Capitulo 37
O grito de Lara cortou o ar da festa. O corpo inerte de Chloe em seus braços era um peso gelado, um contraste brutal com a energia que preenchia o ambiente segundos antes. A música morreu na caixa de som, substituída por um silêncio atordoado, que logo se transformou em burburinhos apavorados. Luís, o pai de Lara, foi o primeiro a se aproximar, com Helena logo atrás, o rosto contorcido em preocupação.
— O que houve, filha? Ela está bem? — Luís perguntou, a voz rouca.
Lara mal conseguiu processar as perguntas. Seu foco estava em Chloe. Seu instinto médico assumiu o controle, sobressaindo o pânico pessoal. Ela checou o pulso de Chloe, rápido e fraco.
— Ela desmaiou. Precisamos levá-la ao hospital agora! É uma emergência! Alguém chame uma ambulância! — Sua voz soou firme, apesar do tremor nas mãos.
Miguel, ainda pálido e em choque pela revelação do câncer, finalmente se moveu, seus olhos fixos na filha inanimada. Beatriz estava ao seu lado, tremendo, incapaz de proferir uma palavra. Henrique, com o copo estilhaçado aos pés, viu o desespero de Lara e a palidez mortal de Chloe. A culpa o atingiu como um raio, esmagadora. Ele tentou se aproximar, mas as pernas vacilaram.
Sophie e Elisa se aproximaram rapidamente, os olhos arregalados.
— O que fazemos, Lara? — Sophie perguntou, já com o celular na mão, discando.
— Não podemos esperar pela ambulância. É mais rápido se formos no meu carro. Pai, por favor, ajude a levar a Chloe. Miguel, Beatriz, vocês vêm conosco. — Lara ditou as ordens, a mente trabalhando a mil por hora.
Com a ajuda de Luís, que se recompôs rapidamente para ajudar a filha, eles moveram Chloe com cuidado para o carro de Lara. Beatriz entrou no banco da frente e Miguel foi com Chloe e Luiz no banco de trás. Enquanto Sophie e Elisa prometiam segui-los em outro carro com Helena. Henrique permaneceu imóvel por um instante, mas Matheus, percebendo o estado dele, colocou a mão em seu ombro.
— Vamos, Rick. Eu te levo. Ela vai precisar de você lá. — Matheus disse, suavemente, guiando Henrique para seu próprio carro.
Flávia e Renata ficaram para despedir os convidados. Elas estavam apreensivas por Chloe e chocadas com tantas revelações. Mas faria de tudo para ajudar a família que tanto significava para elas.
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A viagem até o hospital foi uma corrida contra o tempo. Lara dirigia com uma precisão assustadora, ignorando semáforos e limites de velocidade, seu olhar fixo na estrada, mas sua mente focada na respiração de Chloe. Miguel e Beatriz estavam em silêncio, o choque ainda fresco, alternando olhares entre o rosto inerte da filha e o perfil determinado de Lara.
Ao chegarem ao hospital, Lara gritou por ajuda e a equipe de emergência agiu rapidamente. Chloe foi imediatamente colocada em uma maca e levada para dentro. Lara os acompanhou até a porta da sala de emergência, mas uma enfermeira a impediu de entrar, indicando a sala de espera. Lara, como residente de ginecologia, entendia os protocolos, mas a impotência de não poder estar ali como médica a corroía por dentro.
Na sala de espera, o silêncio era ensurdecedor, quebrado apenas pelos murmúrios ansiosos de Sophie e Elisa, que haviam chegado logo em seguida. Miguel e Beatriz estavam sentados lado a lado, as mãos dadas, os rostos contraídos de angústia. Luís e Helena se sentaram em frente a eles, os olhos fixos na porta da emergência, sentindo a dor dos pais de Chloe como se fosse sua.
Lara andava de um lado para o outro, as mãos apertando os braços, a cada segundo mais tensa. Ela sabia que a Dra. Márcia seria acionada, mas a espera era agonizante.
Sophie, visivelmente preocupada, quebrou o silêncio.
— A Chloe vai ficar bem, né, Lara?
Lara parou de andar, respirando fundo para controlar a voz.
— Eu não sei, Soph. O desmaio pode ter sido estresse, mas com o histórico dela... precisamos esperar a Dra. Márcia e a equipe da emergência.
Beatriz, com a voz embargada, olhou para Lara.
— Você sabia, não é? Sobre o câncer dela.
Lara assentiu, sentindo o peso da revelação pública.
— Sim. Comecei a suspeitar quando a vi visitar frequentemente a ala de oncologia. Mas teve um dia que ela passou mal na minha frente e a socorri. Então ela me contou o que eu já imaginava.
Miguel, pela primeira vez desde que Chloe desmaiou, ergueu o olhar para Lara, uma mistura de dor e remorso nos seus olhos.
— Por que ela escondeu isso de nós, Lara? Por que você a ajudou a esconder? E esse namoro? É verdade que foi tudo uma farsa?
Lara respirou fundo, olhando diretamente nos olhos de Miguel, sua voz firme apesar do nó na garganta. Henrique, que havia chegado com Matheus, estava sentado no canto, mas seus ouvidos estavam atentos a cada palavra. Lara não sabia o que pensar da atitude do amigo, ela sempre o considerou muito.
— O namoro... sim, ele começou como uma farsa. Queríamos acalmar vocês. — Ela olhou para os seus pais e os de Chloe. — Mas a Chloe precisava de uma distração para vocês, para que não focassem na doença dela. Depois que descobri, ela me pediu segredo. Ela temia a reação de vocês, o sofrimento que isso lhes causaria, ela não suportava a ideia de ver pena nos olhos de vocês. E eu... eu aceitei ajudar. Mas o que começou como uma mentira, cresceu. Nós nos apaixonamos de verdade. Nos amamos. O que vocês viram na festa, o carinho, o cuidado, é real. Eu amo a Chloe.
Henrique ergueu a cabeça, o rosto pálido, absorvendo as palavras de Lara. A confissão de amor, dita com tanta convicção, perfurou sua raiva e ciúme, deixando um rastro de vergonha e arrependimento ainda mais profundos.
Helena, a mãe de Lara, tocou a mão de Miguel.
— Miguel, Chloe fez isso por amor a vocês. Ela é uma pessoa forte, mas carregar um peso desses sozinha é demais para qualquer um.
Luís, por sua vez, abraçou Beatriz.
— Ela é uma guerreira. Mas até os guerreiros precisam de apoio. Agora é o momento de vocês se unirem para que ela sinta esse apoio.
Lara continuou, a voz suave, mas firme, direcionando-se aos pais de Chloe.
— O tratamento dela é complexo, mas ela tem lutado com uma força incrível. Provavelmente, o que aconteceu na festa foi um pico de estresse. Ela se sentiu exposta, acuada. Mas ela está lutando e vencendo a cada dia.
Aquelas palavras trouxeram um fio de alívio à sala de espera, mas a tensão ainda era palpável. Miguel e Beatriz se olharam, a raiva inicial cedendo espaço a uma profunda tristeza e culpa. Culpa por não terem percebido o sofrimento da filha, culpa por terem colocado tantas expectativas sobre ela.
Matheus e Henrique estavam na sala de espera. Henrique estava pálido, os olhos e inchados, evitando o olhar de todos. Ele se sentou em um canto afastado, a cabeça baixa, as mãos apertando os joelhos. Matheus sentou-se ao lado dele, colocando uma mão em seu ombro.
— Ei. Ela vai ficar bem, cara. — Matheus sussurrou, a voz calma.
Henrique balançou a cabeça, sem levantar o olhar.
— Foi culpa minha, Matheus. Eu a forcei a isso. Eu... eu a expus. Eu sou um idiota. E agora... agora eu sei que a Lara realmente a ama. Eu sou um monstro.
— Não foi culpa sua, Rick. Você não sabia da doença. Ninguém sabia. — Matheus tentou tranquilizá-lo, sua voz um murmúrio constante e gentil. — Você agiu por impulso, por dor. E sim, foi um erro expor a Chloe daquele jeito, mas... a verdade tinha que vir à tona uma hora ou outra. Às vezes, as coisas mais importantes são reveladas da forma mais dolorosa.
— Mas não assim! Não no aniversário da Lara! E com nosso sabendo que ela tem câncer! Eu só queria... eu estava raiva de ver a minha irmã me enganando. Fui um egoísta. — Henrique apertou os punhos.
— Você não é um monstro, Rick. Você é humano. Você cometeu um erro, e agora precisa aprender com ele. A Chloe vai precisar de você agora mais do que nunca. Ela te ama, mesmo depois de tudo. E a Lara... ela também entende. Foque em apoiá-la, em estar presente. Isso é o que importa. — Matheus apertou o ombro de Henrique. — Fique calmo. Ela vai sair dessa. E vocês vão se acertar. Vai dar tudo certo.
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Alguns minutos depois, a porta da emergência se abriu e a Dra. Márcia apareceu com um sorriso tranquilizador.
— Familiares de Chloe Müller?
Todos se levantaram em uníssono.
— Como ela está, doutora? — Miguel perguntou, dando um passo à frente, sua voz cheia de esperança.
— A Chloe está bem. — A Dra. Márcia confirmou, com um tom de voz calmo e profissional. — Foi um desmaio causado por estresse extremo. Não há qualquer indício de regressão em seu tratamento oncológico. Os exames iniciais estão bons, e ela já está recuperando a consciência. Queremos mantê-la em observação por algumas horas, apenas para garantir.
Um suspiro coletivo de alívio preencheu a sala. As lágrimas, antes de angústia, agora eram de gratidão. Miguel e Beatriz se abraçaram, aliviados.
— Podemos vê-la? — Beatriz perguntou, a voz ainda rouca.
— Sim. Um de cada vez. Por favor, mantenham a calma para não sobrecarregá-la.
Primeiro, os pais de Chloe entraram no quarto. Miguel, ainda abalado, aproximou-se da cama, a voz embargada.
— Filha... meu amor. — Ele segurou a mão de Chloe, que estava pálida, mas acordada. — Por que você não nos contou? Por que escondeu isso de nós?
Chloe, com a voz fraca, olhou para o pai, os olhos cheios de lágrimas.
— Eu... eu não queria preocupar vocês, pai. Eu queria ser forte sozinha. Eu... eu sempre senti que tinha que ser perfeita para vocês. Resolver tudo sozinha.
Miguel apertou a mão da filha, seus próprios olhos marejados. Ele se sentou na beirada da cama, a voz embargada pela culpa e pelo reconhecimento.
— Meu amor, eu... eu sinto muito se te fiz sentir isso. Se de alguma forma, eu te pressionei a ser alguém que não precisava ser. Eu sinto muito por ter colocado esse peso em você. Nós só queríamos o seu bem, sua felicidade. Mas eu vejo agora o quanto você sofreu em silêncio por causa disso. Me perdoa, Chloe. Me perdoa por te fazer pensar que você tinha que ser perfeita para nós.
Beatriz se aproximou, chorando, e acariciou o cabelo da filha.
— Chloe, meu bebê. Nós somos sua família. Nós estamos aqui para você. Não importa o que aconteça. Você não precisa carregar esse peso sozinha. Nós vamos enfrentar isso juntos a partir de agora.
— Me desculpa. — Chloe murmurou, as lágrimas escorrendo pelo rosto, sentindo um peso enorme ser tirado de seus ombros.
Quando chegou a vez de Lara, ela entrou no quarto. Chloe estava um pouco melhor, os olhos a encarando com uma mistura de gratidão e culpa.
— Lara... — A voz de Chloe era um sussurro fraco.
Lara se aproximou da cama, pegando a mão de Chloe com carinho.
— Shhh... Não diga nada, meu amor. Você me assustou muito.
— Me desculpa. — Chloe murmurou, as lágrimas brotando novamente. — Eu não queria estragar o seu aniversário, não queria que soubessem assim.
— Eu sei. — Lara apertou a mão dela. — Mas agora eles sabem. E o mais importante... Eu disse a eles que o que começou como algo para ajudar, para acalmar as coisas, se transformou em algo muito maior, muito mais real. Eu disse a eles que eu te amo, Chloe. E eu disse isso na frente do Henrique. Eles viram isso. Nós vamos enfrentar isso juntos. Todos nós. Sua família. Minha família. Nossos amigos. Você não está sozinha nessa luta.
Chloe abriu um pequeno sorriso, apesar das lágrimas.
— Você disse? Na frente dele? — Havia um misto de surpresa e amor em sua voz. — Eu te amo tanto, Lara. Você é tão corajosa. Me desculpa por ter usado o nosso namoro com distração para a minha doença.
— Estamos bem agora, não se preocupe. O importante é você ficar boa e voltar para casa, para mim. — Lara deu um selinho cheio de intensidade em Chloe.
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Miguel e Beatriz estavam indo para casa a pedido de Chloe, mas na manhã seguinte voltariam para levar a filha para casa. Queria ficar a par de tudo sobre o seu tratamento. Miguel viu Henrique sentado no canto.
— Filho, precisamos conversar. Em casa. — Miguel disse, sua voz um pouco mais suave, mas ainda firme.
Henrique finalmente ergueu a cabeça, os olhos vermelhos e cheios de lágrimas. Ele se levantou, mas balançou a cabeça.
— Não, pai. Eu... eu quero falar com a Chloe primeiro. Agora. Por favor.
Miguel hesitou por um momento, olhando para Beatriz, que assentiu levemente. Eles entenderam a urgência no olhar do filho.
— Tudo bem, Rick. Mas não demore e seja delicado. Ela precisa descansar. — Miguel concordou, com um suspiro pesado. Ele e Beatriz, acompanhados por Luís e Helena, seguiram para fora, deixando Sophie e Elisa na sala de espera, que se aproximaram para conversar com Matheus. O amigos estavam ali para apoiar e acompanhar Lara.
Henrique caminhou lentamente até o quarto de Chloe. Ao entrar, a irmã estava sentada na cama, sendo monitorada por aparelhos, mas com um semblante mais tranquilo depois das visitas dos pais e de Lara. A médica ainda estava com Chloe, mas deixou o quarto quando percebeu a presença de Henrique.
— Chloe... — A voz de Henrique era um sussurro quebrado, carregado de dor e vergonha. Ele se aproximou da cama, os olhos fixos nos dela. — Eu... eu sinto tanto. Eu não tenho palavras para o quanto sinto muito por ter feito isso. Eu não sabia... eu juro que não sabia sobre o câncer.
Chloe olhou para o irmão, e embora a dor da exposição ainda estivesse ali, ela viu a angústia genuína em seu rosto.
— Eu sei que não sabia, Rick. Eu não contei a ninguém. — Ela estendeu uma mão fraca para ele.
Henrique segurou a mão dela com as duas, apertando-a suavemente. As lágrimas escorriam livremente pelo seu rosto.
— Eu estava com tanta raiva, Chloe. Com dor de cotovelo. E me senti enganado. Eu ouvi a Lara dizer que era um "namoro falso" e... eu perdi o controle. Eu me senti traído. Eu sempre tive tanto orgulho de você, da nossa família. Ver você escondendo algo tão grande... eu não soube lidar. Eu fui um completo imbecil. Me perdoa, Chloe. Por favor, me perdoa.
Chloe puxou a mão dele para perto do rosto, acariciando-a com o polegar.
— Rick... eu entendo. Eu entendo a sua raiva. Eu demorei demais para ser honesta com todos. Para ser honesta comigo mesma. Eu sei que você reagiu por dor, por se sentir excluído. E a culpa é minha por ter mantido isso em segredo. Você sempre foi meu irmão mais novo, sempre se preocupou tanto comigo. Eu queria te poupar. Queria poupar nossos pais. Mas eu percebi que o fardo de carregar esse segredo sozinha é muito pesado.
— Mas não era para você ter que passar por isso. Não era para eu ter te empurrado para essa situação. — Henrique chorou, a cabeça baixa sobre a mão dela. — Eu deveria ter sido um irmão melhor. Mais atento. Eu devia ter percebido.
— Shhh... Não diga isso. Você é um bom irmão, Rick. Sempre foi. E você não podia ter percebido algo que eu estava escondendo de todos. Ninguém podia. — Chloe ergueu a cabeça dele suavemente. — O que importa é que agora a verdade está aí. E, por mais doloroso que tenha sido, talvez... talvez fosse a única forma de nos unir de verdade. De que todos soubessem.
Henrique olhou nos olhos da irmã, sua dor um pouco suavizada pela compaixão dela.
— Eu não quero mais te ver sofrendo sozinha. Eu não quero mais que você sinta que precisa ser perfeita para nós. Eu... eu quero te ajudar. De verdade.
— Eu sei, Rick. E eu quero que você esteja comigo nessa. Com a nossa família. Nós vamos enfrentar isso juntos. — Chloe apertou a mão dele, um sorriso fraco, mas sincero, surgindo em seus lábios. — Eu te amo, irmão.
— Eu também te amo, Chloe. Muito. — Henrique, aliviado, abraçou a irmã com cuidado, um abraço cheio de arrependimento e um novo começo.
A redenção de Henrique, amarga e necessária, havia se consumado. A família Müller, fragmentada por segredos e expectativas, começava a se reconstruir, tijolo por tijolo, sobre uma base de verdade e vulnerabilidade compartilhada. A festa de aniversário havia terminado em caos, mas talvez, apenas talvez, fosse o começo de uma verdadeira cura para todos eles.
Fim do capítulo
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