Olha, Ana, sei que você é novata aqui, começou tem… uns 5 dias já? — Lucrécia começou, um sorriso forçado em seus lábios, enquanto se sentavam em sua sala.
— Quase isso, senhora — Ana disse com a voz baixa.
— Ah, isso, isso mesmo… Eu vou precisar de um apoio seu nessa parte que a chefinha pediu. Estamos abarrotados de serviço, e como você chegou agora e está bem mais tranquila, pode incluir esses lançamentos em suas demandas diárias, querida. Eu agradeço bastante, viu. Como temos duas semanas para concluir, você vai precisar fazer o lançamento de um ano por dia mais ou menos, tá? Mas assim… vai no seu ritmo, vou pedir pra sempre que os meninos tiverem um tempinho livre eles irem te ajudar, está bem? — Lucrécia explicou, a “ajudinha” estava se revelando um fardo gigantesco e a promessa de ajuda dos “meninos” soando ligeiramente vazia.
—xxx—
A semana passou como um raio, e Ana trabalhava tanto que não tinha tempo nem de respirar direito. O café se tornou um vício para mantê-la acordada. Ela passou a evitar consumir tanta água durante o dia para diminuir suas idas para buscar mais, além de diminuir as idas ao banheiro como um bônus. O almoço virou um sanduíche rápido, comido ali mesmo, na frente do seu computador, em meio à pilha crescente de documentos. Além das demandas rotineiras do setor, ela havia ficado totalmente responsável pelos lançamentos do histórico da empresa, uma tarefa colossal que seus colegas se recusavam a ajudar.
Quando tentou conversar com sua Gerente sobre estar apreensiva e com medo de não conseguir lançar rápido o suficiente, Lucrécia apenas disse:
— Imagina, querida, eu sei que você dá conta. Só você se esforçar um pouquinho mais. Vou pedir para o João te dar uma força assim que ele terminar a planilha que eu pedi para ele hoje cedo. — A ajuda, no entanto, nunca chegava.
Ana estava chegando em casa a cada dia que passava mais tarde. A exaustão era tamanha que ela ficou quase três dias sem ver sua mãe. Até a noite em que acabou pegando no sono em frente ao seu computador no escritório, as luzes da tela projetando sombras fantasmagóricas em seu rosto cansado. Acordou assustada quando o vigia noturno a despertou às 23h30 da noite. Era muito tarde para ela voltar para casa. Enviou uma mensagem rápida para sua mãe, tranquilizando-a, dizendo que estava bem e que precisaria trabalhar a noite toda dessa vez. Minutos depois, recebeu um áudio de sua mãe, a voz cheia de carinho e preocupação:
— Fia, mais a mãe sabe que ocê é ótima no trabalho, a mãe fica preocupada de ocê ficar trabaiando tanto assim, fia, e ainda pegando ônibus e a estrada tão tarde da noite…. Oh fia, eu tava falando mais seu pai e o que ocê acha de morar em Serra Verde? Seu pai fica preocupado com ocê tamém, fia….. Tem o compadre do pai que tem uma casinha aí na cidade, ele disse que aluga baratinho pro cê. E eu e seu pai ajuda ocê também, fia. A mãe num qué ocê longe não, mas também é perigoso pegar estrada de noitão assim. Pensa nisso, tá… Fica com Deus, fia, se cuida. A mãe te ama.
Foi então que, com os olhos marejados, Ana respondeu para sua mãe que era uma ótima ideia. A proposta de ter um lugar seguro para morar, mais perto do trabalho, e o carinho familiar, trouxeram um raio de esperança. E depois de virar a noite trabalhando, impulsionada por essa nova perspectiva e pela determinação que só a necessidade forja, ela conseguiu finalizar os lançamentos de um ano inteiro em uma semana.
Fim do capítulo
Bom dia pessoas, "seis" tão baum?
É vida de estagiária não é facil mas também precisa ser tá dificil assim gente? Coitada da Ana.
Pra quem está acompanhando essa história o meu muito obrigada, quem quiser acessar várias imagens e conteudos exclusivos é só me seguir no insta @emi_alfena
Uma órima semana pra vocês :)
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HelOliveira
Em: 18/11/2025
Mãe da Ana é maravilhosa, chega aquecer o coração...
Gente os funcionários dessa empresa são todos folgados e sem respeito nenhum...
Ana tadinha sofrendo com a distância e com a tonelada de serviços jogados para ela....mas tenho fé que a nossa toda poderosa está vendo tudo e seus esforços serão reconhecidos
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Jsilva
Em: 16/11/2025
Cara tomara q a Japa da uma lição de moral nesses vermes preguiçosos q ódio! Tadinha da Ana. Familia não tem preço nessas horas ??certeza q a vida dela vai mudar depois de estar estabilizada no lar .
EmiAlfena
Em: 16/11/2025
Autora da história
Calmaaa calmaaaaaa... Galera do escritório nem imagina o q vai rolar... Mãe da Ana é tão fofinha que dá vontade de apertar né?
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EmiAlfena Em: 19/11/2025 Autora da história
Dona Maria é uma fofa msm, da vontade de guardar ela num potinho kkkk