Capitulo 38
Lara observou o irmão e Chloe, lado a lado, enquanto se preparava para deixar o hospital. A mão de Henrique segurava firmemente a de Chloe, os ombros dele curvados em uma postura que Lara nunca tinha visto antes. Não havia necessidade de palavras entre ela e Henrique agora; o peso nos olhos dele e o alívio que parecia começar a substituí-lo eram suficientes, por enquanto. Ela sabia que os irmãos precisavam daquele momento juntos, para curar as feridas.
Com um último olhar para o quarto, Lara acenou para Chloe, que retribuiu com um sorriso fraco, mas agradecido. Lara saiu do quarto, sentindo o peso da exaustão, mas também uma leveza por não ter mais segredos.
Ao chegar em casa, a cena na cozinha de seus pais era um refúgio acolhedor. Helena já havia preparado um chá calmante, cujo aroma de camomila pairava no ar. Luís, Sophie e Elisa estavam sentados à mesa, a espera era quase palpável. Renata e Flávia tinham lhe mandado mensagem com palavras de força e acolhimento. Elas estavam hospedadas na casa de Sophie e Elisa e tiveram que ir embora por conta do horário. Já eram 3h da madrugada.
— Filha, venha, sente-se. Tome um pouco disso. — Helena disse, empurrando uma xícara fumegante para Lara.
Lara aceitou o chá, as mãos frias aquecendo-se ao redor da xícara. Ela olhou para o rosto de seus pais e da irmã, o carinho e a preocupação evidentes.
— Pai, mãe... Sophie, Elisa... Eu sinto muito por ter mentido para vocês sobre o namoro. Eu sei que foi errado. — Lara começou, a voz embargada. — Mas o que começou como uma mentira, se tornou a coisa mais real da minha vida. Eu me apaixonei pela Chloe. E ela... ela estava passando por tanta coisa sozinha. Ela fez uma cirurgia importante há três meses e meio, e desde então tem enfrentado sessões intensas de quimioterapia e radioterapia. Ela não estava de férias, estava em um processo cirúrgico e pós-operatório muito difícil, e depois iniciou o tratamento pesado. Ela escondeu tudo para não preocupar ninguém, para não sobrecarregar os pais. Eu só queria ajudá-la a passar por isso.
Luís se inclinou para frente, tocando o braço da filha.
— Não precisamos de desculpas, meu amor. O que importa é o que você disse lá no hospital. Que você ama a Chloe e sabemos que ela te ama também. Entendemos agora o peso que vocês estavam carregando sozinhas. — Helena falou, os olhos marejados.
— Sua mãe está certa. Nós vimos o amor de vocês, Lara. Nossos corações se enchem de alegria ao ver você amar e ser amada assim. A doença da Chloe é um choque, um grande desafio. Mas vocês não estão sozinhas. A Chloe tem o nosso apoio incondicional também.
— Sim! A Chloe é uma guerreira. E tem você ao lado dela. — Sophie acrescentou, com um sorriso reconfortante.
— Vocês vão passar por isso juntas.— Elisa concordou, balançando a cabeça.
— Exatamente. O importante é a união agora. — Soph concordou.
Lara sentiu as lágrimas rolarem, aliviada pela compreensão e apoio da família.
— Obrigada. Eu... eu estou com tanto medo por ela, mas ao mesmo tempo tão feliz por ter vocês.
— Você sempre pode contar com a sua família, Lara. — Seu Luiz disse.
Os pais, a irmã e a cunhada se reuniram ao redor de Lara e lhe deram um abraço coletivo. Lara sentiu tanto alívio por poder finalmente compartilhar com as pessoas que a amavam os momentos difíceis que estava passando.
— Mesmo com tudo o que aconteceu, não podemos deixar o dia do seu aniversário terminar assim. — Elisa caminhou até Lara com um pedaço de bolo e uma velinha acesa no centro. Os olhos de Lara se encheram de lágrimas novamente. Todos começaram a cantar parabéns. Ao fim, ela assoprou a vela e todos aplaudiram lhe desejando votos de saúde e sucesso.
Depois de um tempo, entre goles de chá, fatias de bolo e conversas descontraídas, Lara e Sophie subiram para o quarto de Lara, em busca de um momento a sós. A porta se fechou suavemente, criando uma bolha de privacidade. Lara se sentou na cama, e Sophie sentou-se ao lado dela, abraçando as pernas.
— Você está acabada, Larinha. — Sophie brincou, passando a mão pelos cabelos da irmã. — Mas também... parece mais leve.
Lara assentiu, um suspiro profundo escapando.
— Eu estou exausta, Soph. Mas sim, leve. Contar a verdade, mesmo que daquele jeito, foi um alívio. Mas o medo... ele ainda está aqui.
— Medo do quê, Larinha? Conte para mim. — Sophie a incentivou, seus olhos cheios de compreensão.
Pela primeira vez em meses, Lara sentiu que podia baixar a guarda completamente. As palavras começaram a fluir, um rio de emoções contidas.
— Medo de perder a Chloe, Soph. Medo do tratamento, do que está por vir. Nos últimos meses, eu vivi numa montanha-russa. O namoro falso, a culpa por estar mentindo para todos, mas ao mesmo tempo, a alegria de estar perto dela, de me apaixonar perdidamente... E depois a doença dela. Descobrir que a mulher que eu amo está lutando por sua vida, depois de tudo que ela passou... a cirurgia, o pós-operatório doloroso, quimioterapia a radioterapia que ela enfrentou e ainda enfrenta. Eu tive que ser forte por ela, por mim. Tentar ser a médica, a parceira, a amiga. Mas tem dias, Soph, que eu sinto que não vou aguentar. Sinto um desespero tão grande, uma impotência. Eu vejo o quanto ela é forte, mas a doença é traiçoeira. E se... e se não for o suficiente? E se o meu amor não for o bastante para ela passar por isso? Eu tenho medo do futuro, medo de perder a minha felicidade, o meu amor. Eu não imaginei que amar alguém pudesse ser tão... tão assustador.
Sophie ouviu em silêncio, segurando a mão de Lara com firmeza, sentindo cada palavra como se fosse sua. Quando Lara terminou, com lágrimas escorrendo pelo rosto, Sophie a puxou para um abraço apertado.
— Oh, Larinha... Meu Deus. — Ela sussurrou, a voz embargada. — Você não tem que ser forte o tempo todo. É por isso que você tem a mim, a mamãe, o papai. Nós estamos aqui para você. É natural sentir tudo isso. É o peso do amor, do medo de perder alguém que você tanto ama. Mas seu amor, Larinha, é a coisa mais bonita que eu já vi. O jeito que você olha para a Chloe, o jeito que você a defendeu lá no hospital... E você é mais que o suficiente para ela. Vocês são uma força juntas. E essa doença... vocês vão vencê-la. Juntas.
As palavras de Sophie foram um conforto para a alma de Lara. Ela se permitiu chorar nos braços da irmã, sentindo o alívio de compartilhar o fardo.
— Obrigada, Soph. Eu precisava tanto disso.
— Eu estou sempre aqui, Larinha. Sempre. — Sophie afagou as costas da irmã. — E a Chloe também. Ela te ama mais do que tudo.
Lara sentiu um calor no peito. Ela sorriu levemente, afastando-se um pouco do abraço para secar as lágrimas. Seus olhos se moveram para a barriga de Sophie. Um sorriso genuíno iluminou seu rosto.
— Ei, sobrinha. Você ouviu a mamãe? Suas tias são fortes. E você vai ter as tias mais incríveis do mundo. Já estamos te esperando, pequena. — Lara disse, acariciando a barriga de Sophie com ternura e um afeto genuíno. Era um lembrete do futuro, da vida que florescia, um contraponto à dor e ao medo.
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Na manhã seguinte, os pais de Chloe, Miguel e Beatriz, insistiram em levá-la para casa diretamente do hospital. A Dra. Márcia havia liberado Chloe, reiterando que o desmaio foi uma reação ao estresse e que a observação domiciliar seria suficiente por hora. Henrique os acompanhou, a quietude incomum em seu rosto denunciando a seriedade de seus pensamentos.
Ao chegarem ao apartamento espaçoso de Chloe, Meire, a enfermeira particular de Chloe, já estava lá. Uma figura constante e discreta no tratamento da ex-piloto, sua presença trazia um senso de normalidade e competência.
— Meire, bom dia. — Chloe cumprimentou, com um sorriso fraco. — Esses são meus pais, Miguel e Beatriz. Pai, mãe, esta é a Meire.
Miguel e Beatriz se adiantaram, visivelmente gratos.
— É um prazer, Meire. Muito obrigado por tudo que tem feito por nossa filha. — Miguel disse, estendendo a mão.
— O prazer é meu, senhor Miguel. A Chloe é uma paciente exemplar, muito dedicada. — Meire respondeu, com seu habitual profissionalismo caloroso.
Beatriz, com uma expressão preocupada, perguntou.
— Meire, como tem sido a rotina dela? Nós... nós realmente não sabíamos de nada.
Meire olhou para Chloe, que assentiu levemente, dando permissão para ela falar.
— O tratamento da Chloe é bem rigoroso, senhora Beatriz. Ela passou por uma cirurgia importante há três meses e meio, e desde então tem enfrentado sessões intensas de quimioterapia e radioterapia, que a deixam bem debilitada. Eu a assisto diariamente com a administração de medicamentos, controle de efeitos colaterais e monitoramento de sinais vitais. Nós trabalhamos para manter a força e o bem-estar dela. É uma batalha diária, de altos e baixos, mas a Chloe tem uma força de vontade impressionante. E, se me permitem dizer, a Dra. Lara tem sido fundamental nesse processo. Desde antes da minha chegada, durante a cirurgia e o pós-operatório, era a Dra. Lara quem estava ao lado da Chloe, dando todo o suporte emocional e prático. A positividade e a força que a Chloe tem para continuar o tratamento vêm muito do apoio e do amor incondicional da Dra. Lara. É algo inspirador de se ver.
Chloe assentiu.
— Tem dias que são mais difíceis que outros, mas eu aprendi a lidar. É exaustivo, sim, mas eu não desisto. E a Meire é um anjo, sem ela seria muito mais difícil.
Henrique, que estava ao lado da irmã, segurou a mão dela. Ele ouvia tudo com uma atenção que jamais tivera antes, a culpa ainda latente, mas agora misturada a uma admiração profunda pela resiliência de Chloe. Seus pais absorviam cada palavra, seus rostos contorcidos em uma mistura de remorso e amor.
— E você tem nos mantido no escuro esse tempo todo, Chloe. — Miguel disse, mas sem a raiva anterior, apenas tristeza. — Por que não nos deixou estar ao seu lado?
— Eu já disse, pai. Eu não queria que vocês sofressem. Eu achei que podia dar conta sozinha. — Chloe respondeu, sua voz ainda um pouco fraca.
— Nunca mais, filha. Nunca mais faça isso. — Beatriz, emocionada, beijou a testa da filha. — Nós vamos estar com você em cada passo a partir de agora. Não importa o que aconteça.
Nesse momento, Lara chegou, tendo vindo direto de casa para ficar com a mulher que amava. Seus olhos encontraram os de Miguel e Beatriz. O olhar deles estava mais suave, agradecidos pelo que Lara tinha feito por sua filha.
— Bom dia, senhora Beatriz, senhor Miguel. — Lara cumprimentou, com um sorriso gentil e sincero.
Miguel assentiu, sua expressão mais suave agora.
— Lara. Obrigado por tudo, minha querida.
Beatriz se aproximou, abraçando Lara.
— Obrigada por cuidar da nossa filha, Lara. E por não desistir dela. Meire nos contou sobre seu papel fundamental.
Lara retribuiu o abraço, sentindo o calor do alívio e da aceitação.
— Eu a amo. Não desistiria jamais. — Lara sorriu para Chloe, passando a mão levemente nas costas da mulher.
Enquanto a família conversava em voz baixa, Henrique se aproximou de Lara.
— Lara... podemos conversar um minuto? A sós? — Ele pediu, a voz baixa, quase um sussurro.
Lara olhou para Chloe, que assentiu, os sogros, estavam distraídos em uma conversa com Meire. Ela seguiu Henrique até a varanda do apartamento.
Henrique respirou fundo, os olhos vermelhos fixos nos dela.
— Lara, eu... eu preciso te pedir perdão. Por tudo. Pelo que eu disse na festa, pela minha reação imbecil, por ter te colocado naquela situação. Eu te ouvi dizer lá na sala de espera... sobre vocês se amarem. E eu... eu percebi o quão cego eu estava. A dor do ciúme e a sensação de estar sendo enganado me fizeram agir como um moleque. Eu me arrependo profundamente. Cada palavra que eu disse me persegue desde então. Você não faz ideia do peso que está no meu peito.
Lara o ouviu em silêncio, vendo a sinceridade em seus olhos. Não havia mais vestígios da raiva de antes.
— Rick, eu sei que você estava machucado. E você não sabia de toda a verdade. Eu entendo que tenha se sentido traído. Mas e quanto ao seu comportamento no bistrô. Parecia que queria sabotar o meu relacionamento com a sua irmã. Porque contou para a Chloe sobre a noite em que ficamos, como se fosse algo grande e importante? Você sabe que eu nem lembro de nada. Pra mim é como se isso nunca tivesse acontecido, eu estava fragilizada e bêbada.
Lara não queria ser cruel, mas tinha que ser direta. Para que Henrique entendesse que entre eles nada, jamais aconteceria.
— Eu não queria ter segredos com a minha irmã.
— Eu não entendo, você não pensou por um segundo que isso poderia machucar a Chloe?
— Na hora, eu só achei que era a coisa certa a se fazer, mas depois, percebi que tinha cometido um erro. Fui um completo egoísta. Sinto muito.
— Eu espero que você esteja arrependido mesmo, porque eu e a Chloe estamos juntas. Então você precisa encontrar uma forma de superar os seus conflitos internos se quiser continuar sendo o meu amigo.
— Tudo bem, Lara. Tudo o que eu quero agora é que a Chloe se recupere. Ver você e a Chloe juntas, o amor que existe entre vocês, o cuidado que você tem com ela... Não existe ninguém mais gentil, mais forte, mais perfeita para cuidar da minha irmã do que você. E eu... eu estou feliz por isso. De verdade. Eu juro, Lara, eu vou seguir em frente. Eu preciso. Eu quero que vocês sejam felizes. Eu só quero que a Chloe fique bem. E eu vou estar lá para ela, sem mais confusões da minha parte. Não como um obstáculo, mas como um irmão que finalmente entendeu.
Lara sentiu um nó na garganta. As palavras de Henrique eram um alívio inesperado, um fechamento para uma tensão que se arrastava há muito tempo.
— Rick, obrigada por isso. Significa muito para mim. E para a Chloe. Eu acredito em você. De verdade. E eu estou feliz por ter você ao nosso lado nessa. Sua irmã precisa de você. Por favor, podemos não falar mais nesse assunto? Espero que dessa vez tenha ficado tudo esclarecido.
— Está mais do que esclarecido. Me desculpa.
Lara assentiu e os dois voltaram para perto de Chloe.
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Mais tarde, no apartamento de Chloe, a movimentação foi diminuindo. Os pais de Chloe se certificaram de que tudo estava perfeito para seu conforto e prometeram voltar em breve. Meire, depois de organizar tudo e dar as últimas instruções, se despediu. Henrique, depois de um último aceno para a irmã, também foi embora com um semblante mais leve. Finalmente, Lara e Chloe ficaram sozinhas. A casa estava silenciosa, apenas o som suave da respiração de Chloe enchendo o ar.
Chloe, deitada no sofá com Lara sentada ao seu lado, de repente quebrou o silêncio.
— Lara... — Ela começou, a voz fraca, mas carregada de emoção. — Eu preciso te pedir desculpas. Por tudo. Por ter feito você acobertar a minha mentira por tanto tempo. Eu te arrastei para tudo isso.
Lara apertou a mão de Chloe, inclinando-se para beijar sua testa.
— Shhh... Chloe. Eu queria. Eu escolhi estar lá, ao seu lado. Eu queria te proteger, te ajudar. Eu não estou magoada, meu amor. Eu nunca estive. O que eu senti por você, o que eu sinto agora, é muito maior do que qualquer mentira que precisou ser contada. Eu entendo seus motivos. E não estou nem um pouco magoada pelo fato de você ter usado o namoro para distrair os seus pais da doença. Foi uma forma que você encontrou para lidar com a dor e com o medo.
Chloe olhou para ela, os olhos marejados de gratidão.
— Você é incrível, Lara. Eu te amo
— Eu te amo, meu amor. Estou aqui e não vou a lugar nenhum. — Lara sussurrou, acariciando o rosto de Chloe. — Nós passamos por essa tempestade juntas. E agora, as coisas serão diferentes. Serão reais. Serão sobre nós. E sobre você se curar.
Chloe se aninhou no abraço de Lara, sentindo o calor reconfortante e o amor incondicional que a envolvia. Pela primeira vez em muito tempo, ela se sentiu verdadeiramente segura, não apenas fisicamente, mas emocionalmente. A luz suave da tarde entrava pela janela, iluminando o quarto, enquanto elas se mantinham abraçadas, sentindo que, finalmente, a vida começava a dar a elas um novo, e real, começo.
Fim do capítulo
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