Chloe saiu do hospital direto para a casa dos pais. Ela estava fazendo uma bateria de exames. A Dra. Márcia estava criando um plano de tratamento novo e um pouco mais invasivo. Em pouco dias sua vida mudaria completamente. Chloe não se sentia pronta para mais mudanças em tão pouco tempo. Ela ainda não tinha superado a falta que sentia de voar.

Sobre o seu corpo, apesar da magreza em evidência, agora o seu cabelo estava caindo com mais frequência e sua palidez estava cada vez mais difícil de disfarçar com a maquiagem. Nas consultas, ela fazia de tudo para passar despercebida, principalmente porque Lara trabalhava no setor próximo. Apesar de todas as suas tentativas de ficar longe da mais nova, ela já sabia que teria que encarar os questionamentos de Lara naquela tarde.

Um convite irrecusável chegou: um almoço de boas-vindas para Henrique, que havia chegado do Rio de Janeiro para passar um tempo em São Paulo, e que seria na casa de seus pais. Aparentemente, Rick e Lara eram amigos e o irmão fazia questão da presença da amiga em seu almoço. Chloe não teve a oportunidade de inventar uma desculpa para a ausência de Lara antes de saber que ela estaria na casa dos seus pais. A fachada do "namoro" precisava ser mantida, e isso significava ter Lara ao seu redor, sentir o cheiro de Lara e impedir que a sua mente voltasse para os beijos que compartilharam.

Chloe respirou fundo, ela vestia uma roupa que, esperava, transmitir uma imagem de normalidade e controle. A maquiagem foi aplicada com mais cuidado, um esforço para disfarçar o cansaço que sentia nas profundezas de seus ossos e a palidez que a doença teimava em impor.

Ao chegar à imponente casa de seus pais, o burburinho de vozes e risadas já podia ser ouvido do lado de fora. O jardim estava impecável, e o aroma de temperos e assados flutuava no ar, prometendo o tipo de almoço de domingo que sua mãe sempre fazia questão de organizar. Um nó se formou no estômago de Chloe, uma mistura de nervosismo e a familiar náusea.

Miguel, seu pai, abriu a porta com um sorriso caloroso.

— Chloe, minha filha! Que bom que chegou. Sua mãe, sua namorada e seu irmão já estão lá dentro. Ele a abraçou com a familiaridade de sempre.

Lara estava na sala de estar, conversando animadamente com Beatriz, a mãe de Chloe, que parecia encantada com o jeito descontraído da médica. Seus cabelos ruivos brilhavam sob a luz que vinha da janela, e seus olhos azuis irradiavam uma energia que fez Chloe sentir um estranho misto de atração e pavor. Elas se olharam, e a tensão entre elas foi quase palpável. Havia um leve tremor nos cantos dos lábios de Lara, como se um sorriso estivesse prestes a nascer, mas seus olhos mantinham uma profundidade séria que dizia: Eu preciso falar com você.

— Chloe! Minha querida! Que bom que veio! - Beatriz exclamou, vindo ao seu encontro com um abraço caloroso. — A Lara estava aqui me contando sobre o estágio dela. Tão dedicada!

Chloe forçou um sorriso, e um olhar breve entrelaçou-se com o de Lara.

— Sim, ela é. Dedicada. — Lara sorriu e veio ao seu encontro. Beijou a sua bochecha, como sempre fazia. Mas dessa vez não teve provocações.

— Que bom que você chegou, meu amor. — Foi as únicas palavras que Lara disse. A mais nova ficou ao seu lado, sem forçar proximidade. Era irônico que apesar de irritá-la, tudo o que Chloe precisava era sentir o calor do corpo de Lara para ficar melhor. A mais velha logo bloqueou esse pensamento.

Uma figura alegre e extravagante surgiu no portal da sala de jantar.

— Finalmente a rainha do gelo chegou! Já não aguentava mais de fome! — Uma voz brincalhona anunciou. Henrique.

Ele era alto como Chloe, os mesmos olhos azuis, mas seus cabelos eram cacheados, cortados de forma moderna. Seu sorriso era largo e convidativo, e suas roupas, uma camisa de seda estampada e calça de linho, exalavam a criatividade de um designer de interiores. Ele abraçou Chloe com uma efusão que fez a ex-piloto sorrir genuinamente pela primeira vez em dias.

— Maninha! Que saudade! Você demorou, hein?

— Henrique! Que bom te ver! — Chloe respondeu, sentindo um momento de leveza na presença do irmão.

Henrique então se virou para Lara, com um brilho nos olhos que Chloe não conseguiu identificar de imediato.

— E você, Lara! Que bom que aceitou o convite! Desculpa não ter falado com você antes, estava tomando banho. — Ele abraçou Lara com uma efusão que fez a médica rir abertamente, girando-a no ar. — Senti falta da sua bagunça! —Henrique disse, soltando Lara e bagunçando seus cabelos ruivos.

— Bobão! Você que não sai do Rio! Faz tempo que não conversamos.— Lara retrucou, empurrando-o de leve.

Os olhos de Chloe pousaram sobre a dupla dinâmica, um brilho de curiosidade misturado a algo que Chloe não conseguiu decifrar. Sua mãos seguiu o caminho das costas de Lara até repousar na cintura da médica. Lara olhou para ela surpresa .

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Durante o almoço, a mesa estava cheia de conversas animadas. Miguel e Beatriz faziam perguntas sobre o trabalho de Henrique, suas últimas viagens. Henrique contava histórias divertidas do Rio, e Lara participava ativamente, com a leveza de quem está entre amigos, sorrindo e rindo com a familiaridade de sua relação com Henrique.

Chloe tentava se misturar, respondendo às perguntas sobre seu trabalho na empresa, mantendo a postura controlada. Mas seus sentidos estavam aguçados, focados em Lara e Henrique. Ela percebeu os olhares de Henrique para Lara. Eram olhares sutis, rápidos, mas carregados de uma intensidade que ela, acostumada a ler microexpressões, não podia ignorar. Não era apenas a admiração que um amigo tem pela amiga de longa data. Havia algo mais. Uma melancolia, uma doçura que se demorava um pouco mais do que o necessário. E, de repente, Chloe sentiu uma pontada de ciúmes, um fogo estranho e desconfortável que nunca havia experimentado antes.
Lara estava rindo de algo que Henrique havia contado, seus olhos azuis brilhando, e Henrique a olhava com uma ternura quase reverente. Foi o suficiente.

Chloe agiu por impulso. Em um movimento quase imperceptível para os outros na mesa, sua mão deslizou sob a mesa e pousou firmemente na coxa de Lara, apertando-a de leve. Era um aviso, uma marcação de território disfarçada em um toque casual. Lara se sobressaltou, virando-se para Chloe com os olhos arregalados, surpresa e um brilho de desejo. Ela piscou uma vez, a surpresa se transformando em um sorriso sutil e quase divertido. Lara não sabia o que estava fazendo Chloe agir tão estranhamente, mas ela não iria protestar. Tudo o que ela menos queria era afastar a mais velha. Ainda não sabia como iria fazer Chloe baixar a guarda, mas estava esperando uma oportunidade para ficar a sós com ela.

— Então, Chloe. — A voz de Henrique cortou o breve silêncio entre as duas, seus olhos fixos na irmã com uma seriedade que contrastava com sua leveza habitual. — Eu sempre me perguntei. Você largou a aviação, não foi? Lembro que você amava pilotar. O que aconteceu? A empresa do pai te fisgou de vez?

O estômago de Chloe revirou. Aquela era a pergunta que ela mais temia, a que a forçava a revisitar a ferida aberta da doença. Ela sentiu o olhar de Lara sobre ela, um olhar que agora, para Chloe, parecia apenas de profunda preocupação com sua reação ao tópico, e não de conhecimento de sua condição.

— Ah, Henrique. — Chloe começou, tentando controlar a voz. — É que... a vida muda. A empresa precisava de mim. É um novo desafio. E a aviação... bom, era uma paixão de juventude que deu lugar a outras prioridades. — Ela tentou soar convincente, mas a mentira queimava em sua garganta.

Henrique franziu a testa, sem parecer totalmente convencido.

— Entendi. Mas... ainda sinto que não é a sua cara, sabe? Você sempre foi a pessoa mais 'céu' que eu conhecia. Não consigo te imaginar presa em um escritório o dia todo.

Chloe apenas deu um sorriso fraco, desviando o olhar. Ela não podia, não conseguiria, explicar a verdade para ele. Não podia explicar que o motivo era um tumor, uma cirurgia, um futuro incerto.

Lara, percebendo a crescente tensão e o desconforto de Chloe, interveio, sua voz casual.

— Henrique, me fala. Você pegou um grande projeto. A Soph me contou um pouco. Está gostando do trabalho? — Rick sorriu e seus olhos voltaram a brilhar somente para Lara. Ele ficou empolgado e começou a divagar sobre os seus projetos e planos para a empresa que tinha contratado os seus serviços. Os pais participaram animados da conversa.

Lara sorriu para Chloe, um sorriso cúmplice que, pela primeira vez em dias, não tinha apenas humor, mas um apoio velado. Chloe sentiu um arrepio. Lara não desistiria. Ela tirou a mão da pele de Lara e colocou o bolso da sua jaqueta. Acenou levemente em sinal de agradecimento para a médica.

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Após o almoço, enquanto Miguel e Beatriz deixavam a cozinha em ordem, Henrique havia se instalado confortavelmente no sofá da sala, folheando uma revista qualquer. Lara se aproximou, sentando-se ao seu lado. Chloe, que tentava se manter ligeiramente afastada, ocupando uma poltrona mais distante, fingiu indiferença.

— Então, Larinha, conta direito essa história de namoro com a minha irmã. — Henrique começou, um sorriso zombeteiro nos lábios, mas seus olhos, por um breve instante, pousaram em Lara com uma intensidade que só Chloe captou. Era um brilho de algo que parecia quase... ciúme, ou talvez uma surpresa ferida, rapidamente disfarçada. O que tinha acontecido? Porque Henrique olhava Lara daquela forma?

Lara riu, passando a mão nos cabelos ruivos.

— Ah, Rick, você sabe como são essas coisas. Fomos em um encontro que nossos pais arranjaram e aconteceu.— Ela lançou um olhar rápido para Chloe, que estava tensa na poltrona.

— Aconteceu? — Henrique repetiu, com um ar de descrença divertida. Ele fechou a revista e se virou para as duas. — Qual é, Lara. Você nunca foi de enrolar. E a Chloe... bem, a Chloe é a Chloe. Sério, me contem como foi que aconteceu? Eu conheço minha irmã, e com todo o respeito, Chloe, nunca pensei que você fosse de se prender a alguém assim. Sempre foi a carreira, o voo solo. E Lara, você sempre foi mais... expansiva, digamos.

Um calor subiu ao rosto de Chloe, Henrique tinha muitas opiniões para dar. A forma como o irmão comparava as duas, as indiretas sobre sua "natureza" em relacionamentos, tudo isso, somado as interações de Lara com Henrique, fez seu ciúme borbulhar novamente. Ele era o irmão dela, mas a forma como ele falava de Lara, e a forma como Lara parecia confortável com ele, a irritava.

— Qual o problema, Henrique? — Chloe interveio, a voz um pouco mais ríspida do que o necessário. — As pessoas mudam. E o que eu e a Lara temos... é assunto nosso. - Ela lançou um olhar possessivo para Lara, quase desafiador.

Lara se virou para Chloe, surpresa, seus olhos azuis se arregalando ligeiramente. O sorriso em seus lábios se desfazendo. Aquela era uma reação que ela não esperava. Lara não queria causar uma briga entre os irmãos.

— Amor, seu irmão só está curioso. — Lara foi até onde Chloe estava e sentou no braço da poltrona que a mais velha ocupava. — Não seja tão dura com ele.

Henrique pareceu notar a tensão que as duas emanavam. Um leve brilho de decepção cruzou seu rosto antes de ser substituído por um sorriso. As duas pareciam um casal cheio de química.

— Calma, maninha! Não precisa me morder! Só estou curioso. Estou feliz por vocês, de verdade. — Seus olhos se demoraram um pouco mais em Lara, um rápido flash de melancolia que escapou à percepção da médica, mas não à de Chloe.

— Obrigada Rick. Eu entendo a sua curiosidade. — Lara disse, sua voz calma, os olhos fixos nos de Chloe. — Essa Comandante foi... difícil de conquistar, mas eu adoro um bom desafio. — O sorriso de Lara era um convite silencioso, e a última frase, um sussurro que apenas Chloe podia captar, era uma provocação direta a resistência da mais velha.

Chloe sentiu um arrepio. Lara estava a provocando de propósito, usando a presença do irmão para apertar o cerco. Era irritante, manipulador, e... ela não conseguia evitar uma vontade de vencer aquela conversa.

— Eu não sou um desafio, Lara. — Chloe respondeu, sua voz baixa, quase um sussurro, tentando manter a compostura.

— É sim. — Para a surpresa de Chloe, Rick e Lara responderam ao mesmo tempo.

Lara soltou uma risada suave e Henrique não perdeu a oportunidade de brincar com a irmã.

— Você encontrou alguém que é tão teimosa quanto você, irmã. — Henrique falava com a certeza de alguém muito próximo.

— Nem me fale. — Chloe deixou escapar. Ela se manter quieta o restante da conversa. Estava de mau humor.

Fim do capítulo