Verdades Tardias e Testes Positivos
Já era fim de tarde na casa de Lia. A luz dourada do sol invadia a sala pelas cortinas semiabertas, espalhando um tom quente sobre o sofá onde ela estava sentada, com o notebook apoiado nas pernas. Os olhos corriam ansiosos pelas páginas de textos, artigos e fóruns de magia avançada. Ela pesquisava compulsivamente sobre corrupção de sangue, herança interdimensional e gravidez sobrenatural.
As olheiras começavam a pesar, mas Lia ignorava. Seus dedos continuavam digitando, passando de uma aba para outra.
Ela só parou quando Elisa, já de pé e visivelmente mais disposta do que nos últimos dias, saiu do quarto. A nefilin caminhou em direção a ela e antes que Lia pudesse entender o que estava acontecendo, Elisa fechou a tela do notebook com decisão e tirou o aparelho do colo da Fênix.
— Eu já tô me sentindo bem melhor… e… eu quero você. — Elisa falou, com um sorriso que misturava sedução e determinação.
Sem esperar resposta, inclinou-se e beijou a boca de Lia. Um beijo profundo, carregado de desejo contido. As mãos de Elisa deslizaram pelo pescoço dela, depois pela lateral do corpo, enquanto Lia, por instinto, puxava a nefilin pela cintura.
Lia hesitou por um instante, temendo os machucados de Elisa, mas a própria nefilin afastou qualquer dúvida com um olhar firme. Guiou Lia até se deitar no sofá, subiu por cima dela com cuidado, mas sem perder a fome que a dominava.
Os beijos desceram pelo pescoço da Fênix, pelas clavículas, as mãos de Elisa exploravam a pele quente por baixo da camiseta. Ela ergueu a barra da blusa de Lia e arrancou-a com uma facilidade surpreendente para quem mal conseguia andar direito há dois dias.
Lia arfava, a respiração entrecortada pela urgência e pelo choque de sentir a força de Elisa tão rápido depois de tudo. Os sutiãs foram afastados sem paciência, os seios de Lia expostos às mãos e à boca de Elisa, que abocanhava cada um com vontade, provocando gemidos baixos e contidos.
Quando os quadris de ambas começaram a se mover em sintonia, Elisa desceu, beijando o ventre de Lia até se posicionar entre suas pernas. Com um olhar de pura fome, afastou a calcinha da Lia com uma lentidão provocadora e, de joelhos no chão, lambeu a intimidade úmida com um desejo bruto.
A língua de Elisa se movia com precisão, brincando, sugando, deslizando por cada dobra com o tipo de intimidade que só quem conhecia o corpo da outra com precisão sabia fazer.
Lia arqueou as costas, os dedos entrelaçados nos cabelos de Elisa, puxando com força à medida que o orgasmo veio, forte, avassalador, rasgando um gemido alto de sua garganta.
Elisa continuou, só parando quando sentiu o corpo de Lia finalmente relaxar.
As duas ficaram ali por um tempo, ofegantes em silêncio. A respiração de ambas voltando ao ritmo normal, aos poucos.
Lia acariciou os cabelos desgrenhados de Elisa, fechando os olhos por um momento. Quando os abriu, respirou fundo, sentindo que aquele era o momento.
— Você ainda… quer casar comigo? — Lia perguntou, num tom que misturava medo e esperança.
Elisa sorriu de leve.
— É claro… Eu até queria te pedir de novo… Mas… eu deixei a aliança aqui quando a gente terminou. — respondeu, com um riso quase melancólico.
— Eu… eu guardei. — Lia confessou, a garganta já fechando.
Mas antes que pudesse respirar fundo, sentiu o peso da segunda verdade que precisava contar.
— Mas… antes… eu tenho duas coisas para te dizer. Que podem te fazer mudar de ideia, sobre nós. — Ela disse, a voz falhando na metade da frase.
Elisa, que já se acomodava melhor no sofá, ergueu o olhar curiosa. O sorriso desapareceu.
— Então fala. — respondeu, com um tom agora mais sério.
Lia sentiu o estômago revirar. Engoliu seco.
— Bom… é que… na tarde daquele dia, antes de tudo acontecer… — As palavras embolaram na garganta, e Lia precisou respirar fundo antes de continuar. — Eu e a Ísis… a gente se beijou. — O olhar dela se desviou por um instante, como se buscasse apoio em qualquer coisa que não fosse o rosto de Elisa. — E não ficou só nisso.
O silêncio que veio depois foi quase insuportável.
— Eu sei que parece imperdoável… — a voz dela tremia, sincera e cansada. — Mas não foi sobre desejo. Foi sobre o que a gente perdeu, sobre o tanto que ainda doía. Nós estávamos destruídas, tentando se agarrar a qualquer coisa que parecesse familiar. — Ela fechou os olhos, as palavras saindo num fio de voz. — Não é algo que vai voltar a acontecer. Eu amo a Ísis, mas não desse jeito. Não como eu amo você. — Disse tudo de uma vez, como quem arranca um curativo que já estava colado na alma.
Elisa ficou em silêncio alguns segundos, respirou fundo, se ajeitou no sofá e com um tom pragmático, perguntou.
— E… qual é a outra coisa?
Lia congelou. Precisava primeiro entender onde estavam.
— Antes, eu preciso saber, como estamos… — Disse, encolhendo os ombros. — Eu estava aflita por ainda não ter te contado isso…
Elisa respirou fundo e soltou o ar com força.
— Você não parecia muito aflita quando eu tava de joelhos no meio das suas pernas… — rebateu, o sarcasmo pontuando a raiva contida. — Desculpa… eu… eu não sei como me sinto sobre isso, Liana. Você esta sempre rodeada de mulheres querendo você. Eu fui, literalmente, torturada, porque você transou com uma psicopata interdimensional… então… sinceramente… eu não sei o que eu quero fazer agora.
As palavras vieram num tom controlado, mas com uma amargura latente.
— Eu entendo… — Lia respondeu, cabisbaixa. — Não quero fugir da responsabilidade dos meus atos. E eu vou entender qualquer decisão sua.
Elisa passou as mãos entre os cabelos, suspirou, como se afastando os pensamentos ruins à força.
— Eu não quero tomar nenhuma decisão agora. — disse por fim. — Qual é a outra coisa?
Lia se levantou devagar, como se cada movimento pesasse mais do que deveria. Caminhou até a cômoda ao lado da estante, abriu a gaveta e tirou de lá um pequeno teste de farmácia. As mãos tremiam quando ela voltou e estendeu o objeto para Elisa.
— Eu tô grávida. — Disse sem rodeios, mas a voz falhou no fim, como se a palavra sozinha fosse grande demais pra caber na boca.
O silêncio que veio depois foi cortante.
Elisa piscou, olhou para o teste, depois para Lia, de novo para o teste.
— Como assim… grávida? — murmurou, a incredulidade tomando espaço no rosto. — Não bastava… — Ela respirou fundo, e a ironia cortou no ar como uma lâmina — não bastava as muitas mulheres, Liana? Agora você trans* com homens também?
Lia desviou os olhos, tentando conter o tremor que subia pela voz.
— Elisa… — começou baixo, o cansaço escorrendo em cada sílaba. — Isso foi cruel. Mas não… eu não transei com homens. — Levantou o olhar, fixando nela com uma calma quebrada. — Eu transei com você.
As palavras se chocaram contra Elisa como um golpe. Ela ficou imóvel, os olhos arregalados, os lábios se entreabrindo num silêncio confuso.
— Mas… — a frase se perdeu no ar, até que a lembrança veio, como um clarão súbito. — Eu não sabia que… essa versão… era fértil.
Lia soltou um riso curto, sem humor algum.
— Nem eu.
Elisa desviou o olhar, respirou fundo, o maxilar tenso. Olhou novamente para o teste, agora com algo mais brando.
— Desculpa. — disse enfim, a voz baixa. — Eu… não devia ter reagido assim. Como você está com relação a isso?
Lia apenas assentiu, os olhos marejados, o corpo curvado de exaustão.
— Eu tô com medo, Elisa. — confessou, o som quase um sussurro. — Essa coisa no meu sangue… a visão da Hope com você… Eu não sei o que fazer.
Elisa deu um passo hesitante à frente. O orgulho parecia ceder, só por um instante. Tocou de leve a mão de Lia, um gesto pequeno, mas cheio de cuidado.
— Você não precisa carregar isso sozinha. — disse, e o tom era quase um pedido. — Talvez a Zina possa ajudar. Dizem que ela já esteve frente a frente com Hécate… Talvez ela saiba o que fazer com isso no seu sangue.
Lia assentiu em silêncio, sem conseguir encará-la por muito tempo.
Ficaram ali, no meio da sala, envoltas por uma penumbra calma. Não exatamente próximas, mas também não distantes. Um pouco quebradas, mas cúmplices. Duas partes de um mesmo colapso, tentando respirar dentro do caos.
Fim do capítulo
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