Capitulo 28
O quarto do hospital, que fora palco de tantos dias de dor e inércia, finalmente abria suas portas para a liberdade. Meire, a enfermeira de 50 anos com um sorriso tranquilizador e olhos experientes, ajudava Chloe a vestir uma roupa confortável e a organizar os poucos pertences. Chloe, ainda pálida e com os movimentos cautelosos, sentia uma mistura de alívio por deixar o ambiente hospitalar e uma pontada de melancolia pela ausência que sentia. A noite tinha sido longa, Chloe já estava acostumada com a presença de Lara.
Acomodada na cadeira de rodas que Meire havia providenciado, Chloe apertou o Senhor Lontra em seu colo. A pelúcia macia era um consolo estranho, um substituto fofo para a presença que desejava. Sua mente, no entanto, estava fixada na discussão com Lara. Ela sentia falta da médica, da sua voz suave, dos seus toques firmes e reconfortantes. Mas a decisão de contratar Meire, embora a tivesse magoado, ainda lhe parecia a mais sensata. Chloe não queria afastar Lara, mas também precisava que a mais nova se focasse em suas próprias coisas e não somente nela.
"Lara precisa de tempo para si", pensou Chloe, enquanto Meire a guiava para fora do quarto. "Não posso ser um fardo. É o melhor para ela." A racionalização era convincente, mas o vazio em seu peito falava mais alto. Havia um pequeno arrependimento por ter sido tão direta, mas seu orgulho ainda sussurrava que estava agindo de forma altruísta.
No carro de Chloe, o silêncio era pontuado apenas pelo suave zumbido do motor e a música suave que Meire tinha colocado. Chloe observava a paisagem urbana de São Paulo passando pela janela, o Senhor Lontra ainda em seu colo. A cada rua que se aproximava de seu apartamento, a ansiedade aumentava. Como seria estar em casa sem Lara? Elas tinham ficado bem próximas no último mês.
Ao entrarem no prédio e depois no apartamento, Chloe sentiu um arrepio familiar que não tinha nada a ver com o ar-condicionado. Um aroma sutil e doce, o perfume característico de Lara, pairava no ar. Seus olhos vasculharam o ambiente. Meire, percebendo a quietude da paciente, seguiu para a cozinha para organizar algumas coisas.
Chloe caminhou lentamente para seu quarto, ainda segurando o Senhor Lontra. Ao entrar, um sorriso suave se formou em seus lábios. Sua cama estava impecavelmente arrumada, com almofadas extras e cobertores macios, dispostos de uma forma que lembrava o cuidado e o aconchego que Lara sempre oferecia. Com um suspiro de carinho, Chloe depositou o Senhor Lontra cuidadosamente sobre o travesseiro. Ali, sobre a mesa de cabeceira, estavam alguns de seus livros favoritos, como se Lara soubesse exatamente o que ela precisaria para os dias de recuperação.
Curiosa, Chloe caminhou até a cozinha, onde Meire já organizava algumas coisas. Ao abrir a geladeira, a surpresa a atingiu em cheio. Várias vasilhas de vidro estavam perfeitamente alinhadas, cada uma com uma etiqueta escrita à mão, indicando o conteúdo, purês nutritivos, sopas leves, vitaminas, e as datas. A caligrafia era inconfundível: Lara.
A mão de Chloe descansou um seu peito, sentindo a agitação que Lara causava. Era um gesto tão pequeno, mas tão gigantesco em seu significado. Lara havia estado ali. Não apenas organizando, mas cuidando. O coração de Chloe amoleceu completamente, e a teimosia que a acompanhara por dias começou a desmoronar. "Como pude ser tão dura?", pensou, sentindo uma onda de arrependimento.
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No hospital, na sala de descanso dos médicos, Lara estava sentada no sofá, o rosto cansado. Ela tinha terminado mais um plantão. Sua mente voltava para Chloe. A mais velha já devia estar de alta.
Dr. Santos entrou na sala, segurando uma xícara de café fumegante.
— Lara? Você está pálida, minha jovem. Parece que não dorme há dias. — Ele comentou, sentando-se em frente a ela. Lara suspirou, acenando com a cabeça.
— Estou exausta, Dr. Santos. E... frustrada. — Ela hesitou por um momento, mas a empatia do orientador a encorajou. — A Chloe contratou uma enfermeira para cuidar dela em casa. Disse que era para eu não me preocupar, para eu ter minha vida de volta. Mas eu só senti que ela estava me afastando. De novo. Como se eu fosse um peso, como se meu cuidado fosse um fardo.
Dr. Santos ouviu com atenção, tomando um gole de café.
— Às vezes Lara, é difícil para a pessoa que está doente, pois ela sente que está parando a vida de todos ao redor. Se a Chloe for alguém que está acostumada a lidar com tudo sozinha. Esse é o jeito dela de cuidar de quem ela ama: afastando o 'problema' dela de você. Ela pensa que está te protegendo de um peso que não te pertence.
Lara franziu a testa, tentando processar as palavras.
— Mas ela não entende que eu quero estar lá. Chloe não é um peso!
— Eu sei que não é para você, Lara. Mas pense pelo lado dela. Pelo que vejo, você realmente está exausta. Chloe pode ter notado isso e agiu para aliviar a sua barra. Ter uma enfermeira não diminui seu papel, apenas adiciona o apoio profissional necessário para que ela tenha um cuidado integral. Você não pode negligenciar sua própria saúde e seus estudos, Lara. Para cuidar dela, você precisa estar bem.
Aquelas palavras atingiram Lara como um raio. A frustração se dissipou, dando lugar à compreensão. Chloe não a estava rejeitando, estava, à sua maneira torta e controladora, tentando cuidar dela. A raiva se transformou em uma nova onda de carinho e uma vontade avassaladora de estar ao lado da mulher que amava. Dr. Santos estava certo; talvez ela estivesse mais exausta do que queria admitir.
— Obrigada, Dr. Santos.
— De nada. Não quero ver a minha residente mais promissora com problemas. — A médica sorriu para o seu orientador antes de se despedir.
Lara tomou sua decisão. Pegou suas coisas no armário e dirigiu apressadamente para o apartamento de Chloe, o coração batendo forte no peito. Sentia uma urgência em vê-la, em abracá-la. Dizer que entendia os seus motivos e que elas iriam encontrar uma forma de fazer dar certo.
Algum tempo depois... Ao chegar no estacionamento do prédio de Chloe, antes mesmo de desligar o carro, seu celular tocou. Era Chloe. Lara sorriu, um sorriso de alívio e antecipação.
Chloe: Oi... uhm... você não precisava ter feito tudo isso. A casa... a geladeira. É... muito gentil da sua parte. (A voz de Chloe estava um pouco embargada, tentando soar controlada).
Lara desceu do carro, caminhando em direção ao elevador.
Lara: Eu te disse que ia cuidar de você, Comandante. Além do mais, você faria uma bagunça sem mim.
Uma risada baixa e rouca escapou dos lábios de Chloe, um som que Lara não ouvia há dias.
Chloe: Lara. Eu...
O silêncio durou por alguns segundos.
Chloe: Você tem razão... Fui um pouco controladora. Eu só... não queria que você... se sobrecarregasse. Eu sei que você tem sua residência...
Lara entrou no elevador, apertando o botão do andar de Chloe.
Lara: Eu sei, Chloe. Eu entendi. Não se preocupe. Mas você tem que parar de querer controlar tudo. (As palavras de Lara soaram abafadas pelo elevador subindo, chegando ao andar de Chloe.)
Chloe: Me descul...
Lara: Espere, não fale ainda.
Chloe ouviu batidas na porta e se levantou. A porta se abriu de repente. Chloe, ainda pálida, mas com um brilho intenso nos olhos, segurava o celular na mão. Lara estava parada ali, do outro lado, o celular também no ouvido, um sorriso suave nos lábios e os olhos azuis cheios de carinho e alívio.
Os olhos de Chloe se arregalaram de surpresa, depois se encheram de contentamento. Ela desligou o celular abruptamente, deixando-o cair no sofá, esquecido. Sem uma palavra, impulsionada pelo alívio e pela saudade, Chloe abriu os braços para receber Lara.
Lara a envolveu em um abraço forte e protetor, aninhando-a contra si. O beijo veio em seguida, apaixonado, um beijo que carregava o alívio de ter Chloe em seus braços novamente. Para Chloe, era a admissão de que Lara já ocupava um espaço enorme na sua vida.
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Horas depois, a luz suave do abajur iluminava o quarto de Chloe. Elas estavam deitadas na cama, lado a lado, Lara abraçando Chloe com delicadeza, o braço firme repousado sobre o Senhor Lontra que estava entre elas para evitar pressão no abdômen operado de Chloe. O silêncio era preenchido apenas pelo ritmo calmo de suas respirações.
— Desculpa. — Chloe sussurrou, a voz ainda um pouco rouca, mas carregada de arrependimento. — Eu não queria... te afastar. Eu só... tive medo de te sobrecarregar. Você estava tão exausta.
Lara beijou o topo da cabeça de Chloe, sentindo o perfume de seus cabelos.
— Eu sei, Comandante. Estou cansada, mas não importa. Meu lugar é aqui, com você. Quando você começou a falar que eu estava perdendo minha vida, fiquei irritada. Porque eu quero estar aqui com você. Mas... você estava certa sobre uma coisa. Eu preciso me cuidar também.
Chloe levantou a cabeça para olhar nos olhos de Lara, um brilho de esperança substituindo o receio.
— Então... como fazemos?
Lara sorriu, acariciando o rosto de Chloe.
— Você tem a Meire agora, que vai te ajudar muito com a rotina e os cuidados diários mais pesados. Isso é ótimo e essencial. E eu... eu vou focar mais na minha residência, nos plantões. Mas eu estarei aqui. Não vou te deixar sozinha, Chloe.
— Não esqueça de separar um tempo para sair com os seus amigos. Eles devem sentir a sua falta.
— Tudo bem, vou combinar um dia com eles. Estamos acertadas?
Lara estendeu a mão para Chloe, e a mais velha aceitou.
— Sim.
— Ótimo. — Lara beijou os lábios de Chloe em puro contentamento. — Chloe, eu sei que não é o melhor momento, mas o que nós somos?
Chloe pensou por alguns segundos. Ela sabia que o namoro de fachada já não se encaixava na relação delas.
— Sendo sincera, eu não sei. Minha vida tá complicada agora. Não quero ter que decidir nada ainda.
— Eu entendo. Podemos marcar essa conversa mais para frente.
— Combinado.
As duas passaram o resto do dia juntas. Chloe seguiu a sua rotina de cuidados. Ainda tinha muitas dores e ficava frustrada com a alimentação tão restritiva. Mas na maioria das vezes nem sentia fome, ela apenas sentia saudade do tempo em que podia comer um prato com comida de verdade. Lara estava por perto para incentivá-la. Mas dedicou um tempo para tomar um banho demorado e estudar. Ter Meire, na verdade, tinha sido uma ideia excelente.
Fim do capítulo
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