Que sorte a minha
Não tem outra forma de olhar pra uma mulher dessas sem ser profundamente, simplesmente é a única forma possível de olhar pra ela, que entra em postura de continência e simplesmente me responde com um "sim senhora", me fazendo rir instantaneamente e ganho um beijinho na bochecha antes de vê-la sair pela porta que entramos, quando um rapaz com o mesmo uniforme do cinema a chama, mas encara mesmo o Renato, que fuma com uma cara de sem vergonha olhando pra ele de volta.
Vejo o último filme com uma apresentação de borboletas em meu estômago e não é de MPB, coisas leves, tenho certeza que elas estão num bate cabeça federal em minhas entranhas, resumindo vejo o filme mais conversando com Renatinho do que tudo.
Vamos os 5 para o bar juntos quando nos encontramos na saída: Clara, eu, Renato, Bruno - o rapaz que o encarou sem um resquício de vergonha - e o namorado dele, Gustavo, que olha pro meu amigo como uma belíssima marmita suculenta e de belos olhos cor de mel.
Entramos no bar depois de abrirmos cada um sua conta, Bruno e Gustavo entram com Renato para pegar uma mesa enquanto Clara e eu ficamos no balcão do salão, aguardo que ela peça dois drinks em taças chiques, que não sei bem que tipo de álcool tem.
- Um brinde - ela propõe me indicando com sua taça, a outra que foi posta à minha frente.
- Eu sou mais uma pessoa de cerveja e vinho tinto mas - ergo minha taça em encontro à dela - a quê?
- Você - me encara diretamente e continua - eu, e essa noite.
Brindamos e tomamos um gole da taça, logo reconheço que não tem álcool, mas não muda o fato de que é uma bebida gostosa e refrescante.
- Antes que me pergunte, não bebo álcool, gosto da sobriedade e das sensações que ela me traz - em nenhum momento consigo desgrudar meu olhar dos olhos dela - você tem olhos lindos, Julia, mas até agora não consegui identificar a cor exata deles.
- Não por isso - me levanto e aproximo devagar meu banco do banco dela, aproximando nossos rostos na mesma altura quando me sento de novo - eles são meio dourados, avermelhados dependendo da luz… nem eu sei explicar direito mas meu avô contava que a mãe dele tinha os mesmos olhos cor de…
- Âmbar - pela primeira vez vejo um resquício de vergonha nela quando se afasta nervosamente ao perceber nossa proximidade - são lindos, combinam com você.
Ficamos ali na mesma proximidade, aos poucos vamos nos soltando um pouco, até que Renato aparece ao nosso lado e informa que já arrumaram uma mesa. Acompanhamos meu querido amigo que me tirou de um momento muito especial e eu o agradeço por isso, porque estava começando me sentir confortável demais, estranha demais.
Pedimos algumas entradas do cardápio e vejo que sem exceção, todos da mesa optam por drinks sem álcool, vez ou outra Clara desce com Renato pra fumar e a conversa flui com os amigos dela como se já nos conhecêssemos há tempos, eles me convidam pra um “after” na casa deles, me contam que Bruno mora com a Clara em algum lugar do Morumbi, que Renato já topou ir pra lá aproveitar uma piscina logo cedo mas… respondo que não sei, tô mais acostumada a levar as pessoas pra minha casa do que ir pra casa das pessoas, além do que, Clara não me chamou ainda e nem sei se vai chamar.
- Ah, Ju, se liga! - Gustavo me responde coçando a barba loira - A Clara tá mais na sua do que eu já vi ela na de alguém em muito tempo! E o Renato já convidou a gente pra passar na sua casa antes - faço cara de surpresa e nós três acabamos rindo.
- Não dá para confiar em qualquer um, realmente… dezoito anos em minha vida e nem pra ele me avisar que alguém vai em casa hoje, quando nem sei se deixei alguma calcinha pendurada no box…
- Não se preocupe, eu resolvi usar uma fio dental hoje - Bruno responde em seguida - mas se eu precisar de uma emprestada, eu peço - damos uma pausa fingindo seriedade, até cairmos na risada.
Ficamos nesse clima ótimo, até que os dois que faltam chegarem à mesa.
- Vamos? - A voz afetada de Renato me faz olhar pra cara dele com um "depois a gente conversa” estampado em minha cara.
- Só vou pagar e já - sou interrompida.
- Já está paga, só precisamos passar no estacionamento pra buscar o carro e vou levar essas jóias em casa, aliás, o Renato meio que me chamou pra sua casa, tudo bem? Ele disse que tem Super Mario Bros no Switch e eu posso jogar enquanto ele procura uma tanguinha pra pegar uma piscina com os meninos amanhã.
- Tá - concordo sorrindo mas não me sinto confortável no momento - tá bom, vamos então!
Chegamos no estacionamento e o carro dela não era nada do que eu esperava, o que eu esperava exatamente? Não sei, mas não era um carro completamente preto fosco, algum tipo de Jeep não sou muito boa com isso de carros. Mas é confortável, Renato já se dispõe a ir na frente com ela quando nota que não estou tão disposta quanto e sorrio em agradecimento.
Logo chegamos na frente do prédio e Clara estaciona em nossa vaga na garagem subterrânea, subimos de elevador pro primeiro andar que na realidade, era mais a parte de trás do térreo, com Gustavo, que descobri ser arquiteto, contando quando os colegas de profissão do centro de São Paulo foram perdendo a essência da beleza que tinha naquele prédio, de ter apartamentos grandes, com sacadas e jardins, azulejos coloridos nas cozinhas, banheiras coloniais nos banheiros, pra caixas cinzas e iguais umas às outras, entramos em casa com ele elogiando até a porta por ser em arco.
- Mi casa, su casa - Renato diz aos convidados e se retira como se eles já conhecessem a casa.
- Diva - Gustavo me chama - PRECISO de um tour por essa obra de arte aqui.
- Mas é lógico, vamos!
Tiro os sapatos na sala e vejo que todos me acompanham, seguimos pra dentro do apartamento, apresento os dois ambientes da sala que tem pé direito alto, assim como a cozinha que é dividida entre copa e cozinha mesmo, depois apresento a primeira entrada do jardim de inverno que temos, esse é todo coberto, cheio de plantas e algumas obras inacabadas que nunca terminamos mas servem de decoração, dá também acesso ao quarto do Re.
Seguimos até o quarto dele e a porta está sempre aberta, trocamos algumas gracinhas só nossas enquanto Gustavo comenta algo sobre aquele quarto ser estranhamente organizado, tirando uma risada sarcástica do meu amigo, seguimos então pro escritório que na realidade é um quarto de hóspedes, onde Tião, o gato do Renato, dorme tranquilamente na cama, sem se importar se alguém entrou ali ou não.
Por último, acessamos meu quarto, que dá acesso à lavanderia e ao jardim aberto, que particularmente tenho muito cuidado e apreço.
- Não falei? - O arquiteto se pronunciou - Eu sabia que tinha um jardim assim! Belíssimo, quem cuida dele pra vocês?
- Eu mesma, na verdade - levanto a mão como uma criança que sabe a resposta da pergunta na sala de aula - esse é literalmente meu trabalho… entre outras coisas, sou paisagista, e tô há um semestre de me formar em arquitetura de interiores.
- Amor - Gustavo segura as duas mãos de Bruno e fala seriamente - infelizmente eu encontrei alguém que me completa e… não posso mais fingir - ele vem até mim e se ajoelha em minha frente, segurando uma de minhas mãos - Julia, você aceita ser minha sócia?
- No caso, ela seria minha sócia, né amor? Dividiremos um negócio…
- Bruno, não estraga o momento, eu já estava emocionada - percebo que é a primeira vez que Clara fala alguma coisa desde que chegamos, ela sorri um riso largo, arruma os óculos de grau no rosto - e aí, você aceita?
- Gustavo… nada me faria mais feliz nesse mundo - faço um gesto exagerado com a mão no peito, piscando várias vezes, quando todos caem na risada e eu vou terminar de apresentar o banheiro do meu quarto.
Tour finalizada, estamos na sala enquanto Bruno, Gustavo e Clara jogam Switch animadamente, Renato aparece também com a bolsa já feita e se junta à eles em uma partida, enquanto eu silenciosamente me retiro e vou procurar pelo Tião pela casa, o encontro em minha cama, agora completamente relaxado.
- E você não vai arrumar sua bolsa pra ir com a gente?
- Ah, eu vou com vocês? - Bato a mão na beirada da cama para que ela se sente e ela o faz.
- Renato me garantiu que iria, ele não falou nada com você?
- A memória dele é igual a da Dory, dura 5 segundos.
- Então, você quer ir conosco aproveitar o final de semana lá em casa? Teremos um almoço amanhã, com piscina e vamos maratonar alguma série ruim que encontrarmos.
- Hm… eu não tô muito na vibe de ficar junto da galera, Clara…
- E comigo? - Ela me responde naturalmente enquanto deixa Tião cheirar sua mão - Comigo você tá afim de ficar?
- Desde a primeira vez que te vi, que no caso foi há - olho o relógio imaginário no pulso - umas 5 horas.
- Então vem com a gente, não vai ter mais ninguém lá e eu sei que os meninos estarão entretidos no quarto do Bruno - sorrimos juntas - eu quero sua companhia.
- Nossa, que sapatonice - Renato aparece na porta do meu quarto revirando os olhos - pegando Tião que se estica manhoso em seu colo - vem, filho, você vai ficar na casa da Tia Lourdes.
- Ah, Lurdinha vai ficar com ele esses dias por quê? Eu estarei aqui em casa - faço o comentário com a sobrancelha erguida, debochando dele.
- Se liga, sapatão, eu sei que você não vai perder a oportunidade de finalmente despir a Clara, já que fez isso a noite toda com os olhos.
- Despir? - Clara se faz ofendida - Como assim, cara? A gente planejava fazer biscuit, ler um livro…
- Aham, sei, sei… bom, você tem 10 minutos pra arrumar sua bolsa - aponta pra mim - é o tempo de voltar da minha tia.
Depois da ordem e do prazo curto, cumpro a missão de arrumar uma pequena bolsa com o necessário, aviso a Clara que vou tomar um banho e a vejo indo pra sala novamente.
Nada como um banho pra relaxar nossa mente, me sinto mais disposta a sair agora, arrumada, perfumada e pensando sacanagem.
E caso estejam se perguntando sobre “Ah como é que essa pessoa que tanto fala aqui?”, lá vai: sou uma mulher negra, tenho 1,73 de altura, mas como sou conhecida por ser uma cavalona, pareço maior do que realmente sou, tenho olhos de uma cor que particularmente adoro, dependendo de como está meu cabelo, sempre trocam de cor entre um mel bem iluminado e castanho bem avermelhado, ando sempre com maquiagem bem básica chamada "Mamãe me fez assim" e um gloss, tenho descendência árabe por parte do meu progenitor, minhas sobrancelhas são bem feitas e cheias, meus lábios são a parte que mais gosto do meu rosto, atualmente meu cabelo está sem tranças ou dreads, ele é bem preto e armado, particularmente gosto dele assim.
Não sei muito bem me descrever, eu acho, talvez esteja animada demais hoje, falando com as vozes da minha mente, mas é por aí!
Dentro de uma hora depois que saio do banho, estamos chegando na casa de Clara e Bruno, me enganei achando que seria uma casa comum, pelo que disseram era o que parecia realmente, mas isso aqui é uma mansão, assim, dá pra se perder aqui dentro! É tudo tão bonito também, que me perderia fácil observando como decoraram com tanto zelo cada cantinho dessa casa, com personalidade e cuidado.
Estamos sentados numa sala de TV, vendo videoclipes de músicas que gostamos, não sei a idade de ninguém aqui mas a julgar pelo gosto musical, acho que Gustavo é o mais novo, deve ter minha idade, Bruno e Clara pra mim ainda são um mistério a serem desvendados.
- Julia, é sua vez - Bruno me passa o celular conectado no Youtube, escolho uma música sem vídeoclipe, é só um lyric vídeo e dou play - mas cadê o vídeo?
- Fecha os olhos e aproveita, é o que ela vai dizer - Renato responde antes de mim - ela tá fissurada por essa música há 1 ano! Ou seja, em um ano eu ouvi tanto essa música que comecei a gostar - todos acompanham ele em uma risada e eu aproveito a música, e minha taça de vinho.
- Eu gostei - Clara declara quando a música acaba - mas é tão triste, não combina com você - abro meus olhos e encontro o olhar dela em mim
- Ih.. você não viu nada! O buraco é muito fundo - Renato responde, não sei se isso me ajuda ou atrapalha, opto por revirar os olhos.
- Então minha querida sócia vai escolher uma playlist agora, pra gente ouvir enquanto temos uma conversa de adulto.
- Bom, Julia - Clara se aproxima de mim no sofá e fala baixinho - acho que agora é a hora perfeita pra gente sair, porque não tô afim de participar dessa conversa de adulto deles - aponta com o queixo pra cena que é os dois namorados cercando Renato e ele com a maior cara de que tá amando atenção em dobro.
- Pelo amor de Deus - nem eu sabia que era religiosa assim - me tira daqui.
- Vem - sorrindo, ela segura minha mão e me puxa pra imensidão da casa, pegando minha bolsa no canto da sala até o segundo andar - esse é seu quarto hoje, pode ficar à vontade pra voltar pra ele quando quiser mas - larga minha bolsa em cima da cama enorme do quarto e me puxa ainda mais pra perto, ainda segurando minha mão, nos encaramos agora cara a cara, perto demais - posso?
- Eu esperei a noite toda por isso, Clara.
Nossas vozes eram quase sussurros quando estávamos sozinhas, a seguro pela cintura, soltando nossas mãos, ela arruma delicadamente a mão no meio dos meus cabelos, segurando minha nuca com certa pressão.
Sem pressa alguma, nos encaramos profundamente, a meia luz do quarto que parece presente em todos os cômodos da casa ajuda em tudo, ela aproxima a boca do meu rosto sem deixar de me encarar, deixa um beijo na minha bochecha, depois na outra, enfim quando me beija a boca, não ouço absolutamente nada, só consigo focar em sentir o que o toque dela me causa, sentir o cheiro do perfume dela que invade meu espaço sem pedir licença.
Conforto, tesão, sinto que poderia ficar nesse momento por tanto tempo, algo em mim se encaixa de volta ao lugar e essas sensações me fazem sorrir no meio do beijo. Onde estou me metendo?
- Vamos - ela me puxa em direção ao enorme corredor gelado da casa - aqui tá muito frio e eu pensei da gente comer alguma coisa - ela anda de costas na minha frente segurando minha mão, olhando pra mim e mordendo o lábio inferior quando para de falar pra me encarar - o que foi?
- Você é linda - paro e a puxo em minha direção - eu não sei como resisti tantas horas de papo furado - a beijo lentamente, quando minha língua pede passagem, ela permite e assim aprofundamos o beijo que segue lento, tão gostoso quanto ela.
Um som nos separa, ela automaticamente ruboriza enquanto eu sorrio com nossas testas coladas.
- Vamos alimentar esse dragão, ele não pode te comer antes de… - paro a frase no final e a encaro.
- Antes de você? Jamais.
Na cozinha da casa, no primeiro andar, não encontramos os meninos na sala, recupero minha taça de vinho e tomo o gole restante, vejo que Clara tem jeito na cozinha, faz tudo com uma agilidade impressionante e se senta ao meu lado, estou numa banqueta na ilha da cozinha e ela se senta no balcão, de frente pra mim.
- Suas mãos são lindas - comento enquanto levanto e me encaixo entre as pernas dela, admirando as mãos ágeis.
- Eu não sabia que você era safada, Julia! Quem olha sua carinha de emo, boazinha, não diz!
- Emo sim - sorrio encarando-a - mas não sou nenhuma safada.
Puxo Clara pra perto de mim, segurando a base da lombar dela, num solavanco só.
- Uau, posso ver! De onde vem essa força?
- Eu luto… - falo meio envergonhada mas não deixo de olhar pra ela sorrindo, enquanto ela segura meus braços.
- Luta… o que exatamente?
- Eu faço boxe, há mais ou menos 10 anos.
- Calma, quantos anos você tem?
- Atualizados 28 anos.
- Como assim atualizados?
- Fiz aniversário recentemente, mas não gosto muito disso.
- Recentemente tipo quando? Preciso saber o signo.
- Eu sou de libra!
- Então é recente mesmo, caraca!
- Muito, foi ontem meu aniversário.
- Entendi que não goste de aniversário e respeito, mas que bom que ganhou um ótimo presente e eu vou ter a oportunidade de melhorá-lo ainda mais.
- Você é um pouco convencida, mas eu entendo, se fosse você eu também seria!
- Ah, você tem todo o direito de ser BEM, mas BEM convencida, Julia - ela segura minha mão no alto, me indicando que dê uma "voltinha” - mas que bom que hoje a sorte é minha!
- Nossa, que sorte a nossa, Clara!
O forno apita indicando que o que quer que ela tenha colocado lá, está pronto, quebrando o momento, a obrigado a tirar o nariz do meu pescoço.
Fim do capítulo
Fim do capítulo 2!
Obrigada pela leitura e por estarem comigo nessa jornada. Estou ansiosa para mostrar o que vem a seguir. ?
A música do capítulo 1 (https://youtu.be/-njs81_ssYc?si=2V8CQAqa1HATZvmb) é a que a Julia, essa abusada que roubou até meu nome, coloca pra galera ouvir.
Mas a música desse capítulo é essa aqui: https://youtu.be/NQ5BMfFNTUc?si=wyAmqMUNcnpcbHIP
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