Capitulo 12
É final de tarde, e o céu está pintado com tons de laranja e roxo. Chloe está sozinha na sala do seu apartamento, em frente à janela, com um copo de água com gás intocado sobre a mesa de centro.
Mais um pôr do sol visto de baixo. Antes, eu estaria acima dessas nuvens, sentindo o sol queimar no rosto, o comando daquela máquina poderosa nas minhas mãos. O ronco dos motores... era a minha sinfonia. Agora... o silêncio.
Seus dedos traçam o vidro da janela, como se pudessem sentir a vibração de um manche. Ela fecha os olhos por um instante, e a imagem nítida da cabine de comando invade sua mente: os inúmeros botões e luzes, o painel digital, a sensação do cinto de segurança apertado, a comunicação clara com a torre. Era um mundo de precisão, de responsabilidade, de liberdade.
A liberdade... como eu sinto falta daquela sensação de romper as barreiras da terra, de ver o mundo se encolher lá embaixo. Cada decolagem era um novo começo, cada aterrissagem, uma conquista. Agora, cada dia parece... pesado e incerto. Era só o que Chloe pensava.
Ela abre os olhos novamente, fitando as luzes que começam a se acender na cidade. Aquele era o seu novo horizonte: um trabalho que ela detestava e uma luta silenciosa contra um inimigo que a destruía lentamente.
E no meio disso tudo, tinha a Lara. Chloe nunca quis magoar ninguém, ela se sentia mal quando precisava ser fria com a médica. Mas era necessário, Lara não podia se aproximar. Ela era como um barco preste a afundar e não queria puxar ninguém junto consigo.
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— Filha, é tão bom ver você mais presente em casa. E com um brilho diferente nos olhos. Aquela fase "baladeira" ficou para trás? — Helena fala cheia de satisfação.
— Mãe! Eu sempre fui presente! E continuo gostando de uma boa balada, só que agora tenho... outras prioridades. A residência está sendo bem cansativa, mas muito gratificante. E sim, a vida está bem mais interessante. — Lara toma um gole do seu café.
— Outras prioridades, tem nome e sobrenome, não é, filha? Chloe Müller. É bom ver você se "assentando" um pouco, Lara. Devo admitir que conhecer a Chloe nos deixou bem felizes. Já estava na hora de você encontrar alguém para dividir a vida. — Luiz sorrir satisfeito deixando o seu jornal de lado.
— Pai! Não é para tanto! Mas sim, a Chloe é uma pessoa incrível.
— Ela parece uma boa pessoa. Além do mais é filha do amigo do seu pai. O que ele te contou sobre ela, Luís?
Lara, de repente, fica interessada na conversa. Ela não sabia muito sobre Chloe.
— Pouco, na verdade. O Miguel falava que ela é brilhante, mas... muito reservada. Ela passou muito tempo viajando por conta do trabalho.
— Isso só mostra que ela é uma pessoa séria, comprometida com as coisas que ama. Filha, é bom para você ter alguém assim ao seu lado.
Luís assente, com um olhar mais direto para Lara. A médica ficava magoada que os pais a enxergasse como uma pessoa tão irresponsável. Porque não era verdade, ela sempre se esforçou nos estudos. Se formou com honras e já estava fazendo especialização. E logo se mudaria para um apartamento financiado, que pagaria com o seu próprio dinheiro. O problema é que para eles, nada disso importava se ela não tivesse uma namorada. As vezes era cansativo tentar ser perfeita para os pais. Eles nunca pareciam satisfeitos.
— Sim, Lara. É bom ver você com alguém que parece trazer mais... estabilidade para a sua vida. Seu foco sempre foi a medicina e as festas. Agora, com a Chloe, parece que as coisas estão tomando um rumo mais maduro.
Se os pais soubessem que estabilidade era o que menos Lara sentia perto de Chloe. Todas as vezes que a mulher chegava perto, ela só queria agarrá-la pela cintura e beijá-la. Chloe provocava o lado mais travesso de Lara. Uma mulher mais velha, fechada e muito misteriosa. Aquilo só acendia mais a chama de desejo que consumia a mente de Lara nas últimas semanas. Por poucos centímetros, Lara não descobriu o gosto dos lábios chamativos de Chloe. Ela queria deixar aquela mulher louca, tirar toda a barreira que as separavam e fazer Chloe implorar pelos seus toques. Esse era o tipo de flerte que a médica amava.
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Na metade da semana, Lara foi convidada para uma diversão inofensiva com os amigos do trabalho. Eles iriam em um bar e depois para a casa de um colega. Ela chamou Chloe, mas ela não respondeu a sua mensagem.
— Cadê a sua namorada, Lara? Você disse que ela ia vir. — É Benjamim quem pergunta.
— Ela me mandou uma mensagem agora há pouco. Ficou presa em uma reunião de última hora na empresa. Uma pena, ela queria muito vir. — Lara inventou qualquer desculpa.
— Que azar! Trabalhar até tarde é um pesadelo.
— É... o mundo corporativo é impiedoso.
Apesar da curiosidade, a médica estava se cansando de esperar por uma gentileza de Chloe. Hoje ela iria aproveitar aquela festa, e se Chloe queria continuar lhe afastando, ela não se importaria. Pediu drinks variados, conversou com muitas pessoas atraentes e dançou tanto que seus pés ficaram doloridos. Ela estava pensando seriamente em ligar para um dos mais de dez números telefônicos salvos em seu celular naquela noite. Seria fácil conseguir uma companhia naquele mar de pessoas dispostas e gentis.
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Chloe estava em seu apartamento. Ela não conseguiu dormir, teve o seu compromisso no hospital no dia anterior. Como em todas as vezes, ela teve náuseas. Ficou sentada e esperou até que conseguisse andar sem dificuldades. Era frustrante e desanimador não conseguir fazer as suas tarefas normalmente. Amanhã ela estaria bem melhor e poderia ir trabalhar.
A tela do celular de Chloe acendeu, indicando o nome de Helena.
Que estranho, é a mãe de Lara. Está tão tarde, deve ter acontecido alguma coisa. Chloe pensou.
Chloe: Alô.
Helena: Oi Chloe. Desculpa te ligar a essa hora.
Chloe: Tudo bem, aconteceu alguma coisa?
Helena: Você está em casa?
Chloe: Sim.
Helena: A Lara está com você? Ela disse que vocês iriam sair hoje. Pelo visto mentiu.
Chloe sabia onde era a festa que Lara estava. Mas já passava das 3hs. Talvez tivesse acontecido alguma coisa com a médica. A possibilidade deixou Chloe preocupada.
Chloe: Ela não mentiu. A gente ia sair, mais eu tive que ficar trabalhando até tarde. Depois vim para o meu apartamento.
Helena: Estou preocupada. Ela não me atende.
Chloe: Não se preocupe. Vou até o endereço que ela me passou.
Helena: Já está muito tarde, descanse. Uma hora a Lara aparece, não é a primeira vez que ela faz isso.
Chloe: Não tem problema, estou preocupada com ela. (A ex- piloto pensou que essa seria a resposta mais correta para uma namorada preocupada).
Helena: Obrigada Chloe, isso seria muito atencioso da sua parte. Desculpa, não quis lhe incomodar.
Chloe: Não é incomodo alguma, Dona Helena. Assim que eu encontrar ela, peço para ela, lhe mandar mensagem.
Chloe foi até o seu carro e dirigiu apressadamente até o endereço em que a médica tinha lhe passado mais cedo. Seu coração estava acelerado, uma preocupação insistente não lhe deixaria ficar calma até que visse Lara bem. Mesmo que o receio latejasse em sua mente, ela não deu importância.
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Depois que saíram do bar, Lara e seus amigos da residência se encontraram em uma festa mais reservada na casa de um conhecido. A festa já estava terminando quando, por volta das 4h da madrugada, Chloe apareceu.
— Chloe, o que você está fazendo aqui? — Lara estava muito surpresa. O olhar preocupado de Chloe lhe deixou em alerta. Apesar de sentir o corpo um pouco pesado por conta das bebidas. Seus amigos já tinham ido embora, ela estava conversando com alguns conhecidos, não se deu conta do tempo.
— Achei que você tinha me convidado. — Chloe está visivelmente mais pálida e seus movimentos parecem um pouco lentos, quase arrastados. Há olheiras leves sob seus olhos azuis e um cansaço que não pode ser disfarçado apenas com maquiagem. Ela força um sorriso ao ver Lara, mas há algo frágil em seus olhos, um brilho opaco. Com certeza, estava trabalhando demais.
— Desculpa, é que está tão tarde. Achei que não viria mais. Você está bem? Parece cansada. — Lara falou no ouvido da mais velha, a música estava alta.
— Estou bem, sua mãe me ligou. Ela está preocupada com você.
— Não acredito que ela fez isso. Desculpa mesmo, meu celular descarregou.
— Pode usar o meu celular para falar com ela, se quiser.
— Quero sim, obrigada. Você quer beber alguma coisa? — Lara ainda não estava acreditando que Chloe tinha vindo a pedido da sua mãe. Ela nem sabia que a mulher se importava. Mas aparentemente, ela se fazia de durona, mas se importava.
— Não quero.
— Tá bom, já volto. Vou ligar para a minha mãe, não sai daqui. — Chloe apenas confirmou.
Tinham apenas algumas pessoas na casa e a maioria já estava jogada em qualquer lugar. Outros dançavam e bebiam. Chloe contrastava com o ambiente. Parecia uma peça fora do lugar. Ela encontrou um canto mais afastado de todo aquele barulho para sentar um pouco. O mal-estar persistia.
Depois de alguns minutos, Lara voltou.
— Já estava indo para casa quando você chegou. — A médica sentou ao seu lado e sorriu.
— Imagino que sim. — Chloe sabia que aquilo não era verdade.
— É sério! Mas agora vou ter que dormir na sua casa. — Os olhos de Chloe quase pularam das suas órbitas.
— Lara!
— O que você queria que eu dissesse para a minha mãe? Ela sugeriu e eu não sabia o que dizer. Namoradas dormem na casa uma da outra, sabia? Se nunca fizermos isso, vai parecer suspeito. — Chloe respirou fundo. Com Lara em seu apartamento tudo ficaria mais difícil. Ali era o seu lugar, tinha muitas coisas sobre ela que ninguém sabia. Era íntimo, e do jeito que a mais nova era, iria perguntar sobre cada coisa que achasse interessante. Sem contar que com Lara invadindo o seu espaço e lhe provocando a cada minutos, seria difícil se manter distante. Ela não podia deixar aquilo acontecer.
— Podemos dizer que estamos indo devagar. Ninguém vai questionar isso. — Chloe argumentou.
— Ao contrário, ninguém vai acreditar nisso. Você consegue me imaginar tendo cautela em um relacionamento? — Apesar da sinceridade, Lara tinha razão. — Nosso namoro começou do dia para a noite, meus pais me conhecem o suficiente para saber que eu me jogo de cabeça em tudo que faço.
— Olha, você está pensando demais. Ninguém vai se importar com o que fazemos ou deixamos de fazer.
— Você conheceu a Soph, né? Ela já está desconfiada, disse que vai ter uma conversa com você.
— Lara, o que isso tem haver? A Sophie não me assusta.
— Você devia ficar assustada. A minha irmã pode ser excessivamente protetora.
— Eu não me importo.
— Se por um acaso os meus pais comentarem que eu durmo no seu apartamento às vezes, minha irmã vai acreditar que nosso namoro é sério. Isso nos ajudaria. — Lara tinha uma resposta para tudo. Ela tinha um plano bem traçado e Chloe estava ficando sem paciência e sem forças para debater.
— ok.
— Sério? — Lara nem acreditava.
— Mas você não pode tocar em nada e nem ficar me enchendo com perguntas.
— Tá bom. — Lara, em um impulso, beijou o rosto de Chloe. A mais velha se assustou. Ela odiava a corrente elétrica que desarmava o seu corpo todas as vezes que a médica lhe tocava.
— E você tem que parar de ficar me tocando.
— Foi só um beijo no rosto.
— Mesmo assim. E mais uma coisa, você vai dormir no quarto de hóspedes. — Lara tinha que admitir que aquela mulher era dura na queda. Mas ela ia aproveitar a abertura de estar no apartamento de Chloe e depois se preocuparia com o resto.
— Sim senhora, comandante.
— Lara.
Lara sorriu e ficou em pé, indicando que estava pronta para ir.
— Vamos?
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O trajeto até o apartamento de Chloe foi silencioso. Lara não queria estragar a sua chance de conhecer um pouco mais sobre aquela mulher misteriosa. E Chloe parecia bem cansada. Pela experiência de Lara como médica, a mulher estava mostrando sinais de exaustão.
— Você tem certeza que está bem?
— Sim.
Foram as poucas palavras trocadas entre as duas.
Quando elas chegam no apartamento, Chloe destranca a porta e as duas entram. O apartamento é espaçoso e elegante, com grandes janelas que oferecem uma vista deslumbrante de São Paulo. A decoração é minimalista, com móveis de design e obras de arte abstratas nas paredes. Tudo é impecável, funcional e de bom gosto. Lara nota alguns modelos de aviões em miniatura em uma estante, e uma pilha de livros sobre aviação em uma mesa lateral. Um vinil de jazz clássico está no toca-discos, mas não tocando. A frieza de Chloe se reflete no ambiente, mas há vestígios de suas paixões.
— Uau. É um lugar lindo, Chloe. E tão... organizado. — Enquanto Chloe caminha lentamente até o sofá e se senta, Lara olha ao redor, seus olhos curiosos e atentos.
Chloe com os olhos fechados por um instante, a voz um pouco mais fraca.
— É um bom lugar.
Lara caminha até ela, ajoelhando-se ao lado do sofá. Toca o braço de Chloe suavemente. A pele está fria.
— Você está gelada. Quer que eu te pegue um cobertor? Ou faça um chá?
Chloe abre os olhos, seu olhar encontra o de Lara.
— Não. Não precisa. Eu... eu estou bem. Só preciso descansar.
A médica suspira preocupada.
— Tem certeza? Você realmente não parece bem. Aconteceu alguma coisa além no trabalho?
— Não aconteceu nada. Combinamos que você não faria perguntas.
— Tudo bem.
Lara se levanta, ainda relutante. Chole levanta logo em seguida, mas é surpreendida por uma vertigem. Seu corpo cede e Lara segura a sua cintura, estabilizando a mais velha.
Fim do capítulo
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