Capitulo 4
Por Bia:
Em casa, passei o resto da segunda-feira ignorando meu celular como se ele fosse um artefato amaldiçoado. Me afundei no sofá com uma série viciante, devorei quantidades absurdas de besteira e tentei, sem sucesso, fingir que minha vida não estava um caos absoluto. A exaustão física e mental me imobilizou de tal forma que, se minha casa pegasse fogo, eu provavelmente ponderaria se valia a pena levantar.
Combinei com Pietro que teria o resto do dia para pensar e daria minha resposta na terça de manhã. Não que eu estivesse realmente pensando em algo produtivo. Meu cérebro decidiu que assistir a dramas adolescentes fictícios era mais importante do que lidar com o drama real da minha existência. Prioridades.
Mas, claro, minha resistência durou até depois do banho. Enrolada no roupão, com os cabelos ainda úmidos, me joguei na cama e finalmente cedi à curiosidade maldita. Abri as redes sociais e me preparei para a avalanche de absurdos.
E, meu Deus, a internet não decepcionou.
Os comentários estavam uma mistura insana entre teorias da conspiração, surtos coletivos e puro caos:
"Bia Albuquerque e Luísa Fischer??? O casal que eu não sabia que precisava, mas que agora não vivo sem! 🔥 "
"Gente, como assim? Uma semana atrás estavam se matando e agora estão namorando? 👀🤨"
"Duvido nada que isso seja jogada de marketing, mas se for… tô comprando! 😏 "
"Eu sempre soube que a tensão entre elas naquela foto era mais que só ódio! Enemies-to-lovers are real! 💖 "
"Aposto que daqui a um mês sai um pronunciamento do tipo ‘continuamos amigas e temos respeito uma pela outra’ KKKK 📢"
"Isso tem cara de ser o casal de PR mais mal planejado da história, mas vou fingir que acredito porque shippo! 🎭 "
"Lindas, caóticas e provavelmente obrigadas a estar juntas. A fic tá pronta! ✨ "
"Rebeca tentou pegar a Bia, mas só pegou uma caroninha mesmo. 😂 "
Fã ou hater? O limite era tênue. Alguns lunáticos já tinham até feito montagens minhas com Luísa. E, vou admitir, ficamos ridiculamente lindas lado a lado. Revirei os olhos e balancei a cabeça, me repreendendo pelo pensamento.
Mas o que me pegou mesmo foi a reação geral. Se a intenção da Rebeca era me ferrar e prejudicar a Pelle Serenità, bom… ela falhou miseravelmente. A internet já tinha comprado a história do casal, sem nem precisar de um pronunciamento oficial.
E agora?
*
Praticamente uma reunião de família forçada. Era isso que a cena no escritório da Valéria parecia. Um daqueles encontros tensos em que todo mundo finge civilidade, mas que qualquer movimento em falso pode acabar em baixaria.
Luísa estava estática, com os olhos cravados em algum ponto no chão. Pietro me olhava com expectativa, como se estivesse prestes a ouvir uma sentença de morte. E Valéria? Ah, Valéria sorria. O tipo de sorriso de quem já sabe o final do jogo. O que me irritava profundamente.
— Então, Bia… O que decidiu? — Ela perguntou, modulando a voz num tom doce demais para ser real.
Cruzei os braços e soltei um suspiro. Meu teatrinho particular estava apenas começando.
— Eu aceito o relacionamento falso, mas tenho condições.
— E você acha que está no papel de fazer pedidos? — Valéria rebateu, estreitando os olhos.
— Bia… — Pietro ameaçou intervir, mas levantei a mão e ele entendeu que eu continuaria falando. Pelo menos ele aprende rápido.
— Meu contrato com a Pelle Serenità é de 6 meses. Durante esse tempo, fingirei que estou em um relacionamento com Luísa. Sairemos para eventos, posaremos para fotos, daremos aquela migalha de fanservice para sustentar o teatro. Mas para que isso dê certo, Luísa não pode me ofender e me olhar como se quisesse me afogar. — Falei de maneira firme, sem desviar o olhar.
Luísa, que até então fingia ser uma bela estátua de cera, finalmente levantou a cabeça e me encarou. A raiva queimava nos olhos dela.
Ah, então ela estava viva. Que milagre.
E eu entendia. Juro que entendia. Se eu tivesse uma mãe megera como a dela, provavelmente estaria assim ou ainda pior.
Silêncio no escritório. Valéria me observava como se estivesse decidindo se me estrangulava ou me admirava. Pietro tamborilava os dedos na mesa, impaciente. Luísa continuava me encarando com raiva, mas não dizia nada.
Finalmente, Valéria soltou um suspiro dramático e sorriu outra vez.
— Muito bem, Bia. Já conversei com Luísa ontem sobre isso e não teremos problemas. — Ela respondeu, o tom indulgente como se estivesse lidando com uma criança petulante.
Olhei de relance para Luísa. Seus olhos ainda estavam cravados em mim, mas agora havia algo a mais ali. Algo que parecia uma mistura de desafio e… curiosidade?
Interessante.
— Nesse caso, temos um acordo. — Falei, sentindo um sorrisinho malicioso surgir nos meus lábios.
Se era para brincar de namoradas, então que o show comece.
Os acontecimentos anteriores atrasaram a promo que o setor de Marketing planejou. Como resultado, na parte da tarde, estava remarcada a filmagem da entrega de brindes na movimentada Praça Aurora. Eu adoraria dizer que estava animada, mas depois das últimas 24 horas, meu humor oscilava entre "preciso de um drink" e "será que dá tempo de fugir para outro país?". Infelizmente, fugir não era uma opção.
Passei o final da manhã sendo maquiada e arrumada, enquanto uma mulher muito simpática me lembrava a cada cinco minutos para "ter cuidado ao escovar os dentes". Aparentemente, o gloss que usaram em mim custava uma fortuna.
Decidi que precisava de algo doce e gelado para sustentar minha paciência e fui ao shopping tomar um bubble tea. Mal peguei meu copo e já fui reconhecida. Um pequeno grupo de fãs se aproximou, pedindo fotos. Fui simpática, claro. Eles não tinham culpa do desastre que era minha vida.
Cheguei na Praça Aurora e, surpresa! O local estava isolado para as gravações. Mas o verdadeiro espetáculo não era a produção montada. Era Roger, o coordenador do evento, que bufava de indignação.
— Seu showzinho quase jogou tudo por água abaixo! — Ele reclamava pela décima vez, os olhos esbugalhados de frustração. — Tive que implorar para a prefeitura mudar a data da reserva!
Suspirei dramaticamente.
— Roger, querido, todo grande espetáculo tem seus contratempos. O importante é que a plateia continua assistindo, não é mesmo?
Ele me lançou um olhar fulminante, mas não conseguiu argumentar. Vitória minha.
Ao redor do espaço reservado na praça, algumas pessoas já se acumulavam, tirando fotos e gritando meu nome. Ótimo.
Seria difícil escolher apenas algumas delas para participarem da filmagem. E sinceramente? Eu esperava que Valéria tivesse aberto o bolso e garantido brindes para todo mundo ali. Se iam vender essa mentira, pelo menos podiam adoçar a boca dos fãs. Ou melhor, hidratar e perfumar a pele deles.
De repente, senti um arrepio. Aquela sensação de que alguém estava me observando. Olhei ao redor e, claro, meus olhos encontraram Luísa, parada perto da equipe de filmagem.
Ela estava impecável, como sempre. Mas havia algo nos olhos dela, algo que eu ainda não decifrava. Curiosidade? Irritação?
Respirei fundo. Se íamos interpretar esse papel, então que fosse do meu jeito.
— Oi, amor. — Falei, me aproximando dela e pegando sua mão sem aviso.
Os olhos dela se arregalaram ligeiramente antes de se tornarem duas fendas desconfiadas. Mas ela não soltou. Ah, isso ficaria interessante.
Luísa estava, como sempre, impecável. Calça flare que moldava suas pernas com perfeição, blusa de alcinha de renda que sugeria mais do que mostrava. O tipo de visual que diz "não preciso de muito para mostrar que sou gostosa", mas, ao mesmo tempo, parece tão casual que você se pega perguntando como ela consegue ser tão naturalmente deslumbrante. Ela estava linda, e isso me irritava de uma maneira que eu não queria admitir.
Mas havia algo... diferente. Algo que sempre me chamava a atenção. Sempre que eu a via, ela estava com roupas que, de uma maneira sutil, escondiam sua prótese. Como se fosse uma regra não dita, como uma peça de exibição cuidadosamente arrumada para ser vista da maneira que alguém achava mais confortável. Eu sabia que poderia ter até relação com Valéria, que com sua obsessão por controle, era capaz de qualquer coisa para preservar a imagem de "perfeição" que ela acreditava e queria passar. Mas, honestamente, isso não tirava a beleza de Luísa. Ela era linda, com ou sem a prótese. Aquilo era um fato inegável.
E tinha o cheiro. Ah, o cheiro. Eu me aproximei, sem pensar muito, apenas para respirar aquele perfume levemente doce, cítrico e envolvente que a rodeava. E, quando estava quase lá, ela se afastou bruscamente e soltou minhas mãos, como se eu fosse alguma espécie de ameaça. Não pude deixar de sorrir, mas a verdade era que o sorriso era mais para esconder o desconforto do que para ser amigável.
— Cuidado, tem câmeras em tudo quanto é lado. Não precisa ficar tão longe, eu não mordo. — Brinquei, tentando aliviar o clima, mas minha voz saiu carregada de um sarcasmo que eu não fazia questão de esconder. Eu sabia que, mais do que a câmera, ela queria mesmo era me afastar de sua zona de conforto. E, por algum motivo, isso me divertia.
— Só estou aqui porque Valéria mandou. — Ela respondeu, forçando um sorriso capenga. Definitivamente, Luísa não tinha a minha habilidade em mentir, e era quase doloroso ver a farsa estampada no rosto dela. Ela poderia ser tudo, menos uma atriz de talento.
Dei um passo em direção a ela, como se não houvesse nada mais natural, e a envolvi em um abraço apertado e senti suas mãos lentamente me tocarem. Ela sabia que não poderia me empurrar e a sensação de proximidade me fez sentir o calor do corpo dela por um instante.
— 6 meses passam rápido, mozão. — A soltei, com aquele sorriso irônico e desafiador, antes de me afastar e caminhar em direção às câmeras. Não olhei para ela, mas algo me dizia que, se eu olhasse, poderia sentir os olhos dela queimando nas minhas costas. Eu sabia que, se havia algo que Luísa fazia bem, era fuzilar alguém com o olhar, e, naquela hora, ela com certeza estava me assassinando à distância.
E mesmo assim, não consegui evitar uma pequena sensação de vitória. Se tinha algo que me divertia, era mexer com a segurança dela. Luísa podia esconder a prótese, esconder a raiva, esconder tudo o que quisesse, mas nunca conseguiria esconder completamente o quanto eu a tirava do sério.. E eu? Bem, eu estava apenas jogando o jogo da maneira que sabia fazer melhor: com sarcasmo e uma boa dose de humor.
Fim do capítulo
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MalluBlues Em: 03/11/2025 Autora da história