Capitulo 3 - Desconhecido passado
III - Desconhecido passado
VIVIAN
‘Viva', foi a primeira palavra que veio na minha cabeça ao acordar e dar de cara com a luz do sol entrando pela fresta da janela.
Puxei o ar até encher por completo os meus pulmões. Toquei meus braços, me abracei solitária, um gesto que faço desde que descobri viver pode ser uma maldição ou uma divindade, só depende de nossas escolhas. Desde que descobri a maldição, preferi aproveitar todos os segundos como eu quero, decidi sempre buscar um jeito de ser feliz.
Foi com esse pensamento que encontrei forças para conseguir fugir do hospital. Eu estava definhando por ver aquelas paredes brancas todos os dias e aparelhos apitando para me lembrar de que ainda estou no planeta Terra. Enganoso, pois não me sentia mais tão viva. Não são os meus órgãos funcionando que me faz estar viva.
Viva eu estou agora.
Não sei se é exagero pensar constantemente que posso não existir mais. Ainda faço um tratamento à base de remédios, pois a médica e amiga que me acompanha tem esperança de descartar a cirurgia por agora já que não tem a certeza de que meu coração suportaria. Dra. Agnes Martins não aposta em milagres. No último caso, ainda tenho o transplante, difícil está sendo encontrar um doador.
O que eu sei é que tenho andado mais fraca. Os primeiros sintomas já não são nada perto da fraqueza, das náuseas, da perda de apetite e constante falta de ar na minha última crise há um mês. Por mais forte que eu tenha sido até hoje, esse nítido agravamento tem me preocupado.
Pousei minha mão no meu peito. Meu coração bate fraco. Peço para ele aguentar mais algum tempo. Tenho sede de vida. Tenho sonhos para serem realizados. Não vou passar mais um dia internada. Preciso da mulher que amo ao meu lado, trabalhar um pouco, visitar o mar, escrever um livro quem sabe.
Lembrei-me da comida deliciosa que a Lia fez ontem. Não sei direito se estava realmente saborosa ou se foi a saudade de fazer uma refeição fora do hospital. Está mais fácil ser a última opção porque minha noiva não cozinha tão bem assim, por isso sempre comemos fora ou pedimos comida.
Olhei para o seu lado vazio na cama. Não vi que horas ela se levantou. Queria ouvir seu bom dia, receber o seu abraço, um beijo. Devo ter dormido demais.
Com cuidado, apoiei-me em meus cotovelos e procurei pelo relógio de parede do seu quarto. 8:23. Amélia realmente madrugou em pleno domingo. Será que foi fazer a sua corrida matinal no parque do Ibirapuera? Sinto tanta falta disso. Sinto saudade de tantas coisas, de uma vida normal.
- Chega de lamentações, Vivian Machado Amorim! - Bronqueei comigo mesma. - Você não fugiu do hospital para ficar trancada dentro do quarto da sua noiva. Bora viver!
Tirei a energia do fundo da minha alma. Levantei-me e logo me apoiei na parede ao notar que tudo ficou escuro. Fome, é isso - tentei enganar-me.
Peguei um robe de seda cor vinho que estava largado no sofá e o vesti por cima da minha camisola de renda da mesma cor. Isso sim é o que quero vestir, não aquelas roupas largas horríveis.
Andei com certa alegria quando ouvi o liquidificador ser ligado. Lia na cozinha? Eu nem sabia que existia um aparelho doméstico nesta casa. O que deu nessa mulher?
Parei na entrada da cozinha, admirei as costas da mulher alta olhando o líquido de alguma coisa batendo. Linda, linda e linda. Nada mais do que a mulher mais linda que eu já vi na minha vida. Tenho tanta sorte de tê-la comigo. Meu porto-seguro, meu chão, meu amor há 4 anos. Demorei tanto tempo para encontrá-la e finalmente quando acontece um tempo depois descubro minha enfermidade. Mal imaginava que dali para frente só pioraria.
Assim que o objeto foi desligado, aproximei-me dela sem fazer barulho. Concentrada em abrir a tampa, não notou a minha presença até que os meus braços a envolvessem e trouxessem o seu corpo para colar junto ao meu.
- Bom dia, meu amor.
Seu corpo arqueou com a surpresa. Amélia tentou sair, talvez pelo susto. Tive que fazer um esforço maior e agarrei-me ainda mais na sua cintura.
- Bom... bom dia, mas...
- Está preparando um café da manhã para mim? Diz que sim porque eu estou morrendo de fome.
- Eu estou, mas...
Aproveitei e beijei a sua pele exposta pela regata preta não deixando de reparar o raro momento que vejo o seu cabelo preso. Fiquei na ponta dos pés e consegui alcançar a sua nuca, depositei um beijo carinhoso ali. Como sinto falta dela. Como sinto falta de trans*r com ela. Eu daria tudo por um momento de prazer.
Balancei a minha cabeça para tirar esses pensamentos que possam me levar à loucura. Eu preciso me recuperar, me sentir forte o suficiente para o esforço que pretendo fazer. Aliás, Agnes uma vez me disse que eu poderia retomar a minha vida sexual se os remédios fizessem o efeito esperado, então pode ser que em breve eu possa amar essa mulher em meus braços da forma como ela merece.
A virei de frente para mim e voltei a abraçá-la. É isso que eu chamo de viver. Eu gosto de chamego e Lia parece estar a fim de me dar hoje, embora não goste muito desse apego.
- Trocou de perfume ou hidratante? - Perguntei ao sentir um cheiro suave e delicioso de rosas que vem do seu peito. - Eu amei, combina tanto com o seu cheiro natural. Bem melhor do que o outro.
- Vivian... eu não... eu não sou quem... putz, que merd*.
Deixei o seu peito e olhei confusa para o rosto da minha mulher.
O que aconteceu com o nariz...?
Seus olhos estavam vidrados em outra direção. Percorri com o olhar para encontrar o que a deixava tão espantada.
Soltei um grito surpresa pelo que vejo. Senão fosse esses braços firmes me segurando, eu cairia dura no chão.
De onde surgiu essa cópia? Clonaram a minha mulher?
- Solte-a, Emília - Amélia quase gritou na nossa direção.
Espera. Emília? Forcei as minhas vistas por causa da minha leve miopia para tentar enxergar melhor, então vi a verdadeira Lia na entrada da cozinha e só confirmei mesmo quando encontrei a aliança que coloquei no seu dedo há 2 anos. Eu não estou abraçada ao meu amor.
Quem é Emília?
Olhei chocada para a mulher que acolheu com compreensão a minha confusão.
- Era isso que eu estava tentando dizer, eu não sou a Lia, sou a Emília.
Um sorriso bonito se abriu, as mesmas covinhas, o mesmo canino direito superior destacado e a mesma forma de aparecer a gengiva quanto mais largo fica. Tudo o que fez me apaixonar pela Lia.
- Maria Emília Zardini, muito prazer. Irmã da Maria Amélia Zardini e a partir de agora oficialmente a sua cunhada favorita.
No meio de tanta bagunça, eu consegui rir da sua fala. Ri como há muito não fazia. Dei risada da sua serenidade diante da cena no mínimo constrangedora.
Consegui ficar de pé, mas logo indiquei que precisava sentar-me. A tal da Emília gentilmente ajudou-me a ir na direção da mesa e me ajeitou na cadeira da ponta.
Ao procurar os olhos da minha noiva, dei de cara com a Agnes.
- Vejo que a minha paciente favorita tem uma novidade em casa.
- Viu?! E meu coração aguentou o impacto, isso sim é uma boa notícia. Será que estou curada?
Sorrimos uma para a outra. Agnes acabou virando uma grande amiga. Pudera, ultimamente passo mais tempo com ela do que com a própria Lia. É realmente meu maior apoio quando estou internada. O que é ótimo já que ela acredita e incentiva a minha recuperação e nunca me escondeu nada.
- A bronca pode vir depois do café da manhã? Eu acordei com muita fome - perguntei já que sua cara não estava das melhores para o meu lado.
Minha amiga ficou de lado, seu lado médica sentou-se em uma cadeira a minha frente, ajeitou o estetoscópio e fez um sinal para que eu abrisse o meu robe. Sem dizer nada, colocou o aparelho gelado no meu tórax. O alívio veio pelo seu sorriso ao retirar o objeto de mim.
- Não comemore ainda, eu preciso medir a sua pressão.
Vencida, estiquei o meu braço e a permiti que colocasse o aparelho que parece querer arrancar as minhas veias. Enquanto a bolsa inchava, procurei apoio na Lia que permanece de braços cruzados fuzilando a irmã com o olhar. Sua gêmea, ao contrário dela, começou a picar uma banana. A cada pedaço cortado, uma olhada na minha direção.
Olhei com expectativa quando foi finalizado o processo.
- 11x6 - anunciou feliz. - Agora, eu preciso que você seja sincera, como se sente? Algum sintoma desde que acordou?
Mentira não me levará à cura.
- Fraqueza. Sinto-me muito fraca ainda. Mas nada além disso, juro. Agnes, eu estou tão feliz por estar em casa. Digo, na casa da Lia, onde eu também considero a minha casa. Por favor, eu não aguento mais aquele hospital, eu já perdi tempo demais da minha vida trancada em um lugar com cheiro de esparadrapo.
Ouvi a risada da Emília, olhei em sua direção. Sorrimos em silêncio. A primeira diferença da Lia que consigo notar é uma semelhança comigo: rir de piada ruim na hora errada.
- Eu te entendo, Vivian - a voz médica foi o que fez voltar a minha atenção para ela. - Você se precipitou porque eu pretendia te dar alta na semana que vem, conforme a sua evolução. Estamos indo bem, mas não podemos esquecer da sua gravidade.
- Eu tenho consciência disso, minha querida doutora. O único problema é que eu estava enlouquecendo naquele lugar. Seriam dias a menos longe do sol. Se eu não morrer do coração, vou morrer de tristeza.
- Você não vai morrer, Vivi - disse carinhosa. - Não se seguir tudo o que eu te passarei à risca e me prometer uma coisa.
- Isso quer dizer que... - meus lábios se abriram e meus pequenos dentes foram exibidos a médica que chamava a atenção por sua beleza: alta, negra, cabelo volumoso, olhos pretos como jabuticaba e lábios carnudos.
- Que eu vou adiantar a sua alta se você for examinada quatro vezes por semana pelo enfermeiro Márcio, tomar todos os medicamentos na hora certa, fazer exame pelo menos uma vez por semana, pegar leve nas atividades do dia a dia. Escuta bem, te recomendo no máximo uma caminhada ao redor do prédio, e não menos importante, seguir uma dieta alimentar bem restrita.
- Eu ouvi falar em comida?
A irmã de Lia aproximou-se de nós com uma salada de fruta com banana, uva, pera, maçã, mamão, morango e um toque de laranja, acompanhado de iogurte e um pouco de granola.
- Finalmente um agrado, meu estômago estava doendo de tanta fome.
- Espera, esse iogurte é... - Agnes indagou.
- Desnatado, não se preocupe. O sal será substituído por temperos naturais, proteína branca de vez em quando, salada sempre e o nosso bom e velho arroz e feijão para voltar suas forças.
- Parece que já temos alguém que vai cuidar da sua alimentação, Vivi.
Eu não tive como interagir pois devorava a tigela de porcelana tamanha a minha fome. Mastigando os pedaços de fruta com vontade, engoli e lambi os lábios.
- Vou seguir tudo à risca. Que promessa eu tenho que fazer para ficar, Agnes?
- Tem que me prometer não mentir e que vai correndo para o hospital se sentir alguma dor.
- Eu sei que eu fugi, mas não sou suicida, querida, pode ficar tranquila. Prometo me comportar, comer bem, tomar os remédios, não mentir e ir ao hospital se sentir alguma coisa.
- Temos um acordo? - Perguntou esticando a sua mão na minha direção.
- Sim, temos.
Apertei a sua mão sorrindo. No fim, valeu a pena ser uma irresponsável, como disse Amélia para mim ontem, e fugir do hospital.
Dra. Agnes Martins se despediu de mim primeiro para depois fazer o mesmo com a Emília, deixando com a última o número de uma nutricionista para auxiliá-la no cardápio. Em seguida, saiu com a minha noiva.
- Emília... é Emília, não é?! - Prossegui após sua confirmação - devo te pedir desculpa por ter te agarrado. Eu estou morrendo de vergonha, sério - confessei assim que ficamos a sós.
- Não se preocupe, já aconteceu pior. Uma vez, há uns bons anos, uma namoradinha da Lia estava sem seus óculos e me beijou ao nos confundir - disse despreocupada.
- Bem, estar sem óculos parece ser bem perigoso... mas dá para confundir mesmo, vocês são iguaizinhas. Exceto...
- O nariz, claro - completou.
Emília assentiu concordando comigo e bebeu o café que está na xícara em sua mão. Em seguida, mordeu o seu lábio inferior, nervosa.
- Vivian, Lia só viu quando você terminou de falar sobre o perfume, então ela nem sabe o que aconteceu. Eu sei que é errado ocultar coisas em um relacionamento, mas queria te pedir para não contar nada à minha irmã. As coisas entre nós não são lá essas coisas e ela vai entender tudo errado.
- Eu percebi que tem alguma problema entre vocês pelo olhar da Lia. Não se preocupe, o constrangimento foi todo meu e não quero criar mais confusão entre vocês.
- Então estamos combinadas: é um segredo nosso.
Concordei com um aceno para depois admirar o delicado sorriso no seu rosto enquanto a vi andar até a pia da cozinha e começar a lavar a pequena louça que ali está.
- Foi você que fez o jantar ontem à noite? - Questionei curiosa.
O sorriso de outrora desapareceu, a mais alta constrangeu-se, não sabia se mentia que fora a minha noiva ou se contava a verdade.
- Não sei por que perguntei, é óbvio que foi você. Lia não sabe nem descascar uma laranja, quanto mais fazer um peixe com tanto sabor. Isso sem falar nas suas frutas cortadas de maneira uniforme.
- Morei sozinha por muitos anos, tive que me virar.
Em nenhum momento a minha mais nova cunhada olhou para mim. Estranhei a sua atitude tímida já que parece ser uma pessoa bem descontraída.
- Obrigada por ontem e por esse café da manhã. Estava tudo delicioso, Emília.
- De nada.
Sua simples resposta encerrou o nosso diálogo. Da mulher relaxada, restou a tensão. O que está acontecendo aqui? Emília parece ter medo da própria irmã.
Voltei a comer, deixando que o silêncio organizasse os meus pensamentos. Maria Amélia vai ter que me explicar direitinho essa história de ter uma gêmea e me esconder.
Não tive tempo de questionar a minha noiva quando apareceu na cozinha, nunca a vi tão nervosa.
- Emília, vem comigo agora!
- Lia, amor, calma - tentei chamar a sua atenção. - Antes de vocês conversarem, eu preciso saber por que você me escondeu que tem uma irmã e ainda por cima gêmeas.
- Nós não somos gêmeas! Pelo amor, Vivian! Até você com essa? Olhe bem para nós!
Olhei de uma para a outra sem querer acreditar. Amélia está vermelha de nervoso. Emília em uma tentativa quase inútil prende o riso.
- Como não são gêmeas? Vocês são quase iguais! Exceto o nariz, por um motivo óbvio.
- Não somos - Emília negou com veemência ao mesmo tempo que carinhosa. - Sou dois anos mais velha que a Lia. Mas fica tranquila, você não é a primeira e nem será a última a pensar nisso. De verdade, o útero da minha mãe foi uma incrível máquina xerox.
Assenti entendo a confusão que tinha feito.
- Pensei que você apenas não tinha feito a cirurgia plástica no nariz que nem a Lia. Pensando aqui que é até melhor não ter feito, eu sempre disse para ela que esse ossinho é um charme.
- Cirurgia? - perguntou Emília em tom de surpresa.
- Depois nós conversamos, Vivian. O assunto agora é outro - Lia disse ainda queimando a sua quase cópia com o olhar. - Eu não acredito que você não foi embora como te pedi ontem. Olha a confusão que você está criando! Pensei que o tempo tivesse te feito pelo menos um pouquinho bem, mas vejo que continua sendo a mesma sem noção. Anda, Emília, vamos botar um ponto final de vez nessa sua hospedagem que foi longe demais.
Sem que eu pudesse dizer nada, Amélia saiu da cozinha sendo seguida pela irmã de cabeça baixa. Eu nunca vi minha noiva agir desse jeito. Pensando bem, já vi uma vez quando estava fazendo a defesa como advogada. Dura, cruel, fria e calculista.
Eu deveria me poupar, mas não aguento esperá-las sem poder escutar o que estão conversando.
Levantei-me e fiquei contente ao perceber que tenho força para andar. Eu precisava mesmo me alimentar e ainda uma coisa melhor do que apenas metade de uma maçã com um copinho de gelatina como era no hospital.
Escondida na entrada da sala, notei que Emília tinha lágrimas nos olhos enquanto tentava argumentar.
" - ... eu estou te falando a verdade, não sei nada sobre você. Em todos esses anos eu nunca procurei saber."
" - Mentira, Emília ! Você sempre foi mentirosa. Se veio em busca de perdão, sinta-se perdoada. Agora vá embora. Como você pode perceber, eu já tenho problemas demais na minha vida."
" - Eu posso te ajudar. Deixe-me ficar, eu sei como cuidar da Vivian, sei cozinhar."
" - Nunca! Afaste-se da MINHA - frisou bem - noiva. E não ouse falar o nome dela! Eu não caio na sua, Emília. Saia agora. Pegue as suas trouxas e vá caçar a sua turma."
" - Eu não tenho para onde ir..."
A voz da cunhada saiu chorosa. Achei melhor interferir quando vi Lia partir para cima da irmã.
- Amor, não!
O meu objetivo foi alcançado ao ver a minha noiva recuar. Ainda desacredito que realmente exista essa mulher dura na minha frente. Eu não faço a mínima ideia do que aconteceu entre elas, mas nada pode justificar um ódio tão grande entre duas irmãs que possivelmente não se veem há anos.
Ou será que pode?
- Vivi, meu amor, volte para a cozinha ou vá para o nosso quarto, a minha conversa com essa aqui ainda não acabou.
Ignorei o seu pedido e aproximei-me ainda mais delas.
- Não ouviu o que ela disse, Lia? Ela não tem para onde ir.
- Emília não tem para onde ir porque é uma vagabunda. Sempre foi uma incompetente, irresponsável, sem limites. Dei meio milhão nas mãos dessa infeliz e o que ela fez? Aposto que gastou em festas, com mulheres, aprontando sabe-se lá o quê. Até que o dinheiro durou muito para uma descerebrada como ela.
- Não interessa o que ela fez ou deixou de fazer. A sua irmã está aqui, Lia. Sua irmã.
A situação estava me deixando nervosa. Titubeei para o lado e me segurei no sofá.
- Amor! O que foi? Está sentindo alguma coisa?
Amélia aproximou-se com a rapidez certeira para me ajudar. Aproveitei a sua aproximação para olhar bem em seus olhos e tentar acabar de vez com o impasse entre as duas.
- Deixe a sua irmã ficar. Como a Emília mesma disse: ela pode cozinhar, te ajudar e me ajudar.
- Nós não precisamos dela, posso encontrar um restaurante que faça comida especialmente para você ou contratar uma cozinheira de verdade.
Neguei com a cabeça a sua fala. Não é possível que a mulher que quero viver o resto da minha vida não tenha um pingo de compaixão por uma pessoa da sua própria família. Apelei:
- Deixei-a ficar, por mim. Nem que seja apenas por um tempo ou até que ela ache um emprego e recomece a sua vida. Por favor, meu amor, eu estou te pedindo.
Trocamos olhares por quase um minuto, tempo o suficiente para fazê-la refletir se atendia ao meu pedido.
- Você está cometendo um erro, Vivian. Um erro grave. Emília não é quem aparenta ser.
- Ela pode ter mudado, Lia. Ao que parece, são muitos anos sem se verem. Nem você, nem eu e nem ela somos as mesmas de anos atrás. Aliás, não foi isso que você me disse na primeira vez que nos vimos? Então, dê uma chance à ela, por mim.
Mais uma vez, os nossos olhos conversaram entre si. Minha noiva tentava me decifrar e eu a convencer. Antes de ceder, suspirou derrota e segurando sua raiva decretou:
- Emília pode ficar. Só espero que não se arrependa, embora seja uma coisa inevitável quando se trata dela - apontou para a sua irmã.
Muito contrariada, Amélia deixou a sala a passos largos na direção do corredor. A minha curiosidade para saber o que aconteceu entre as duas só aumentou.
Emília segue plantada no mesmo lugar como fez a conversa toda e tem o seu olhar perdido no lado de fora da porta de vidro que dá acesso à varanda. É óbvio que ela não está feliz com a condução ou a minha intromissão na sua relação com a irmã, mas não vejo outro maneira.
Munida de coragem, cheguei perto dela sem fazer barulho.
- Emília? - Toquei o seu braço e ganhei os seus olhos. - Está tudo bem?
- Graças a você, estou bem, obrigada - sorriu em um esticar de lábios o suficiente para acentuar as duas covinhas.
- Então estamos quites porque foi nos seus braços que caí ontem após sair do elevador. Eu poderia ter desmaiado antes de conseguir alcançar a porta. Graças a você, estou bem, obrigada - repeti a sua frase.
- Como você sabe que era eu? Você estava bem mal.
- O teu perfume. É o mesmo cheiro que senti na sua pele mais cedo.
Mergulhei nos castanhos de seus olhos à procura do desconhecido. Tenho tantas perguntas para serem feitas àquele mistério. Uma curiosidade que chega queimar o meu estômago, talvez por nervosismo pois anseio pelas suas respostas, por desvendar os seus segredos.
Meus dedos foram parar em seu rosto. São tão parecidas, pensei. Deslizei levemente pela sua pele macia como forma de carinho. Um acolhimento que sua irmã não deu.
- O que aconteceu entre vocês? Por que a Lia tem tanta raiva de você?
Emília não desviou o seu olhar, mas não permitiu que eu continuasse a traçar as linhas do seu rosto, retirando assim a minha mão delicadeza antes de segurá-la entre as suas.
- Desculpe-me, Vi... Vivian, mas quem tem que te contar primeiro é a Lia. Nossas versões são diferentes e te falar a minha só vai te confundir mais ou aumentar a raiva da minha irmã.
Há pesar em seus olhos. Um arrependimento quase palpável pelas suas lágrimas seguras com afinco pelas suas pálpebras.
- Eu espero não me arrepender de ter te colocado dentro dessa casa e das nossas vidas. Por favor, não me decepcione, não tenho coração para aguentar isso.
A brincadeira com a minha saúde foi o bastante para arrancar um sorriso quase completo da minha cunhada.
Em resposta, Emília me puxou para um abraço e beijou os meus cabelos com carinho. Amélia jamais faria isso. Não que a minha amada não seja carinhosa, mas o seu time para saber o que fazer em momentos emocionantes não existe.
De novo, pelo meu tamanho, encostei a minha cabeça no seu peito. Ouvi as batidas do seu coração, notei estar sincronizado com o meu. Isso é um bom sinal, estou saudável. Coloquei um pouco mais de força, senti-me em casa. Manterei o meu pé atrás, mas não farei nenhum julgamento antes de conseguir entender os sentimentos da minha Lia e essa volta repentina da minha recém descoberta cunhada.
Fim do capítulo
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