Capitulo 8
O bar "A Choperia", com sua atmosfera animada e aconchegante, era o cenário perfeito para um reencontro de amigas. Lara estava sentada em uma das mesas, com um copo de chopp na mão, rindo alto com Renata e Flávia. Chloe estava ao seu lado, parecendo um pouco deslocada no burburinho, mas com um sorriso educado. Ela segurava um copo de água com gás.
Renata com um brilho divertido nos olhos, olha para Lara.
— E então Larinha, virou namorada séria? Da última vez que te vi, você estava mais interessada em onde seria a próxima balada do que em sossegar o facho!
Lara coloca a mão no peito, ofendida de brincadeira.
— Eu ainda sou a rainha da balada, tá? Só que agora tenho uma companhia elegante para as minhas aventuras. E o meu foco nos estudos continua intacto!
Renata e Flávia trocam um olhar sugestivo, antes de se virarem para Chloe com sorrisos curiosos.
— Chloe! É ótimo te ver de novo! A Lara nos pegou de surpresa com a notícia. — Flávia se vira para Lara, com uma sobrancelha arqueada, o tom brincalhão, mas com um subtexto de "me conte tudo". — A Soph não nos contou nada. Estamos morrendo de curiosidade.
Chloe deu um sorriso minimalista para o casal. Ela não sabia como interagir naquela situação. Lara era a descontraída. Ela só estava louca para sair dali e voltar a ter o controle da sua vida.
— Pois é! A vida acontece, né? Vocês já se conhecem, claro, mas agora é oficial. Eu e Chloe, estamos namorando. — A médica sorri largo com um brilho nos olhos, abraçando Chloe de lado, como se o seu namoro com Chloe a deixasse orgulhosa.
A ex-piloto tenta conter a surpresa quando metade do corpo de Lara toca no seu.
Renata lança um olhar amigável para Chloe. Ela lembrava da última conversa que tiveram sobre o trabalho de Chloe. As notícias corriam, e o fato da irmã de Henrique ter abandonado a carreira como piloto, depois da paixão que demonstrou ao falar da profissão, não fazia sentido.
— Fico feliz por vocês. Sei muito bem como o amor pode mudar a nossa vida completamente. — Renata dá um selinho em Flávia.
— E como vocês estão? Quais as novidades? — Lara pergunta empolgada.
— Estamos muito bem. Claro que é difícil equilibrar o trabalho com a nossa relação, mas depois que a Renata mudou lá pra casa, conseguimos passar mais tempo juntas. — Flávia falava da mulher com os olhos brilhando. Lara acompanhou como o amor delas floresceu. As amigas mereciam ser felizes. Principalmente Flávia, que já sofreu tanto com questões do passado. Renata fazia muito bem a ela. — Mas hoje não é sobre nós, Queremos saber como vocês se reencontraram. Como descobriram essa paixão. Nos contém tudo.
Lara sabia que não seria nada fácil convencer as amigas do seu namoro com Chloe. Principalmente porque as duas já a conheciam a tanto tempo. E Chloe, bom... Era a rainha do gelo. Apesar de conhecer as suas amigas, a irmã de Henrique ainda era um grande mistério para todos eles.
— Foi em um encontro arranjado pelos nossos pais, acredita? — Lara fala divertida. — Conversamos muito e descobrimos que temos mais em comum do que imaginávamos. Uma coisa levou a outra. Tivemos outros encontros e os sentimentos foram se desenvolvendo. Até que não aguentamos mais. Chloe me pediu em namoro e eu aceitei.
Chloe estava começando a se acostumar com o jeito exagerado de Lara. Então era mais fácil concordar com tudo que ela dizia, até porque depois isso não iria importar. Em algum momento aquele namoro falso teria um fim. E se dependesse de Chloe, seria o mais rápido possível.
Flávia com seus olhos de repórter analisaram Chloe, com uma curiosidade mais direcionada.
— Confesso que estou surpresa, Chloe. Você sempre foi tão... reservada. E a Lara, com essa energia toda! Como isso aconteceu?
— Foi o meu charme irresistível, Flávia. Ela não aguentou. — Sorrindo, Lara aperta a mão de Chloe. A mais velha, que até então estava calada, se obrigou a dizer alguma coisa.
— A Lara tem um jeito... persuasivo. Fui obrigada a namorar com ela. — Mesmo que o tom de Chloe não fosse de brincadeira. As amigas caíram na gargalhada. E a sua sinceridade foi percebida como humor ácido pelas meninas.
— Nós sabemos disso. E como sabemos.
— Ei! Deu certo, não deu? Esse meu jeitinho me fez conquistar esse mulherão.
Chloe sempre ficava envergonhada quando Lara falava daquela forma. Ela tentava ao máximo parecer indiferente as investidas da médica. Mas por dentro, as palavras de Lara lhe deixavam nervosa. Sabia que a ruiva estava interpretando, mesmo assim, ainda parecia muito audacioso o flerte descarado.
— Não questiono os seus métodos. — Renata deu uma gargalhada. — E você Chloe, nos conte como fez o pedido?
— Bom... — A mais velha não tinha preparado nada para aquela pergunta. Lara tinha lhe mandando umas ideias por mensagem, mas nenhuma combinava com o seu estilo. — Foi no meu apartamento. Algo mais íntimo. Cozinhei para a Lara e depois coloquei uma música romântica no meu toca discos. Ficamos conversando e percebi que estava apaixonada por ela. As piadas dela me faziam rir e o seu jeito doce me deixava desconcertada. O pedido foi inevitável. — Chloe não sabia da onde tudo aquilo tinha saído, mas aquela versão do pedido tinha mais haver com ela. Uma parte sua que ninguém conhecia.
Lara encarava a falsa namorada com os olhos brilhando. Ela nunca tinha ouvido Chloe falar de uma forma tão delicada e romântica. Era uma versão de Chloe que ela nem imaginava existir, e a curiosidade, misturada com uma pontada de algo que ela não conseguia identificar, crescia em seu peito. Era a atuação de Chloe, é claro, mas era tão boa, tão convincente, que Lara quase acreditou.
Flávia, a jornalista, pigarrou, quebrando o feitiço romântico de Chloe. Seus olhos, acostumados a desvendar meias-verdades, fixaram-se na piloto.
— Bem... isso foi bem romântico, Chloe. E bem... poético para você. Confesso que estou chocada. Eu, que te conheci nos bastidores do casamento da Soph e da Elisa, te vi tão... reservada. Nunca imaginei que veria vocês duas juntas. — Flávia lançou um olhar significativo para Renata, que estava com um sorriso contido, mas os olhos igualmente inquisidores. — Renata e eu, que construímos nossa história com tantos altos e baixos, ficamos intrigadas com rapidez com que tudo aconteceu entre vocês. Não que eu duvide do seu charme, Lara. — Ela piscou para a amiga. — Mas a Chloe não parecia interessada em ter uma relação séria com ninguém.
Chloe estava começando a ficar nervosa. Era para ser um simples encontro, mas as amigas de Lara estavam se intrometendo demais, fuçando demais. Ela não estava acostumada a receber tantas perguntas. Era ela quem dava o comando. As pessoas eram intimidadas por ela e não o contrário.
Renata, a advogada, interveio, sua voz mais suave, mas com o peso da lógica.
— Chloe, com todo respeito à sua privacidade, a gente viu o quanto você é focada na carreira. O Henrique nos contou sobre a sua mudança repentina para a empresa do seu pai e o quanto você era apaixonada por voar. Essa... virada na sua vida, e esse namoro instantâneo, é, no mínimo, surpreendente. O que realmente te fez 'perceber' essa paixão em tão pouco tempo, considerando a sua postura de vida?
O sorriso que Chloe havia forçado começou a falhar nos cantos. A espontaneidade e a familiaridade de Flávia e Renata, que a conheciam de um contexto diferente e íntimo da família, eram muito mais difíceis de lidar do que a curiosidade dos pais. Lara havia criado um monstro de farsa que agora a engolia também. Chloe sentiu o desconforto se instalar, apertando a borda do copo de água com gás. Ela buscou o olhar de Lara, um pedido mudo de ajuda, de "saia dessa".
Lara percebeu o desespero nos olhos de Chloe. Sabia que estava pedindo demais, mas também se divertia um pouco com a situação. Aquele era o preço da comodidade de Chloe. A ex- piloto estava muito acomodada com aquele acordo. Lara sempre estava pronta para ajudar a mais velha quando ela precisava, diferente de Chloe que deixava ela se virar em encontros solitários quando precisava reforçar a mentira diante dos seus pais. Era bom que, agora, Chloe fosse o alvo de Flávia e Renata. Mas já estava na hora de assumir o controle da situação.
— Gente, isso aqui está parecendo um interrogatório da Polícia. — Lara brincou, tentando aliviar a tensão. — O que posso dizer? O amor acontece, né? Assim como foi para vocês. E sim, a Chloe é reservada, mas eu sou uma ótima descobridora de tesouros escondidos! E quem disse que os sentimentos foram rápidos? A gente se viu no casamento da Soph, e teve uma atração ali, sim! Só que as circunstâncias não ajudaram. — Lara apertou a mão de Chloe por baixo da mesa, um sinal claro de "entre no jogo!". — E sobre a carreira da Chloe, é uma fase. Todo mundo passa por isso. Ela está se adaptando, mas o brilho dela está em tudo que ela faz, até mesmo em como ela organiza as planilhas do meu sogro! — Lara riu, e Chloe, para a surpresa de todos, soltou um riso quase imperceptível.
Flávia e Renata se entreolharam, um misto de ceticismo e curiosidade genuína em seus olhos. A história, embora um pouco rebuscada, tinha um quê de verdade na forma como Lara a contava, e a cumplicidade forçada entre ela e Chloe era quase convincente.
— Ok, ok. Você tem razão, amiga. Desculpa encher vocês com tantas perguntas. Estamos felizes por vocês. Com o tempo vamos nos conhecer melhor. — Renata sorriu para Chloe que devolveu o gesto.
— Mas olha, Chloe... — Flávia tinha outra abordagem em mente. Renata era doce, sempre foi. E isso que fez ela se apaixonar, mas Flávia defendia e protegia os seus, então era bom deixar Chloe avisada. — A Lara é especial. Se você a magoar, vai ter que lidar com uma advogada e uma jornalista no seu encalço.— Flávia completou, um sorriso mais relaxado agora. — E com a Sophie e a Elisa, que já estão de olho grande nessa relação.
Chloe apenas assentiu, um desconforto em sua coluna permeando sua postura.
— Entendido. — Era a resposta mais fácil. Ela não tinha energia para mais.
As conversas se desviaram para os projetos de Flávia e Renata no Rio, as complexidades da vida morando juntas e as novidades sobre a gravidez de Soph. Lara continuou sua performance de namorada apaixonada, aproveitando cada oportunidade para tocar a mão de Chloe, roçar seu braço, ou lançar olhares adoráveis para a piloto.
Chloe, por sua vez, reagia com uma contenção admirável, permitindo os toques sem se afastar bruscamente, mas mantendo uma aura de distância que só Lara conseguia decifrar. O contraste entre o entusiasmo forçado de Lara e a reserva calculada de Chloe era uma dança sutil, invisível para as amigas, mas palpável para as duas mulheres no centro dela.
Quando a noite começou a se despedir, as contas foram pagas, Flávia e Renata abraçaram Lara com carinho e se voltaram para Chloe.
— Foi um prazer te rever, Chloe. E parabéns de novo pelo namoro. — Flávia disse.
— Cuida bem da nossa Larinha. — Renata acrescentou, com um abraço um pouco mais demorado em Chloe, quase como um aviso silencioso.
— Cuidarei. — Chloe respondeu, sua voz firme, embora a promessa fosse para uma farsa.
Enquanto as duas namoradas se afastavam, Lara lançou um olhar vitorioso para Chloe.
— Missão cumprida com louvor, Comandante. Elas ficaram curiosas, mas sei que logo vão perceber que somos perfeitas uma para a outra.
Chloe suspirou, o ar escapando de seus pulmões como se estivesse segurando a respiração por horas.
— A Flávia e a Renata são muito mais... incisivas do que imaginei. Eu não sabia que você tinha amigas tão... investigativas. E você passou do ponto de novo com essa performance de atriz de novela mexicana.
Lara riu, sentindo a adrenalina ainda correndo em suas veias.
— Você é que não se esforça! E meu jeito é assim, dramático. Mas funcionou, não funcionou?
— Por enquanto. — Chloe corrigiu, com a voz sem emoção. — Só me mande o endereço e horário do próximo evento. E por favor, da próxima vez, menos contato físico. É desnecessário.
— Porque? Você fica nervosa quando eu te toco? — Lara com seu jeito atrevido se aproximou. Chloe engoliu em seco, a médica invadia demais o seu espaço pessoal. As vezes ela nem conseguia respirar direito. Lara acariciou a lateral do seu braço e Chloe se conteve para não demonstrar reação.
— Não seja convencida. — Chloe se afasta do toque da mais nova. — Vamos, tenho que ir.
— Você tem compromisso?
— Não é da sua conta. Pare de ser tão curiosa. Entre no carro que vou te deixar em casa.
— Eu não vou embora agora. Vi umas pessoas interessantes lá dentro. Quero aproveitar um pouco mais.
— Quem você viu? Não acha que está tarde para ficar aqui sozinha?
Era a primeira vez que Chloe mostrava um pouco de preocupação. Lara gostou daquilo. Era bom tirar a mais velha da sua pose fria e calculista de sempre.
— Não é da sua conta, pare de ser tão curiosa. — A maneira como Lara usou as mesmas palavras de Chloe, mas de uma forma atrevida, fez com que a ex-piloto se inflamasse.
— Você não vai ficar. Seus pais vão desconfiar se você chegar em casa sozinha. Não vai querer perder a oportunidade de mostrar para eles que estamos ótimas. Eles vão gostar quando chegarmos juntas. — Chloe abriu a porta do carro para Lara. Seu tom era desafiador, mas esperava que a médica fisgasse a isca.
Lara sorriu e revirou os olhos.
— Vou fingir que esse é o motivo por trás da sua insistência. — Ela entrou no carro.
A mulher que ela havia apresentado às amigas era um fantasma da realidade no carro. Lara suspirou. Manter essa farsa seria exaustivo, mas, no fundo, a curiosidade de desvendar a enigmática Chloe, aquela que era capaz de criar uma história de amor tão delicada e romântica em segundos, a mantinha presa a esse jogo perigoso, uma aposta silenciosa de que, talvez, por trás daquela muralha, houvesse algo mais real a ser descoberto.
Fim do capítulo
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