Capitulo 30
A sala de espera do consultório da Dra. Márcia em São Paulo estava mais tranquila do que Chloe esperava, um raro momento de silêncio que, paradoxalmente, amplificava a ansiedade em seu peito. Fazer sessenta dias de pós-operatório havia sido um desafio, com dores, fraquezas e a montanha-russa emocional dos tratamentos. Mas Chloe estava ali, com uma esperança renovada de que ela ficaria bem. A confiança e o otimismo de Lara começavam a passar para ela. Era difícil não se contagiar pela bela mulher que lhe ensinava a ver a vida de uma outra forma. Apesar da doença ter endurecido mais ainda o seu coração, antes Chloe já não era uma pessoa sociável ou leve. Ela estava sempre preocupada em ter sucesso. Seu objetivo de vida sempre foi ser bem-sucedida para mostrar aos seus pais que ela podia tomar conta de si, mas Chloe aprendeu que a vida era frágil e podia mudar em poucos segundos. Seu único objetivo agora era ter saúde novamente, para que ela pudesse amar Lara.
A porta se abriu e a enfermeira chamou.
— Chloe Müller? A Dra. Márcia está à espera.
Chloe levantou-se, sentindo a pontada habitual da cirurgia, mas com uma determinação que a impulsionava.
Dentro do consultório, a Dra. Márcia aguardava, um sorriso genuíno iluminando seu rosto. Ela era uma médica que irradiava confiança e empatia.
— Chloe! Que bom vê-la. Sente-se, por favor. — Dra. Márcia indicou a cadeira em frente à sua mesa, onde já estavam os prontuários e exames.
Chloe sentou-se, um nervosismo contido em sua postura ereta.— Como estamos hoje, Chloe?
A médica perguntou, seus olhos avaliando a paciente com um olhar acolhedor.
— Ainda tenho muitos efeitos colaterais das terapias, mas sobre a cirurgia, sinto que estou progredindo, Dra. Márcia. — Chloe respondeu.
Dra. Márcia pegou uma pilha de exames, os olhos percorrendo os relatórios com satisfação.
— Sei que essa fase é complicada. Mas sua recuperação está sendo boa. Seus exames mostram a sua melhora. Para o momento, consideramos que você está progredindo conforme o esperado e respondendo ao tratamento.
Um suspiro audível escapou dos lábios de Chloe. Ela sentiu uma pontada no peito, uma mistura de alegria e gratidão.
— A cicatrização da cirurgia está muito boa. — Dra. Márcia continuou, puxando um monitor e mostrando imagens detalhadas. — O processo de recuperação interna foi muito rápido, o que nos deixa extremamente otimistas.
— Fico muito feliz Dra. — Chloe conseguiu murmurar, um sorriso trêmulo surgindo em seus lábios.
— Agora, vamos falar sobre os próximos passos e o que você pode voltar a fazer. — Dra. Márcia pegou uma caneta. — Primeiro, a dieta. Podemos começar a introduzir alimentos mais sólidos. Pequenas porções, mastigando bem, e evitando alimentos muito gordurosos, picantes ou com fibras grosseiras. Nada de exageros, mas você já pode começar a saborear uma comida mais próxima do que conhece. Em pequenas quantidades divididas em várias refeições. Converse com a nutricionista, ela já está com o seu novo cronograma alimentar e vai tirar as suas dúvidas.
Chloe sorriu, um sorriso genuíno desta vez, imaginando o sabor de algo que não fosse purê.
— Comida de verdade!
— Exatamente! — Dra. Márcia riu. — Segundo, na fisioterapia, vamos focar na recuperação funcional e na prevenção de complicações. Isso inclui exercícios de mobilidade, fortalecimento muscular, exercícios respiratórios e reabilitação postural
— E o trabalho na empresa do meu pai? Eu posso voltar para o administrativo? — Chloe perguntou, a voz ansiosa.
Dra. Márcia olhou para ela, um brilho de compreensão nos olhos.
— Ótima pergunta. Sim, Chloe, você tem luz verde para retornar às suas atividades administrativas na empresa do seu pai, desde que seja um retorno gradual e sem excessos de estresse físico ou mental. Comece com meio período ou tarefas mais leves. Sua saúde ainda é a prioridade. Tentei escutar o seu corpo e perceber quando ele pede por descanso.
Chloe acenou com a cabeça, a imagem de sua mesa no escritório e os relatórios a esperando já preenchendo sua mente. Mesmo que não fosse a sua carreira dos sonhos, naquele momento era um grande alívio voltar a ocupar a mente com coisas normais.
— E sobre... voltar a pilotar? — Chloe se arriscou, sabendo que essa era a questão mais sensível.
Dra. Márcia ponderou.
— Ainda não, Chloe. Você ainda estará em tratamento ativo de quimioterapia e radioterapia pelos próximos meses. A quimio causa fadiga, e a radioterapia, embora localizada, também exige energia do seu corpo. Pilotar um avião exige cem por cento de sua atenção, reflexos e um estado físico impecável. Seria irresponsabilidade.
Chloe sentiu um leve desapontamento, mas ela já sabia que para voltar a pilotar precisaria entrar na fase de remissão. Um passo de cada vez, pensou.
— Entendo.
— Mas não é um "não" definitivo. — A Dra. Márcia apressou-se em dizer, percebendo a desilusão de Chloe. — Assim que seus tratamentos terminarem e você estiver completamente recuperada, faremos uma avaliação completa. Testes físicos, psicológicos, exames específicos... Tudo será analisado para garantir sua segurança e a dos passageiros. Tenho certeza de que, com sua determinação, você tem grandes chances de voltar a pilotar. Será uma jornada, mas você já provou ser capaz de enfrentar grandes desafios.
Chloe assentiu, ela sabia que a Dra estava sendo otimista.
— O tratamento de quimioterapia e radioterapia continuará pelos próximos meses, para eliminar qualquer indicador tumoral. — Dra. Márcia advertiu, com um tom mais sério. — E a crioterapia também. Seguiremos o cronograma que já estabelecemos. O acompanhamento regular com exames e consultas é crucial. Ainda estamos em alerta para possíveis complicações da cirurgia.
Chloe absorvia cada palavra, apesar de ser uma pequena parte de um todo, pelo menos ela estava progredindo. A conversa prosseguiu com orientações gerais, até que a Dra. Márcia encerrou, fechando o prontuário.
— Mais alguma dúvida, Chloe? —
Chloe hesitou. Seus olhos se moveram nervosamente, e um rubor sutil subiu ao pescoço. Ela pigarreou, sem saber como formular a pergunta.
— Dra. Márcia, uhm... eu sei que é um pouco... particular, mas... — Chloe gaguejou, o rosto queimando, seus olhos desviando. — Em relação a... atividades físicas mais... íntimas? Há alguma restrição ainda? Ou... quando...
Dra. Márcia inclinou a cabeça, um sorriso divertido surgindo em seus lábios. Ela era uma médica experiente, e esse tipo de pergunta era comum em recuperações.
— Ah, entendi, Chloe. A vida sexual. Excelente pergunta, e muito pertinente! — A médica sorriu para Chloe. — Que bom que você se sente confortável para perguntar. É sinal de que a vida está voltando ao normal, não é mesmo? E a resposta é: sim, você já pode voltar a ter relações sexuais.
Chloe soltou um suspiro de alívio, sentindo o calor do rubor diminuir. Um pequeno sorriso se formou em seus lábios.
— No entanto — Dra. Márcia continuou, com um tom mais leve, mas profissional — Eu sempre recomendo que se comece com gentileza. Ouça seu corpo e converse com a sua parceira. Vá com calma no início. Sem exageros, sem pressão direta sobre o abdômen por enquanto. Mas, do ponto de vista médico, você está liberada, Chloe. Sem impedimentos.
— Obrigada, Dra. Márcia. — Chloe conseguiu dizer, sentindo-se um pouco constrangida, mas aliviada.
A consulta terminou com uma sensação de renovação. Chloe saiu do consultório, a mão em seu peito, não mais pela dor, mas pela agitação de uma nova esperança e a perspectiva de uma intimidade que não via a hora de retomar. A vida, com suas complexidades e seus prazeres, estava se abrindo novamente. E ela não via a hora de recomeçar a ser independente e útil.
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De volta ao apartamento um leve e bem-vindo cheiro de comida fresca pairava no ar. Meire provavelmente já estava preparando o jantar, seguindo as novas orientações de dieta que Chloe tinha lhe mandado por mensagem. Chloe depositou a bolsa sobre a mesa da sala, ainda processando as palavras da Dra. Márcia. Um sorriso quase imperceptível tocou seus lábios. Lara ficaria feliz quando lhe contasse, durante o seu tempo juntas naquela noite.
Chloe respirou fundo. Havia algo que precisava fazer, algo que não podia esperar. Pegou o celular e discou o número do pai. Era hora de oficializar o retorno ao trabalho.
A chamada tocou algumas vezes antes de ser atendida.
Chloe: Pai? Tudo bem por aí?
Miguel: Chloe! Finalmente uma ligação. Tudo bem por aqui, e com você? A viagem terminou? Já voltou para São Paulo?
Chloe fechou os olhos por um instante, controlando a pontada de nervosismo e a culpa. Mas ela nunca conseguiria decepcionar o seu pai. Lembrava muito bem de como tinha sido quando ela recebeu o diagnóstico da doença.
Chloe: Sim, pai, cheguei agora há pouco. A viagem foi... revigorante. Exatamente o que eu precisava. Mas, uhm, eu liguei na verdade para conversar sobre o trabalho.
Miguel: Ah, o trabalho. E então? Sentindo-se pronta para retomar? (O tom dele era mais receptivo, sempre voltado para os negócios).
Chloe: Sim, pai. Sinto que já estou bem para voltar ao ritmo. Pensei que talvez pudesse começar com meio período, presencialmente, sabe? E o resto do dia, se precisar de algo, eu faria home office. O que acha?
Houve uma pequena pausa. Chloe podia imaginar o pai avaliando a proposta, a testa franzida.
Miguel: Meio período presencial... Aconteceu alguma coisa durante a viagem?
Chloe sabia que o pai a questionaria, ela sempre era a primeira e a última a estar na empresa desde que começou.
Chloe: Só quero ter um pouco mais de tempo para mim e para o meu relacionamento.
Miguel: Claro querida. (Chloe sabia que se falasse de Lara o coração do pai amoleceria). Como está a Lara? Vocês já se encontraram?
Chloe: Vamos jantar juntas mais tarde.
Miguel: Isso é ótimo filha, talvez agora vocês comecem a pensar no próximo passo para a relação.
Chloe: Pai! Já conversamos sobre ir com calma.
Miguel: Tudo bem, Chloe. Mas ainda vamos voltar nesse assunto. É bom ter você de volta em casa. Sua mãe está com saudade, quer marcar uma visita, o que acha de irmos aí amanhã? Podemos almoçar juntos.
O coração de Chloe disparou. O suor frio começou a escorrer pelas suas costas. Uma visita? Era exatamente o que ela não podia permitir. Seu apartamento estava repleto de dicas sobre a sua atual condição, seria uma tragédia. Ela já tinha que pensar em alguma forma de disfarçar as mudanças físicas no seu corpo para voltar à empresa. Seria muito para lidar, ter os seus pais em seu apartamento.
Chloe: Oh, pai, isso é... é uma ótima ideia! Mas... amanhã vai ser um pouco complicado, na verdade.
Miguel: Complicado? Por quê? (O tom de seu pai ficou mais seco).
Chloe: É que a Lara... me convidou para um passeio. (Chloe tentou soar o mais natural possível, com uma ponta de entusiasmo forçado). Queremos aproveitar para passear pela cidade e ter um tempo só nosso. Entende?
Ela forçou uma risada leve, sentindo a mentira e a necessidade de usar Lara como escudo apertarem sua garganta.
Miguel: A Lara realmente fisgou você, querida. (A voz do pai soou ligeiramente mais divertida, mas ainda com a nuance de controle). Vou avisar a sua mãe. Mas não deixe de nos visitar assim que possível. Te vejo na empresa.
Chloe: Sim, pai. Até logo.
Chloe apressou-se em responder, tentando soar convincente, ela desligou a chamada antes que o pai entrasse em um novo assunto. Respirando fundo, sentindo o peito apertado. O alívio da consulta médica se dissipara rapidamente, substituído pelo peso da mentira. Olhou para o celular em sua mão. Como ela iria continuar com isso? O preço da sua independência, da sua imagem de força, parecia cada vez mais alto. O que seria de Lara no meio de tudo isso? Ela sabia que Lara estava sendo paciente e compreensiva, e usar a mais nova como desculpa para seus pais, mesmo que indiretamente, a fazia sentir um incômodo crescente.
Fim do capítulo
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Raquel Santiago Em: 07/10/2025 Autora da história
Por isso, ela não quis contar para eles.