Capitulo 26 - A calmaria de um amor tranquilo
Clara
A semana passou voando. Samanta praticamente morou lá em casa, quando não dormia, aparecia cedo, sempre com um café na mão e uma desculpa qualquer para ficar. Às vezes dizia que vinha só ver o Nico antes da escola, outras, que precisava “checar” se eu estava cuidando direito de mim mesma.
No fundo, nós duas sabíamos que era só uma desculpa para ficarmos um pouco mais de tempo juntas.
Ela me contou que já contratou uma equipe para reformar a casa nova, que pretende se mudar logo. Disse isso tentando soar empolgada, mas eu percebi que algo a estava incomodando. Só não sei como será para dona Rosa ver a filha sair de casa novamente.
Rosa é o tipo de mulher que faz qualquer casa parecer um lar: barulhenta, carinhosa e um pouco mandona, do jeito mais encantador possível.
Hoje é domingo, e estamos todos reunidos na casa dos Vasconcelos para o almoço. Faz tempo que não almoçamos todos juntos. O cheiro da comida toma a cozinha, misturando-se ao som de risadas vindas do quintal. O sol entra pelas janelas, deixando o ambiente com aquele brilho quente de outono. Eu ano essa época do ano.
— Clara, minha filha, passa o sal para mim? — Pede dona Rosa, mexendo uma panela.
— Claro. — Entrego o saleiro. — O cheiro disso está maravilhoso.
— E você acha que é só cheiro? Espera até provar.
Ela fala com aquele orgulho típico de quem domina o fogão como quem rege uma orquestra. Fico ali, cortando os legumes na bancada, tentando acompanhar o ritmo dela.
Zeca, o cachorro salsicha de Nico, está deitado aos meus pés, observando tudo com ar de quem supervisiona. De vez em quando, ele levanta a cabeça e solta um resmungo exigindo carinho.
— Esse seu cachorro me persegue — Brinco.
— Ah, o Zeca é um fofo, Samanta acertou em presentear o Nico com ele — Responde dona Rosa, rindo. — E muito esperto. Ele sabe quando o coração da gente está leve, e busca ficar por perto.
Eu rio, mas ela me lança aquele olhar curioso, típico de quem fareja mais do que o cheiro da comida.
— Falando nisso — Começa como quem não quer nada — Tem alguma coisa diferente em você, menina. Está com o olhar brilhando.
— Será? — Tento disfarçar, cortando um tomate com precisão exagerada.
— Sei não — Ela insiste. — Olhar brilhando, sorriso fácil, coração leve. Isso é amor batendo à porta.
Congelo por um instante, o amor não está só batendo, ele já entrou, sentou-se na sala e abriu um vinho. E eu como uma boa anfitriã, deixei ele ficar à vontade. Mas eu apenas sorrio, tentando não ser tão obvia.
— Pode ser só o reflexo da luz, dona Rosa.
— Ah, é claro. Reflexo da luz… — Ela balança a cabeça, fingindo acreditar. — Tá bom, minha filha. Mas eu conheço esse brilho.
Mudo de assunto depressa, pois não vou saber como me sair dessa se continuarmos falando disso.
— Quer que eu pique o alho também?
— Deixa que eu faço. Alho é tempero sensível, não gosta de mão trêmula — Solta uma risada.
Eu rio, mas o comentário me acerta. Ela não sabe por quem estou apaixonada — ainda —, mas acertou o diagnóstico em cheio. Meu coração anda em festa e em pânico ao mesmo tempo.
Do lado de fora, o som de um violão começa a ser ouvido, Samanta e Nico estão no jardim.
Ouço a voz dela explicando algo, paciente, e o dedilhar incerto dele tentando acompanhar.
A curiosidade me vence, limpo as mãos no pano de prato e caminho até a porta dos fundos.
O sol filtra entre as árvores, projeta uma sombra onde eles estão sentados. Zeca corre à minha frente, animado, passa por mim e segue até onde eles estão e se joga ao lado de Nico, de barriga para cima.
Samanta ri alto, aquele riso que ilumina qualquer ambiente e que sou apaixonada desde antes de conhecê-la pessoalmente, lembro de todas as vezes que via as fotos espalhadas pela sala da casa e ficava admirando seu sorriso grande e lindo. Ela faz um carinho rápido no cachorro antes de voltar a ajustar a posição do violão.
— Assim, Nicolino… não precisa apertar tanto as cordas. — Ela pega a mão dele com delicadeza, guiando os dedinhos. — Deixa o som fluir, ó.
O acorde sai torto, abafado. Nico franze a testa, frustrado. Meu filho não gosta de não ser bom em algo, em tudo ele se dedica ao máximo para se sair bem.
— Eu não consigo —Faz um bico com os lábios.
— Consegue sim. — Ela sorri. — Só está esquecendo de respirar.
— Respirar? — Encara ela com o senho franzido.
— É, toca e respira. A música é igual ao coração, se você prende o ar, ele perde o ritmo.
Nico a observa por um segundo, pensativo, e então tenta de novo. O som que sai ainda é imperfeito, mas dessa vez tem vida.
— Viu só? — Ela diz, animada. — Agora foi lindo!
Ele se abre num sorriso largo. Eu fico ali, parada na porta, observando os dois — o meu filho e a mulher que, sem que eu percebesse, já ocupa todos os meus pensamentos.
É bonito demais. Samanta olha para ele com uma ternura que não tem nada de forçada, há algo de maternal, de cuidado genuíno, que me atravessa por dentro. Sinto as lágrimas queimarem os olhos antes mesmo de perceber que estou chorando. Ando muito emotiva nesses últimos dias.
De repente, Nico apoia o violão no colo e a encara.
— Tia Sam, agora que você namora a minha mãe — Para e pensa um segundo — Você vai ser minha mãe também?
Meu coração dispara, Samanta parece tão surpresa quanto eu. Ela demora um segundo pra responder.
— Ah, Nico, eu adoraria — Diz, tocando de leve o ombro dele. — Mas isso só se você quiser também.
Ele pensa por um instante, olhando para ela com seriedade, como se tomasse a decisão mais importante da sua vida.
— Eu quero.
E volta a tocar, como se nada demais tivesse acontecido. Samanta ri baixinho, emocionada, e ajeita o cabelo dele com carinho, Zeca late, feliz, como se aprovasse o acordo.
E eu, da porta, sinto o peito se encher de um amor tão grande que mal cabe.
Quero correr até eles, abraçá-los, agradecer à vida por esse instante. Mas fico quieta, só observo, porque é o tipo de momento que não se interfere, é o tipo de momento que se guarda para sempre.
Quando tudo está pronto, arrumamos tudo na varanda, e o almoço se torna uma festa.
A toalha xadrez, o cheiro de comida, as vozes se misturando, tudo parece cena de filme. Nico, sentado entre mim e Samanta, come animado, enquanto Zeca circula sob a mesa, esperando algum pedaço cair.
Liz e Marcos trocam olhares cúmplices, dona Rosa serve mais arroz para todo mundo e o pai de Samanta tenta contar uma piada que ninguém entende, mas todo mundo ri mesmo assim.
O ambiente está leve. Feliz. Vivo.
De repente, Samanta limpa a garganta.
— Gente… — Ela começa, nervosa. — Eu queria aproveitar que está todo mundo aqui para dizer uma coisa.
A conversa cessa, todos olham para ela, e ela me encara por um segundo antes de continuar.
— Eu e a Clara estamos namorando — Fala em um fôlego só.
O silêncio toma conta do lugar, mas dura um instante, depois, dona Rosa dá um tapa na mesa.
— Eu sabia! — Grita, orgulhosa. — Eu sabia que tinha alguma coisa diferente no olhar dessa menina!
A mesa cai na risada. Eu fico vermelha, querendo me esconder em qualquer lugar.
— Dona Rosa! — Protesto, rindo também. — A senhora desconfiava de tudo e não me contou?
— Claro que desconfiava, minha filha! Mas não sabia com quem! — Ela olha pra Samanta e balança a cabeça. — E justo com essa aí…
— O que tem “essa aí”? — Samanta finge indignação. — Sou um ótimo partido — Passa as mãos pelos cabelos tentando parecer atraente.
— Hm, não sei, não — Diz Liz, apoiando o cotovelo na mesa. — Porque, Samanta, eu fico feliz por vocês, de verdade. — Ela olha para mim. — A Clara merece alguém que faça ela sorrir como ela está sorrindo agora.
— Obrigada, Liz — Respondo, tocada.
— Mas — Continua ela, virando-se pra Samanta — Se você fizer ela sofrer, eu mesma acabo contigo.
Risos explodem. Samanta arregala os olhos.
— Meu Deus, é uma conspiração!
— Não é conspiração, é rede de apoio — Fala, séria, e depois sorri. — Clube “Proteja a Clara”. Membros vitalícios: eu e a mamãe.
— E eu também! — Grita Nico, erguendo o copo de suco. — Porque a mamãe é minha!
A mesa explode em uma gargalhada, e eu me sinto amada por todos. Samanta ri também, balançando a cabeça.
— Não seria para vocês estarem me defendendo? — Tenta argumentar — Eu que sou da família.
— E a Clara também é — Dona Rosa protesta — E nós conhecemos a cavala que você pode ser, então, está avisada.
— Tá, eu me rendo. Já vi que faço parte de uma família perigosa. — Ergue os braços em forma de rendição.
— E amorosa — Completa dona Rosa. — A gente morde, mas abraça depois.
Nico olha pra Samanta e sorri.
— Eu gosto de você, e agora que você não vai roubar a mamãe de mim, eu quero um irmão.
Me engasgo com o suco que estou tomando. Todos me aconselham a levantar os braços para aliviar a tosse.
— Eu também gosto de você, campeão. — Sam faz um carinho nos cabelos dela — Mas, vamos com calma para não matar sua mãe do coração.
— Até ontem esse garoto não queria ouvir falar de outra criança, agora me vem com essa — Consigo falar.
— Mas, agora eu quero um irmão — Diz simples — A senhora prometeu que não vai me trocar.
Ele encosta a cabeça no ombro de Samanta, e por um instante, tudo fica em silêncio novamente. É simples, mas é lindo. Zeca aproveita a distração geral e pula no colo dele, lambendo o rosto do menino.
— Ai, Zeca! — Reclama Nico, rindo. — Eu estou comendo!
— Deixa, Nico — Diz a atleta — Ele só quer participar do almoço também.
O pai de Samanta levanta o copo, chamando a atenção de todos.
— Então um brinde! À Clara, à Samanta, ao amor… e ao cachorro Zeca, que sempre sabe o que é bom.
Todos brindam, gargalhando.
*****
O sol já começa a cair, Nico e Zeca estão no quintal, jogando bola, Liz e Marcos foram embora, e dona Rosa cochila na poltrona da sala. A casa, agora calma, me permite me sentar na varanda e admirar as coisas boas da minha vida. Samanta se aproxima devagar, duas taças de vinho nas mãos.
— Para a gente — Diz, entregando uma.
— Achei que sua mãe fosse nos proibir de ficar sozinhas — Brinco.
— Minha mãe te adora. — Ela ri. — Eu é que estou ferrada agora.
O céu está alaranjado, e o som do riso de Nico ecoa distante, por um tempo, ficamos só observando.
— Sabe o que eu mais gosto nisso tudo? — Ela pergunta, olhando para o horizonte.
— Do quê? — A incentivo a continuar.
— De como tudo parece simples quando é com você. Eu passei anos complicando o amor, achando que precisava ser intenso, cheio de drama. E agora… ele só é — Ela respira fundo — Meus relacionamentos sempre foram caóticos e eu achava que aquilo era normal.
Sorrio, é muito bom que ela consiga se abrir para falar sobre essas coisas. Não me importo que fale de seus antigos relacionamentos, isso me faz entender muita coisa, o porquê ela é tão insegura em algumas coisas e logo sente ciúmes.
— Talvez o amor verdadeiro seja isso mesmo, o que cabe na rotina, a calmaria, a certeza de que temos uma a outra.
Ela me encara, e o olhar dela é tão cheio de ternura que eu quase esqueço de respirar.
— Eu te amo você, Clara.
O mundo para, tem sido assim todas as vezes que ela fala isso, ainda não me acostumei. Meu peito se enche de uma calma que não cabe em palavras.
— Eu também amo você, Samanta.
Ela encosta a testa na minha, e ficamos assim por um instante, tempo suficiente para termos um momento só nosso. De repente, ouvimos Nico gritar do jardim:
— Mãe! Sam! O Zeca comeu a bola de novo!
Rimos alto ao vermos a situação
— Esse cachorro é um delinquente. — Reclama ela.
— É só ciúme — Respondo, ainda rindo. — Ele sabe que agora vai ter que dividir o coração do Nico.
Ela me dá a mão para me levantar.
— E o seu também — Sussurra.
Caminhamos juntas até o jardim, onde Nico tenta negociar com Zeca um pedaço da bola destruída. O sol termina de se pôr, tingindo tudo de dourado.
E ali, entre risadas, cachorro travesso e cheiro de domingo, eu só consigo agradecer por todas as coisas boas que me aconteceram.
Fim do capítulo
Oi gente.....
O que acharam do capitulo?
sei que ele ficou menor, mas era necessário esse ser exatamente assim, talvez para alguns um pouco sem graça, mas é um capitulo de transição.
Espero que a leitura tenha te feito uma boa companhia.
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Carolzit
Em: 01/11/2025
Pq sinto que vem tempestade mais a frente?? Aquela calmaria que precede a tempestade!! Já tô até com medo kkkkk e sinto que essa tempestade terão o dedo do pai, ex e empresária que aliás eu detesto. Sinto que ela tá armando para a Samanta. Mas enfim.. vamos esperar os próximos acontecimentos e vê se acertei né? Já estou mega ansiosa pelo próximo capítulo e amando cada capítulo, esse em especial me fez chorar... Acho que todos sonham com momentos como esse, porém a realidade nem sempre é assim. Bjs e não demora a voltar
Paloma Matias
Em: 04/11/2025
Autora da história
Oi Carol! Não posso dizer se acertou ou não hahaha terá que acompanhar os próximos capítulos.
Estou tentando voltar o mais rápido possivel
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HelOliveira
Em: 29/10/2025
Adorei o capítulo, elas merecem toda essa paz....
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Paloma Matias Em: 07/11/2025 Autora da história
Eu juro que to tentando voltar o mais rápido, mas essa semana foi tenso, não consegui escrever, mas to na esperança de conseguir fazer até amanhã