Capitulo 10
A sorte havia mudado. Na nova área de pesca, a intuição de Heather se mostrou mais do que acertada. O processo de puxar a segunda leva de covos do mar, que antes era uma experiência de desânimo, agora era um ritual de triunfo. Cada covo que emergia das águas gélidas estava cheio. Dezenas de caranguejos-reais de alta qualidade, com suas carapaças vermelhas e garras enormes, enchiam os covos, criando atmosfera de positividade e harmonia entre a tripulação.
Os tripulantes brincavam uns com os outros e Mei entrava na brincadeira. O sucesso era contagiante, e a confiança dos tripulantes em Heather se consolidou. O Queen Seas era um barco de sorte, e a sua capitã era a melhor que eles já viram, ela conseguia manter a moral do time. O pensamento positivo é a ferramenta mais importante em um barco de pesca de caranguejo.
Com os tanques cheios, a capitã deu a ordem para retornarem a Dutch Harbor. A viagem de volta foi um misto de euforia e exaustão. A tripulação, que tinha trabalhado sem descanso, agora se preparava para o merecido descanso. Mei se jogou na cama e apagou em um sono profundo e muito esperado. Não tinha uma parte do seu corpo que não estava doendo após 30 hs de trabalho seguidas. A novata precisava repor as energias ou iria desmaiar.
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No meio da viagem, no entanto, o alarme de incêndio do barco soou, alto e estridente, quebrando o silêncio do convés. Mei, que tinha acabado de acordar e estava na cozinha, sentiu o seu coração acelerar. A sua mente de engenheira se ativou. Ela sabia que o alarme era um sinal de que algo estava errado.
- Sala de máquinas! - Igor gritou, com a sua voz carregada de pânico. - Vazamento de óleo!
Mei e Victor, com a rapidez de quem sabiam o que estava fazendo, correram para a sala de máquinas. A sala estava cheia de fumaça, e o cheiro de óleo era forte e perigoso. O piso estava escorregadio, e o risco de um incêndio era imenso.
Heather, que estava na casa do leme, ouviu o alarme e o grito de Igor. Ela desceu as escadas e correu para a sala de máquinas, com o coração acelerado. Um incêndio poderia colocar tudo a perder.
- Mei! Victor! O que está acontecendo? - Ela gritou, com a voz carregada de preocupação.
Mei, estava tentando encontrar da onde vinha o vazamento. Mas tinha fluído hidráulico para todos lados.
- Temos um vazamento de óleo. Preciso encontrar a origem do vazamento. Mas é muito perigoso continuar com os geradores ligados. - A engenheira anunciou.
- Vou desligar. - Heather vai até o botão dos geradores e desliga tudo.
- Vamos secar esse fluído antes de fazermos o conserto. - Mei orienta e Victor e Igor começam a secas as máquinas.
A engenheira sai da sala de máquinas e encontra com a capitã.
- O que vamos fazer?
- Vou voltar lá para encontrar o vazamento, ele deve está bem escondido. Mas você fica aqui e liga os geradores ao meu sinal. Quando eu achar a origem do vazamento, você desliga os geradores novamente. - Mei estava séria e passando as orientações para capitã. Era um momento de pura tensão.
Mei voltou para a sala de máquinas e deu sinal para que Heather ligasse os geradores novamente. O óleo voltou a sujar a sala toda. Mei buscou com atenção a origem daquele problema, ela precisava agir rápido. Um incêndio mataria todos, pois as máquinas poderiam explodir. Victor também estava em busca do vazamento. Até que os olhos afiados de Mei identificaram o problema.
- Pode desligar! - Mei grita e os geradores são desligados.
- Da onde vem o vazamento? - Heather pergunta ao entrar na sala.
- Temos um vazamento hidráulico no gerador secundário. O anel de vedação estourou. Preciso fazer a troca do anel. - Mei aponta o lugar exato do problema.
- Vai demorar muito?
- Não, vou pegar a peça e logo termino.
- Ok meninos, continuem limpando a sala, enquanto a Mei troca o anel de vedação. Qualquer faísca pode causar um incêndio aqui.
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Depois de uma hora, a sala de máquinas, que antes estava cheia de fumaça, agora estava limpa. O cheiro de óleo, que embrulhava o estômago, agora estava fraco. Mei trocou o anel de vedação com agilidade. Heather ficou admirada com a proatividade e rapidez de Mei em resolver o problema. Ela tinha segurança e sabia o que estava fazendo. Seus últimos engenheiros, na verdade curiosos, não eram tão rápidos. Poucos engenheiros navais formados queriam trabalhar em um barco de pesca por conta do perigo, da carga horária e do dinheiro, que apesar de ser bom, não era proporcional aos outros trabalhos na área. Então Heather contratava quem tinha experiência e um pouco de conhecimento hidráulico e mecânico. A capitã estava agradecida a Mei, mas ficava se perguntando porque uma jovem inteligente, com um futuro brilhante, queria passar os seus dias em um barco de pesca arriscando a sua vida? Talvez fosse a juventude que fazia Mei sonhar com aquilo. Com o tempo ela cairia em si e mudaria de ideia.
Mei calou a boca dos seus colegas tripulantes. A sua inexperiência no convés era um lembrete do perigo, mas a sua habilidade na sala de máquinas salvou a vida de todos. Era por isso que um engenheiro fazia parte da tripulação tanto quanto os outros. O momento de tensão, fez com que os homens a vissem com mais seriedade.
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A viagem para Dutch Harbor continuou sem mais problemas. A chegada ao porto foi marcada por um som de comemoração. A primeira carga de caranguejos, que pesava cerca de 50 toneladas, seria descarregada e o dinheiro entraria no bolso. Essa quantidade de caranguejos-reais, rendia para cada tripulante o valor de 25 mil dólares. Mei ganhava mais por ser engenheira e pescadora e Heather tirava uma porcentagem em cima do valor total. O restante ficava para manter a tripulação em alto mar, consertos no barco e fundo de emergência. Heather estava grata que naquele ano a temporada começou sem dívidas para o Queen Seas, o que fazia todo trabalho duro valer a pena.
No porto, a tripulação, mesmo cansada, fez a descarga dos caranguejos, que era um trabalho pesado, e recebeu a sua merecida recompensa.
Heather estava na casa do leme, conferindo os documentos de embarque, quando uma luz acendeu na tela das câmeras. Ela buscou o motivo do alerta, até que percebeu que um homem estava tentando sabotar os covos empilhados.
A capitã desceu as escadas e caminhou para o convés, furiosa. Um homem, com uma faca na mão, estava tentando cortar as redes dos covos. A sua faca, que estava prestes a cortar a rede, foi parada por um grito de Hans.
- Seu filho da puta! - Ele gritou, com a voz carregada de raiva.
O homem, que era um dos tripulantes de Connor, se virou, mas já era tarde demais. Hans, com sua força imensa, o derrubou. Victor e Igor se juntaram a ele, e o homem foi amarrado e amordaçado.
- O que fazemos com esse imbecil, capitã? - Boris perguntou.
- Vamos mandar um recado para o Connor. Para ele saber que não pode mexer com a nossa família. O que acham de um banho de iscas velhas?
A tripulação, que antes estava com raiva, colocou um sorriso de escárnio no rosto. Eles jogaram um balde de iscas no pau mandado de Connor e amarraram uma placa no pescoço do homem, que dizia: "Não se meta com a família do Queen Seas". E o enviaram para Connor, num ato de vingança e de união. O recado foi claro e definitivo. Heather estava ficando cansada das atitudes infantis e perigosas de Connor. Maldito o dia em que ela deixou aquele imprestável se aproximar.
Mei não estava no barco quando o sabotador tentou cortar as redes dos covos. Ela tinha pedido autorização para ir até uma loja de peças. A engenheira estava fazendo um inventário do estoque de peças no barco e percebeu que faltavam alguns equipamentos e materiais básicos que seriam de grande utilidade caso tivessem mais algum imprevisto.
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Após descarregarem todos os caranguejos e Mei voltar para o barco, o Queen Seas retornou ao mar, com a confiança renovada. A meta era alta, e eles estavam determinados a bater o restante em pouco tempo. Já tinha se passado 15 dias desde o início da temporada.
A experiência de Mei no convés havia evoluído muito. Seus movimentos, antes lentos e desajeitados, agora encontraram um ritmo. A repetição dos movimentos estava ajudando a melhorar. Ela ainda cometia erros, mas era tratada com mais paciência, principalmente por Victor.
A tripulação, que antes a olhava com desconfiança, agora a tratava com respeito. Boris, o mais velho e experiente, a ensinava a amarrar as cordas, e Victor a ensinava a jogar o gacho. Mei, pela primeira vez, se sentiu a vontade, no mar, e na presença de sua nova família.
Em um momento de descanso, após os covos serem lançados na água mais uma vez, Mei decidiu tomar um banho no banheiro da casa do leme. A capitã, que havia lhe dado a permissão, estava no convés com Hans, conferindo alguns materiais que precisavam ser substituídos.
Com os reservatórios de água doce cheios, a engenheira pôde tomar um banho demorado. Ela não conseguia passar dias sem tomar banho como os seus colegas de trabalho faziam. Apesar do frio, Mei odiava se sentir suja. O que era constante, já que lidava com peixes e caranguejos o tempo todo. Para a sua sorte, Heather tinha alguns produtos de higiene muito eficazes e cheirosos. Era bom compartilhar o banheiro com outra mulher. A capitã parecia rude e séria na frente dos tripulantes, mas Mei a conhecia desde sempre e sabia que ela também era gentil e delicada.
Após alguns minutos, Mei se sentiu revigorada. Ela se secou com a toalha e tentou se vestir, mas o banheiro era muito pequeno. Ela decidiu se vestir na cabine de Heather que também ficava na casa do Leme. Foi então que a porta da cabine se abriu, e Heather entrou. Mei estava apenas de calcinha, a toalha ainda na mão. Seu corpo ainda úmido brilhava sob a luz da cabine. O cabelo escorria em fios escuros pelo colo e pelas costas.
Heather congelou. Por um segundo, esqueceu-se de respirar. O olhar percorreu, involuntário, cada detalhe: as pernas torneadas, a curva delicada da cintura, a pele macia. Até os mamilos, enrijecidos pelo frio, ficaram gravados em sua mente.
Jesus... O pensamento atravessou como um raio. O que estou fazendo? Ela é... a Mei.
Mas não conseguiu parar. O perfume do shampoo que era dela, agora misturado ao calor do corpo de Mei, parecia entorpecê-la. O contraste da delicadeza feminina contra toda a brutalidade do mar fez algo dentro dela ruir.
Heather desviou o olhar, mas já era tarde: sua mente tinha se permitido imaginar.
Eu quero tocá-la.
Quero saber como sua pele se sente.
Quero beijá-la.
A consciência tentou reagir: Ela é uma mulher. Eu a vi crescer. Isso é errado. Mas o corpo não obedecia. O coração disparava, e entre as pernas ela sentia um calor insistente.
Mei se recompôs primeiro, cobrindo-se com a toalha.
- M-me desculpe, capitã. O banheiro é pequeno... não consegui me trocar lá dentro.
Heather piscou, voltando à realidade. Afastou-se rápido, murmurando um "desculpe" apressado, e fechou a porta atrás de si.
Heather se sentou em sua cadeira, com o seu rosto vermelho e o seu coração acelerado. Ela sabia que aquela atração por Mei era perigosa, mas ela não estava conseguindo se controlar. Sua respiração só voltou ao normal quando avistou Mei indo para o convés. A engenheira caminhou até a beira do barco e ficou olhando para o mar. Por sorte, o clima estava bom e o mar sem ondas grandes. Imagens do corpo da mulher ficavam invadindo os pensamentos de Heather. Ela nunca tinha sentido atração por uma mulher, talvez fosse o tempo que estava sem sex*. Desde Connor, ela ficou saturada de relacionamentos, mesmo que casuais. Sim, com certeza devia ser isso. A capitã tentou se concentrar nas estratégias de pesca que estavam anotadas na sua agenda, era nisso que ela devia se focar. Todos ali dependiam dela. A temporada estava na metade e ela não podia se dar ao luxo de perder o foco.
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Mei ainda estava com o coração acelerado quando segurou na borda do barco. Ela sabia que devia secar o seu cabelo antes de sair para o convés, mas precisava de ar. Precisava de espaço, um lugar onde não tivesse tanta testosterona. O olhar de Heather fez o seu corpo queimar, ela desejou que a capitã diminuísse a distância entre as duas e tocasse em seu corpo. Se com o seu olhar ela já conseguia fazer tanto estrago em Mei, imagina se a tocasse. Mas a engenheira precisava se lembrar que Heather era hétero. Aquela atração só podia ser coisa da sua cabeça.
O mar estava calmo, mas dentro de ambas, uma tempestade começava a nascer.
Fim do capítulo
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