O som da chave girando na fechadura anunciou a chegada de Lara. Eram quase oito da noite, e a médica entrava em casa com os braços carregados de livros e pastas. A jornada no hospital havia sido intensa, mas sua mente já estava na próxima etapa:  A cirurgia de Chloe. Ela caminhou direto para seu quarto, com os passos leves, e começou a organizar uma pequena mala. Algumas mudas de roupa, seu estojo de higiene pessoal e um punhado de cadernos e artigos. Ela sabia que as próximas semanas seriam uma corrida contra o tempo: seus plantões, as aulas na universidade e, agora, a rotina de visitas e cuidados intensivos com Chloe na ala de oncologia. A cirurgia se aproximava, e Chloe precisaria dela mais do que nunca.

Ao descer as escadas, já com a mochila no ombro, Lara encontrou seu pai lendo um jornal na sala. Ele abaixou o papel, os olhos de pai fixos na filha.

— Saindo de novo, filhota? Pensei que fosse descansar. — Ele comentou, um sorriso no rosto.

— Vou sim, pai. Semana de provas. Preciso ir para o apartamento da Chloe. É mais perto do trabalho e da faculdade, fica mais prático para os próximos dias. — Lara explicou, a desculpa ensaiada soando natural.

O pai de Lara dobrou o jornal, um olhar de genuína satisfação em seu rosto.

— Sei que está com pressa, mas senta ao lado do seu pai um pouco.

Lara foi ao encontro do pai, ela adorava conversar com ele. Mas tinha medo de ser pega na mentira, já que Luís a conhecia como ninguém.

— Sabe Lara, você está diferente. Muito diferente. Andava numa correria, em uma festa diferente toda noite. Agora está mais tranquila. Esse namoro com a Chloe está te fazendo um bem danado, sabia? Nunca te vi tão feliz e sossegada.

Lara sentiu um aperto no peito, uma mistura de culpa pela mentira e uma pontada de orgulho pela percepção do pai. Se ele soubesse a verdade... Mas ela manteve o sorriso.

— Acho que encontrei outras prioridades, pai. Chloe é muito importante para mim e gostamos de passar tempo juntas. Por isso, estou dormindo algumas noites no apartamento dela. Estou aproveitando porque ela vai viajar de férias. — A mentira de omissão pesava, mas a promessa a Chloe era mais forte. — Vocês podem ficar tranquilos aqui.

— Ótimo, minha filha. Fico feliz em ver você assim. Cuide-se e cuide da sua namorada. Mande um abraço para ela. Você devia ir com ela nessa viagem.

— Nao posso viajar, você sabe. A residência. Mas pode deixar que vou me cuidar. — Lara respondeu, antes de se despedir com um beijo na testa do pai e sair pela porta, o peso da mochila e do segredo dividindo espaço em seus ombros.

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O telefone de Chloe tocou. Era Henrique, seu irmão mais novo.

— E aí, irmã! Como está? Sophie me contou que você pegou uma virose. Já melhorou? — A voz dele soava preocupada e carinhosa.

Chloe sentiu um flash de culpa.

— Oi, Rick! Estou bem melhor, sim. Desculpa não ter ido na sua despedida.

— Tudo bem Chloe, eu entendo. Logo vou voltar e quero passar um dia com você.

— Eu também quero. — Ela fez uma pausa, reunindo coragem. — Aproveitando que você ligou, queria te contar que estou saindo de férias em alguns dias. Preciso de um descanso, sabe? Depois de tanto trabalho, acho que mereço.

Henrique pareceu genuinamente feliz.

— Férias? Que boa notícia, Chloe! Finalmente! Você trabalha demais. Para onde vai? Já decidiu?

— Ainda não decidi ao certo, mas será um lugar tranquilo, para relaxar e colocar a cabeça em ordem. Vou ficar um tempinho fora, então talvez a gente se fale menos. — Chloe tentou soar casual, enquanto seu coração apertava ao pensar que, na verdade, estaria em um quarto de hospital.

— Que maravilha, Chloe! Aproveite cada segundo! Você merece. E não se preocupe com o sumiço, a gente se fala quando puder. O importante é você se cuidar.

Chloe forçou um sorriso para o telefone.

— Pode deixar, irmão. Você também, se cuide. Até logo.

Ao desligar, Chloe sentiu um vazio. As despedidas eram difíceis, ainda mais quando carregadas de mentiras. Mas ela precisava fazer isso. Precisava enfrentar a batalha sozinha, ou pelo menos, sem a preocupação avassaladora de sua família.

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O dia da internação chegou com um sol tímido, mas a atmosfera no apartamento de Chloe era tensa. Lara estava lá, firme e presente, organizando os últimos detalhes da pequena mala da ex-piloto. Chloe estava pálida, os lábios apertados em uma linha fina, os olhos transmitindo um medo que tentava em vão disfarçar.

— Pronta, Comandante? — Lara perguntou suavemente, segurando a mão de Chloe.

Chloe assentiu, um tremor quase imperceptível em sua voz.

— Pronta... eu acho.

No hospital, a ala de oncologia parecia ainda mais fria e impessoal. Ao chegarem, Lara guiou Chloe pela recepção e pelos corredores, fazendo todos os procedimentos de internação. A ex-piloto preencheu formulários, apresentou documentos, e depois foi direcionada para o quarto. A enfermeira responsável veio para os primeiros preparativos.

— Vamos iniciar a preparação para a cirurgia, Sra. Müller. — A enfermeira explicou com uma voz calma. — Primeiro, faremos a tricotomia na região abdominal, depois um banho antisséptico especial. Em seguida, vamos puncionar um acesso venoso periférico para a hidratação e a administração de medicamentos. Farei também a checagem dos seus sinais vitais e revisaremos seu histórico novamente.

Chloe sentiu o estômago embrulhar. Cada etapa era um lembrete vívido da realidade. Ela estava nervosa, muito nervosa. O medo que tentara afastar com as distrações de Lara agora a envolvia como um manto gelado.

Lara permaneceu ao lado de Chloe a cada procedimento. Durante a tricotomia, Lara acariciava o braço de Chloe. Durante a punção do acesso venoso, ela segurava a mão da mais velha, que apertava seus dedos com força. Lara sussurrava palavras de conforto, de apoio, elogiando a coragem de Chloe.

— Você é forte, Comandante. Respire fundo. Estou aqui com você.

Chloe sentia-se cada vez mais vulnerável, exposta. A camisola hospitalar substituindo suas roupas, a pele raspada, a agulha em seu braço. A imagem do seu corpo sendo modificado era assustadora. Mas cada olhar de Lara, cada toque, era uma âncora que a impedia de afundar completamente no pânico.

As horas se arrastaram lentamente. Após todos os preparativos, a medicação pré-anestésica começou a fazer efeito, deixando Chloe um pouco sonolenta, mas não menos apreensiva. O silêncio no quarto era quebrado apenas pelos bipes distantes dos equipamentos hospitalares.

— Lara. — Chloe falou com a voz fraca. Lara que estava sentada na poltrona com um livro em sua mãos, se aproximou de Chloe.

— Sim. Está tudo bem? — A médica perguntou atenciosa.

— Quero te pedir um favor.

— Tudo que você quiser. — Lara segurou na mão de Chloe.

— Se alguma coisa der errado na cirurgia, fala para a minha família que eu os amo muito. Eu...

— Shhhh... Você mesma vai falar, Chloe. Tudo vai dar certo.

— Eu sei, mas preciso que me prometa que vai fazer isso. — Lara viu a angústia nos olhos de Chloe, a mais velha precisava da sua confirmação.

— Tudo bem, eu prometo. Agora descanse um pouco, não vou a lugar nenhum. — Lara beijou a testa de Chloe e a mais velha fechou os olhos por alguns minutos.

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Um auxiliar de enfermagem entrou no quarto.

— Sra. Müller, está na hora. A equipe cirúrgica está pronta.

O coração de Chloe disparou. O momento havia chegado. O medo tomou conta dela novamente, um pavor gelado que subiu pela sua espinha. Ela olhou para Lara, os olhos implorando por consolo, por um último vislumbre de coragem.
Lara se inclinou, beijando a testa de Chloe novamente.

— Estou aqui. Você vai ficar bem. Estou esperando por você. — Ela segurou a mão de Chloe com força.

Para a surpresa de Lara, Chloe segurou seu rosto e beijou levemente os seus lábios. Depois, Chloe se deixou ser conduzida pela maca, seus olhos fixos nos de Lara. A médica a acompanhou, caminhando ao lado da maca, a mão segurando a de Chloe firmemente. Elas percorreram os corredores brancos, o som das rodas ecoando no silêncio.

Chloe sentia o corpo levemente anestesiado, mas sua mente estava aguda, focada naquela mão apertando a sua. Era a sua âncora.
Ao chegarem às portas duplas do centro cirúrgico, o auxiliar de enfermagem fez um gesto.

— Até aqui, Dra. Lara.

Lara soltou um suspiro quase inaudível. Ela apertou a mão de Chloe uma última vez, o olhar transmitindo toda a fé e o amor que sentia.

— Estou te esperando bem aqui, Comandante. Vai dar tudo certo. — Ela falou mais uma vez.

Chloe assentiu, incapaz de falar, um nó na garganta. Sua mão soltou-se da de Lara à medida que a maca avançava pelas portas, que se fecharam lentamente, engolindo-a para o desconhecido.

Lara ficou ali, parada, observando as portas brancas que agora escondiam Chloe. Uma onda de ansiedade a atingiu com força. Seu coração batia descompassado. Por mais que fosse médica, que soubesse os procedimentos, que confiasse na Dra. Márcia e na equipe, a verdade era que a mulher que ela amava estava prestes a passar por uma cirurgia delicada. Tantas complicações poderiam surgir. O risco de infecção, de vazamento, de um pós-operatório mais difícil do que o esperado. Ela sabia de tudo isso.

Chloe, por favor. Seja forte. Volte para mim.

Lara fechou os olhos por um instante, respirando fundo, tentando controlar a torrente de emoções. Ela lembrou da palidez de Chloe, do medo em seus olhos. E agora, Chloe estava lá dentro, enfrentando isso.

Lara se virou e caminhou em direção à sala de espera, a ansiedade crescendo a cada passo. A espera seria torturante, mas ela estaria lá. Estaria lá quando Chloe saísse, pronta para cuidar da mulher que ela amava. A admissão do sentimento veio com a certeza de que Lara faria de tudo para ajudar Chloe.

Fim do capítulo