Capitulo 5
O ar do amanhecer em Dutch Harbor estava salgado e frio, mas a energia no cais era contagiante. O dia da partida tinha chegado, os gigantes de aço e madeira do porto de Unalaska deixavam o conforto da ilha para enfrentar a fúria do Mar de Bering.
No Queen Seas, a tripulação finalizava os últimos preparativos. Os motores roncavam em um murmúrio constante, como se o barco também estivesse ansioso para zarpar.
Mei se despediu da família na doca, com a Sra. Wang mais uma vez tentando dissuadi-la.
- Minha filha, por favor, pense bem - disse sua mãe, os olhos marejados. - Há trabalhos seguros na cidade. Sua formação é preciosa.
- Mãma, já conversamos sobre isso. - A voz de Mei era suave, mas firme. - Eu preciso fazer isso. Prometo que terei cuidado.
Seu pai não apareceu. Desde a última briga, permanecia frio e distante. O vazio da ausência pesava em Mei, mas ela sabia que precisava impor suas escolhas. Um dia, seus pais teriam que aprender a conviver com isso.
Xiao a abraçou com força.
- Eu sei que não posso te impedir, Mei. Cuide-se.
Jie e o pequeno Hao também se despediram. Jie a envolveu em um abraço apertado, enquanto Hao, inocente e sorridente, pediu que ela voltasse com muitos caranguejos. O menino estava ansioso para dar tchau à sua tia Heather também.
O coração de Mei apertou, mas também se fortaleceu. Subiu a bordo com a respiração curta, a ansiedade misturada à emoção de viver, finalmente, o seu sonho: a primeira temporada de caranguejo-real. E no Queen Seas, o barco que sempre amou e conhecia como a palma da própria mão.
Enquanto a tripulação organizava o convés, Andrew, o pai de Heather, se despedia da filha. Abraçou-a com a força de quem queria protegê-la do mundo. A voz saiu rouca, carregada de emoção.
- O mar é imprevisível, meu amor. Sempre fico apreensivo quando vejo você partir.
- Não se preocupe, papai. Você sabe como são as coisas.
- Sei, sei que é a melhor capitã que conheço. Confio nos seus instintos... mas todo pai se preocupa. - Andrew sorriu, os olhos enrugados pela ternura.
- Logo estarei de volta. Sei me cuidar. E o senhor, nada de esquecer de tomar os seus remédios. Vou pedir para Xiao ficar de olho.
- Onde já se viu? Depois de velho vou ter uma babá? - resmungou, disfarçando o afeto.
- Se não fosse tão teimoso, eu não me preocuparia. - Heather riu baixo e o abraçou de novo.
- Cuide do nosso barco. E volte em segurança.
- Obrigada, papai. Vou dar o meu melhor para trazer todos de volta.
No cais, Xiao se aproximou e entregou Hao para se despedir de Heather. O menino acenava, sem noção da tensão no ar. A capitã deu atenção para o seu afilhado e respondeu todas as perguntas que ele fez.
- Ela não vai desistir, você sabe. - Xiao falou baixo, olhando para Mei, que já ajudava no convés.
Heather ajeitou o boné na cabeça, tentando esconder o incômodo.
- Não... ela nunca desistiu de nada.
Xiao sorriu de canto, mas a voz trazia um aviso.
- Talvez seja isso que mais te assusta. Mas sei que você vai cuidar dela assim como quando éramos mais novos.
Heather acentiu, mas se manteve em silêncio. Devolveu Hao, se despediu e voltou para o barco. O semblante era de capitã firme, mas por dentro as palavras de Xiao ecoavam como um presságio difícil de ignorar.
(---)
A tripulação se reuniu na cozinha. O clima era tenso, mas vibrante. A temporada seria perigosa, mas a recompensa podia mudar vidas. Heather ergueu a voz, firme como aço.
- Vamos fazer o que sabemos de melhor. Voltaremos com os tanques cheios. Confiem em mim, assim como confio em vocês. E não se esqueçam: segurança em primeiro lugar. A ajuda fica longe, mesmo com a guarda costeira. Somos uma família aqui. Essa temporada é nossa. Vamos pescar e voltar com muito dinheiro no bolso.
Mei sentiu os olhos brilharem. Admirava como Heather equilibrava dureza e esperança. Depois do treinamento, estava mais segura, mas sabia que qualquer vacilo poderia custar sua vida. As palavras da capitã ecoavam: "se mostrar menos do que excelência, eu não hesitarei em te tirar daqui."
Entre aplausos e risadas, Boris puxou um balde e retirou um peixe pequeno. Ofereceu-o a Heather, que mordeu a cabeça e cuspiu, seguindo a superstição. Em seguida, entregou-o a Mei e explicou que aquilo iria atrair os caranguejos para as gaiolas.
A engenheira hesitou apenas um instante antes de mastigar o peixe, disfarçando a careta. A tripulação explodiu em risadas.
- Ela nem reclamou! - Boris exclamou, divertido. - Igor quase vomitou na primeira vez!
O russo fez uma careta, arrancando mais risos. Heather disfarçou um sorriso, satisfeita. Aos poucos, Mei conquistava o respeito dos homens.
(---)
Os motores rugiram sob as mãos de Heather. O Queen Seas deixou Dutch Harbor lentamente, e a ilha foi ficando para trás.
No convés, Mei deixou o vento gelado cortar seu rosto. O coração acelerava, não era mais a menina que sonhava com esse momento, era parte da tripulação. Enquanto estava estudando fora, tudo era muito diferente da vida na ilha, as festas, as amizades, os projetos da faculdade, as pessoas e os costumes, mas no Queen Seas ela se sentia em casa, não apenas pelo barco em si, mas por todas a lembranças que ela tinha com Heather ali. Mesmo que a Heather de agora estivesse diferente, ela sabia que tudo não passava de uma fachada para intimidar.
Na casa do leme, Heather observava. Viu Mei se esforçar com as cordas pesadas, o rosto marcado pela exaustão, mas sem desistir. O estômago da capitã se revirou. Ela era sua tripulante agora, mas também era Mei. Como equilibrar o instinto protetor com a frieza necessária ao comando?
O Queen Seas avançou rumo ao Mar de Bering. No horizonte, Unalaska desaparecia. Heather, a capitã implacável, levava consigo uma inquietação que não podia admitir em voz alta: o medo de perder alguém que nunca fora apenas "mais uma".
Fim do capítulo
Instagram: escritora.kelly
Comentar este capítulo:
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]