Capítulo 3 - A Nova Diretora
Naquele mesmo dia, Mizuki chegou pontualmente à empresa Kodama. Estacionou o carro que havia alugado para a temporada, um sedã discreto e eficiente, e estranhou o estacionamento ainda estar tão vazio. Apenas seu veículo se destacava na imensidão cinzenta do asfalto. Caminhou tranquilamente pelos corredores do edifício, cujas luzes ainda estavam apagadas em muitos setores, mergulhados numa penumbra que contrastava com a energia diurna vibrante do país de onde veio. Olhou para o celular para ter certeza de que estava no horário correto, mas Mizuki não se enganaria com algo tão trivial. O relógio digital marcava 09h12 da manhã.
“Que estranho”, pensou, enquanto o silêncio preenchia o espaço. “Será que hoje é feriado ou algo assim?” Uma rápida pesquisa no navegador do seu smartphone confirmou: era um dia de trabalho como qualquer outro no Brasil. Os corredores silenciosos ecoavam o som seco dos saltos de seus sapatos de couro enquanto ela caminhava até a sala do antigo Diretor. Observou a placa retangular de metal gravada com o nome: LEONARDO DOS SANTOS - DIRETOR GERAL. Sem hesitar, Mizuki a retirou do lugar e a jogou na lixeira da mesa de sua secretária, como um gesto simbólico de transição.
Entrou na sala, um espaço amplo e iluminado pela luz natural que filtrava pelas persianas. A mesa executiva já estava desprovida de quaisquer itens pessoais do antigo ocupante, um bom sinal para Mizuki, que não pretendia trazer fotos de família ou objetos decorativos. A sala, embora simples, era elegantemente dividida em dois ambientes: um com um sofá de três lugares e duas poltronas individuais de couro bege, dispostas ao redor de uma mesinha de centro de vidro, ideal para reuniões mais informais. Mais ao fundo, dominando o espaço, estava a imponente mesa executiva de madeira escura com um computador de última geração, ladeada por duas cadeiras de madeira maciça com entalhes bem trabalhados e um estofado vermelho vibrante.
A mulher acomodou-se na cadeira presidente, sentindo a textura do couro sob os dedos, e instalou seu notebook. Abriu o aparelho com um clique suave e viu que vinte minutos haviam se passado desde sua chegada, e ainda não havia sinal dos funcionários. Abriu seu bloco de notas e digitou o que seria o primeiro problema a ser trabalhado em futuras reuniões: ‘Horário de Expediente’. Não tinha intenção de tirar conclusões precipitadas; era experiente em investigações desse tipo, mas aquilo, uma empresa praticamente deserta no início do horário comercial, ela nunca havia visto.
Vinte minutos adicionais se arrastaram antes que sua secretária finalmente chegasse. Lúcia Paes era uma mulher de meia-idade, aparentando quase cinquenta anos, com uma postura digna e um sorriso amável. Vestia-se de forma discreta com um conjunto de saia e blazer cinzas, e sapatos da mesma cor com um salto baixo. Seu cabelo grisalho, esparso na parte superior da cabeça, estava preso em um coque apertado.
— Bom dia! Me chamo Lúcia e serei sua secretária — disse, com a voz suave e um sorriso que não alcançava totalmente os olhos, mas exalava uma calma inabalável. — A senhora chegou cedo para o trabalho, dormiu bem?
Mesmo estando cara a cara com a nova diretoria, Lúcia parecia calma. Mizuki sabia do histórico de alta rotatividade do cargo que agora ocupava, e era evidente que sua secretária já havia visto muitos rostos novos entrando e saindo daquele posto ao longo dos anos.
— Ohayo goz*i masu, watashi no namae wa Matsuzaki Hinata desu, o ai deki te ureshii desu, hai, yok nemure mashi ta — Mizuki respondeu em um japonês impecável, com a formalidade típica de uma apresentação.
Lúcia, embora ainda sorrindo, piscou algumas vezes. Seus olhos demonstravam confusão, mas ela manteve a expressão cordial, como se fingisse entender.
— Ah, certo, certo. Teremos uma recepção para a senhora logo mais. Os funcionários ainda estão terminando de organizar, afinal, não tínhamos conhecimento da sua chegada.
Mizuki tentou novamente, desta vez em inglês, na esperança de ser compreendida.
— I kindly ask that you do not trouble yourselves with preparing a reception.
Mais uma vez, o olhar de Lúcia ficou confuso, e era claro que não havia entendido uma palavra sequer. Mizuki suspirou internamente, contendo uma pontada de irritação.
— Então, se precisar de alguma coisa, basta me chamar. Estarei na minha mesa. — Lúcia se virou para sair, seu profissionalismo inquebrável.
"Aparentemente, ninguém nesse lugar entende o que eu digo", pensou Mizuki, uma frustração crescente tomando conta dela. "É até compreensível não falarem japonês, mas pelo menos o inglês deveria ser pré-requisito para trabalhar aqui, certo? Talvez eu encontre alguém bilíngue. Preciso verificar os currículos."
Anotou em seu bloco de notas: ‘Verificar curriculum dos funcionários’. Decidiu, por enquanto, instalar um software de tradução em seu computador para que pudesse digitar mensagens ou falar frases e ter o computador lendo ou traduzindo-as em português para seus funcionários.
Pensou em preparar também um e-mail com algumas solicitações para Lúcia mas, antes que pudesse organizar seus pensamentos e priorizar as tarefas, uma notificação piscava em seu notebook chamou sua atenção: ‘Chamada de Vídeo do CEO as 10h’
“CEO, também conhecido como meu pai,” pensou Mizuki, um leve arrepio percorrendo sua espinha. “Ainda está muito cedo para ele me cobrar qualquer resultado, afinal, eu acabei de chegar. E a comitiva certamente ainda nem chegou em Tóquio.” Ela suspirou profundamente, um sopro lento que mal perturbou o ar. Conhecia o Senhor Kodama bem demais para ignorar a impaciência inerente dele; o homem não tolerava rodeios nem esperas.
Exatamente às 10h, com uma pontualidade quase robótica, ela clicou no link e entrou na sala de reuniões online. A imagem nítida de seu pai, o imponente Senhor Kodama, surgiu na tela. Toda a conversa se deu em japonês, o que para Mizuki foi um alívio em meio ao caos linguístico do dia. Nenhum dos dois mencionou os títulos de ‘pai’ ou ‘filha’; ambos foram, em sua totalidade, profissionais impecáveis. A voz do Senhor Kodama era firme, ainda que seus olhos não encarassem sua filha, enquanto ele discorria sobre expectativas e metas.
“Atualizações diárias? Assim vou passar mais tempo em reunião com ele do que realmente fazendo meu trabalho aqui,” Mizuki ponderou, contendo um revirar de olhos. A ideia de relatar cada passo, cada descoberta, parecia uma amarra. Anotou em seu bloco de notas que traçaria uma estratégia e negociaria com o Senhor Kodama para que as atualizações ocorressem de forma mais espaçada, talvez semanalmente, ou mesmo a cada quinze dias, para ter espaço para respirar e agir.
Assim que a reunião foi encerrada solicitou por e-mail que a secretária convocasse todos os gerentes para uma reunião logo após o almoço naquele mesmo dia, e também pediu que Lúcia fizesse um tour com ela por todo o prédio. Aguardou por cerca de trinta minutos, o tique-taque do relógio parecendo mais alto no silêncio da sala, até que sua secretária entrasse novamente com uma resposta.
— Com licença, senhora — disse Lúcia, com a mesma compostura de antes. — Eu vi seu e-mail e mandei mensagem para os gerentes. Os que já chegaram disseram que vão preparar uma apresentação conforme a senhora pediu e na sexta-feira vão apresentar para a senhora. Sobre o passeio pela unidade, podemos ir a qualquer hora.
Mizuki digitou sua resposta no computador, e o aparelho emitiu uma voz robótica e monótona que leu a mensagem:
— Pensei ter agendado a reunião para hoje após o almoço.
— Sim, porém alguns gerentes ainda não chegaram e a equipe precisa de um prazo para preparar as apresentações — explicou Lúcia, sua voz sem qualquer traço de surpresa.
— A reunião acontecerá amanhã após o almoço. Será o prazo máximo que darei. — A voz mecânica de Mizuki não deixava margem para dúvidas.
Lúcia pareceu surpresa com a resposta, mas não questionou mais. Apenas assentiu com a cabeça, um leve sorriso voltando aos lábios.
— Vou apenas informar a equipe e, se a senhora quiser conhecer a unidade, estou à disposição.
Lúcia era uma secretária que sabia se adaptar. Os vários anos de trabalho com diretores tão diferentes a ensinaram a ser flexível e a dançar conforme a música. Seu recado aos gerentes, enviado prontamente, além de informar sobre a data e o horário da reunião, continha um bônus: um alerta de que a nova Diretora Geral seria, nos termos usados pela própria Lúcia, ‘carne de pescoço’. A mensagem se espalhou pelos corredores como um sussurro de um novo desafio no ar.
—xxx—
Pediu a Lúcia que providenciasse uma refeição rápida para que pudesse almoçar antes do tour. Pouco depois, dois grandes temakis de salmão grelhado e cream cheese foram entregues em sua sala. O cheiro adocicado e a textura cremosa eram inusitados. Não que fossem ruins, mas certamente não era o tipo de almoço leve e equilibrado que ela costumava comer. Mizuki agradeceu com um aceno, e, mesmo estranhando bastante o sabor e a consistência, comeu o máximo que pôde. Afinal, mesmo sendo herdeira de um império, ela não concordava com o desperdício. Cada mordida era um exercício de adaptação cultural.
Lúcia, com sua postura calma e andar ponderado, indicou o caminho, e Mizuki a seguiu lentamente, absorvendo cada detalhe da filial brasileira. Enquanto caminhavam, a secretária teceu a história da empresa, desde sua fundação humilde até a construção imponente daquele prédio. Mizuki ouvia com atenção polida, embora conhecesse em primeira mão toda aquela história por ser filha do próprio Senhor Kodama e soubesse que aquelas informações eram irrelevantes para sua investigação. Deixou que Lúcia falasse.
Visitaram primeiro as áreas comuns, como o refeitório e a cozinha. Mizuki sabia que, por mais que o Senhor Kodama pudesse parecer um ditador em suas exigências por excelência, ele também providenciava que seus funcionários tivessem todos os recursos necessários para desempenhar suas funções. Diferente de muitas outras multinacionais, todas as empresas do Grupo Kodama tinham um sistema robusto de fornecimento de alimentação, que incluía café da manhã, almoço e café da tarde, um benefício que Mizuki sabia ser raro e valorizado.
Quando passaram pelos setores administrativos, Mizuki pediu a Lúcia que não anunciasse sua presença. Aquela deveria ser uma visita silenciosa, seria como um raio-x discreto da atmosfera de trabalho. Mesmo assim, a diretora observou olhares tensos, curiosos e suor escorrendo pela testa de alguns funcionários. Era como se o ar por onde ela passava se carregasse de eletricidade, provocando uma reação quase instintiva.
Seguiram para os setores de Patrimônio e Almoxarifado. Com um simples olhar ao redor, Mizuki anotou mentalmente que solicitaria, posteriormente, um inventário detalhado de todos os bens.
No setor de Tecnologia, que para os olhos exigentes de Mizuki parecia mais uma caverna com emaranhados de fios intocados pela humanidade, ela anotou que solicitaria uma revisão da estrutura. A sala parecia pequena demais para tantos técnicos e equipamentos. O que verificou ser o extremo oposto do setor Jurídico, que contava com um espaço absurdamente amplo para uma equipe de apenas três advogados. Para completar o quadro, o cronograma colado na porta revelava que eles tinham uma carga horária reduzida e apenas um deles ficava de plantão de cada vez, um uso ineficiente de recursos que Mizuki certamente questionaria.
O Setor de Controladoria, Análise e Processamento (C.A.P) era, de longe, o que possuía o maior número de funcionários. Mesmo tendo um Gerente, o setor contava com três Supervisores, cada um deles cuidando de uma equipe de cinco funcionários e um estagiário. Todo esse tamanho tinha um motivo crucial: esse setor era responsável por gerenciar todas as questões fiscais relacionadas às entradas e saídas de produtos daquele país.
O Grupo Kodama era o maior e mais bem estruturado quando se tratava de logística, sendo responsável por mais de 48% das trans*ções comerciais de importação de produtos e entregas no mundo. Por ser um gerenciamento remoto, em teoria, deveria ser feito de forma imparcial, pois era ali que as informações de carregamento eram recebidas, checadas e, somente após a validação, aconteceria ou não a liberação das ordens de pagamento, emissões de notas fiscais ou de transporte. Mizuki sabia, e que ali precisaria de sua atenção máxima e já havia decidido que solicitaria um levantamento completo para o setor; afinal, era ali que as inconsistências nos dados haviam sido detectadas, o que culminou na visita urgente de um dos vice-presidentes da empresa, no caso a sua própria.
O último foi o setor de Recursos Humanos, enquanto Lúcia explicava as rotinas do departamento, Mizuki sentiu uma pontada de surpresa ao ver um rosto familiar. Seus olhos se arregalaram ligeiramente ao avistar, por entre as mesas, a jovem em quem havia esbarrado naquela manhã. A moça estava assinando papéis em uma mesa, e seus cabelos ondulados mesmo que agora estivessem úmidos e os cachos estivessem bem definidos ainda eram inconfundíveis.
— Oii moça! — disse a jovem, acenando com as mãos e sorrindo, e o brilho familiar em seus olhos castanhos.
Mizuki foi pega totalmente de surpresa. Sem saber exatamente como agir — afinal, ela estava ali em uma missão, não para fazer amigos — retribuiu com um leve sorriso forçado e uma breve reverência, saindo logo em seguida com uma rapidez calculada. Ela não saberia o que dizer caso a jovem começasse a falar sobre o incidente da manhã, e, além disso, a Diretora precisava manter uma "pose" que intimidasse a maioria dos funcionários, garantindo que todos "andassem na linha" sob sua nova gestão. A surpresa do encontro, no entanto, deixou uma marca sutil em sua mente analítica.
No fim de seu passeio pela empresa, Mizuki retornou à sua sala com a mente fervilhando. Havia acumulado uma lista considerável de tópicos a serem trabalhados durante sua estadia na filial, cada observação um nó a ser desfeito.
Trabalhou por mais algum tempo, organizando suas observações sobre a filial. Cada inconsistência, cada potencial melhoria, era meticulosamente registrada. Traçou uma linha inicial de ação clara: os planos eram apresentar suas demandas e as primeiras soluções para todos os gestores na reunião do dia seguinte. O senso de urgência, apesar do cansaço, era palpável. Pela janela de sua sala, ela viu que o Sol havia começado a se pôr, tingindo o céu de tons alaranjados e roxos. Seu primeiro dia na filial brasileira havia terminado, deixando-a com muitas perguntas e, por enquanto, nenhuma resposta concreta. Sua mente e seu corpo, agora, gritavam descontentes pela noite mal dormida, clamando por um descanso profundo e verdadeiro.
“Melhor encerrar por hoje.”
Fim do capítulo
E ai galerinha do bem... tudo certo?
Me contem ai o que acharam desse pedacinho da história.
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@emi_alfena
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Zanja45
Em: 30/11/2025
Tem muita coisa pendente para ela ajustar nessa empresa.
Será possível que ninguém fale inglês ou japonês entre tantos funcionários?
Ela fugiu da moça que ela esbarrou, ficou com medo de complicar as coisas se mostrasse cordial com a funcionária. - Não manchar a reputação dela de chefe séria. KKKK!
Zanja45
Em: 30/11/2025
Rsrsrsrs!
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Sem cadastro
Em: 02/11/2025
Agora o bixo vai pegar kkk colocar geral na linha rsrsr
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EmiAlfena Em: 30/11/2025 Autora da história
Ahh com toda a certeza, Mizuki vai ter um bocado de serviço pra colocar o pessoal na linha.
Colocar no currículo que fala Inglês é fácil, quero ver falar de verdade.
Ela queria manter a pose de chefonaa kkkk