Capitulo 14
O sol já espreitava pelas frestas das cortinas do apartamento de Chloe, pintando o luxuoso quarto com um tom dourado e convidativo. Mas para Chloe, a luz da manhã trazia consigo um peso, uma ressaca que nada tinha a ver com álcool. O beijo. Aquele beijo.
Ela abriu os olhos, sentindo a memória dos lábios de Lara nos seus, a intensidade inesperada, o calor que a percorreu. Uma vertigem diferente, dessa vez, assaltou-a: a vertigem da descoberta. Por que havia correspondido? Por que havia se entregado, mesmo que por um instante, a uma atração tão perigosa? Lara era gentil, acolhedora, e de uma beleza que a desarmava, mesmo quando ela tentava erguer suas muralhas. A fraqueza da noite anterior, a tontura, a vulnerabilidade... tudo isso havia culminado naquele momento de absoluta imprudência.
Chloe virou-se na cama, sentindo um pânico sutil. Aquilo não podia se repetir. Ela precisava impor limites, reforçar a barreira antes que tudo desmoronasse, Lara iria se machucar e ela não queria aquilo. O beijo foi um erro, um lapso de fragilidade que ela não podia se permitir.
Levantou-se rapidamente, um leve enjoo ainda a incomodando, mas com a mente focada em encontrar Lara. Precisava esclarecer tudo, antes que a médica criasse expectativas ou, pior, sentisse algo que não deveria. Ela caminhou apressadamente para a sala, mas o sofá estava vazio. Verificou a cozinha, o escritório. Nenhum sinal de Lara. Por fim, abriu a porta do quarto de hóspedes. A cama estava arrumada, impecável, como se ninguém tivesse dormido ali.
Lara havia ido embora.
Um misto de alívio e uma estranha pontada de desapontamento atingiu Chloe. Alívio por não ter que enfrentar a conversa difícil imediatamente, e desapontamento por... A presença de Lara, mesmo na casa, havia sido um conforto silencioso. Chloe suspirou, tentando afastar os pensamentos que a perturbavam. O beijo foi um erro. Lara era linda, mas a distração conveniente para os pais. Nada mais.
Sentindo-se um pouco mais firme, mas ainda com o peso da noite no corpo, Chloe se preparou para o trabalho. A rotina, a lógica, os números da empresa de seu pai seriam um bom antídoto para a confusão de seus sentimentos.
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O plantão na emergência do hospital era sempre um teste de resistência para Lara. Mas naquele dia, era ainda mais. A UTI neonatal estava caótica, com três bebês em estado crítico, cada um lutando por cada respiração. Lara, com sua energia habitual, movia-se rapidamente entre os berços aquecidos, monitorando sinais vitais, ajustando medicações, sussurrando palavras de encorajamento para os pequenos e para as enfermeiras exaustas.
Geralmente, ela era sociável, a alegria do plantão, sempre pronta para uma piada ou um desabafo rápido com os colegas. Mas hoje, não havia tempo para nada além da medicina. Seu telefone permanecia intocado no bolso do jaleco, as notificações silenciosas ignoradas em favor da vida que pulsava frágil à sua frente. As horas se arrastavam em um borrão de adrenalina e tensão.
Infelizmente, nem todo esforço era suficiente. No final da tarde, um dos bebês, uma menina minúscula que havia lutado bravamente contra uma infecção generalizada, não resistiu. O som do monitor cardíaco silenciando foi um golpe no estômago de Lara. Ela sentiu a exaustão se transformar em uma dor aguda no peito. A medicina era gloriosa em suas vitórias, mas impiedosa em suas perdas. Ela fez o máximo, mas não foi o suficiente. O olhar triste da mãe do bebê, que chegou logo depois, partiu seu coração.
Quando o plantão finalmente terminou, o corpo de Lara pesava como chumbo, mas era o cansaço mental e emocional que a esmagava. Ela se arrastou até o carro, jogou a bolsa no banco do passageiro e, antes de dar a partida, pegou o telefone. As notificações acumuladas eram muitas, mas uma mensagem específica chamou sua atenção: de Chloe.
A mensagem era curta, direta, e no estilo inconfundível de Chloe.
Chloe: Terei compromissos de trabalho nas próximas semanas. Não poderei acompanhá-la em eventos de família. Mantenha os seus pais informados.
Lara releu a mensagem. Nem um obrigada por ontem, nem uma menção à vertigem, muito menos ao beijo. Era um recuo claro, uma fuga velada. A decisão de Chloe de não participar dos "eventos de família" era um sinal evidente. Ela estava fugindo. Fugindo do beijo. Fugindo da conexão inesperada que havia surgido no apartamento.
A dor da perda do bebê ainda estava fresca, e a mensagem de Chloe, em vez de feri-la, acendeu uma faísca de algo novo em Lara: uma determinação férrea. Chloe podia tentar se afastar, podia fingir que nada havia acontecido, mas Lara sabia a verdade. Sabia que Chloe havia correspondido ao beijo, que ela não era a única com desejos que iam além da farsa do namoro. E Lara Fontenelle não era de desistir facilmente quando algo ou alguém a intrigava tanto.
Uma decisão foi tomada, silenciosa e inabalável.
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O interfone tocou no apartamento de Chloe, tirando-a de sua concentração em um relatório financeiro. Já era noite, e ela esperava ter alguma paz.
— Quem é? — Sua voz soou mais rígida do que o habitual. Ela nunca tinha visitas. Sua família sabia que ela gostava do seu tempo sozinha.
— É a Lara, Comandante. — A voz da médica veio do outro lado, com um tom que misturava diversão e uma determinação que Chloe reconheceu imediatamente. — Precisamos conversar.
Um arrepio percorreu a espinha de Chloe. Havia algo no tom de Lara que a deixou em alerta.
Chloe respirou fundo antes de abrir a porta, colocou no seu rosto uma máscara de neutralidade. Quando abriu a porta, seus olhos azuis encontraram os de Lara. Além da determinação que já esperava, Chloe percebeu uma melancolia discreta nos olhos da médica, uma sombra de tristeza que a deixou momentaneamente intrigada. Não sabia, mas era o resquício da perda daquele dia no hospital. Uma pontada de preocupação, sutil e não verbalizada, surgiu no peito de Chloe, mas ela rapidamente a mascarou.
— O que faz aqui, Lara? Mandei mensagem avisando que estaria ocupada. — Chloe perguntou, a voz tentando soar indiferente.
Lara estava ali, em pé, exalando uma energia vibrante que contrastava com o cansaço de Chloe. Seus olhos como o mar, apesar da tristeza subjacente, brilhavam com uma mistura de desafio e uma intensidade que fez o coração de Chloe acelerar.
— Eu vi a mensagem. E por isso estou aqui. Você está fugindo. — Lara disse sem rodeios, entrando no apartamento sem ser convidada, como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Chloe fechou a porta, sentindo a tensão aumentar no ar.
— Não estou fugindo de nada. Tenho trabalho. Compromissos. Você está errada. — Ela cruzou os braços, uma tentativa de criar uma barreira física entre elas.
— Ah, é? Compromissos que surgiram do nada, logo depois do que aconteceu aqui? — Lara se aproximou, diminuindo a distância entre elas. Seus olhos não desviavam, penetrando as defesas de Chloe. — Você pode tentar se enganar, Chloe, mas não vai me enganar. Eu sei o que aconteceu. E sei que você também sentiu.
— Não sei do que você está falando. — Chloe respondeu, sua voz fria, mas havia um tremor quase imperceptível em sua mão que ela tentava esconder. — Foi um momento. Você sabe, por causa da... vertigem. Eu não estava bem. Não signifi—
— Não signifi-ca nada? É isso que você vai dizer? — Lara a interrompeu, a voz suave, mas firme. — Você não estava tão mal assim para me corresponder daquele jeito. E não estava mal para me segurar, Chloe. Eu não vou deixar você se afastar por causa de um beijo. Principalmente agora que eu sei que não sou a única que tem desejos além da farsa.
Chloe sentiu um arrepio. A ousadia de Lara, a forma como ela via através de suas defesas, era irritante e, ao mesmo tempo, estranhamente sedutora.
— Lara, por favor. Pare com isso. Nós temos um acordo. É só isso.
— Um acordo que, aparentemente, pode incluir alguns... benefícios extras. — Lara sorriu, um brilho travesso em seus olhos. Ela estendeu a mão e tocou o rosto de Chloe, sua pele quente e suave sob os dedos da médica.
Chloe enrijeceu por um segundo, o instinto de se afastar gritando em sua mente. Mas o toque de Lara era diferente, gentil, mas com uma autoridade que a impediu de reagir. O olhar de Lara penetrava o seu corpo e a força de vontade de Chloe começou a vacilar. Ela estava exausta, e a persistência de Lara era avassaladora.
—Não... — Chloe tentou, a voz quase um gemido, mas era um "não" sem convicção, um último sopro de resistência.
Lara não esperou. Seus olhos azuis desceram para os lábios de Chloe, e ela ficou na ponta dos pés, selando seus lábios nos de Chloe.
Dessa vez, o beijo não foi hesitante. Foi uma demanda, uma promessa. Lara beijou Chloe com uma intensidade que refletia toda a sua frustração, seu desejo e sua determinação. As mãos de Lara subiram para os cabelos escuros de Chloe, aprofundando o contato. Chloe, sem forças para negar, sem vontade para lutar contra a torrente de sensações que a invadia, deixou-se levar. Seus lábios corresponderam com uma paixão contida, mas urgente. Seus braços, antes cruzados em autodefesa, agora se erguiam para envolver a cintura de Lara, puxando-a para mais perto. Era uma rendição silenciosa, um abandono ao inevitável.
Lara sentiu a resposta e soube que havia vencido, pelo menos por enquanto. Ela quebrou o beijo, seus olhos azuis brilhando de triunfo e um desejo faminto. Sussurrou contra os lábios macios de Chloe.
— Vamos para o quarto. — Era uma ordem que deixa a ruiva ainda mais tentadora.
Chloe não protestou. Seus olhos estavam meio fechados, sua respiração irregular. Lara a guiou pela mão, levando-a para o santuário particular de Chloe. No quarto, sob a luz suave do abajur, as carícias se intensificaram. A médica deitou na cama, puxando a mais velha consigo. Lara beijou o pescoço da mulher, sentindo sua pele arrepiar. As mãos de Lara exploraram a cintura de Chloe, subindo por suas costas, sentindo a maciez de sua pele sob a roupa fina. Chloe gemia baixo, uma resposta gutural que fez o coração de Lara vibrar.
Seus lábios se encontraram novamente, aprofundando-se, explorando cada curva, cada centímetro da boca uma da outra. Os dedos de Lara se emaranharam nos cabelos de Chloe, enquanto os de Chloe deslizavam pelos cabelos ruivos de Lara, uma cascata de fogo entre seus dedos. A diferença de altura era palpável agora, Chloe dominando com sua estatura enquanto Lara se agarrava a ela, buscando mais proximidade. A mão de Lara deslizou pela lateral do rosto de Chloe, seus polegares acariciando as maçãs do rosto, enquanto a outra mão explorava a curva de sua cintura, aproximando seus corpos. Chloe retribuiu o toque, suas mãos encontrando a nuca de Lara, sentindo os fios ruivos macios sob seus dedos. Era uma dança sensual, um jogo de toques e sussurros, de lábios famintos e corpos que se buscavam, mas sem cruzar a última barreira. A necessidade, o desejo e a promessa de algo mais pairavam pesadamente no ar.
Quando os beijos diminuíram e as carícias se tornaram mais gentis, mais acolhedoras, Chloe suspirou, aninhando-se nos braços de Lara. Ela estava exausta, mas um calor confortável a envolvia. A respiração de Chloe tornou-se mais lenta, mais profunda. Lara a apertou em seus braços, sentindo o peso de seu corpo se rendendo ao sono. Chloe adormeceu ali, segura e, pela primeira vez em muito tempo, talvez em paz.
Lara ficou acordada por mais um tempo, segurando Chloe. O cheiro da pele dela, a sensação de seu corpo adormecido em seus braços, era inebriante. Ela olhou para o teto, um sorriso suave brincando em seus lábios. O desejo por Chloe era inegável, e o fato de Chloe ter correspondido, mesmo em sua negação, era uma vitória. A farsa estava se tornando cada vez mais tênue, e Lara se perguntava o que viria a seguir. Mas por enquanto, ter Chloe ali, em seus braços, era o suficiente. Ela adormeceu com o corpo de Chloe aninhado ao seu, o coração cheio de uma nova e perigosa esperança.
Fim do capítulo
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