Capitulo 15
A madrugada ainda estava úmida de sereno quando Heather desceu para o convés. O céu cinzento dava sinais de mais um dia duro, mas ninguém parecia se importar. Os homens já estavam reunidos, botas batendo contra a madeira molhada, checando cabos e ferramentas. O cheiro salgado do mar misturava-se ao óleo das engrenagens. Era o último esforço da temporada, todos sabiam, todos sentiam.
Heather passou o olhar por cada um deles, firme, a postura ereta como sempre. Trazia a prancheta debaixo do braço, mas o que carregava era muito mais que números. Era a responsabilidade por cada vida naquele barco.
- Escutem bem. - a voz dela cortou o ar como lâmina. - Hoje puxamos a última fileira. Não tem espaço para erro. Cada covo precisa vir cheio. Quando terminarmos, voltamos para o porto.
Os olhos dela percorreram os rostos cansados. Hans, sério como sempre; Victor, coçando o pescoço, ansioso para terminar; Boris, com o nariz ainda inchado, mas determinado a não perder espaço; Mei, de pé entre eles, discreta, mas pronta.
- Porto significa entrega. - Heather prosseguiu. - Temos tanques lotados, uma carga que vale dinheiro para todos vocês. Precisamos descarregar no prazo. E temos um gerador que não vai aguentar muito mais. - Pausou, medindo as palavras. - Então prestem atenção. É a última fileira. E depois... casa.
Um murmúrio de aprovação percorreu o grupo.
- Vamos dar tudo, capitã. - disse Victor, batendo as luvas uma contra a outra.
Heather assentiu.
- Muito bem. Vamos terminar essa temporada.
O trabalho começou com intensidade dobrada. O guincho gem*u alto logo no primeiro arranque, puxando da água a gaiola pesada. Hans e Victor seguravam as cordas, músculos tensionados, enquanto Mei controlava o ritmo das engrenagens.
- Segura firme... - grunhiu Hans, ajeitando o peso.
Mei se adiantou, girando a chave de ajuste para evitar que a corrente travasse. O metal rangeu, ameaçando emperrar.
- Agora! - ela gritou, e o guincho deslizou de novo, puxando o covo até a lateral do barco. Heather manobrou o guindaste e colocou o covo na rampa. A gaiola veio lotada, a mesa de seleção não foi suficiente para comportar os crustáceos. Caranguejos se espalharam, pinças batendo contra a madeira. O time avançou rápido, recolhendo, separando, jogando os bichos para dentro do tanque.
Heather observava de cima, cada detalhe, cada movimento. O corpo dela permanecia imóvel no leme, mas por dentro sentia o peso de cada segundo. O som do guincho, os gritos, os estalos de corda eram como tiros em seus nervos.
A segunda, a terceira, a quarta gaiola... o convés fervia em suor e cadência. Mei se movia entre os homens como se já fosse parte deles, sem hesitar. A cada ajuste que fazia nas correntes ou nas alavancas, evitava pequenos atrasos que poderiam custar caro. Os equipamentos já estava desgastados devido a fúria do mar e os dias sem descanso.
Victor, ofegante, olhou para ela.
- Você tem olhos de águia, sabia? Nem dá tempo de falar, já resolve.
Mei sorriu rápido, sem se deter.
- Melhor resolver do que esperar quebrar.
Hans lançou-lhe um olhar de aprovação, discreto, mas genuíno.
- Está ficando boa nisso.
Mei ergueu uma sobrancelha, brincando.
- "Ficando"?
- Tá bem. - ele cedeu. - Já é boa.
Os dois se entenderam em silêncio, voltando ao trabalho.
As horas se arrastaram em esforço contínuo. O vento castigava, a madeira escorregava sob as botas, mas ninguém parava. O último trecho da fileira trouxe as gaiolas mais pesadas, mas também mais cheias. Cada vez que o tanque recebia um novo carregamento, Victor soltava um grito de vitória, animando o grupo. Ele estava louco para voltar para a sua família.
Heather, no entanto, não se deixava levar. Do alto, via o relógio, via a pressão nos manômetros, ouvia o ronco irregular do gerador. A cada falha no som do motor, um frio lhe subia a espinha.
"Segura só mais um pouco", pensava, como se o barco inteiro pudesse ouvi-la.
Quando guindaste ergueu a última gaiola, todos se reuniram em torno dela. Hans e Victor puxaram as cordas com força, Mei controlou a velocidade do cabo, e, num movimento preciso, a armadilha caiu pesada na rampa.
Caranguejos se espalharam em todas as direções. As pinças estalavam como fogo de artifício.
- Última carga, porr*! - gritou Victor, e o convés explodiu em comemoração.
Boris, mesmo com o rosto inchado, ergueu um braço. Hans deixou escapar um raro sorriso. Mei jogou um caranguejo para o tanque e limpou a testa com a manga do casaco.
O tanque borbulhava de vida. Os números estavam acima da média da temporada. Era lucro certo. Era vitória.
Heather, porém, não se juntou à celebração. Do leme, olhava para baixo, séria, deixando que a alegria deles ecoasse sem ela. Um orgulho silencioso queimava em seu peito, mas junto vinha o peso da responsabilidade.
Ela anotou os totais, com letra firme:
"Cota alcançada. Temporada de caranguejo-real concluída."
Fechou o caderno devagar.
O convés ainda vibrava com risadas e gritos, mas os olhos dela estavam no horizonte. Sabia que a parte difícil ainda não tinha acabado.
"Agora é voltar. E a volta pode ser imprevisível... estamos longe da frota, longe do desembarque. Qualquer coisa que aconteça no caminho, estaremos sozinhos."
Respirou fundo, apoiando as mãos no painel.
"Precisamos entregar a encomenda. Precisamos consertar o gerador. Precisamos voltar... inteiros."
Fim do capítulo
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