O carro de Chloe deslizou silenciosamente pelas ruas noturnas de São Paulo. Lara, que minutos antes interpretava o papel de "namorada apaixonada" com uma desenvoltura digna de Oscar, sentiu o ar esfriar no interior do veículo. O burburinho, as risadas e os cumprimentos forçados do jantar na mansão Müller, onde a encenação de cumplicidade havia sido convincente, agora parecia um eco distante. Chloe estava ao volante, a postura impecável de sempre, mas seus olhos azuis claros, antes suavizados pelas brincadeiras e toques de Lara, agora estavam fixos na estrada, inexpressivos, quase opacos.

— Então... missão cumprida, Comandante. — Lara quebrou o silêncio, a voz dela um pouco mais aguda do que o pretendido. — Acho que seus pais compraram a história. Eles pareciam bem felizes.

Chloe apertou levemente o volante, as juntas dos dedos embranquecidas, mas não desviou o olhar do asfalto que corria sob os pneus.

— Eles se convenceram facilmente. Mas você passou do ponto algumas vezes. Não precisava encostar em mim.

Lara forçou um sorriso, sentindo a frieza cortante no tom dela.

— Achei que quisesse uma atuação realista. Você acha que namoradas vivem de poucas palavras e caras fechadas? — A médica provocou, um fio de cansaço em sua voz. Ela tinha dado o seu melhor, se jogado na personagem com a espontaneidade que lhe era peculiar. A mulher ao seu lado, no entanto, parecia empenhada em manter a distância.

Um breve silêncio se estendeu, denso, pesado, quase sufocante. Lara sentiu a distância de Chloe se tornar quase palpável no pequeno espaço do carro, uma diferença gritante da cumplicidade, mesmo que forçada, que haviam compartilhado momentos antes. O que até então era diversão e jogo para Lara, agora a deixava com um desconforto crescente, uma pontada de algo indefinível em seu peito.

— Você está bem? Pareceu um pouco tensa no final do jantar. — Lara falou num esforço de entender as atitudes de Chloe.

— Estou bem. Só... cansada. Foi um dia longo. — A voz neutra e quase robótica de Chloe era como um bisturi, separando-se de qualquer emoção. Lara sentiu sua calma escorrer pelos dedos.

— Certo. Quer que eu te ajude com alguma coisa? Sei lá, conversar sobre as planilhas da empresa do seu pai? Ou sobre as rotas de voo que você sente tanta falta? — Lara insistiu, genuinamente preocupada, mas também buscando uma fresta naquela muralha.

Chloe franziu a testa minimamente, um sinal quase imperceptível de irritação que não passou despercebido por Lara.

— Não. Estou bem. Apenas preciso focar no trabalho que tenho agora.

— Não precisa fingir que não sente falta de voar. Não sei o que realmente aconteceu com você, mas sei que amava o que...

Chloe virou a cabeça abruptamente para Lara, seus olhos azuis gélidos. Não havia raiva explícita, mas uma determinação gélida e inabalável que calou Lara instantaneamente.

— Pare de se meter nas minhas coisas. E pare de achar que sabe alguma coisa sobre mim.

Lara engoliu em seco. Aquela Chloe era assustadoramente diferente da figura que ela admirava de longe. Mas Lara, não era de recuar para ninguém, muito menos para uma mulher que, apesar de deslumbrante, estava se mostrando arrogante e incompreensível.

— Sei que não namoramos de verdade, mas podemos tentar ser amigas. — Lara propôs, sentindo um arrepio pela frieza, mas não recuando.

— Lara, por favor. Foi um acordo. Uma encenação. Não confunda as coisas. Não estou pedindo nada de você, apenas para cumprir a sua parte no acordo que você mesma inventou.

A paciência de Lara chegou ao limite, a frustração transbordando.

— Eu não estou confundindo nada. E, ao contrário de você, estou cumprindo a minha parte nesse acordo. Você poderia ser mais simpática para tornar a nossa vida mais fácil e não essa enorme e chata pedra de gelo.

Chloe voltou a olhar para a estrada, sua voz baixa e controlada, quase um sussurro que, paradoxalmente, parecia gritar.

— Eu tenho coisas mais importantes para me preocupar do que a minha performance ou como você está se sentindo com esse namoro que nem é de verdade.

Os olhos de Lara se fixaram no perfil de Chloe, tentando decifrar o que se passava por trás daquela fachada impenetrável. As palavras de Chloe, embora ditas em um tom calmo, eram como agulhas que a machucavam deliberadamente. A frieza parecia ser uma armadura, mas também uma arma.

— O que poderia ser mais importante do que a forma como você trata as pessoas? O trabalho com o seu pai? — Lara questionou, a voz quase inaudível.

Chloe soltou um suspiro pesado, o som carregado de um cansaço que não era apenas físico.

— Exatamente. Preciso me dedicar a isso. Minha prioridade agora é provar que posso assumir essa posição na empresa. É por isso que aceitei esse acordo, e é nisso que preciso focar. O resto é distração.

Lara sentiu um nó na garganta. A atração que ela sentia por Chloe se tornava cada vez mais real. Para Chloe, no entanto, ela era apenas uma "distração". Lara se ajeitou no banco, o humor divertido de antes evaporando, substituído por uma pontada de desapontamento amargo. Ela se calou, observando as luzes da cidade passarem.

O restante da viagem foi preenchido por um silêncio denso e desconfortável. Lara não tentou mais falar, o desânimo a envolvendo como um manto. Chloe dirigia com precisão mecânica, a tensão em sua mandíbula sendo o único sinal visível de que ela não estava totalmente imune à presença de Lara. Ela estacionou o carro na frente da casa dos pais de Lara, em um bairro calmo, as luzes da rua iluminando o vazio entre elas.

— Chegamos.

Lara desafivelou o cinto de segurança, seu tom agora formal, quase um espelho da frieza de Chloe.

— Obrigada pela carona, Chloe. E... pelo jantar. Se quer tanto conquistar a aprovação do seu pai, apareça na quinta. Vou encontrar a Flávia e a Renata, elas já estão sabendo da notícia do nosso 'namoro'.

— Ok. Mas não precisa ficar me ligando. Só me mande o endereço e o horário na quinta.

Lara abriu a porta do carro. Antes de sair, ela se virou para Chloe. Havia um olhar de decepção em seus olhos, mas também uma tristeza sutil, quase imperceptível, que Chloe não notou ou escolheu ignorar.

— Não se preocupe, Comandante. Vou manter distância. Pelo menos até o próximo evento em que precisarmos ser 'o casal perfeito'.— Ironizou.

Lara saiu do carro sem esperar uma resposta, a porta se fechando com um clique suave. Chloe apenas a observou entrar na casa, a expressão inalterada. Assim que Lara estava fora de vista, Chloe respirou fundo, um suspiro profundo e cansado que ela estava segurando há muito tempo. A rigidez de seus ombros diminuiu um pouco, mas seus olhos ainda carregavam um peso invisível. Ela engatou a marcha e acelerou, deixando a casa de Lara para trás, rumo à solidão de seu apartamento, onde a fachada não era mais necessária. Aquela semana, ela sabia, não seria fácil.

Fim do capítulo