Capitulo 56
Flávia Ribeiro
Respiro fundo antes de bater na porta do quarto que Sueli está hospedada. Ela já sabe que estou aqui, então não tem como voltar atrás. Apesar da terapia ter me ajudado muito, ainda tenho dificuldade de falar sobre os meus sentimentos, mas estou disposta a tentar. Tomo coragem e bato na porta. Não demora e Sueli está na minha frente. Ela sorri e me puxa para um abraço. Não sei como reagir, mas deixo ela me abraçar.
— Entra, minha filha. Mandei servir um lanche para você. Fique à vontade.
— Obrigada. — Sento no lugar que ela indica.
— Estava tão ansiosa para a sua chegada. Faz tempo que não te vejo. Você está bem? — Ela serve um pouco de suco e me entrega.
— Sim.
— Obrigada por ter aceitado o meu convite. Quero muito chegar a um acordo com você. Espero que me entenda, mas também quero te entender.
— O que você tem a me dizer? — Sei que estava sendo prática, mas queria entender aonde ela queria chegar com aquele assunto.
— Sei que nossa última conversa não foi das melhores, eu sinto muito. Não queria te magoar. Quando falei do testamento e da troca de nome, não imaginei que iria te magoar. Só queria que você se sentisse incluída na minha vida. Mas depois que saí da sua casa, pensei nas coisas que me disse e entendi o seu ponto.
— As coisas estavam indo rápido demais.
— Sim, não para mim que esperei tanto para te reencontrar. Mas entendo que para você, é muito rápido. Você pode me dizer por que não quer ser incluída no meu testamento?
— Não quero que ache que eu estou interessada no seu dinheiro. Em nenhum momento essa foi a minha motivação para começar a te procurar. Na verdade, nem sabia dos seus bens e que a sua família é da alta sociedade. A maneira como você me apresentou o seu mundo foi assustadora. E depois do que aconteceu na sua casa, me senti totalmente deslocada. Não sou como vocês. Não tenho grandes posses, não vivo em função da minha reputação e não permito que ninguém controle a minha vida. — Sei que estava sendo sincera demais, mas ela tinha que ficar ciente que não iria permitir ser controlada.
— Filha, eu entendo. Não quero controlar a sua vida. O testamento é apenas uma burocracia. Não tem nada a ver com interesse, até porque é uma escolha minha como os meus bens serão distribuídos após a minha morte.
— Isso é bizarro. — Solto sem querer. — Desculpe, só não entendo como consegue ver seus filhos brigando por uma herança que só será deles por conta da sua morte. Eles fizeram isso na sua frente, isso não machuca você?
— Estou acostumada a viver nesse mundo onde o dinheiro move tudo. Sei que pode ser insensível dizer isso, mas quando você cresce em um ambiente assim, acaba se acostumando que viver é um dever e não um querer. Tive muitas obrigações ao longo da minha vida, poucas vezes realizei a minha vontade. E nas únicas vezes que fiz isso, fui duramente castigada. — Senti pena dela, sei como é viver sem ter ninguém para se importar comigo.
— Nossas realidades são tão diferentes. Por que ainda insiste em ter uma relação comigo? Não vejo como isso pode dar certo. Não mais.
— Não diga isso, filha. O que posso fazer para que mude de ideia?
— Não sei. Só quero continuar tendo o domínio sobre a minha vida. Se você quiser entrar nela, vai ter que entender que eu não sou a Melissa, herdeira do seu império. Sou apenas a Flávia, a garota pobre e órfã que cresceu com muita dificuldade, aprendeu a se cuidar e agora só quer um pouco de felicidade. Não quero atenção da imprensa, não quero brigar por uma herança e não quero trocar o meu nome. Namoro uma mulher, a qual sou completamente apaixonada. Amo minha profissão e não vou abrir mão disso em nenhum momento no futuro. Demorei muito para me encontrar, me amar e me aceitar. Agora que fiz isso, ninguém vai tirar essa verdade de mim. Sei quem eu sou e se você quiser fazer parte da minha vida, tem que estar disposta a me conhecer de verdade. — Respirei aliviada depois de colocar para fora tudo que estava entalado desde a nossa última conversa. — Para que isso funcione, você tem que querer fazer parte da minha vida e não mudá-la. — Sueli me olha por um tempo sem dizer nada.
— Eu vejo você, filha. Não quero que mude. Adoro a Renata também. Sei que devia ter sido mais firme com os seus irmãos. Não sabia que eles iriam ser tão preconceituosos e mal-educados. Não vamos mais falar sobre testamento ou sobrenome. Não precisa de nada disso para validar a sua importância para mim. Cada momento que temos juntas só me mostra o quanto você é uma pessoa boa. Por favor, me deixe fazer parte da sua vida mais uma vez? — Não achei que ela cederia com tanta facilidade.
— Quando disse que não tem ninguém que se importa com o seu querer e sempre foi assim. Não quero ser mais uma dessa lista. De verdade, me diga. Por que quer me incluir no seu testamento e me dar o seu sobrenome? — Ela me olha surpresa.
— Só quero significar alguma coisa para você. Quando mentiram para mim que você tinha morrido, meu coração se quebrou. Nada foi capaz de curar aquela ferida. Nos últimos anos me culpei tanto, podia ter feito mais, podia ter investigado mais e podia ter questionado mais o meu pai. Te dar o meu nome significa dizer que você é da minha família, tanto quanto seus irmãos. Significa que nunca deixei de pensar em você e que nunca deixei de sentir a sua falta. E sobre o testamento, além de você ter direito, também quero que sua família e que seus futuros filhos vivam bem. Mesmo que um dia eu não esteja mais aqui, ainda irei fazer parte da família linda que sei que vai construir com a Renata. — Lágrimas inundaram o meu rosto. — Por favor, filha. Só me deixe cuidar de você? Nunca tive a chance de ser a sua mãe. — Pela primeira vez, fui eu quem começou o abraço. Choramos juntas, um choro com mágoa e culpa, mas também com alívio e esperança de que de hoje em diante tudo ficaria bem.
— Vamos nos conhecer mais. E no momento certo, voltamos a falar sobre o testamento. Quanto ao seu nome, vou incluí-lo no meu. — Ela sorriu entre as lágrimas que ainda inundavam o seu rosto. — Vou realizar o seu desejo, mas não irei tirar o Ribeiro, ele também é importante para mim.
— Claro, nunca te pediria isso. Obrigada, minha filha. — Ela voltou a me abraçar e beijar o meu rosto. — Posso pedir apenas que dê uma chance ao Guilherme também? Ele se sente muito mal pelo que os irmãos fizeram, meu caçula é um bom menino.
— Tudo bem, você pode trazer ele da próxima vez que nos encontrarmos.
— Ele vai ficar tão feliz. Outro dia peguei ele assistindo você em uma reportagem e dizendo para a colega de faculdade que você é a irmã mais velha que está de volta à nossa família. — Sorri, não cresci com irmãos, mas teria sido bom ter um irmão mais novo para puxar a orelha.
— Vou ficar feliz em conhecê-lo melhor. Vamos começar de novo e ver o que acontece. Tá bom?
— Combinado.
Quando saí do hotel de Sueli, me senti muito melhor. É como se um peso enorme fosse tirado das minhas costas. Entrei no carro que Renata me emprestou e segui para o trabalho. Finalmente tudo estava se encaixando.
@escritora.kelly
Fim do capítulo
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