Capitulo 5
Por Luísa:
— Você só pode estar brincando comigo! Isso é algum tipo de piada, mãe? — eu falei, tentando, com toda a força do meu ser, me convencer que ela estava, no fundo, só me pregando uma peça. Tipo, um super trote de família. Mas o olhar calmo e analítico dela me atravessou. Nada em sua expressão indicava humor, apenas aquela racionalidade cortante que sempre me deixava sem ar.
— Luísa, pense... com a cabeça e não com a emoção. A Pelle Serenità teve uma queda razoável no número de vendas desde que você e a Bia estão saindo na mídia de maneira negativa.
— Mas daí a você me pedir que eu finja estar em um relacionamento com ela é demais, não acha? Isso não vai dar certo. Eu não suporto ela. — minha voz vacilou no final, saindo exaltada e traindo o controle que eu tentava manter. E, claro, Valéria nem piscou.
Minha mãe me olhou e deu um suspiro longo, aquele tipo de suspiro que já indica que ela acha que eu sou a pessoa mais dramática do planeta e que estou exagerando.
— Consultei a Ângela da nossa assessoria e ela garantiu que a possibilidade de um relacionamento entre vocês ter resultados benéficos para a empresa é grande. E isso de casal falso é uma prática mais comum do que parece, sabia?
Ah, claro. A Ângela. Se a Ângela estava por trás disso, devia ser um plano infalível. Ou talvez ela quisesse apenas que eu fosse a próxima grande atração de circo para a empresa entrar no buraco de vez.
— Mãe, estamos falando da minha vida pessoal — argumentei, sentindo um nó subir pela garganta. Cada palavra parecia me arrancar um pedaço de dignidade.
Valéria revirou os olhos. E como eu odiava quando ela fazia isso.
— Que vida pessoal? Você não sai de casa nunca, Luísa. Vive e respira na nossa empresa. Precisamos melhorar esses números. Você está na área administrativa e sabe melhor do que ninguém isso. — As palavras saíram firmes, secas, e cada uma me acertou como um aviso, de que por mais que eu tentasse, não teria como escapar dessa realidade.
Senti a raiva latejando em mim. Então era isso. Meu único propósito na vida era salvar as finanças da Pelle Serenità. "Que vida pessoal?", ela perguntou. Bem, se eu tivesse uma vida pessoal, provavelmente ela estaria perdida em algum lugar entre um relatório e uma reunião de marketing.
Respirei fundo, enquanto meu cérebro tentava racionalizar. Eu sabia que ela estava certa sobre a situação financeira. A empresa estava perdendo espaço no mercado atual e a ideia de Roger de trazer uma influenciadora parecia ser a melhor solução. Mas por que tinha que ser justamente a Beatriz Albuquerque? Só de pensar naquelas risadinhas debochadas, minha pele arrepiava.
— Filha, você não vai precisar casar com ela. Faremos uma tentativa. Como o Pietro disse: fotos no ângulo certo e esperaremos. Se isso trouxer bons lucros e visibilidade, ótimo. Se não, paramos com isso.
Com um sorriso que era mais um torcer de lábios do que qualquer outra coisa, eu disse:
— Uau, Valéria, que ideia revolucionária. Fotos no ângulo certo. Nunca teria pensado nisso sozinha. Talvez eu deva começar a treinar minha pose de "namorada forçada" para o Instagram. E namorada de uma mulher, veja só…
Ela arqueou uma sobrancelha, com aquele olhar de quem me conhecia demais.
— Luísa… você nunca foi de preconceitos. Minha memória anda falha, mas nem tanto. Lembro bem das suas amiguinhas do tempo de escola.
Meu sangue ferveu. Rolei os olhos, mais por defesa do que por desdém. Aquilo não era conversa, era manipulação emocional disfarçada de lembrança.
Bem no fundo, eu sabia: não tinha escolha. Se a empresa precisava de mim, eu faria o que fosse preciso. Mas ainda assim… a maneira como minha mãe conduzia tudo me deixava com um gosto amargo na boca. Ultimamente, ela parecia outra pessoa. Em alguns momentos, mais frágil, distante, esquecendo coisas... E em outros, mais dura, em olhares e comentários. E essa nova versão dela me deixava exausta.
Eu não tinha mais o que falar. Eu precisava de paz. Eu precisava evitar atrito com a Valéria. Agora mais do que nunca. E só eu sabia o quanto.
Então, fiz o que me pediram. Segui a imposição disfarçada de conselho e me posei para a foto no "ângulo perfeito" para agradar a todos. Claro, Bia não perdeu a chance de me provocar, com aquele sorriso de quem adora ver o caos alheio, enquanto uma legião de fãs desmiolados praticamente babava por ela, implorando por fotos. Ela estava no auge do seu show particular. Sorriso malicioso, olhar provocante. Quando encostou o rosto no meu pescoço, senti o calor da respiração dela subir pela pele. Os cliques das câmeras soaram como uma sentença.
A manhã na empresa estava sendo um verdadeiro martírio. Na minha sala, senti que precisava de um descanso depois de passar horas verificando documentos, então suspirei e joguei o corpo contra o sofá. Meus olhos deslizaram para a tela do celular, e lá estava a maldita foto. Eu e Bia, abraçadas, com aquela pose digna de casal protagonista de novela das nove.
Sério, Bia se passava. Não precisava ter enfiado a cara no meu pescoço daquele jeito, como se estivesse inalando minha alma. Mulherzinha insuportável. Ridícula. Fiz uma careta e rolei para baixo para ver os comentários.
"Que casalzão! 💖🔥"
"Lindas! O amor sempre vence! 😍🌈"
"Não sei vocês, mas eu shippo! 💘"
"Quem diria que esse abraço ia causar tanto? Amo! 😏"
"A gente PRECISA de mais casais assim na mídia! Representatividade importa! 👏♿🌈"
"Luísa maravilhosa! Mostrando que amor e beleza não têm padrão! ❤️♿"
"Se for showmance, pelo menos tá servindo pra quebrar estereótipos. Mas queremos mais do que isso!👀🔥"
Eu não sabia o que era pior: o povo que realmente achava que eu e Bia éramos um casal apaixonado ou aqueles que estavam cientes do teatro, mas estavam dispostos a embarcar na ficção só pela representatividade.
Revirei os olhos e joguei o celular na mesinha de centro. Grande ironia. Passei anos evitando essa exposição, tentando desviar da curiosidade alheia sobre a minha deficiência, e agora a internet inteira estava celebrando a “inspiração” de me ver em um casal midiático.
Talvez... talvez eu pudesse usar isso a meu favor. Quem sabe? Voltar a vestir as roupas que eu quisesse, independente de minha prótese à mostra, sem precisar encarar qualquer pessoa me lançando aquele olhar de "o que aconteceu com você?" ou "você vai assim mesmo?".
Talvez fosse o momento de aproveitar esse circo e fazer ele trabalhar por mim.
Me espreguicei, sentindo cada músculo do meu corpo protestar, e estava prestes a levantar do sofá para encarar a pilha de relatórios e planilhas que me aguardavam em cima da mesa quando ela entrou na minha sala.
Bia.
A porta estava aberta, mas precisava entrar sem sequer bater? Sem um “oi”, um “posso?”, um “desculpa invadir seu espaço, mas sou inconveniente por natureza”?
— Hum… olhando nossa foto juntas? — O sorrisinho sacana dela era praticamente um patrimônio cultural da insuportabilidade. Apontou para a tela do meu celular como se tivesse me pegado fazendo algo proibido.
— Estava apenas conferindo o tamanho do estrago. — Suspirei, bloqueando a tela e largando o celular na mesa.
— Acho que foi grande, viu… — Ela riu, claramente satisfeita.
Como ela podia ser tão insuportável?
— Veio fazer o que aqui? — Cruzei os braços, porque se eu não me segurasse, talvez jogasse um grampeador na cabeça dela.
— Pegar seu número de celular e combinar o horário do nosso almoço hoje.
Revirei os olhos.
— Vou te passar meu número porque, infelizmente, acredito ser necessário. Mas dispenso o almoço.
— Olha, só vim te avisar porque, caso contrário, seria sua mãe ou a assessoria dela te importunando. E acho que não precisamos disso. Além do mais... olha só.
Ela pegou o próprio celular com uma naturalidade irritante e, como se quisesse me provocar, exibiu a tela bloqueada. A maldita foto estampada como plano de fundo.
— A gente tem química nas fotos, não acha? — A voz dela saiu num tom arrastado, cheio de segundas intenções, enquanto se aproximava. O olhar intenso, como se estivesse me analisando, testando minha reação.
Um frio atravessou minha barriga, como se meu corpo estivesse indo contra a lógica. Merda. Me afastei antes que ela notasse.
— Não, não acho. Achei ridícula a foto.
— Os comentários dizem o contrário. — Ela sorriu como quem já sabia que tinha vencido antes mesmo de começar.
Peguei meu celular da mesa e o estendi para ela, abrindo a aba de contatos.
— Salva seu número aqui.
Ela digitou, me devolveu o celular e estendeu a mão.
— Agora o seu.
Digitei o número rapidamente no celular de Bia e devolvi o aparelho.
— Quanto ao almoço... podemos ir. Mas só depois que eu terminar algumas coisas.
— Tudo bem. Te mando mensagem confirmando a hora, amor.
Antes que eu pudesse protestar pelo “amor”, ela se inclinou e me beijou no ombro.
Eu fuzilei Bia com o olhar.
— Olha, aqui também tem gente circulando o tempo todo. Só dei esse beijo pra encenar melhor. — Ela riu, piscou para mim e saiu da sala com a leveza de quem não carrega absolutamente nenhum peso na consciência.
E eu fiquei ali, respirando fundo, tentando entender como tinha parado nesse teatro ridículo. E por que, diabos, meu corpo tinha reagido àquela aproximação.
Fim do capítulo
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