A reunião familiar chegou ao fim, mas a tensão entre Chloe e Lara estava longe de se dissipar. Pelo contrário, o fogo do ciúme, que Chloe mal reconhecia em si mesma, ardia silenciosamente. Os olhares de Henrique para Lara, a familiaridade e o afeto que emanavam entre eles, eram uma provocação.

Chloe se ofereceu para deixar Lara em casa, mas o trânsito estava tão caótico que elas mal saíram do lugar. Lara sabia que algo estava incomodando a Chloe, mas ela queria que a mais velha se sentisse à vontade para falar quando estivesse pronta. E não demorou.

— Você e o Henrique parecem bem próximos. — Chloe começou, a voz neutra, tentando disfarçar o descontentamento. Lara se virou para ela, um sorriso brincalhão nos lábios.

— Nós somos. Ele é como um irmão para mim. Melhor amigo da Sophie, você sabe.

— Eu sei. — Chloe retrucou, o tom um pouco mais cortante. — Mas os olhares... a forma como ele te olha. É diferente.

Lara ergueu uma sobrancelha, um brilho de diversão mal contida em seus olhos.

— Ah, é? E o que você sugere que seja, Comandante? Está com ciúmes?

A pergunta atingiu Chloe como um golpe. Ela sentiu o rosto esquentar, uma mistura de raiva e algo que ela se recusava a nomear.

— Ciúmes? Não seja ridícula, Lara. Eu só estou... observando. Não gosto de jogos. E a forma como ele age... é como se ele sentisse algo por você.

O sorriso de Lara se alargou ligeiramente.

— E se ele sentir? O que isso mudaria para nós já que esse namoro é falso?

Chloe ficou em silêncio por alguns segundos, ela sabia que Lara tinha razão, mas imaginar Lara com o seu irmão, imaginar Lara com qualquer um, embrulhava o seu estômago.

— Mudaria que... que isso é desnecessário! Nós temos um acordo. Não precisamos complicar as coisas mais do que já estão. — Chloe respondeu, sua voz quase um pouco alterada.

Lara se inclinou, diminuindo o espaço entre elas. Seus olhos azuis a sondavam, um misto de curiosidade e uma provocação calculada.

— Complicar? Chloe, você é a especialista em complicar. Primeiro, a história de sumir a semana inteira. Agora, você está morrendo de ciúmes, mas não admite. E quando você demonstra um pingo de calor, ou é um erro, ou é algo desnecessário. — A voz de Lara era suave, quase um sussurro, mas cada palavra era um alfinete, atingindo os pontos sensíveis de Chloe. — Você diz que não gosta de jogos, mas é a rainha deles. Por que não lidamos com o fato de que os sentimentos estão se tornando reais?

Chloe sentiu a respiração de Lara em seu rosto, o cheiro suave de seu perfume. Ela queria se afastar, queria gritar que nada era real, que ela estava morrendo, que tudo aquilo era uma proteção desesperada. Mas as palavras não saíam. Apenas tesão e frustração borbulhavam.

— O que você quer de mim, Lara? — Chloe perguntou, a voz tensa.

Lara sorriu, um sorriso que Chloe não percebeu como manipulação, mas como um desafio.

— Entre outras coisas, quero entender por que você está fugindo de mim já que sei que também gosta quando nos beijamos.

Ela inclinou a cabeça ligeiramente, seus olhos fixos nos de Chloe. Lara era tão direta que deixava Chloe sem palavras.

— Tudo bem. — Chloe respondeu, a voz carregada de relutância. Ela virou o volante e conduziu o carro no sentido contrário. —Vamos conversar no meu apartamento. Mas vamos deixar claro uma coisa, Lara. Não é sobre sentimentos, apenas vou responder as suas perguntas e depois, esse acordo vai terminar.

— O quê? — Lara não conseguiu esconder a surpresa. Ela tentou ser racional para conduzir aquela situação. Seu objetivo era ir para o apartamento de Chloe e não terminar o acordo. — Como assim terminar? Pensei que você precisasse de mim para acalmar os seus pais.

— Encontrei outra forma de manter eles afastados da minha vida pessoal sem precisar namorar alguém. — Chloe deixou escapar.

— E que forma é essa? — Lara se afundou no banco do passageiro, ela estava começando a se sentir frustrada. Ela sabia que Chloe tinha muito em jogo, que a sua doença era algo muito sério. O que ela não entendia era porque a mais velha queria passar por tudo sozinha.

— Uma viagem. Mas vamos terminar essa conversa no meu apartamento, já estamos chegando. — Foi tudo o que Chloe disse antes de ativar o modo rainha do gelo.

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— Entre. — Chloe disse, a voz mais rouca do que gostaria, fechando a porta e se virando para encarar Lara.

A luz do fim de tarde, já suave, pintava a sala em tons dourados, mas não suavizava a expressão de Chloe.

— Eu não tenho muito tempo. Vamos ser breves. Quais são as suas perguntas? — Ela cruzou os braços, uma barreira física para a mulher à sua frente.

Lara a observou por um momento, seus olhos azuis brilhando com uma intensidade que fazia Chloe querer desviar o olhar. A médica não se apressou, tirou os sapatos com calma e os deixou organizados ao lado da porta, um gesto doméstico que desarmou Chloe por um segundo. Ela sabia que a mais velha queria ter o controle da situação, por isso tinha escolhido o apartamento para conversar, por isso tinha estabelecido a viagem como  tema da conversa. Mas Lara era perspicaz o suficiente para saber que tudo aquilo eram desculpas. Chloe ainda não a conhecia o suficiente para saber que ela não se deixava manipular. Por isso ia ser o mais direta possível, encurralando a mulher à sua frente.

— Eu quero saber por que você está me afastando, Chloe? — Lara finalmente disse, a voz suave, mas firme, sem um pingo da brincadeira que usara antes. Ela deu um passo à frente, diminuindo a distância entre elas. A médica percebeu a surpresa nos olhos da piloto, nada naquela conversa seria como Chloe queria. Chloe estava frustrada pois Lara nem tinha ligado para a desculpa da viagem. —  Desde o que aconteceu aqui, você virou um fantasma. Mensagens secas, desculpas esfarrapadas. Esse namoro é uma farsa, certo? Mas em uma farsa não se beija como nós nos beijamos. Em uma farsa não se dorme nos meus braços a noite inteira. E em uma farsa não se fica com ciúmes do próprio irmão.

Chloe sentiu o rosto esquentar com a menção do ciúme.

— Eu não fiquei com ciúmes. E o que aconteceu aqui foi um... um lapso. Eu não estava bem.

— Um lapso? Um lapso que te fez me puxar para perto? Que te fez me beijar de volta com a mesma intensidade? Não me subestime, Chloe. — Lara desafiou, a voz ainda suave, mas com um tom de alerta. Ela deu mais um passo, agora perigosamente perto. — Você diz que não sabe do que estou falando, mas seus olhos me contam uma história diferente.

Chloe sentiu-se encurralada. As palavras de Lara eram como flechas, certeiras em suas defesas. Ela tentou recuar, mas Lara bloqueou seu caminho, não com força, mas com sua presença imponente.

— Eu tenho meus motivos para manter distância, Lara. — Chloe sussurrou, sentindo o pânico subir. Ela não podia, não devia ceder. — Coisas que você não entenderia.

Lara soltou um suspiro, e pela primeira vez, um traço de vulnerabilidade cruzou os olhos de Chloe.

— Me dê a chance de entender, então. Me dê a chance de estar aqui. Eu não sou um brinquedo que você usa quando se sente sozinha e depois descarta. Eu me importo com você, Chloe. —  A voz de Lara carregava uma profundidade que fez o coração de Chloe apertar.

— Você não é um brinquedo para mim, mas não posso!— Chloe explodiu, a voz embargada pela frustração e pelo medo.

Lara ergueu a mão, esperando que Chloe aceitasse o seu toque. O polegar acariciando a pele macia da bochecha da mais velha. O toque era elétrico, uma corrente que percorreu o corpo de Chloe. Chloe tentou resistir, virar o rosto, mas não conseguiu. A exaustão da doença, o estresse dos últimos dias, a estranha sensação de ciúmes, e agora a intensidade de Lara... era demais. Ela se sentia como uma rocha desmoronando sob a pressão das ondas.

Lara inclinou-se, seus olhos azuis fixos nos de Chloe.

— Eu quero você, Chloe. Eu sei que você me quer também.

E então, Lara a beijou.
Não foi um beijo de raiva ou de provocação, mas de uma profunda ternura misturada a um desejo faminto. Os lábios de Lara eram macios e urgentes, explorando os de Chloe com uma devoção que derreteu as últimas defesas da ex-piloto. Chloe não resistiu. Seus braços, que antes estavam cruzados em autodefesa, agora se ergueram para envolver o pescoço de Lara, puxando-a para mais perto, aprofundando o beijo com uma necessidade que a assustava. Seus lábios se moveram em sincronia, uma dança apaixonada, um diálogo sem palavras de desejo e rendição.
As mãos de Lara deslizaram pelas costas de Chloe, apertando sua cintura, sentindo cada curva de seu corpo. Os beijos desceram pelo pescoço de Chloe, deixando um rastro de fogo, e a ex-piloto arqueou as costas, um gemido baixo escapando de seus lábios. Seus dedos se enredaram nos cabelos ruivos de Lara, sentindo a maciez e a vitalidade que a médica exalava.

A diferença de altura entre elas se tornou um jogo. Lara se inclinou, seus lábios traçando um caminho da mandíbula de Chloe até sua orelha, sussurrando palavras de carinho e desejo que Chloe mal conseguia processar. As carícias se intensificaram, as mãos de Lara explorando as costas de Chloe sob a blusa de seda, subindo e descendo, provocando arrepios por todo o corpo da mais velha. Chloe sentia seu corpo tremer com cada toque, cada beijo, cada sussurro. O desejo era uma onda avassaladora, impossível de conter. Elas estavam a poucos segundos de ultrapassarem todos os limites. Mas Chloe precisava fazer um último esforço. Foi por isso que empurrou Lara e se afastou. Ela respirava com dificuldade. Sem conseguir desviar o olhar da médica.

— É melhor você ir embora. — Chloe mal conseguia falar, ela estava praticamente sussurrando.

— Tem certeza? — Lara queimava por Chloe, mas iria respeitar a decisão da mulher. E por mais que machucasse, ela iria manter distância. No fim, Chloe tinha o direito de escolher como iria viver a sua própria vida.

Chloe ficou calada e Lara entendeu a atitude como uma confirmação. Ela seguia a passos vacilantes até a porta. Girou a maçaneta.

— Lara! — Chloe deixou uma lágrima escapar. Era como se ela quisesse lhe dizer alguma coisa. A médica foi ao encontro da mulher e lhe puxou para um abraço. Isso foi o suficiente para que Chloe deixasse que o resto das lágrimas caíssem. Não foi uma cena bonita ou romântica, mas sim, um choro de desespero, de cansaço. Lara apertou a mulher em seus braços, ela queria tirar aquela dor de Chloe, mas sabia que elas ainda teriam um longo caminho pela frente. Lara só queria que Chloe entendesse que ela não iria se afastar, mesmo quando as coisas ficassem difíceis.

Depois de alguns minutos, Chloe estava mais calma. Lara deixou ela sentada no sofá e lhe deu um copo com água. A piloto mal conseguia olhar para Lara, ela estava com vergonha.

— Ei! Está tudo bem. — Lara tentou animá-la.

— Você deve pensar que sou louca.

— Só um pouquinho. — Lara brincou. O que funcionou, já que a mais velha sorriu.

— Me desculpa, sei que é difícil me entender.

Lara sentou ao lado de Chloe e acariciou o seu rosto. Depositou um  beijo singelo na sua testa.

— Você pensa demais. Eu entendo, mas acho que devemos passar um dia sem nos preocupar com nada.

— O que quer dizer?

— Amanhã, você vai cancelar qualquer compromisso que tiver. Eu venho te buscar para uma surpresa. — Lara queria que Chloe tivesse ao menos um dia bom em meio ao tratamento, que ela sabia que era muito estressante e doloroso. — Sei que parece loucura, mas confia em mim. Você precisa de um dia livre.

Chloe pensou nas palavras da médica. Ela não entendia porque Lara estava sendo tão legal, mas de alguma forma, o gesto da mais nova só fazia com que Chloe tivesse mais dificuldades de se manter longe.

— Tudo bem.

— Perfeito! — Lara quase pulou de alegria. — Esteja pronta às 15hs e vista roupas confortáveis. — A mais nova não quis dar espaço para Chloe protestar. Então ela deu um selinho na mulher e se despediu saindo pela porta.

Chloe ficou sem reação, mas o sorriso em seu rosto deixava claro que Lara sabia o que estava fazendo.

Fim do capítulo