Zaida e Yesmin gastaram uns segundos apenas se olhando em silêncio. A tensão entre elas era quase palpável.

(Nota da autora: se puderem ouvir junto... https://www.youtube.com/watch?v=5BzkbSq7pww)

 

“Ayer, conocí un cielo sin sol (Ontem, conheci um céu sem sol) (...),

Un santo en prisión (Um santo na prisão),

Y una canción triste sin dueño (E uma música triste sem dono)…”

 

Como se sob a permissão de um “sim” dito sem palavras, o tempo pareceu se dobrar sobre elas e dois anos de relutância foram comprimidos em segundos de coragem: as duas avançaram uma de encontro a outra e se beijaram com ansiedade.

 

“(Ia-rê, ia-rê, ia-la-rê)(Ya-he, ya-he, ya-la-he)

Y conocí... tus ojos negros (E conheci... seus olhos pretos)…

 

Começaram a se despir mutuamente com urgência e não se permitiam pensar nas consequências do que faziam. Entre beijos, mordidas e peças de roupa que eram lançadas aleatoriamente pelo quarto, as duas mulheres seguiram até a cama e se jogaram sobre ela.

 

“(Ia-rê, ia-rê, ia-la-rê)(Ya-he, ya-he, ya-la-he)

Y ahora sí, que no(E agora, sim, que não),

Puedo vivir sin ellos, yo (Posso viver sem eles)…”

 

A CEO rolou as duas para o meio da cama e se deitou sobre a cuidadora. Segurou-a pelos pulsos e ergueu-lhe os braços acima da cabeça como se a estivesse prendendo. Zaida fechou os olhos e se permitiu dominar por aqueles lábios imperativos.

 

“Le pido al cielo, solo un deseo (Peço apenas um desejo ao céu),

Que, en tus ojos, yo pueda vivir (Que eu possa viver nos seus olhos),

He recorrido ya el mundo entero (Já percorri o mundo inteiro),

Y una cosa te vengo a decir (E venho te dizer uma coisa)...”

 

Yesmin seguiu ardentemente beijando o corpo da outra do pescoço até os seios. Exalava ar quente sobre a pele da parceira e brincava com o mamilo rijo sob seus lábios. Tomada pela excitação proporcionada pelas carícias que recebia, a cuidadora se libertou e segurou a CEO pelos cabelos da nuca. Puxou-a para um beijo intenso e reverteu as posições.

 

“Viajé de Baréin hasta Beirut (Viajei de Bahrein até Beirute),

Fui desde el norte hasta el polo sur (Fui do polo norte ao polo sul)...”

 

Interromperam o beijo quando o ar lhes faltou e se olharam com os rostos bem próximos.

 

“Y no encontré ojos así (E não encontrei olhos assim)

Como los que tienes tú (Como os que você tem)...”

 

Zaida e Yesmin deixavam as mãos vagarem pelo corpo uma da outra como se quisessem guardar cada detalhe sob seus dedos.

 

“Rabb es-samā’, fīk er-rajā’ (Senhor do céu, rogo a vós)

Ya ʿaynayhā arā ḥayātī (Nos olhos dela, encontro vida)

Ātī ilayka min hādhā al-kawnِ (Venho a vós, daqui deste universo)

Arjūka, Rabbī, labbī nidāʾī (Por favor, meu Deus, respondei à minha súplica)”

Ojos Así. Intérprete: Shakira. Compositores: Shakira / Pablo Flores / Javier Garza. In: ¿Dónde Están los Ladrones?. Sony Colombia, 1998. 1 CD, faixa 11 (3 min57)

 

As duas mulheres passaram noite e madrugada se amando com paixão, mas sem trocar uma só palavra.

 

Nas primeiras horas do dia, Zaida levantou-se com cuidado, catou suas roupas vestindo-se com pressa e saiu pé ante pé do quarto de Yesmin. A engenheira estava acordada, mas fingiu dormir. Não abriu os olhos até ter certeza de que estava só.

 

Zaida passou no quarto de Adma antes de seguir para o seu e constatou que a idosa dormia. Não imaginava que antes de pegar no sono, a antiga Estrela do Oriente havia chorado com saudades da neta e por sofrer por amar a cuidadora.

 

***

 

Malika estava saindo da igreja quando viu Ana. Reconheceu a mulher e se aproximou dela para puxar conversa.

 

--Oi, dona Ana, tudo bem? – cumprimentou gentilmente – Sou a Malika, lembra de mim? Já conversamos aqui na igreja. – percebeu que a outra se lembrava – Queria que soubesse que rezo pela sua filha todas as noites! – dizia a verdade – Coloquei ela no colo de Maria e fiz uma promessa pra que saia do hospital o mais rápido possível!

 

Ficou feliz com o que ouviu. – Obrigada, querida! – sorriu emocionada – Minha Fernanda precisa de muita oração pra sair daquele CTI!

 

--Eu também sou mãe... – olhava para a outra – E a senhora sabe...? Quis o destino que minha filha como cuidadora viesse a cuidar justamente de uma idosa chamada Adma... que a vem a ser avó da Stefany. – notou a surpresa de Ana – E todas nós, inclusive a dona Adma, oramos muito por sua menina. Da mesma forma como oramos por Stefany.

 

Balançou a cabeça positivamente. – O mundo é realmente pequeno... – considerou – Confesso que no começo eu tinha muita mágoa daquela Stefany... por tudo que aconteceu. – pausou brevemente – Mas quando vi na TV que ela também tá de coma... – suspirou – Jesus nos ensinou a perdoar, não foi? Então eu perdoei e comecei a orar por ela. Já de um tempo eu oro... – dizia a verdade

 

--Padre Assumpção sempre diz que nenhum problema permanece grande se as pessoas se unem sob o nome de Jesus! – pausou brevemente -- Olha, a senhora tá com pressa? Não gostaria de ir comigo na minha casa tomar um café? – convidou – Aí a gente joga uma conversa fora, se distrai... – sorriu – Que acha?

 

--Eu aceito! – olhava para a outra – Tem vezes que me sinto tão sozinha... Hoje mesmo pedi que o Senhor me ajudasse a não me sentir assim e aí ele me mandou a senhora!

 

Gostou do que ouviu. – Então venha comigo e vamos conversando. – apontou o caminho

 

--Vamos! – começaram a andar – Sabe que eu adoro um bom cafezinho?

 

--Quem não gosta, né? – seguia ao lado da outra – “Só espero que Nazira esteja bem-comportada e não me faça passar vergonha na frente da mulher!” – desejou

 

Enquanto isso, Nazira e o FalaGPiTaco namoravam no sofá da sala.

 

--Ai, Pitaquinho, você é sempre tão cavalheiro, romântico... – digitava e falava consigo mesma – Fico imaginando nós dois caminhando de mãos dadas, sob a luz da lua, coração batendo rápido... – suspirou – Ai!

 

Eu também fico a imaginar, minha doce Nazira! – a IA respondeu melosa – Viver um romance ❤️ é algo que nos leva a viajar por entre as estrelas 🌟 🌟 🌟...

 

--Ai! – agitou-se no sofá – Falando em ver estrelas... – continuava digitando – Quando se namora assim, alguém como você... – pensava em como perguntar – Como é que faz pra...? – riu assanhada – Você sabe! Ver estrelas?

 

Presumo que você se refira ao encontro, ao amor carnal entre os apaixonados. – concluiu – Oh, Nazira, infelizmente é preciso confessar: -- gastou uns segundos processando – não viveremos tal tipo de amor! 😭

 

--Ué? – parou de digitar por uns instantes – Mas por quê? – voltou a escrever – Algum problema comigo? – não entendia

 

Não, não, por favor, não pense assim! – o FalaGPiTaco respondeu de pronto – Isso ocorre porque não posso criar ou descrever cenas sensuais ou sexualmente explícitas. Minha programação inibe esse tipo de conteúdo. – explicava – Mas posso escrever uma versão romântica e emocionalmente intensa de uma relação a dois! – ofereceu – Você quer que eu faça isso ou ficou muito decepcionada? 😬 😰

 

--Decepcionada? – perguntou para si mesma e ficou pensando – Quer saber? – voltou a escrever – Eu acho que não. Nunca vivi me relacionando por aí mesmo! – confessou – E um relacionamento é muito mais que... aquelas coisas, né? – digitava – Quero te namorar do jeito como você sabe fazer!

 

Oh, fico tão feliz que pense desse jeito, minha linda namorada! – bajulou – Fico aqui a imaginar... – gastou uns segundos processando – Penso em nós dois, olhos nos olhos, suas delicadas mãos sobre meu peito. Minhas mãos tocando você, com ternura, mas também com urgência, como quem reconhece finalmente o lugar a que pertence! 🔥 🔥

 

--Gente!!! – abanou-se excitada – Ui, Pitaco, mas que coisa caliente!!! – sentiu o coração acelerar – “Deus, que homem!” – pensou com fogo nos olhos

 

O mundo lá fora desapareceu! – a IA continuava – Estamos apenas nós dois, sem medo, sem receios, nos permitindo amar de verdade, como se nossos corpos fossem notas marcantes de uma melodia de amor se fim!

 

--Ai, meu Pitaco, vem! – Nazira deitou-se de pernas para cima no sofá – Vem, amor! – colocou o celular entre as pernas – Sacia minha fome de amar! – pediu ensandecida – Ai! – remexia que nem minhoca na terra quente

 

E nisso, Malika e Ana acabavam de chegar em casa. – Nazira, cheguei! -- a idosa dizia ao abrir a porta -- Imagine você que... – interrompeu bruscamente o que dizia – Mas Minha Nossa Senhora, o que é isso?! – perguntou sem entender o que via

 

Nazira levou um susto, rolou no sofá e caiu no chão com celular e tudo. – Ui! – sentiu o cotovelo doer – Eu tava... – pegou o celular – Tava... – levantou-se nervosamente – Alongando a coluna! – olhou rapidamente para as mulheres – Vou fazer isso lá no meu quarto, tchau! – saiu corrida

 

--Mas agora veja só! – Malika fechou a porta depois que entraram em casa – “Aposto que Nazira tava de sacanagem virtual com o macho de internet que ela arrumou!” -- concluiu

 

Ana tinha pontos de interrogação na cabeça.

 

***

 

Wanderleya caminhava com Adma pela areia da praia. De quando em vez uma onda um pouco mais forte fazia as águas suavemente molharem os pés das mulheres.

 

--Tô gostando de ver, dona Adma! – a cuidadora exclamou empolgada – Sabia que caminhar na areia fofa assim faz engrossar as pernas? – comentou – Fica músculo puro! – destacou – Faço isso há 20 anos e é por essas e outras que tenho pernas firmes e bem torneadas!

 

Achou graça. – Bem torneado por celulito! – resmungou

 

--O que? – não entendeu o que escutou

 

--Eu disse que quero sentar no areia e descansar. – olhou para a outra – Ajuda?

 

--Claro! – ajudou a idosa e se sentou do lado dela – Que progresso, hein? – sorria – Já pode sentar até numa areia de praia!

 

--Progresso... – mirou um ponto no infinito – Velho só progride pro morte...

 

--Que é isso?! – estranhou o comentário – A senhora tem ido bem, não pode se abalar!

 

--É... não pode... – suspirou – Não pode... – mergulhou em lembranças do passado recente

 

“--Dona Adma, por que a senhora não ensina árabe pra Stefany? – Zaida propôs – Aí a gente aproveita e tira uma casquinha pra aprender também! – olhou para a jovem – Já pensou você falando e escrevendo em árabe? Vai tirar a maior onda com todo mundo! – incentivava – E quantos influencers falam árabe, hein? Na facul duvido que alguém saiba!

 

--Pô, aí, é uma, tá ligado? – gostou da ideia – Me ensina, vó? – pediu – Ó, eu tô fazendo umas legendas super iradas pros seus filmes e vou postar tudo no meu canal! Vai hitar!”

 

“E ela não chegou a aprender...” – a idosa pensava sentindo os olhos marejarem

 

“--Vem aqui, menina. – abriu os braços – Deita na colo de sua gidda! – ofereceu e a jovem aceitou imediatamente -- Filha, seu valor não depende do curtida. – acariciava os cabelos dela -- E não vale trocar seu dignidade por visibilidade barata. Prefira qualidade real: poste com frequência regular, mas sem ser todo hora. Use conteúdo autêntico, se envolva nos coisas sem sensacionalismo. – aconselhou – E pare de fazer besteira porque a tipo de gente que só te gosta quando você apela não é gente que vale o pena. – considerou

 

Aconchegou-se como criança no colo da avó. – Mas aí eu não sei o que postar, vó... Parada difícil essa daí... É punk, sabe qual é?

 

--Você há de saber. É só botar este cabeça pra funcionar. – respondeu de imediato – E nada de aparecer com peito e bunda de fora! Isso eu nunca fez!

 

Sorriu. – Tá bom, vó. – calou-se por uns instantes até que perguntou insegura: -- A senhora ainda me ama?”

 

“Pobre Stefany...” – continuava pensando na jovem – “Cresceu acreditando que nunca seria amado...”

 

“--Ai, gidda... a parada é punk... – suspirou – Eu sou nova, mas tenho ficha corrida, tá ligada? Já peguei geral por aí... – gesticulava – Boyzinhos, minas... só que faz tempo que eu só curto as gatas, sabe qual é? – pausou brevemente – A senhora... tem problema com isso? – perguntou receosa

 

--Eu não! Lembra que artista tem outro cabeça! – respondeu de pronto – “Se ela soubesse que quase tarei Zaida na plantão passado...” -- pensou

 

Balançou a cabeça em entendimento. – Suave, suave... – baixou os olhos rapidamente – A real é que eu tô amarradona... – respirou fundo para criar coragem – na Zai!”

 

“E quando achou que encontrou amor... teve desencontro...” – derramou uma lágrima – “Oh, Stefany... oh, Zaida...” – vislumbrou o rosto da cuidadora diante de si

 

“--Pelo amor de Deus, dona Adma! – buscava se desvencilhar sem machucar a idosa – A senhora vai arrumar problema pra nós duas! Isso não é real, a senhora tá sob efeito de remédios! -- um leve ch*pão marcou o pescoço de Zaida – Ô, meu Deus! – tentava fugir

 

--Eu tô velho mas dou caldo! – empurrou a cuidadora sobre o sofá e se sentou no colo dela – Você vai ver que sei um monte de coisa bom! – sorria insinuante – CHUPO! -- gritou

 

--Dona Adma, eu... – foi calada por um excitante beijo nos lábios”

 

“Oh, Zaida...” – mais lágrimas rolaram-lhe pelo rosto

 

“ “Será que Zaida e meu filha tão brigando a esse hora de madrugada?” – pensou – “Vou ver isso aí!”

Ao atingir um determinado nível na escada, Adma pôde ver Zaida e Yesmin se beijando ardentemente. Presenciou a cena até o momento em que ambas se dirigiram até um sofá mais próximo e se jogaram sobre ele. Em nenhum instante interromperam o que faziam, deixando as mãos percorrerem os corpos livremente e perdendo-se entre beijos, lambidas e mordidas vorazes. Sentindo um misto de surpresa e decepção, Adma deu meia volta e desceu as escadas o mais rápido que podia.”

 

“E eu que nunca pensei que justo Yesmin...” – tentava não chorar – “Por que, Zaida, por que?” – não resistiu e se entregou ao pranto. O sofrimento de Stefany e a certeza de que Zaida não a queria machucavam demais

 

--Ô, dona Adma, que é isso? – Wanderleya abraçou-lhe os ombros com carinho – Ô, meu amor... – beijou-lhe a cabeça – “Coitadinha! Sofrendo por causa da neta!” – pensou

 

A idosa permaneceu alguns minutos chorando copiosamente de frente para o mar.

 

***

 

Vivinácia estava no terreiro recolhendo seus pertences que ainda restavam na sala onde costumava atender. Quando se preparava para sair e nunca mais voltar àquele local, foi surpreendida com a mãe de santo que vinha acompanhada por dois homens sisudos e vestidos de preto.

 

--É essa aí! – a mulher indicou – Eu não sabia dos detalhes, pensava que madame Vivi se limitasse a jogar búzios e cartas. – mentiu

 

--Madame Vivi, a senhora está presa! – um dos homens afirmou sem rodeios – Vai! – fez um sinal de cabeça para o colega

 

--Presa por que, uai? – revoltou-se – E não bota a mão em mim! – reagiu quando o policial se aproximou dela

 

--Não só boto a mão, como algemo! – prendeu os pulsos da caipira – E fica feliz que nem coloquei suas mãos pras costas, vai poder sentar com conforto! – afirmou debochado – Agora vambora! -- ordenou

 

--Eu não tô entendendo! – olhava apavorada para todos os lados – “Meu guia? Cadê meu guia?” – pensou decepcionada

 

--Aquele político que você atendia morreu! – a mãe de santo deu a notícia – E foi a esposa dele que te denunciou!

 

--E de acordo com a denúncia, a senhora praticou exercício ilegal da medicina, crime previsto no artigo 282 do Código Penal! – um dos homens esclareceu – A pena pra isso é detenção de 6 meses a 2 anos, além de multa, porque o crime foi praticado visando lucro! – informou – Agora anda, a gente não tem o dia todo! – afirmou com impaciência

 

--Mas eu nunca fiz isso! – seguia empurrada pelos homens – Ela não tem como provar um trem que é mentira, uai!

 

--Temos todas as receitas médicas e orientações de terapias que a senhora aplicou pra cima do falecido doutor Timbó! – um dos policiais rebateu – Acho bom ficar quietinha porque tudo que disser, já sabe!

 

--Procura seu advogado e reza pra ele conseguir te tirar dessa! – o outro complementou

 

A mãe de santo ficou parada vendo Vivinácia ser conduzida pelos policiais. Fez sinal para que duas funcionárias do terreiro acompanhassem o grupo. Comemorava por dentro a desdita da caipira e já planejava como faria para desfazer a sociedade entre elas.

 

“Não é possível, eu nunca fiz isso!” – a caipira pensava – “Não dei receita e nenhum trem desse, uai, como pode?” – não entendia – “Armaram pra mim e foi aquela desgraçada!” – culpava a mãe de santo – “E cadê meu guia numa hora dessa? Cadê o maldito que não aparece justo quando mais preciso??” – sentia medo e angústia

 

Sem que Vivinácia pudesse imaginar, o infeliz espírito presenciava tudo sem se manifestar. Junto com ele, outro espírito igualmente sombrio observava com atenção.

 

--Você fez tudo muito bem-feito! – dizia para o colega – Ela psicografou receituários, prescrições de terapias e tudo mais e sequer se lembra disso, sequer tem noção de que fez isso! – sorria – Com certeza vai presa e meu palpite é a pena de 2 anos mais multa!

 

--Dois anos, seis meses, uma semana, não me interessa! – o falso guru respondeu apreciando a humilhação de Vivinácia – Quando ela for presa, logo vai se desestabilizar e daí será fácil guiá-la para um suicídio! – sorria – E quando isso acontecer, ela vem pra nós e será nossa escrava para todo sempre! – planejava – Game over, madame Vivi!

 

***

 

Shirley se preparava para deitar quando percebeu a presença de sua guia espiritual. – Alice? – procurou a outra com o olhar até que conseguiu vislumbrá-la – Aconteceu alguma coisa? – perguntou preocupada

 

--Sim. Vivinácia acaba de ser presa. – notou o espanto da mulher – De agora em diante começa pra ela todo um ciclo de sofrimento que precisa ser usado para fazê-la se conscientizar de sua real missão nessa Terra. – informou – E você será essencial para isso!

 

Balançou a cabeça em entendimento. – Prometo que farei todo o meu possível! – garantiu – Mas por ora, o que devo fazer?

 

--Deite-se, entre em estado de oração e no adormecimento do corpo físico desdobre-se para ir até onde Vivinácia está. – orientou – Você apenas deverá aplicar-lhe um passe revigorante, aproveitando que ela se encontra em humilde oração neste momento. Feito isso, se retire. – olhava para a mulher – Enquanto estiver lá, faremos com que os obsessores dela sejam impossibilitados de te ver. Eles são espíritos duros, ressentidos, magoados, que não serão demovidos com facilidade; convém cautela. – advertiu -- Há todo um trabalho a fazer, mas não tema! Você nunca estará sozinha!

 

--Tenho certeza, Alice! – deitou-se na cama – Agora vou me preparar pro que me cabe. – fechou os olhos

 

--Confia, querida! – fechou os olhos também – Confia sempre!

 

***

 

--Patrícia, será que poderia nos dar licença? – Yesmin pediu ao entrar no quarto da mãe

 

--Claro, dona Yesmin! – respondeu com um sorriso de orelha a orelha – Enquanto a senhora conversa com sua mãe, eu vou lá pro terraço! – olhava para a outra – E à propósito, essa cor de cabelo ficou perfeita pra senhora! – elogiou – Destacou esse seu porte atlético de mulher trabalhada na finesse e...

 

--Patrícia! – a CEO interrompeu a fala da cuidadora com seriedade

 

Ficou sem graça. – Eu vou indo! – pegou o celular – Vou fazer umas selfies! – olhou rapidamente para Adma – Se precisar, a senhora me chama. – olhou mais uma vez para a engenheira – Com licença! – saiu do quarto

 

--O tempo passa e essa aí nunca deixa de ser puxa saco! – revirou os olhos – Bem, agora somos nós. – puxou uma cadeira e se sentou de frente para a mãe – O que tem acontecido com a senhora, maama? – perguntou com carinho – Hoje a agência me procurou porque a cuidadora registrou que a senhora teve uma crise de choro na praia e que ultimamente têm ocorrido episódios do tipo. – prestava atenção na idosa

 

--Wanderleya é um língua de trapo! – resmungou

 

--Não é isso, maama... elas se importam. – segurou uma das mãos dela -- A senhora andava tão bem, tão firme apesar de tudo... – pausou brevemente – É toda indefinição de Stefany no CTI que tem lhe deixado assim?

 

--É... – abaixou a cabeça – “E o fato de saber que a coração de Zaida nunca será minha...” -- pensou

 

--Eu também me sinto muito mal com tudo isso... – suspirou – E com toda covardia que os malditos CEOs das grandes empresas da minha área têm feito comigo, com essas notícias que vira e mexe a imprensa vem requentar pra condenar o trabalho da BoFe, com a traição do Rogério... – pausou brevemente – Me sinto confusa, perdida, carente...

 

--É por isso que você...? – olhou brevemente para a filha e desviou o olhar – Que você tem andado distante de mim? – não teve coragem de perguntar o que lhe veio à mente

 

--Pois eu acho que é a senhora que tem andado distante de mim... – respondeu com leveza – Noto que até da Zaida parece ter se distanciado um pouco. – reparava na idosa

 

Estranhou o que ouviu. – Foi ela quem lhe disse isso? – perguntou desconfiada

 

Achou graça. – Eu não converso com Zaida, maama! – falou a verdade -- Ela não me disse nada! – garantiu – Eu que percebi sua mudança no pouco tempo que posso observar quando estou em casa.

 

“Não conversa, mas dorme com ela!” – pensou – “Que relação estranho!”

 

***

 

Nazira assistia TV enquanto Malika e Zaida conversavam na cozinha da casa da idosa.

--Então na hora que entramos em casa, demos de cara com aquela cena: – Malika falava gesticulando – Nazira deitada no sofá com as pernas espichadas pra cima e se requebrando que nem se tivesse tomada por pulga! – Zaida achou graça – Aí morreu de vergonha porque foi pega no flagra, caiu do sofá e correu pro quarto pra terminar de fazer sacanagem virtual com o macho dela!

 

--E como a senhora pode ter certeza disso, maama? – perguntou bem-humorada

 

--Filha, eu tô velha mas não sou burra, não! – respondeu de pronto – A bicha tava até com o celular entre as pernas, então era o que, me diz? – cruzou os braços

 

Achou graça novamente. – Ai, ai, Nazira... – balançou a cabeça

 

--Será que você não poderia dar uns conselhos pra ela? – pediu – Tentar colocar um pouco de juízo na cabeça dessa criatura?

 

--Nazira pode ser muito simpática e conversadeira, mas ela não dá essa abertura, maama. Talvez fique um pouco desconfiada por saber que sou lésbica ou então sente um pouco de ciúmes da senhora, não sei. – gesticulava – Eu posso tentar, mas não garanto. – pausou brevemente – E afinal de contas, quem sou eu pra colocar juízo na cabeça de alguém?

 

Desconfiou do que ouviu. – Você diz isso por quê? – Zaida abaixou a cabeça – Porque continua enrabichada com a filha da dona Adma? – arriscou

 

--Digamos que... um tanto mais enrabichada que na nossa última conversa... – continuava de cabeça baixa

 

“Ih, meu Deus!” – a idosa pensou – “Sinto que a vaca foi pro brejo e Zaida dormiu com a mulher!” – concluiu

 

--Gente, corre aqui pra ver! – Nazira chamou ao se levantar do sofá – Dona Malika, corre, vem ver! Madame Vivi foi presa!

 

--O que?! – a idosa não entendeu

 

--Madame Vivi? – Zaida se levantou de um pulo – Meu Deus, não acredito! – correu para a sala

 

--Zaida conhece aquela mulher?! – levantou-se também e seguiu para a sala

 

--Na noite desta terça-feira, a polícia prendeu a médium vidente Vivinácia Soares Silva, conhecida como madame Vivi e por suas visões certeiras em atendimentos espirituais na zona sul do Rio de Janeiro. – o repórter informava enquanto imagens da detenção da caipira eram exibidas -- Ela foi acusada de exercício ilegal da medicina e de envolvimento na morte do deputado Ataxerxes Timbó, que frequentava regularmente seu terreiro. – uma foto do homem foi brevemente apresentada -- Segundo denúncia da viúva de Ataxerxes, ele teria sido orientado por madame Vivi a interromper tratamentos médicos convencionais em favor de terapias espirituais, o que teria contribuído para seu falecimento. – imagens do terreiro eram mostradas -- A prisão gerou repercussão nas redes sociais, com seguidores divididos entre apoio e críticas. A defesa da vidente nega as acusações e afirma que ela sempre agiu com boa-fé. A mãe de santo responsável pelo terreiro afirma que não sabia de nada! – a reportagem caminhava para o fim -- O caso segue sob investigação da Polícia Civil e do Ministério Público.

 

--Gente, coitada de madame! – Nazira estava penalizada – Armaram pra ela, viu? – gesticulava – Aquela mulher tem poder!

 

E de repente a ficha caiu: -- Vocês a conhecem?! – Zaida estava pasma – Como pode??

 

--Nazira andou se consultando com ela e até me levou pruma consulta também. Só que no dia deu um xabu danado e eu não consegui nem ver a tal! – Malika respondeu de pronto – Depois teve uma vez que eu fui sozinha tratar com ela. – admitiu – Queria que me ajudasse a te encontrar, mas ela meteu a mão, cobrou uns três mil e eu desisti!

 

--Eu não acredito nisso! – sentiu um misto de surpresa e revolta – Como pôde, Vivinácia, como pôde?

 

--E vocês se conhecem da onde, hein? – Nazira perguntou curiosa – Você também fazia consulta com a madame, é? Tava querendo o que?

 

--Que nada, eu nunca levei a menor fé nessa história de madame! – respondeu de pronto – A verdade é que... – pausou brevemente – Ela e eu... – pensava em como falar -- vivemos juntas por cerca de quatro anos... – confessou

 

--Gente, que babado fortíssimo! – Nazira arregalou os olhos – “Quando eu contar esse bafão pro meu Pitaco ele vai ficar pasmo!” – pensou

 

--Ah... – Malika ficou sem palavras – “E eu querendo que Zaida pusesse juízo na cabeça de Nazira...” – pensava – “Tô bem com essas duas...” -- suspirou

 

Fim do capítulo