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Entre Votos e Silencios por anonimo2405

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Palavras: 6361
Acessos: 435   |  Postado em: 04/10/2025

Entre a Culpa e o Desejo

Hospital Sírio-Libanês — Emergência, 18h05

O Audi encostou sob a marquise da entrada de emergência, onde manobristas de colete escuro e rádio preso ao ombro organizavam a fila com gestos rápidos. Um funcionário apareceu com um guarda-chuva grande antes mesmo de Verena abrir a porta.

— Emergência adulto? — perguntou, já acompanhando o passo apressado.

— Sim — devolveu, sem diminuir o ritmo.

As portas automáticas se abriram. O saguão tinha um piso claro, painéis de madeira e luz fria perfeitamente distribuída, sem sombras. Um totem de autoatendimento anunciava “Check-in de visitantes” ao lado do balcão. Dois seguranças discretos orientavam quem chegava; um dispenser de álcool-gel brilhava sob um letreiro com setas: Triagem, Tomografia, UTI Neurológica. O ar tinha cheiro limpo de desinfetante caro e café recém-tirado da máquina na área de espera.

Verena foi direto ao balcão.

— Boa noite. Álvaro Alencar, entrada hoje no protocolo de AVC. Sou da família.

A atendente assentiu, já digitando.

— Senhora Verena, certo? — pediu um documento, imprimiu um crachá adesivo com horário e setor e empurrou pela abertura. — Ele está em atendimento neurológico, quadro monitorado. A família aguarda ali, na área reservada.

Verena não agradeceu, virou o rosto e varreu a sala com os olhos. Encontrou a sogra primeiro. Sentada em uma das poltronas baixas de tecido cinza, as mãos unidas como quem reza sem mover os lábios, olhando fixo para um ponto que não existia. O casaco claro mal vencia o frio da tarde chuvosa.

Verena se aproximou, abaixou-se na altura dela e a envolveu num abraço firme, de corpo inteiro — um abraço que dizia “vai dar certo” sem usar palavras.

— Vai ficar tudo bem. — sussurrou, encostando o queixo no topo da cabeça da sogra. — Eles já acionaram o protocolo, ele está em boas mãos.

A mulher retribuiu o aperto com um suspiro que pareceu soltar um peso antigo. Quando Verena se ergueu, viu Silvia alguns passos atrás: de pé, próxima ao bebedouro, os braços cruzados em si mesma como se segurassem o peito no lugar. O olhar vacilou antes de encontrá-la. Não havia maquiagem, nem pose, nem blindagem. Só a vulnerabilidade nua de quem segura a mãe com uma mão e o mundo com a outra.

Por um segundo, as duas ficaram imóveis. Depois, Silvia cedeu. Deu dois passos e se lançou no abraço que já era esperado. Verena a envolveu sem reserva, prendendo-a pela nuca, trazendo-a para o próprio peito. Sentiu os ombros da esposa tremerem.

— Desculpa ter demorado — disse baixo, a boca quase no cabelo dela. — Tô aqui.

Silvia respirou fundo, como quem volta à superfície.

— Foi tudo muito rápido. Ele caiu na cozinha… a pressão disparou… eu achei que… — a voz falhou, e ela mordeu o lábio para se recompor. — A ambulância trouxe direto pra cá. Falaram em trombólise. Tomografia, depois UTI. Eu tô tentando ser forte por ela — indicou a mãe com o queixo —, mas eu…

— Eu sei — cortou Verena, sem dureza. — Senta comigo. Me conta devagar.

As duas se acomodaram na fileira de poltronas. Um enfermeiro passou empurrando uma maca, ao fundo, a porta da Tomografia se abriu e fechou num silêncio quase hermético. O painel eletrônico atualizava nomes e setores com fontes pequenas e precisas. Uma técnica de enfermagem ofereceu máscaras e água. Silvia aceitou a água com um “obrigada” de quem tem a garganta áspera.

— A médica veio há pouco — continuou, mais estável. — Disse que foi isquêmico, que conseguiram trombólise dentro da janela. Agora ele tá na UTI Neurológica. As próximas horas são… — ela franziu a testa, repetindo a frase que memorizou por sobrevivência — “críticas, mas com bom indicativo se a pressão se mantiver”. Eu ouvi, anotei tudo, mas minha cabeça não para.

Verena assentiu, absorvendo cada palavra. O crachá adesivo colado ao peito marcava a hora de entrada, o relógio de parede, o compasso exato da espera. Ao lado, a sogra ajeitou a bolsa no colo, como quem ordena o que pode.

— Daqui a pouco eles trazem mais informações — disse Verena, quase como um compromisso. — Quando chamarem, eu entro com você tá bom? Se puder só duas pessoas, você entra com a  sua mãe primeiro. Depois eu entro com você.

Silvia assentiu e, por um instante, apenas a olhou. Havia gratidão, amor e uma fadiga que parecia vir dos ossos. Mas havia também algo que Verena reconheceu de imediato: confiança. A palavra pesou nela como chumbo. O estômago contraiu com a lembrança que tentou empurrar para fora da mente — o carro, a chuva, o choro convulsivo de uma menina. O abraço de Silvia apertou de novo, inconsciente, e a culpa subiu como um refluxo ácido.

— Fica comigo? — pediu Silvia, tão baixo que quase não tinha voz.

— Fico meu amor. — respondeu sem hesitar.

Um médico jovem aproximou-se, jaleco com o bordado do hospital, crachá pendendo, estetoscópio no bolso. Parou a uma distância respeitosa.

— Família do senhor Álvaro? Boa noite. Eu sou o doutor Renato, neurologista. Ele respondeu bem às primeiras medidas. A tomografia não mostrou hemorragia, por isso seguimos com a trombólise, estamos controlando a pressão e a glicemia. Agora é observação na UTI. Se manter a evolução que esperamos, conversamos sobre os próximos passos pela manhã.

Silvia respirou, fechando os olhos por um segundo como quem recebe oxigênio.

— A gente pode entrar?

— Duas pessoas, por cinco minutos. Higienização das mãos ali, máscara e touca — apontou o dispensador e a bandeja de EPIs. — Sem tocar no paciente, por enquanto, só falar. Ele pode ouvir.

Verena olhou para a sogra, a sogra olhou para Silvia. Não precisaram combinar. Verena se levantou junto, guiou as duas até a porta com a placa UTI Neurológica — Acesso Restrito, ajudou a esposa com a máscara e a touca, apertou a mão da sogra e, antes que Silvia atravessasse, tocou de leve seu cabelo — um gesto curto, íntimo, quase invisível no corredor claro.

— Tá tudo bem. Eu tô aqui. — repetiu.

Silvia assentiu, os olhos brilhando, e entrou. A porta selada se fechou com um clique abafado.

Sozinha por um instante na antecâmara, Verena apoiou as costas na parede fria. O brilho impecável do hospital refletia sua própria imagem: postura ereta, roupa casual impecável, crachá alinhado. Do lado de dentro, o sogro lutava, do lado de fora, a esposa confiava. 

Entre uma porta e outra, a culpa latejou. Ainda assim, quando respirou fundo e endireitou o queixo, a máscara voltou ao lugar: Ninguém ali precisava ver a rachadura. Ali, ela seria o que sabia ser — o apoio, a decisão, o fio de firmeza que mantém de pé quem ama.

Quando finalmente saíram, mãe e filha tinham os olhos vermelhos. Silvia caminhava rápido, mas bastou encontrar o olhar de Verena para parar. Ela não disse nada, só se deixou abraçar de novo. O aperto foi tão forte que Verena quase perdeu o ar. Sentiu nos braços o peso da esposa, a fragilidade que ela escondia de todos, menos dela.

— Ele apertou minha mão. — Silvia murmurou contra o ombro da deputada. 

Verena respirou fundo, fechou os olhos. No rosto de Silvia havia fé, amor e desespero em doses iguais. E junto a isso, a confiança. Aquela confiança cega, total, que a feria mais do que qualquer acusação poderia ferir. Porque sabia que não era merecedora dela.

Beijou o topo da cabeça da esposa, como se aquele gesto pudesse apagar todas as falhas.

— Ele vai ficar bem. Vamos passar por isso juntas. — disse baixo, firme, como uma promessa.

Mas dentro dela, a promessa exibia rachaduras profundas..

O hospital seguia vivo ao redor: o som dos monitores cardíacos vindo de uma sala próxima, passos de enfermeiros nos crocs coloridos, um aviso de interfone chamando a equipe de imagem para emergência. A vida seguia seu curso técnico e impessoal, mas ali, no meio do corredor, Verena sentia-se esmagada entre dois mundos: o da mulher que apertava seu peito em busca de amparo… e o da menina cujo choro ainda ecoava em sua memória.

O nó na garganta ficou, mesmo quando a abraçou mais forte e a conduziu até as poltronas da sala de espera.

Casa da Família Moraes — Quarto de Valentina, 20h12

A luz amarelada da lâmpada incandescente fazia sombras dançarem nas paredes, projetando uma atmosfera morna e silenciosa.

O uniforme já tinha sido trocado: agora usava um short de algodão e uma camiseta larga, mas o corpo não encontrava descanso.

O celular repousava ao lado do travesseiro, com a tela virada para baixo, como se a posição pudesse impedir a existência do que estava ali dentro. Mas a mente não esquecia. Não esquecia nem o som da respiração de Verena, tão próxima, nem a sensação quase insuportável daquele beijo que parecia não caber na própria pele.

Com a mão hesitante, Valentina pegou o aparelho e, antes mesmo de destravar, já sentia o coração bater mais rápido. Deslizou o dedo pela tela. A conversa estava ali, nua, impossível de apagar da memória:

"Não consigo parar de pensar em você."

As palavras ardiam. Releu o texto curto várias vezes, como se buscasse um detalhe que não existia, uma brecha que provasse que tinha lido errado. Mas não havia engano. Verena tinha escrito. Tinha enviado pra ela.

O estômago se revirou. Sentia o calor subir pelo rosto, mas ao mesmo tempo o peso frio da culpa no peito. Era um choque de sensações que não sabia nomear: medo, desejo, euforia, pecado.

Levantou o corpo, sentando-se na beira da cama. Os pés descalços roçaram o piso gelado, mas nem isso foi capaz de afastar o turbilhão. As mãos suavam. O celular, agora firme entre os dedos, parecia uma prova material de algo que não devia existir.

Encostou a testa no joelho, tentando respirar fundo. Mas cada vez que fechava os olhos, a cena voltava: o rosto de Verena a centímetros do seu, a voz grave sussurrando perto da orelha, a sensação de estar derretendo sem entender o porquê.

Queria chorar. Queria gritar. Queria apagar tudo.

Mas, acima de tudo, queria mais.

Queria ela.

Desesperadamente.

E isso a aterrorizava.

Num impulso, voltou a olhar a tela. Passou o dedo pela mensagem, como se o simples toque fosse um afago. A boca seca, o peito doendo, e um sussurro escapou sem que ela percebesse:

— Por que comigo?

O coração batia rápido, e as lágrimas voltavam sem controle, finas, quentes, descendo pelas bochechas. Tentava abafá-las com a palma da mão, mas o peito arfava, denunciando cada soluço contido.

Foi nesse instante que a porta se abriu sem aviso, empurrada com força, deixando entrar a irmã mais nova. Isadora entrou saltitando, com uma boneca nos braços, o cabelo preso num rabo de cavalo torto.

— Valen? — A voz infantil quebrou o silêncio como uma pedra no vidro.

Valentina deu um pulo, escondendo o celular sob a coberta, o rosto virando-se rápido para o travesseiro.

— Que foi? — tentou soar firme, mas a voz saiu trêmula.

Isadora franziu a testa, inocente, os olhos estreitando-se como quem observava uma mentira mal contada.

— Você tava chorando?

— Eu? Não… — Valentina engasgou, a respiração presa, a voz falhando. — Eu só… tava deitada.

Mas o nariz vermelho e o rosto manchado a entregavam.

A menina não disse nada, apenas arregalou os olhos, surpresa, e então deu meia-volta, disparando porta afora com passos apressados, quase correndo pelo corredor.

Valentina gelou.

Segundos depois, ouviu claramente a voz de Isadora ecoando na sala:

— Mãããe! A Valen tá chorando!

O ar sumiu dos pulmões. O corpo reagiu antes da mente: Valentina levantou num salto, empurrou a porta do quarto e correu para o banheiro. Bateu a porta atrás de si, trancou com a mão trêmula.

Encostou-se à pia, respirando como quem tivesse acabado de fugir de um incêndio. Os soluços vinham de novo, pesados, cortando a garganta. Olhou-se no espelho: olhos vermelhos, inchados, um rosto que mal reconhecia.

Virou a torneira, a água escorrendo fria. Jogou no rosto, nas têmporas, como se pudesse apagar tudo. Mas a frase continuava cravada dentro dela, repetindo-se em cada batida do coração.

Casa da Família Moraes — Quarto e Corredor, 20h15

Os passos pesados de Carlos ecoaram pelo corredor, seguidos pelo arrastar rápido dos chinelos de Ana Paula. Atrás deles, mais leve, Isadora vinha quase colada, abraçando a própria boneca com força.

O quarto estava vazio. A cama desarrumada, o celular esquecido sobre a coberta. Ana Paula olhou em volta, confusa. O coração apertou de imediato.

— Valentina? — chamou, a voz suave, mas já tomada pela aflição.

O silêncio respondeu. Só o som da televisão ligada  na sala ao fundo.

Carlos bufou, a mandíbula dura. Olhou rápido para o corredor e então percebeu a luz do banheiro acesa. Aproximou-se, testando a maçaneta. Trancada.

Ana Paula o seguiu, já com o olhar aflito.

— Valen, filha? — disse, batendo de leve com os nós dos dedos. — Você tá aí?

De dentro, a voz embargada da menina soou abafada:

— Tô, mãe. Tá tudo bem.

Carlos apertou os punhos, a paciência ruindo. Bateu mais forte na porta, a voz grave, autoritária, ecoando pelo corredor estreito:

— Abre essa porta agora, Valentina! Sai daí!

O grito reverberou. Isadora deu um pulo, recuando um passo, os olhos arregalados. Encostou-se no batente do quarto, roendo a unha com força, o corpo pequeno tremendo.

Ana Paula girou rápido para o marido, a mão pousando firme em seu braço, os olhos disparando um recado silencioso, quase uma súplica.

— Carlos, calma! — repreendeu em voz baixa. Depois voltou-se para a porta, a voz doce, mas trêmula: — Meu amor, fala comigo. Tá tudo bem mesmo?

Do outro lado, Valentina fechou os olhos com força, as costas escorregando pela parede fria até quase sentar no chão. A respiração vinha em soluços curtos, sem ar. Queria responder, queria dizer algo que acalmasse, mas a garganta ardia.

O silêncio pesou ainda mais.

Isadora, sem aguentar, murmurou baixinho, quase como um pedido, sem largar a boneca:

 — Mãe… ela tá chorando de novo, né?

Ana Paula sentiu o peito arder. Encostou a testa contra a porta fechada, a palma da mão repousando sobre a madeira.

 — Filha, abre pra mim. Só pra eu ver você.

O corredor inteiro parecia conter a respiração dos três.

Casa da Família Moraes — Corredor, 20h27

O silêncio dentro do banheiro parecia um grito abafado. A luz fria que escapava pela fresta da porta desenhava uma linha dura no chão do corredor. Carlos respirava fundo, o maxilar travado, enquanto Ana Paula mantinha a mão espalmada contra a madeira, como se pudesse atravessá-la.

— Valentina… — insistiu a mãe, a voz embargada. — Por favor, abre a porta filha.

Do outro lado, nada além do som da respiração descompassada.

Carlos perdeu a paciência. Deu dois socos fortes na porta, o barulho seco reverberando pelo corredor estreito.

— Valentina! — a voz saiu grave, dura, quase um trovão. — Você vai abrir essa porta agora!

Ana Paula se virou num impulso, segurando o braço dele com força. O olhar foi um aviso silencioso, carregado de medo.

— Carlos, pelo amor de Deus! Você vai acabar assustando ainda mais a menina!

Mas a raiva dele não era de Valentina. Era o desespero de não saber o que fazer. Apertou os olhos, a respiração pesada.

— E o que você quer que eu faça, Ana Paula? Ficar parado enquanto minha filha se tranca no banheiro chorando e eu não sei o motivo? — a voz falhou no fim, traindo a angústia.

Isadora, encostada no batente, encolheu os ombros, os olhos marejados.

— Pai… — murmurou baixinho, abraçando a boneca contra o peito. — Não briga com ela…

Ana Paula tentou mais uma vez, o tom de voz caiu, macio, quase uma prece:

— Meu amor, tá me ouvindo? A gente não quer brigar. Só precisamos te ver. Só isso.

Dentro, Valentina mordia os próprios lábios para conter os soluços. A cabeça encostada na parede fria, as mãos tremendo sobre os joelhos. A cada palavra do pai, o coração disparava de medo. A cada súplica da mãe, a culpa a esmagava ainda mais.

— Filha… — Ana Paula insistiu, agora com lágrimas escorrendo. — Me deixa entrar, por favor.

Carlos fechou os olhos, respirou fundo e recuou um passo. A mão passou pela cabeça raspando os cabelos, num gesto de frustração. Olhou para a esposa, derrotado, e para a porta, como se lutasse contra o próprio instinto de arrombá-la.

— Valentina, filha. — disse, enfim, a voz menos dura, mas ainda tensa. — Abre essa porta. Não vamos brigar com você. Tá, eu prometo que não vou brigar.

O corredor pequeno parecia acumular ainda mais a tensão.

Casa da Família Moraes — Banheiro, 20h34

Valentina se levantou devagar, as pernas ainda bambas. Apoiou-se na pia, o rosto inchado refletido no espelho pequeno, cruel em cada detalhe. Abriu a torneira de uma vez e enfiou as mãos embaixo da água fria. Esfregou o rosto com desespero, como se pudesse apagar as lágrimas ainda quentes que escorriam há minutos. Repetiu o gesto duas, três vezes, secando-se com força na toalha áspera, a pele avermelhada pelo atrito.

— Já… já vou abrir. — disse, enfim, a voz embargada, quase um sussurro.

Do lado de fora, Ana Paula colou a boca à porta.

— Filha… tá tudo bem mesmo?

Valentina respirou fundo, tentando encontrar firmeza onde só havia fraqueza.

— Tô… tô com dor de barriga. Só isso.

O silêncio que seguiu foi denso, cortado apenas pelo som da torneira ainda pingando. Carlos trocou um olhar rápido com a esposa, cético, mas se conteve. A mandíbula marcada pela tensão mostrava que ele não acreditava na desculpa, mas não queria piorar a situação.

Isadora, encolhida perto da parede, olhava para a porta com os olhos arregalados, como se esperasse que ela se abrisse num estalo. Apertava a boneca contra o peito sem dizer nada.

Ana Paula respirou fundo, engolindo a angústia.

— Então abre, meu amor. A gente só quer ver você.

Do outro lado, Valentina fechou os olhos e apoiou a testa no espelho gelado, como se precisasse reunir coragem para virar a chave. A mão tremia ao tocar na maçaneta.

Casa da Família Moraes — Banheiro, 20h38

A maçaneta girou com um estalo pequeno, quase inaudível diante do peso do silêncio no corredor. A porta se abriu devagar, revelando Valentina parada no vão. O rosto ainda úmido, os olhos vermelhos, as mãos inquietas agarrando a barra da blusa como se aquilo pudesse sustentá-la.

Ana Paula foi a primeira a reagir. Deu um passo à frente, o peito apertado, e a voz saiu baixa, tremida:

— Minha filha…

Estendeu os braços, mas Valentina recuou meio passo, como se o gesto fosse doce demais para a dor que sentia. O recuo partiu o coração da mãe.

Carlos, por sua vez, ficou imóvel por alguns segundos. Os olhos endurecidos pela preocupação passeavam pelo rosto da filha, tentando decifrar a verdade por trás daquela desculpa frágil. Respirou fundo, a voz grave, controlada, mas ainda assim mais dura do que pretendia:

— O que aconteceu Valentina?

Valentina abaixou o olhar, incapaz de sustentar os olhos do pai. Murmurou quase sem som:

— Eu só… fiquei com dor na barriga.

Ana Paula a envolveu de repente, ignorando a resistência inicial. Apertou-a contra o peito, os dedos deslizando pelos cabelos desgrenhados da filha. Uma lágrima escorreu pelo rosto da mãe e caiu no ombro da menina.

— Tudo bem, amor. Não precisa falar agora. Só não faz mais isso.

Valentina respirava curto, presa entre a necessidade de se deixar amparar e a culpa de não poder contar nada.

Atrás delas, Isadora observava em silêncio, com os olhos cheios de lágrimas que não entendia. A boneca escorregou de suas mãos, esquecida no chão.

Carlos, por fim, aproximou-se. Pousou a mão grande no ombro da filha, firme mas cuidadoso, e disse baixo, sem mais exigências:

— Vai descansar. Amanhã a gente conversa.

Os quatro ficaram por alguns instantes abraçados no corredor estreito. Um amontoado de dores não ditas, sustentado apenas pelo afeto instintivo que, mesmo frágil, ainda mantinha aquela família de pé.

Casa da Família Moraes — Sala, 21h15

Carlos desceu o corredor de passos largos, o maxilar travado. Jogou-se no sofá, mas não relaxou. O corpo inteiro era um arco esticado. Ana Paula fechou a porta do quarto das filhas com cuidado, respirou fundo e veio se sentar ao lado dele, os olhos ainda marejados.

— Carlos… — começou baixo, quase num sussurro. — Você precisa ter mais paciência, ela tá frágil.

Ele bateu a palma da mão no braço do sofá, o som seco cortando o ambiente.

— Frágil? Você tá vendo o que tá acontecendo, Ana Paula? Foi só começar a ficar na rua que deu nisso! — o tom cresceu, carregado de raiva e medo. — Acabou. Acabou esse negócio de sair de tarde e voltar de noite.

Virou-se, o dedo apontando em direção ao corredor, para a parede que separava a sala do quarto das filhas.

— Agora é de casa pra escola, da escola pra casa. E pronto.

Ana Paula apertou as mãos no colo, tentando manter a calma.

 — Amor, por favor. Não é assim… agir  desse jeito não vai ajudar.

Carlos riu sem humor, uma risada curta, amarga.

— Não vai ajudar? O que quê que vai ajudar então, Ana Paula? — o rosto estava vermelho, a voz firme demais para ser controlada. — Essa menina tá escondendo alguma coisa! Tá se consumindo sozinha, e você vem me dizer que não vai ajudar?

Ana Paula piscou rápido, o coração acelerado.

 — Ela precisa de tempo, de apoio…

Ele a interrompeu, inclinando-se para frente, as mãos abertas, tensas.

 — Tempo? Você quer passar por aquilo de novo? — os olhos dele faiscavam, a voz agora carregada de dor antiga. — Porque eu não quero!

O silêncio pesou. Ana Paula fechou os olhos por um instante, lembrando-se bem do que ele falava, do período sombrio em que Valentina já tinha dado sinais antes.

Carlos balançou a cabeça, se levantando, sem conseguir ficar parado. Caminhou dois passos até o meio da sala e voltou a encará-la, o dedo apontado outra vez.

— Eu tentei levar ela num psicólogo, e você disse que não precisava. Disse que era exagero meu. Tá aí o resultado!

Apontou com força para o corredor escuro, como se através dele pudesse alcançar a filha.

— Tá aí, ó!

Ana Paula se levantou também, a voz falhando de emoção.

— Você acha que eu não me culpo, Carlos? — os olhos dela se encheram de lágrimas. — Acha que eu não passo noites sem dormir pensando no que pode estar acontecendo com a nossa filha?

Ele respirou fundo, pesadamente, e por um instante, a fúria cedeu ao cansaço. O homem se deixou cair de novo no sofá, passando as mãos pelo rosto. Ana Paula permaneceu de pé, os olhos fixos no corredor, como se esperasse que Valentina pudesse ouvir cada palavra dali.

Hospital Sírio-Libanês — Sala de Espera da UTI Neurológica, 22h47

As cadeiras de couro marrom, alinhadas contra a parede branca, estavam quase todas ocupadas por famílias igualmente aflitas. Um murmúrio baixo pairava no ar, quebrado aqui e ali pelo ranger da porta automática que dava acesso ao corredor da UTI. A televisão suspensa no canto passava um noticiário em volume baixo, mas ninguém parecia prestar atenção.

Silvia estava ao lado da mãe, que permanecia com as mãos unidas, apoiadas sobre o colo, os olhos fixos em um ponto invisível. A advogada não largava a mão dela, os polegares passando devagar sobre a pele enrugada, como se aquele gesto pudesse transmitir calma.

Verena, que caminhara até a máquina de café no corredor, voltou com três copos plásticos fumegantes. Entregou um à sogra com um cuidado respeitoso, abaixando-se levemente para estar na altura dela.

— Dona Lúcia… cuidado que tá bem quente. Bebe um pouquinho. — falou com suavidade.

A mulher assentiu, aceitando o capuccino com um olhar cansado, e esboçou um “obrigada” quase inaudível.

Silvia olhou para a esposa. Os olhos estavam vermelhos, o rosto marcado pela tensão, mas ainda assim encontrou espaço para se preocupar.

— E você? — perguntou em voz baixa, quase um sussurro para não incomodar a mãe. — Comeu alguma coisa?

Verena sorriu de canto, como quem reconhece o carinho por trás da pergunta. Sentou-se ao lado dela, o copo de café apoiado nos joelhos.

— Não, mas isso não importa agora. — tentou desviar.

Silvia balançou a cabeça, insistindo:

— Importa sim. Você precisa se manter em pé, Verena. Não adianta querer segurar todo mundo se você mesma desaba.

A deputada respirou fundo, inclinando-se um pouco mais para ela, a voz carregada de ternura:

— Eu não vou desabar. Só quero cuidar de você.

Silvia segurou a mão dela com força, os dedos entrelaçados.

— Você pode ir descansar, se quiser. Eu fico com a minha mãe. — disse, mesmo sem muita convicção. — Deve ter muita coisa esperando por você amanhã.

Verena negou com um movimento firme da cabeça, os olhos fixos nos dela.

— De jeito nenhum. Você é minha prioridade. Só saio daqui do seu lado.

O silêncio que seguiu foi pesado, mas não hostil. Silvia encostou o ombro no da esposa, rendida por alguns segundos ao consolo daquele gesto. Verena fechou os olhos, aproveitando aquele contato como quem se agarra a uma tábua em um mar revolto.

O relógio digital sobre a recepção marcava os minutos com precisão cruel. 22h53. A madrugada ainda prometia ser longa. E Verena já sabia, por dentro, que passaria cada segundo ali.

Hospital Sírio-Libanês — Sala de Espera da UTI Neurológica, 02h37

A madrugada avançava devagar, como se cada segundo fosse arrastado a ferro. O relógio da recepção, agora marcando 2h37, parecia zombar da exaustão de quem esperava. O silêncio era quebrado apenas pelo estalar ocasional do interfone chamando algum médico, o chiado das máquinas de café e os passos ritmados de enfermeiros cruzando o saguão.

Verena estava de pé, apoiada contra a parede de vidro, os braços cruzados. Os olhos ardiam — não só pelo cansaço, mas pelo peso do dia. Observava a cena diante dela: Silvia e a sogra haviam cedido, finalmente, ao desgaste. Dormiam mal encaixadas nas poltronas do hall reservado aos familiares de pacientes graves. Silvia, encolhida, tinha a cabeça apoiada no ombro da mãe, mas a posição denunciava o desconforto. A mão, no entanto, permanecia firme sobre a da mãe, como se segurasse o fio que ainda as ligava à esperança.

Verena tentou, mais de uma vez, persuadi-las a voltar para casa. Usou toda a retórica que no plenário costumava dobrar adversários: prometeu ligar assim que houvesse notícias, argumentou sobre o próprio desgaste físico delas, até tentou suavizar com humor. Mas Silvia não recuou. Nem a sogra. A obstinação delas era de uma simplicidade brutal: ficar.

Rendida, Verena suspirou e passou as mãos pelo rosto. Sentia o corpo pedir cama, mas o coração, apertado pela culpa, não permitiria descanso. Pegou a chave do carro e desceu ao estacionamento. O ar da madrugada era frio e úmido, a garoa fina grudava no cabelo solto. O silêncio ali embaixo era quase absoluto, exceto pelo zumbido distante da cidade que nunca dormia.

Abriu a porta traseira, puxou o casaco de lã que deixara jogado no banco. O cheiro familiar do próprio perfume misturado ao couro do carro a atingiu de imediato. Apertou a peça contra o peito, respirou fundo e voltou pelo corredor iluminado de neon até o hall.

Silvia permanecia adormecida, o rosto pálido sob a luz branca, os traços suavizados pelo sono inquieto. Verena se inclinou devagar, ajeitou o casaco sobre os ombros da esposa, com um cuidado que parecia uma prece silenciosa. O gesto simples, quase doméstico, a atingiu em cheio.

O coração se apertou. Lembrou-se de cada briga recente, dos olhares atravessados, do distanciamento que se impusera entre elas. Ali, diante da fragilidade da esposa, percebeu o quanto ainda a amava — e o quanto havia traído esse amor horas antes.

Permaneceu curvada, os olhos fixos na mulher que agora respirava tranquila, o peito subindo e descendo num ritmo lento. Quis dizer alguma coisa, mas a garganta secou. Então apenas pousou os dedos sobre a mão de Silvia, entrelaçando-os com leveza, como se assim pedisse desculpas em silêncio.

No fundo do corredor, ouviu passos se aproximando. Um médico de jaleco claro atravessava o hall em direção à recepção. Verena ergueu os olhos de imediato, o corpo em alerta. O relógio agora marcava 3h04.

Hospital Sírio-Libanês — Sala de Espera da UTI Neurológica, 04h10

O relógio já passava das quatro quando o corpo de Verena, enfim, cedeu. O cansaço venceu a vigília obstinada. Afundou na poltrona ao lado, os ombros curvados, a cabeça pendendo lentamente para o lado. Os óculos, esquecidos no rosto, escorregaram até a ponta do nariz.

O sono, porém, não trouxe descanso. Trouxe Valentina.

Estavam novamente na biblioteca. Não havia mesas, não havia livros, apenas uma sala suspensa no vazio, iluminada por uma claridade quente demais. Valentina a olhava, os cabelos soltos caindo sobre os ombros, a boca entreaberta como no instante em que haviam se beijado. O olhar tímido, assustado, mas cheio de algo que Verena não ousava nomear, queimava mais do que qualquer acusação.

Verena a tocava sem medo, sem o peso das paredes invisíveis que as cercavam na vida real. Os dedos percorriam o rosto da menina, a boca buscava a dela com uma fome antiga, e Valentina não recuava. Pelo contrário, se aproximava mais, a respiração quente contra sua boca, um gemido doce, rendido, que fazia o corpo da parlamentar estremecer.

Verena murmurava palavras que nunca tinha dito em voz alta:

— Eu te quero. Eu te quero tanto…

E foi nesse instante, no ápice do desejo, que a imagem se fragmentou. O rosto da jovem se desfazia em névoa, o cenário derretia, e um peso sufocante tomou conta do peito de Verena.

Ela despertou com um sobressalto.

O corpo inteiro suava, a blusa colada às costas. O coração disparado batia contra as costelas como se tivesse corrido quilômetros. Os óculos quase caíram quando levou a mão ao rosto, tentando entender onde estava. O hospital. O hall silencioso. O casaco que havia colocado sobre Silvia escorregara um pouco, revelando o ombro nu da esposa, ainda adormecida.

Passou as mãos pelos cabelos molhados de suor, respirou fundo, tentando se recompor. Mas a sensação era avassaladora: o desejo não se dissipara com o despertar, apenas se tornara mais cruel por lembrar-lhe que não era sonho — parte já havia sido vivido.

Olhou em volta, quase temendo que alguém pudesse ter visto sua agitação. A sala seguia em silêncio, apenas o ronco baixo de um acompanhante distante quebrava o ar pesado.

Verena se recostou de novo, os olhos fixos no teto branco, tentando recuperar o controle. Mas a lembrança da boca de Valentina, mesmo dentro de um sonho, continuava latejando em cada fibra do corpo.

E isso a fazia se odiar ainda mais.

Hospital Sírio-Libanês — Sala de Espera da UTI Neurológica, 04h45

O corredor silencioso da ala reservada tinha luzes frias e contínuas, iluminando o chão de porcelanato claro. Verena permanecia de pé, perto da porta, as mãos cruzadas nas costas, quando o enfermeiro de plantão se aproximou. A voz dele veio baixa, quase um sussurro respeitoso:

— Boa noite. Familiar do senhor Álvaro Alencar?

Verena assentiu, séria.

— Vim atualizá-la. O paciente reagiu bem à medicação. Os parâmetros estão estáveis, pressão e saturação controladas. Ele vai seguir em monitoramento contínuo, mas por ora não há alteração grave.

Verena assentiu, o olhar fixo, absorvendo cada palavra com a calma forjada de quem estava acostumada a ouvir relatórios.

— Obrigada por me avisar. — disse em tom firme, quase protocolar.

O rapaz inclinou a cabeça num gesto respeitoso e já se afastava quando um sobressalto quebrou o silêncio. Silvia acordou de repente, os olhos ainda turvos, mas o corpo tenso. Ao ver a esposa em pé junto à porta, o coração disparou.

— Vê? O que aconteceu? — a voz saiu num tom aflito, quase um grito contido.

Verena se apressou em se aproximar, a mão já estendida para alcançar a dela.

— Calma, amor. — murmurou com a serenidade que não sentia. — O enfermeiro disse que seu pai está estável, reagindo bem à medicação. Não há nada grave no momento.

O corpo da mulher relaxou de uma vez, como se tivesse sido puxado para baixo por um fio invisível. Ela se levantou cambaleante, deixando-se afundar nos braços de Verena. O abraço foi forte, quase desesperado, como quem buscava se prender a algo sólido em meio ao abismo.

Mas ao passar a mão pelas costas da esposa, Silvia franziu a testa. A camisa estava encharcada, molhada de suor.

— O que aconteceu com você? — perguntou num sussurro desconfiado.

Verena afastou-se apenas o suficiente para olhar nos olhos dela, forçando um sorriso leve, quase convincente.

— Nada. Só calor… fiquei muito tempo sentada.

Silvia a observou por um instante, ainda sonolenta, mas o alívio por saber do pai falou mais alto do que a dúvida. Encostou a testa na dela, exausta, e murmurou:

— Vai pra casa, por favor. Toma um banho, troca essa roupa. Você vai acabar ficando doente desse jeito.

Verena tentou protestar, o tom baixo, mas firme:

— Não vou te deixar aqui.

Silvia ergueu os olhos, a voz mais séria que antes:

— Não é um pedido, Verena. É uma ordem.

Por um segundo, a parlamentar vacilou, apertando os lábios, sentindo o peso da própria culpa espremer-lhe o peito. Mas diante do olhar da esposa — cansado, decidido, inegociável — apenas assentiu em silêncio, o coração dividido entre a vontade de resistir e a necessidade de se render.

Hospital Sírio-Libanês — Sala de Espera da UTI Neurológica, 05h08

O corredor estava silencioso, apenas o zumbido constante do ar-condicionado preenchendo o espaço. Silvia segurava a mão da esposa enquanto caminhavam juntas até a porta de saída. O semblante era firme, mas a fadiga deixava marcas no rosto.

— Amor, deixa seu cartão comigo. — pediu, sem rodeios. — Na correria esqueci de pegar minha bolsa, vou precisar caso aconteça alguma coisa ou precise comprar alguma coisa aqui.

Verena não hesitou. Tirou a carteira do bolso da calça, puxou o cartão e colocou na mão da esposa sem discutir. Como em tantas outras vezes, não precisava de explicações — apenas obedecia.

Quando chegaram perto da porta de vidro, Silvia se inclinou ligeiramente, a voz baixa, quase um sussurro para não despertar a mãe, adormecida alguns metros atrás.

— Descansa, tá bom? É pra chegar em casa e dormir Verena, não é pra trabalhar, entendeu? — Fez uma pausa, ajeitando melhor a gola da camisa polo da esposa num gesto automático, íntimo, quase doméstico. — Quando voltar, traz umas peças de roupa minhas também, por favor. Pega aquela blusa de malha azul que tá em cima da cadeira, os dois vestidos no primeiro cabide, três calcinhas e umas camisetas soltas. Pega também uma muda de roupa pra minha mãe, pode ser aqueles dois vestidos na última porta, perto dos sapatos. Ah… e não esquece minha escova de dente e carregador.

Verena assentiu em silêncio, memorizando cada detalhe.

Silvia suspirou, cansada, e ajeitou pela última vez a gola da camisa da esposa, alisando o tecido com os dedos. Era um gesto simples, mas carregado de carinho. — Me avisa quando chegar. — O tom não era de sugestão, mas de ordem.

Verena respirou fundo, inclinou-se para encostar a testa de leve contra a dela, e deixou um beijo demorado na boca da esposa. Não era urgente, mas pesado de tudo o que não conseguiam dizer em palavras.

— Eu te amo. — disse Silvia, firme, apesar da voz embargada.

— Eu também te amo. — respondeu Verena, o peito apertado, como se aquela frase fosse ao mesmo tempo uma promessa e um pedido de perdão.

Silvia recuou um passo, mas manteve o olhar fixo na esposa até vê-la atravessar a porta. O clique suave ecoou no corredor silencioso, marcando a separação forçada.

Estacionamento do Hospital — 05h20

O ar da manhã era frio, cortante, e trouxe um arrepio imediato quando Verena atravessou a porta de vidro. O concreto úmido do estacionamento refletia as luzes amarelas dos postes, formando manchas difusas que pareciam mais fantasmas do que claridade.

A chave do Audi pesava nos dedos. Apertou o controle, e o piscar dos faróis cortou o silêncio. Entrou no carro sem pressa, fechando a porta com cuidado para não ouvir o eco metálico se espalhar no vazio.

O cheiro familiar de couro misturado ao perfume residual que usara no dia anterior a envolveu de imediato. Encostou as costas no banco, fechou os olhos por um instante e soltou o ar num sopro longo, como quem tentava descarregar o corpo inteiro de uma vez. Mas a tensão não cedia.

Passou as mãos pelo rosto, esfregando as têmporas, e em seguida deixou a cabeça cair contra o encosto. O contraste a esmagava: a esposa lá em cima, exausta, precisando dela, a sogra vencida pelo sono, agarrada à esperança de que o marido se recuperasse, e ela, ali, sendo consumida por um fogo que não tinha como confessar.

Abriu os olhos e encarou o retrovisor. O próprio reflexo a devolveu com uma frieza que lhe deu um nó na garganta. Quis rir, mas não havia humor algum. Apenas a lembrança insistente: Valentina. O toque, o gosto, o arrepio. A boca dela ainda parecia estar ali.

Respirou fundo e girou a chave. O motor respondeu grave, mas não pôs o carro em movimento de imediato. Ficou alguns segundos apenas com o ronco baixo preenchendo o espaço, as mãos apertadas no volante até os nós dos dedos ficarem brancos.

— Que porr*… — murmurou, a voz presa no peito.

O painel iluminado marcava 05h29. Ainda havia um dia inteiro pela frente, mas Verena já sabia que nem o sono, nem a culpa, nem o peso de tudo seriam capazes de sufocar a vontade de ver Valentina de novo.

Fim do capítulo

Notas finais:

Olá pessoal! Esperam que estejam bem!

 

Bem, como vocês pereceberam, esse capítulo ficou curtinho. Porém, dessa forma, eeu vou conseguir atualizar mais rápido, porque tá difícil revisar ois capítulo maiores num tempo razoável. Então, vamos fazer esse teste, tudo bem?

 

Pretendo atualizar rápido e com capítulos maiores rsrs, mas enquanto não chego lá, vou tentar dessa forma. A não ser que vocês prefiram com eels amiores e um tantinho a mais de espera rs.

 

Espero que gostem! :)

 

E leiam com moderação rsrs.

 

Beijos e um grande abraço! S2


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Comentários para 33 - Entre a Culpa e o Desejo:
Zanja45
Zanja45

Em: 20/10/2025

Eita, que Verena dual. Entre dois mundos. Duas figuras para ela representar. Uma da mulher que acolhe e outra da mulher se descontrola com a instabilidade emocional de Valentina.

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Zanja45
Zanja45

Em: 20/10/2025

Rumo ao capítulo 34 !

Missão cumprida, por aqui, Autora!


anonimo2405

anonimo2405 Em: 10/11/2025 Autora da história
Yeees! Boraaaa!

Cheguei um pouquinho atrasada rsrsr, mas sempre chego!


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Zanja45
Zanja45

Em: 20/10/2025

Oi, ficou excelente!

Pode continuar assim. 

Amei!

Não tem como moderar com Verena desse jeito!


anonimo2405

anonimo2405 Em: 10/11/2025 Autora da história
Kkkkkk, Verena e seu magnetismo.

Obrigada viu! :)


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Zanja45
Zanja45

Em: 20/10/2025

Rapaz, que mulher é essa? Perigosa quanto aos sentimentos.  Nada apaga a vontade de ter as sensações que tem com Valentina. - Amar é ilógico, mesmo! É insano! E ela tem o dia todo para viver isso. - E ainda são "05:29"da manhã "


anonimo2405

anonimo2405 Em: 10/11/2025 Autora da história
Né rsrs, tem o dia todo, mas tem que ser na hora que ela quer. A hora que a vontade aperta.


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Zanja45
Zanja45

Em: 20/10/2025

Que sonho vívido que não se extinguirá com o despertar. - Mas ela percebe que continua latente, pois em partes ela já tinha vivido. - Não fora apenas a manifestação de sonho. 

Amei esse trecho, Autora!


anonimo2405

anonimo2405 Em: 10/11/2025 Autora da história
Ahh fico muito feliz que tenha gostado! :)

As vezes é difícil transcrever o que estamos sentindo, mas sempre farei o meu melhor.

Abraço!


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Zanja45
Zanja45

Em: 20/10/2025

"Não havia mesas, não havia livros, apenas uma sala suspensa no vazio, iluminada por uma claridade quente demais." - Muito poético, acabei de ler essa passagem.s2


anonimo2405

anonimo2405 Em: 10/11/2025 Autora da história
Rsrsrs, tem hora que precisa colocar um pouquinho de açúcar também né.

Obrigada pelo carinho! S2


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Zanja45
Zanja45

Em: 20/10/2025

Nossa, e agora que a Valentina vai ficar mais vigiada, como será para ela dar as escapadas e encontrar Verena?


Carlos tomou uma decisão drástica, baseado no desespero de quem não sabe o que fazer. 


anonimo2405

anonimo2405 Em: 10/11/2025 Autora da história
Pois é. Mas já era de esperar alguma atitude assim. Acredito que a Carol possa ajudar nessa parte. Não acho que a Valentina consiga mais ficar sem ver o amor dela rsrs


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Zanja45
Zanja45

Em: 20/10/2025

Que situação de Valentina ela querendo mais, mas ao mesmo tempo se perguntando o por que de ela estar passando por isso. -  É um drama cósmico. Kkkk!


anonimo2405

anonimo2405 Em: 10/11/2025 Autora da história
Kkkkkk, bem isso. Ela tá sem saber pra onde correr.


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Sem cadastro
Sem cadastro

Em: 20/10/2025

Eita, que Verena dual. Entre dois mundos. Duas figuras para ela representar. Uma da mulher que acolhe e outra da mulher se descontrola com a instabilidade emocional de Valentina.


anonimo2405

anonimo2405 Em: 10/11/2025 Autora da história
Exatamente. Vamos ver qual das duas vai aparecer com mais frequência agora.


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Sem cadastro
Sem cadastro

Em: 08/10/2025

Gosto dos capítulos longos, porém eu priorizo a frequência também.

Assim tambem tá bom. 

Valentina está colapsando novamente

A vida dela vai dar uma guinada grande 

Basta os pais descobrirem

Impressão minha ou a Carol nutre algum sentimento a mais por Valentina? Ou é amizade apenas e proteção?

 

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Sem cadastro
Sem cadastro

Em: 08/10/2025

Gosto dos capítulos longos, porém eu priorizo a frequência também.

Assim tambem tá bom. 

Valentina está colapsando novamente

A vida dela vai dar uma guinada grande 

Basta os pais descobrirem

Impressão minha ou a Carol nutre algum sentimento a mais por Valentina? Ou é amizade apenas e proteção?

 

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Sem cadastro
Sem cadastro

Em: 08/10/2025

Gosto dos capítulos longos, porém eu priorizo a frequência também.

Assim tambem tá bom. 

Valentina está colapsando novamente

A vida dela vai dar uma guinada grande 

Basta os pais descobrirem

Impressão minha ou a Carol nutre algum sentimento a mais por Valentina? Ou é amizade apenas e proteção?

 

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Sem cadastro
Sem cadastro

Em: 07/10/2025

Gosto dos capítulos longos, porém eu priorizo a frequência também.

Assim tambem tá bom. 

Valentina está colapsando novamente

A vida dela vai dar uma guinada grande 

Basta os pais descobrirem

Impressão minha ou a Carol nutre algum sentimento a mais por Valentina? Ou é amizade apenas e proteção?

 

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N@ty
N@ty

Em: 05/10/2025

Gosto dos capítulos longos, porém eu priorizo a frequência também.

Assim tambem tá bom. 

Valentina está colapsando novamente

A vida dela vai dar uma guinada grande 

Basta os pais descobrirem

Impressão minha ou a Carol nutre algum sentimento a mais por Valentina? Ou é amizade apenas e proteção?

 


anonimo2405

anonimo2405 Em: 19/10/2025 Autora da história
Oiee, boa noite!

Pois é, e eu não consigo nem postar capítulo tão menores e nem tão rápidos rss, ridno de nervoso. Mas vou chegar lá.

Valentina, coitadinha, só tem a Carol pra contar e não surtar de vez. Mas parece que até ela tá ficando sem paciência né. Olha, parece né, que ela tem um ciuminho da amiga, mas acho que é só cuidado né. Mas vamos ver rsrs


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HelOliveira
HelOliveira

Em: 05/10/2025

Por quanto tempo Verena vai aguentar todas essas misturas de emoções, sentimentos e pressões e as consequências de tudo isso...

E mais uma vez Valentina continua chorando e sem sair do lugar..

Autora e amo cada capítulo pode ser longo ou pequeno de acordo com o que sua rotina permitir nos entregar e nos proporcionar esses momentos gostosos 


anonimo2405

anonimo2405 Em: 19/10/2025 Autora da história
Oiee, boa noite!

Pois é, não sei como a Verena não surtou ainda.Mas a hora que o caldo entornar... E a Valentina, tadinha, não consigo nem ter o que dizer.

Aii eu continuo com esse dilema de não conseguir manter a constância nas atualizações. Confesso que achei que as revisões iam ser mais fáceis. Mas como uma boa brasileira rsrs, vou conseguir meu objetivo dr voltar a atualizar toda semana.

Obrigada pelo carinho. Espero de verdade compensar esses atrasos.


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Hanna28
Hanna28

Em: 05/10/2025

AMO LEITURA LONGAS ONDE MERGULHO EM DIVAGAÇÕES E CONSIGO "ENTRAR" NAS PERSONAGENS NO QUE DIZ RESPEITO A SUAS EMOÇÕES E O FAMOSO:

( NÃO POSSO DEIXAR O CORAÇÃO DOMINAR MINHAS AÇÕES ASSIM, ESSA NÃO SOU EU!.) Aí aí 


anonimo2405

anonimo2405 Em: 19/10/2025 Autora da história
Oiee, boa noite!

Eu tbm amo capítulos longos. E sou daquelas que se envolve totalmente, passo raiva mesmo rsrs.


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Hanna28
Hanna28

Em: 05/10/2025

AS VEZES ENFRENTAR AS NOSSAS SOMBRAS REQUER ABRIR MÃO DE CERTAS ARMADILHAS DO NOSSO EGO...

O CONTROLE É UMA ILUSÃO PSÍQUICA ONDE ACHAMOS QUE DOMINAMOS AS AÇÕES E DESEJOS DO OUTRO; QUANDO NA VERDADE ESTAMOS ESPELHANDO NOSSAS INSEGURANÇAS MAIS CRUAS SOBRE AQUELE QUE ESCOLHEMOS COMO "VÍTIMA"


anonimo2405

anonimo2405 Em: 19/10/2025 Autora da história
Nossa, que incrível isso que vc escreveu. Principalmente essa última parte. É uma verdade mesmo.


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Silvanna
Silvanna

Em: 05/10/2025

"A razão tira emoção à vida." F. Nietzsche

E nossas escolhas que paguem o pato! Kkkkk

No final, creio que qualquer que seja o caminho, sempre haverá perdas, arrependimentos.

Autora eu particularmente prefiro capítulos menores, se é que podemos chamar este com mais de 6000 palavras de pequeno! Os bastante longos acabo fazendo pausas e daí tenho que me localizar onde parei. Nada também que me impeça a leitura.

Abr


anonimo2405

anonimo2405 Em: 19/10/2025 Autora da história
Oieee, boa noite!

Concordo com vc, na maioria das vezes em que temos que tomar decisões difíceis, qualquer que seja o caminho que escolhemos, a chance de nos arrepender é grande, mas... Faz parte da vida.

Aii gente, eu tô com vergonha daqui, porque fiz um combinado que não consegui cumprir a primeira vista. Mas não vou desistir do meu objetivo, que é atualizar toda semana, igual era no começo. E aí coloco capítulos não tão gigantes rsrs. Pq até pra eu revisar, geralmente não consigo concluir tudo de uma vez.


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