Capitulo 11
O Mar de Bering voltou a ficar agitado. O vento frio cortava a pele como navalha, e a maresia grudava no corpo como uma segunda pele. Mas a rotina de sucesso ao puxar os covos havia injetado uma nova energia na tripulação. O balançar rítmico do Queen Seas era o único som constante, entrecortado pelos gritos das gaivotas que seguiam o barco famintas, e pelo coro de vozes masculinas celebrando cada covo cheio que emergia das águas.
A semana que se seguiu foi um sucesso avassalador. Em mais uma região escolhida a dedo pela capitã, os covos retornavam à superfície abarrotados de caranguejos-reais, com a generosidade que só a sorte ou a experiência de Heather podiam proporcionar. O ritmo de trabalho era intenso, mas a alegria dos resultados se tornou um combustível potente. Cada homem sabia que, ao final da temporada, voltaria com os bolsos pesados de dinheiro, e isso valia cada hematoma, cada noite mal dormida, cada risco.
Mei, apesar da inexperiência, se transformava. No início da temporada, seus movimentos eram desajeitados, hesitantes. Agora, o corpo já respondia por instinto. A repetição das longas jornadas havia criado uma memória muscular, e ela se movia no convés como parte da engrenagem. Suas mãos firmes puxavam cordas, ajeitavam covos, separavam caranguejos com precisão. Ainda acumulava arranhões e marcas roxas, mas a frequência diminuía, e a engenheira começava a conquistar o seu lugar na tripulação.
O cansaço, porém, era brutal. O corpo pesava a cada passo, e o pouco tempo de descanso parecia evaporar. Todos estavam exaustos, mas havia uma diferença: a temporada era boa demais para reclamar. Até Boris e Igor, com seu humor duvidoso e piadas grosseiras, haviam diminuído os comentários dirigidos a Mei. A relação deles com a engenheira se ajustava naturalmente, a tripulação era uma família disfuncional, e quem aguentava o mar acabava aceito, de um jeito ou de outro.
Mei observava Heather em meio àquele caos e se perguntava como a capitã conseguia controlar aqueles homens. Brutos, teimosos, arriscados por natureza. Ainda assim, todos a obedeciam sem questionar. Não era só autoridade, era respeito. E havia algo mais: Heather não pedia nada que ela mesma não estivesse disposta a dar.
Mas para Mei, o que mais pesava não era a admiração pela líder. Eram os olhares.
Desde a adolescência, quando ainda a via como a figura inalcançável que a protegia das encrencas, Mei fantasiava com Heather. Pequenas cenas, beijos imaginados, a excitação escondida da menina que descobria seus desejos. Mas nunca pensou que, adulta, teria diante de si a chance real. Não até notar que a capitã também a olhava.
E havia desejo nesses olhares.
Heather se afastava, fingia distância, mas não conseguia disfarçar. A tensão entre elas aumentava a cada dia, como um nó apertando. Mei sentia o ar pesar quando Heather se aproximava, sentia seu corpo responder a cada toque acidental, cada palavra dita em voz baixa.
Do alto da casa do leme, Heather também travava sua guerra silenciosa.
As luzes do painel aqueciam os dedos enrijecidos pelo frio. O radar piscava, marcando pontos verdes na tela, e o som grave do motor era constante. Mas parte da sua mente estava em outro lugar.
Via Mei no convés, inclinada sobre a mesa de seleção, o vento bagunçando seus cabelos escuros, os músculos do braço se contraindo ao guiar covos pesados. Via o riso rápido que ela trocava com Victor ao arremessar uma gaiola de volta ao mar. Via o jeito como as roupas de trabalho, pesadas e largas, ainda deixavam transparecer a curva dos quadris.
E a lembrança da cabine não a deixava em paz.
Aquela imagem, Mei nua, pele arrepiada pelo frio, os mamilos duros como botões sob a luz fraca, invadia seus pensamentos nos momentos mais inoportunos. Heather tentava se convencer de que era abstinência, de que precisava de alguém na cama depois de tanto tempo sozinha. Mas não era só isso. O corpo não mentia. O coração disparava, a boca secava, e uma onda de calor subia por dentro de seu peito, contradizendo a temperatura gélida ao redor.
O problema era maior do que admitia: Mei não era uma mulher qualquer. Era a irmã de Xiao, sua família. Era a garota que ela cuidava desde a infância. Aquela atração era inadimissível, errada.
E, mesmo assim, inevitável.
Naquela noite, após o último covo lançado, o silêncio dominou a casa do leme. A luz do painel era a única clareza no espaço, lançando sombras que se moviam com o balanço do barco. Mei, escalada para auxiliar a capitã no turno, subiu até lá. Encontrou Heather com o semblante sério, perdida em pensamentos.
Mei se sentou numa cadeira próxima. O cheiro de maresia, misturado ao aroma de café fresco, preenchia o ar. O perfume discreto de Heather, algo limpo, sóbrio, inconfundível, mexia com ela.
- Capitã, você está bem? - a voz suave quebrou o silêncio. - Parece muito pensativa.
Heather se virou. O rosto denunciou surpresa por um segundo, mas logo a máscara de frieza se recompôs.
- Estou bem, Mei. Só avaliando a situação. A temporada está sendo boa. Se continuarmos assim, logo estaremos em casa.
O sorriso de Mei iluminou a sala escura. Mas ela não se deu por satisfeita.
- Fico feliz em ajudar. Mas... - inclinou-se para frente, diminuindo a distância entre elas. A voz caiu para um sussurro. - Eu não acho que seja só isso.
Heather sentiu o corpo enrijecer. A proximidade era um risco. O cheiro de sabonete no pescoço de Mei, misturado ao sal que impregnava seus cabelos, era uma tortura.
- O que você quer dizer, Mei? - perguntou, a voz rouca.
A engenheira refletiu se devia continuar a questionar a capitã. Mas se não esclarecesse as coisas, sua mente não lhe deixaria em paz. Mei levantou a mão, ousada. Os dedos tocaram a bochecha de Heather, leves. O gesto era suave, mas a intenção, clara.
- Eu vi como você me olhou na cabine. Eu sinto como você me olha no convés. - A mão deslizou até o pescoço da capitã.
- Mei... - Heather sussurrou, vulnerável.
- Você tem algo a me dizer? - A respiração da capitã se descompassou. O corpo pedia rendição, a mente gritava perigo. Sua mão, até então firme no leme, se moveu para a cintura de Mei, puxando-a levemente.
A engenheira sorriu, convencida de que a capitã também sentia a tensão entre elas. Heather se inclinou, aproximando seus rostos. O calor das respirações se misturava. Estavam a um passo do abismo. Mei ficou empolgada, Heather estava a poucos centímetros de beijá-la, ela mal podia acreditar.
Foi quando o rádio explodiu em chiados.
Um pedido de socorro.
Heather congelou. A voz aflita pedia ajuda: motor quebrado, necessidade de peça urgente. O Thunderstorm, barco de Fred, um velho amigo de seu pai.
A capitã recuou como se tivesse levado um golpe. O rosto queimava, mas a máscara retornou.
- Eles estão próximos. Vamos ajudá-los. - Virou-se para Mei, voz ainda rouca. Ela se recompôs mais rápido do que a engenheira conseguiu processar. - Fale com o engenheiro deles, descubra a peça.
Mei engoliu em seco, ainda tremendo com a tensão que se dissipava. Demorou alguns segundo para processar o pedido de Heather.
- Aqui é a engenheira do Queen Seas. Qual peça precisam? - disse pelo rádio, profissional, apesar da pulsação acelerada.
Mei foi até o depósito junto com Heather, mas a capitã mudou da água para o vinho. Elas voltaram a conversar apenas sobre trabalho enquanto procuravam a peça.
Horas depois, a tripulação foi acordada. Pela manhã, já estavam ao lado do Thunderstorm. Com cordas e bóias, enviaram a peça. Problema resolvido.
Mas a tensão entre Heather e Mei permaneceu suspensa no ar, como um fio prestes a se romper.
Mais tarde, exausta, Heather cedeu o leme a Victor e se trancou em sua cabine. Deitou-se pesada, mas a mente não parava.
Se não fosse o rádio... teriam se beijado?
Heather queria acreditar que não. Que teria resistido. Mas a verdade era outra: sempre cedia a Mei. Desde criança. Um doce, um favor, uma permissão para sair escondida. Sempre dizia sim.
E agora era diferente. Não se tratava de um capricho infantil. Mei quase a beijara. E ela queria tanto quanto.
Fechou os olhos. A lembrança voltou com força. Mei nua na cabine, pele arrepiada, olhos escuros que a desarmavam. Heather estremeceu. Uma corrente elétrica percorreu seu corpo. Seus dedos roçaram o seio, encontrando o mamilo rígido. Gem*u baixo.
Deixou a mão deslizar pelo abdômen até encontrar o centro úmido. Tocou-se com urgência, cada movimento alimentado pela imagem de Mei, sua razão tentava reprimí-la, mas o prazer nublava o seu discernimento. O orgasmo veio rápido, avassalador, espasmos tomaram seu corpo enquanto a boca se abriu num suspiro contido.
Quando terminou, ficou ofegante, os lençóis úmidos de suor frio.
A culpa veio em seguida, como uma onda. Mei era uma mulher. Era a irmãzinha de Xiao. Era sua responsabilidade. E, ainda assim, era tudo o que seu corpo queria.
Heather adormeceu nesse conflito, embalada pelo mar.
Fim do capítulo
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