Capitulo 47
Flávia Ribeiro
O casamento da Sophie e da Elisa foi há duas semanas. No período em que elas estiveram na lua de mel, Soph me pediu para cuidar do seu estúdio. Apenas dava uma olhada no final do expediente, assim que saía da emissora, resolvia algum problema que aparecesse e mandava as informações mais importantes para a minha amiga. Por conta dos dias atarefados, não consegui ver a Renata com frequência. Ela veio passar algumas noites aqui em casa e eu também fui para a sua casa algumas vezes, mas não era um tempo de qualidade, estávamos tão cansadas que, na maioria das vezes, apenas dormíamos. Ainda bem que as meninas estavam chegando de viagem hoje.
Estou louca para descansar um pouco, curtir a minha namorada e passar um dia sem pensar no trabalho. Mas, infelizmente, tenho que deixar essa vontade para amanhã, porque hoje vamos jantar na casa da Sueli. Renata ficou de me buscar depois do almoço, estou à sua espera. Obviamente, estou nervosa. É a primeira vez que vou conhecer os meus irmãos. Sueli me contou um pouco sobre eles nos encontros que tivemos. É louco que tudo esteja sendo tão diferente do que eu imaginei. Achei que assim que nos encontrássemos, sentiria uma conexão com a minha mãe. Mas a real é que ainda não chegamos nesse ponto. Sinto como se existisse uma barreira entre a gente e sei que boa parte da culpa é minha, não consigo me abrir com ela. Escuto o seu lado da história, mas quando chega a minha vez de falar, travo. Renata diz que está tudo bem. Quando me sentir à vontade vou conseguir me abrir, mas sei que posso ser bem difícil às vezes, e ela também sabe.
Estou tão apreensiva com essa visita à casa da Sueli que quase não dormi na noite passada. Rolei de um lado para o outro e mesmo quando Renata me abraçou, não consegui desligar a minha mente. Nana saberia o que fazer, ela sempre tinha ótimos conselhos. Sinto falta dela, da sua sabedoria, do seu abraço acolhedor. Mesmo depois de anos da sua morte, ainda sinto a sua presença por todos os cômodos da nossa casa, como se ela estivesse cuidando de mim.
Hoje em dia, as pessoas podem até pensar que sou fechada, mas posso garantir que quando me mudei para a casa de Nana, era muito pior. No primeiro ano foi muito difícil, preferia ficar sozinha e não falava muito. Era estranho ter alguém que se importasse comigo depois de tantos anos sozinha. Ficava me questionando: porque uma senhora que me viu uma única vez na rua me convidou para morar com ela? A vida e as pessoas não foram bondosas comigo, com certeza aquela velhinha queria alguma coisa de mim.
Meses depois, descobri que Nana sempre quis ter filhos, mas era estéril. Passou a vida buscando tratamentos e nunca conseguiu engravidar. Tentou a adoção, mas o sistema rejeitou o seu pedido por não ter um parceiro, o que na época não ajudava no processo de adoção. Com o passar dos anos, ela aceitou a sua condição. Sem parentes vivos, depois que se aposentou, passou a maior parte dos seus dias sozinha, cuidando da casa e do jardim. Nana não imaginou que depois dos seus setenta anos iria ter a chance de ser mãe, mas foi o que aconteceu. Ela me deu um lar, comida, estudos e carinho, mesmo que eu fosse uma jovem de 15 anos, cheia de traumas e comportamentos agressivos. Nana teve paciência, muita paciência. Aos poucos fomos nos conhecendo, assim como eu estava acostumada a viver sozinha, ela também estava. Nós duas nos adaptamos uma à outra. Confesso que foram os melhores anos da minha vida, apesar de curtos, descobri que podia ser amada.
Olho para o quadro com a foto de Nana que fica na mesinha ao lado da televisão. Estou com ela, essa é a única foto que tiramos juntas. Foi no dia em que fiz 18 anos. O sobrenome que tinha antes, foi dado pelo orfanato. Decidi que queria usar o sobrenome de Nana, queria dar esse presente para a senhora bondosa que me acolheu. Ainda lembro de como seus olhos brilharam quando eu mostrei o documento com meu novo sobrenome, Ribeiro. Ela chorou, me abraçou, riu e depois fez questão de registrar esta foto. Um ano depois, ela morreu enquanto dormia. Lembro que nunca chorava, mas naquele dia, chorei como uma criança. Uma criança que se sentiu abandonada novamente. Demorou anos para superar a morte da única mãe que conheci. Na mesma época comecei a trabalhar para Sophie e conheci Henrique, o vizinho que era o seu melhor amigo.
Escuto a buzina do carro de Renata na frente de casa. Verifico se estou levando tudo que preciso, fecho a porta em seguida. Minha namorada vem em minha direção e me abraça, um peso sai das minhas costas quando sinto o seu cheiro. Relaxo automaticamente.
— Está pronta? — Sei que Renata está preocupada, ela já me conhece o suficiente para notar que estou à beira de um colapso ansioso. Então precisa se assegurar que estou pronta.
— Não sei, sinto que vou vomitar a qualquer momento.
— Ei. — Ela mantém o aperto na minha cintura. Toca no meu rosto e vejo compreensão nos seus olhos. — Nós vamos fazer isso juntas. Prometo que vou ficar do seu lado o tempo todo. Vou segurar a sua mão, vou te proteger e não vou deixar com que ninguém te machuque. Está me ouvindo? Você não está sozinha. — Suas palavras me emocionam. Confio em cada promessa que sai da sua boca, porque aquela mulher é a pessoa mais protetora que conheço. Num impulso, beijo os seus lábios. Apesar de já ter provado o seu gosto centenas de vezes, sinto a necessidade de provar cada vez mais, estou viciada naquela mulher.
— Eu te amo tanto. — Ela sorri diante da minha declaração inesperada. Mas essa é a única frase que expressa o que estou sentindo. Suas palavras me dão coragem, não me sinto mais nervosa ou apreensiva, porque não importa o que aconteça nesse encontro, Renata vai estar ao meu lado. — Agora estou pronta.
@escritora.kelly
Fim do capítulo
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