Março contava seus primeiros dias e Stefany se via na obrigação de fazer um trabalho de pesquisa demandado por um de seus professores. No entanto, mesmo com a ajuda do FalaGPiTaco não se via em condições disso, uma vez que se sentia ansiosa demais. O fora que levara de Zaida havia contribuído para potencializar seus sentimentos de rejeição, além do fato de ter observado uma redução no engajamento e curtidas de seus seguidores. Sabia que desde o réveillon nunca mais havia postado algo digno de nota para bombar na internet. Andando de um lado a outro do quarto, subitamente se lembrou do que um dos jovens que conhecera no cruzeiro de barco na China havia lhe contado.

 

“--Don’t you ever heard about the so called click farms, hosted here in China? (Você nunca ouviu falar das chamadas fazendas de cliques, hospedadas aqui na China?) – um rapaz dizia – Cara, é muito irado! Imaginem 10 mil smartphones organizados em um local físico e operados remotamente para realizar cliques repetitivos? – olhava para os demais – Pois foi exatamente isso que eu contratei e viralizei nas redes!

 

Stefany usava o FalaGPiTaco para traduzir em tempo real o que estava ouvindo. – Explain this shit? (Explica essa porr*?) – pediu interessada

 

--Nas fazendas eles baixam apps, dão likes, seguem contas, clicam em anúncios ou assistem vídeos, tudo para inflar artificialmente métricas digitais! – respondeu prontamente – Aí eles conseguem manipular algoritmos de redes sociais, rankings de lojas de aplicativos, resultados de busca, além de aumentar visualizações e engajamento sem base real de usuários ou interesse verdadeiro! – gesticulava – Contratei o serviço e valeu muito a pena! – sorria – Detonei a concorrência! -- brincou

 

--Assim como EU detonei outras concorrências! – uma moça se aproximou e envolveu o pescoço do jovem com os braços -- Sorry, guys, but right now I want my boyfriend with me to watch the drone show! You’ll have to take this conversation up later! (Desculpe, galera, mas agora quero meu namorado comigo para assistir o show dos drones! Essa conversa de vocês vai ter que ficar para depois!) – piscou para os outros”

 

--E acabou que por causa daquela ciumenta do caralh* o boyzinho não me deu o bizu de como contratar uma porr* de uma fazenda! – falava consigo mesma – Será que se eu perguntar pro Pitaco ele me dá um help? – considerou – Tenho que descobrir urgentemente como arrumar uma parada dessa pra mim!

 

***

 

Yesmin se encontrava na sala de negócios de um hotel em Ipanema. Havia sido convidada por empresários estrangeiros os quais se encontravam hospedados ali. Ela e mais cinco homens ocupavam uma mesa redonda, bebiam drinques e conversavam em inglês.

 

--Thank you for accepting our invitation. It’s always a pleasure to have you with us! (Obrigado por aceitar nosso convite. É sempre um prazer contar com sua presença!) – Richard agradeceu polidamente

 

Yesmin sorriu em resposta, mas notava em seus anfitriões um brilho nos olhos que denunciava uma preocupação silenciosa. Edward deu um leve toque no copo de uísque antes de se pronunciar: -- Percebemos o inestimável valor da sua empresa no cenário da Inteligência Artificial, no entanto, há pouco tempo fomos surpreendidos com renegociações contratuais nas quais a BoFe reduziu sobremaneira sua demanda no uso da nossa infraestrutura, o que não condiz com a realidade de uma empresa em crescimento. – gesticulava calmamente -- Há rumores, e espero que você os esclareça, sobre acordos recentes da BoFe com empresas chinesas. Você poderia nos explicar melhor por que decidiu seguir por essa direção?

 

Jacques interveio com voz calma, porém carregada em diplomacia. -- Entendemos que talvez a BoFe tenha considerado que vale a pena diversificar certas parcerias, mas, francamente... nos preocupa a ampliação da influência estrangeira não ocidental nos projetos estratégicos de IA no Brasil. Será que não seria melhor concentrar esforços em parcerias mais confiáveis, com empresas já reconhecidas, como as nossas?

 

Klaus cuspiu fumaça de charuto no ar e complementou: --Sim, há preocupação de que essas colaborações revertam para tecnologias que fogem ao nosso controle. – olhava para a mulher -- Não gostaríamos de vê-la liderando algo que, eventualmente, ficasse fora dos parâmetros de transparência que prezamos aqui.

 

Yesmin permaneceu serena e com voz firme respondeu: -- Eu agradeço pelo cuidado e pela sinceridade dos senhores, mas as parcerias que firmamos com empresas chinesas vêm de uma estratégia clara: diversificação de fonte tecnológica, acesso a investimento e escalabilidade global. Isso não exclui nem reduz o valor que damos à parceria com vocês; apenas complementa nossa atuação.

 

Richard ajeitou a gravata. -- Entendemos. Mas como CEO, você certamente avalia que, ao priorizar esses novos parceiros, pode estar enfraquecendo a percepção de colaboração com empresas como as nossas. – sorriu com falsa simpatia -- Não seria mais prudente manter o foco em nós, que temos histórico e confiança estabelecida?

 

Yesmin inclinou-se ligeiramente sobre a mesa. -- Interessante colocação. – sorriu igualmente falsa -- Contudo, me pergunto: será que os senhores não estão pedindo isso porque veem a ascensão da minha empresa como uma ameaça direta aos interesses que representam? – provocou – Do contrário, por que cinco homens representantes de empresas multinacionais tão poderosas estariam gastando seu precioso tempo com uma CEO tupiniquim?

 

Um desconfortável silêncio pairou na sala. Clifford, até então calado, pigarreou antes de falar: -- Bem… não, não é isso. Nós simplesmente pensamos no bem-estar do ecossistema de IA no Brasil e, por que não dizer, no mundo!

 

Achou graça. --Aprecio a preocupação com o ecossistema. – respondeu ironicamente -- Mas já percebi durante toda a conversa que o que os senhores realmente almejam não é o bem-estar da BoFe e nem o do setor, mas sim frear o crescimento de uma empresa brasileira que ousou e ousa ampliar horizontes sem pedir licença a ninguém. – bebeu um gole do drinque

 

Jacques repousou as mãos na mesa. – So (Então)… Quando meu CEO de Pesquisa desenvolveu o recurso de autocompletar para smartphones, nosso modelo foi uma abordagem revolucionária para IA na linguagem natural. Simples e eficiente para contextos curtos, mas insuficiente para capturar estrutura e significado em grandes contextos ou conversas longas. – olhava para a mulher – Quando você desenvolveu nos seus estudos de tese a arquitetura Transformer, acabou por revolucionar o campo dos Large Language Models, superando as limitações sequenciais na organização das palavras. – contextualizava – Da mesma forma, sua sacada ao adotar a linguagem técnica simplificada desenvolvida no setor da aviação, permitiu a criação de padrões de documentação e inspirou métodos de clareza e padronização linguística que foram adotados posteriormente no treinamento de modelos linguísticos. – falava com mansidão – É de se admirar! Não sei por que não te deram um Nobel! – elogiou – Mas o mundo é globalizado e ninguém trabalha sozinho. O seu FalaGPiTaco começou com um extenso pré-treinamento não supervisionado em grandes volumes de texto, seguido pelo refinamento via aprendizado por reforço com feedback humano dos usuários, fazendo com que as respostas fossem mais alinhadas e úteis. – sorriu cortês – Destaco que nada disso teria sido possível sem o uso da nossa infraestrutura! -- provocou

 

--Eu agradeço por suas palavras elogiosas destinadas a mim e destaco que o FalaGPiTaco é um projeto não somente meu, mas genuinamente brasileiro! – bebeu um gole do drinque – Como também destaco que o uso da infraestrutura dos senhores foi, é e continuará sendo devidamente remunerado. – pausou brevemente – Dito isso, qual é a mensagem final aqui? – desejava encerrar aquela reunião

 

--A mensagem é simples: -- Edward voltou a falar -- estamos abertos a acordos, convites e colaborações desde que haja reciprocidade e respeito aos valores que tanto prezamos em nossas empresas. – olhava para a mulher – E se a BoFe realmente seguir trabalhando em parceria com empresas chinesas... – pausou brevemente – não estaremos tão acessíveis assim!

 

--Os valores que os senhores tanto prezam... – cruzou os braços e se recostou na cadeira – Gostaria de entender que valores são esses, uma vez que não é a BoFe que alicia curadores digitais na África e na Ásia, pagando centavos de dólar para que essas pessoas passem 12h por dia lendo conteúdos horrorosos para treinar o algoritmo de IA das suas empresas. – percebeu o desconforto de alguns homens – Tampouco monetizamos às custas de fakenews. – outros ficaram sem graça – E muito menos plantamos mercenários na Amazônia e no centro-sul da África em busca de minerais estratégicos para sustentar demandas tecnológicas!

 

--A senhora portanto acredita que as empresas chinesas são imaculadas? – Klaus perguntou ironicamente

 

--Acredito que elas gastam menos dinheiro e energia que as empresas dos senhores para fazer o mesmo trabalho; é nisso que acredito! – respondeu de pronto – Encerrando essa conversa, eu vou lhes dizer que... -- bebeu o último gole – nasci num país em que quase a metade de tudo que se gera de riquezas vai para os bolsos de gente que nada produz, apenas especula no sistema da Dívida Pública, que sequer é legítima, porém segue endossada por países como os dos senhores! – acusou – E eu não sou idiota e sei que muito os incomoda o fato da BoFe, uma empresa brasileira, ser a número um na área de atuação dela! – falava com propriedade – Como os incomoda saber que a EMBRAER liderou o mercado global de aeronaves militares no ano passado ou que a PETROBRAS segue insuperável em sua atuação como player no segmento petróleo e energia ou mesmo que os Correios tenham recebido um verdadeiro óscar internacional do setor postal global! Até quando a NASA buscou parcerias para estudar o plantio de alimentos no espaço, ela se lembrou de quem? Da EMBRAPA! E sim, tudo isso incomoda demais o dito Primeiro Mundo! – levantou-se – O FalaGPiTaco é um projeto sem fronteiras, mas o Brasil e a geração de empregos de qualidade no meu país sempre serão minha prioridade! Farei o que for preciso para que continuemos com a liderança que temos e não estou à disposição para negociatas! – fez um gesto de cabeça – Farewell, gentlemen! (Passar bem, senhores!) – retirou-se

 

--O futuro da IA brasileira, conduzido por uma mulher que não se dobra à intimidação! – Richard afirmou sarcasticamente – Todos têm um elo fraco! – disse aos demais -- Descubramos onde Yesmin Zahia Torricelli deve ser pressionada para se curvar!

(NOTA DA AUTORA: A despeito de algumas informações verídicas colocadas neste trecho, esta continua sendo uma obra de ficção. A empresa BoFe e suas concorrentes só existem na imaginação caipiresca. Mas, para quem quiser saber mais sobre IA, segue uma excelente fonte: https://www.youtube.com/watch?v=V2POyQVQuzA)

 

***

 

Vivinácia se encontrava em uma verdadeira festa de arromba promovida por membros da elite carioca. Em uma fina cobertura localizada na Barra, a caipira se esbaldava bebendo espumante e comendo camarões VG enquanto paquerava as jovens mulheres presentes.

 

“Ave Maria, mas é cada pernuda que Deus me defenda!” – pensava com lascívia – “Ô, Pai Santo, espia aqueles peitos! Um decote daqueles tinha quer ser proibido!” – reparava – “Olha aquela bunduda, eita nós!” – lambeu-se – “Isso não é mulher, é inferninho em forma de fêmea!”

 

Lá pelas tantas, o clima foi ficando picante e as pessoas foram se soltando além dos limites da civilidade.

 

--Eita, que vai rolar bacanal! – a caipira esfregou as mãos empolgada – E onde que é o setor das sapas nesse trem? – falava consigo mesma – Simbora pro brejo! Haha! – deu risada

 

Deleitando-se com quatro belas jovens, Vivinácia foi surpreendida ao perceber que garçons nus circulavam entre os convidados trazendo toda sorte de drogas disponíveis em suas bandejas. Duas das mulheres que estavam com ela serviram-se com algumas delas.

 

--Ô, pessoal, droga, tô fora! – parou o que fazia para advertir – Sem contar que se der polícia aqui, vai todo mundo preso nesse trem! – alertou preocupada

 

--Polícia, que nada! – uma das jovens desdenhou – É sua primeira vez aqui, né? – achou graça – Bora curtir! – preparou-se para se drogar

 

--Relaxa, boba! – a outra comentou enquanto cheirava uma carreirinha – Aqui é tudo liberado! – inspirou profundamente – Ah! – sorriu

 

--Se elas querem se drogar, que morram assim, você não é obrigada a fazer o mesmo! – o obsessor falava dentro da mente da caipira – Pega as outras duas que tão limpas e continue fudendo com elas! – aconselhou

 

--E onde é que a gente tava mesmo? – a caipira abraçou as jovens que não se drogaram – Hein? – beijou os lábios de uma – Hum? – mordeu os lábios da outra

 

Vivinácia continuou na festa sem perceber que junto aos encarnados que se esbaldavam ali, havia uma multidão de desencarnados se aproveitando da situação em verdadeiros processos vampirizadores. O clima astral daquele luxuoso local era mais fétido e apodrecido que o ambiente dos piores lixões da cidade; e com isso, mais de sua saúde se esvaía.

 

***

 

Zaida estava passando sua folga na casa da mãe. As duas faziam um bolo.

 

--A senhora vai gostar de conhecer a dona Adma. – falava enquanto batia a massa – Ela é um amorzinho, me dá conselhos e é uma pessoa muito simples, a despeito de um dia ter sido uma grande estrela internacional! – sorria ao se lembrar da outra – Ela é mãe de uma empresária de sucesso chamada Yesmin e até a neta dela, a Stefany, é uma influencer conhecida. Embora a filha seja intragável, a neta é bem legal; só xinga muito palavrão! – riu brevemente

 

--Sabe que eu acho que me lembro dessa artista, Adma Zahia? – Malika pensava em voz alta enquanto preparava a calda do bolo – Acho que era uma cantora de quem maama gostava... – olhou rapidamente para Zaida – Mas será que ela vai aceitar vir aqui com você? – duvidava – E sendo a filha dela tão besta, não há de querer saber da mãe vindo passear no subúrbio!

 

--Claro que ela vai aceitar, tenho certeza! – respondeu de pronto – Jorel traz a gente de carro e dona Yesmin nem precisa saber! – despejou a massa na forma – Só explicando: Jorel é um dos motoristas da família, sujeito muito gente fina e que gosta da dona Adma.

 

--Se você diz, então pode convidar sua paciente que eu quero conhecer. – abriu o forno – Pode colocar, filha. – Zaida posicionou a forma dentro do forno e fechou a porta – Só fico envergonhada de receber essa gente rica aqui em casa!

 

--Dona Adma mora na zona sul, mas o apartamento é bem simples. – começou a lavar a louça -- O da senhora dá três do dela. – comentou

 

“Bem que sempre me disseram que o povo na zona sul mora numa caixa de sapato!” – Malika pensou – Então tá, né? – pegou o pano de prato para secar a louça – Mas vá passando a língua na mulher, pra que a dona não repare nas loucuras de Nazira! – advertiu – Enquanto isso eu vou preparando aquela criatura pra não me fazer passar vergonha!

 

Achou graça. – E falando nela... – continuava lavando a louça – por que não está aqui com a gente? – perguntou curiosa

 

--Ah, minha filha! – fez um bico – Saiu daqui dizendo que tinha um encontro! – enxugava uma vasilha – E eu tô desconfiada que é homem de internet! – falava de cara feia

 

Riu brevemente. – Se é homem de internet, só espero que seja um cara legal. – desejou

 

--Conhecendo Nazira como conheço, com certeza deve ser uma boa bisca! – resmungou – Ou então alguma tarada sem vergonha como a tal da Beth! – secava um prato

 

--Hã? – terminou de lavar a louça – Como assim? – olhou para a mãe sem entender

 

--Nazira sempre foi doida atrás de homem, mas desiludida com um determinado sujeito, acabou se apaixonando por uma tal de Beth, que devastou o bairro e depois foi simbora porque se casou com um trouxa! – calou-se bruscamente para pensar – Filha, você por acaso conheceu essa? – parou o que fazia para olhar para Zaida – Uma beiçuda unhuda que trabalhou no mercadinho aqui perto?

 

--Eu não! – respondeu de pronto – “Então quer dizer que Nazira viveu um relacionamento lésbico?” – perguntou-se surpreendida

 

--Graças a Deus! – benzeu-se – Porque eu sei lá qual era o borogodó daquela diacha, que todo mundo caía de quatro por ela e endoidava! – juntou as coisas para guardar -- E pra você ver como que eu mudei: Nazira ficou maluquinha vendendo as coisa aí pra encher o rabo da bicha de dinheiro e eu soube lidar muito bem com a situação! – afirmou orgulhosa – Se não acreditar em mim, tenho padre Assumpção por testemunha!

 

--É... – a cuidadora balançou a cabeça pensativa – Tô boba!

 

Enquanto isso, não muito longe dali, Nazira entrava desconfiadamente em um baile funk que se autointitulava “o rolê mais rainbow da cidade”. Olhando para todos os lados buscando encontrar seu par, pensava no que aprendeu com o FalaGPiTaco: “Se os trinta são os novos vinte, por que não arriscar uma aventura digital?”

 

Trajando calça justa, blusa leve, sandálias de salto baixo e maquiagem bem marcada, Nazira tinha a sensação de mergulhar em outro universo, onde paredões de som estouravam e uma pequena multidão agitada curtia sob cores piscando alucinadamente. Procurou pelo seu par, mandou mensagens, esperou e nada! A cada música, mais percebia que estava sozinha em um oceano de corpos dançantes. “Ai, meu Pai, será que ele esqueceu de mim?” – pensava aflita – “E eu acreditando que sairia daqui com um noivado garantido!” -- suspirou

 

De repente, um grupo de jovens a cercou. Elas a analisaram de cima a baixo, rindo alto, perguntando quem ela era e de onde vinha.

 

--Gente, amigas, olha só, -- gesticulava nervosamente – meu nome é Nazira Faruk, moro em Bonsucesso, quero casar e conheci um boyzinho pelo PIMBA! – olhava para as mulheres -- Ele marcou encontrou aqui, não apareceu e me deixou na pista, foi isso!

 

--Olha aí, mais uma pitgirl pro bonde! – um jovem deu-lhe um tapão nas costas – Sai da caretice, esquece o cara e vem pro Bonde das Sapatudas, mulé! -- convocou

 

--Bonde?! Como assim?? – não entendeu – Gente, como posso ir de sapatuda se tô de rasteirinha? – perguntou desconfiada

 

As mulheres riram novamente. – Vem comigo, maluca! – uma delas puxou Nazira pelo braço sem a menor cerimônia – Formou!

 

Sem saber como reagir, Nazira acabou seguindo o fluxo, aceitando copos de bebida e dançando com as mulheres no meio do tumulto. A energia era intensa, quase sufocante, mas havia um gosto de adrenalina que a fez esquecer momentaneamente a ausência do tal par apresentado pelo PIMBA.

 

Mais para a beira mar, Wanderleya e Adma encontravam-se em um badalado centro de estética da zona sul. A idosa desejava fazer um tratamento para rejuvenescer um pouco.

 

--Boa noite, perdoe a demora, dona Adma, só que o dia de hoje tá bombando! – a profissional falava sorridente – Mas já que estamos aqui, vamos relaxar e aproveitar o momento! – reparava na pele da idosa – A senhora tem uma pele deliciosa, mesmo com toda a idade! – deslizou gentilmente a mão enluvada sobre o rosto da paciente -- Com certeza os resultados serão ótimos! – garantiu

 

--Eu quer tentar! – respondeu animada – Mas não me deixa com cara de quem cheirou azeda ou levou susto! – advertiu – Quero ficar natural!

 

Achou graça. – Que é isso? – fez um gesto de despreocupação – A senhora vai ficar uma gata, pode confiar! – olhou para Wanderleya – Querida, vai ajudando ela a se preparar que eu vou trazer o material, pode ser? – piscou para a cuidadora antes de se afastar

 

--Dona Adma, prepare-se! – a cuidadora advertiu – Se a senhora já abala, quando sair daqui vai ser de parar o trânsito! – ajudava a idosa a vestir o aventalzinho

 

--Humpf! – fez um bico – Eu confiou na sua recomendação. Vê se não vai me fazer falseto! – advertiu com o dedo em riste – Não quero saber de furado!

 

--Nem falseta nem furada! – respondeu sorridente – Por 20 anos trabalhei com uma paciente que veio algumas vezes aqui! – contava – Na primeira vez ela ficou 20 anos mais nova, na segunda mais 20 anos e terceira mais 20! – olhava para a idosa – Não teve a quarta porque ela foi detida na entrada. Pensaram que era menor de idade, sabia?

 

--Ah, é! – desacreditou – “Tomara que eu não me arrependa por esse!” – a libanesa pensou

 

Enquanto isso, no baile funk...

 

--PAROU SA PORRA! – uma mulher gritou ao quebrar um copo de vidro no chão – BONDE DAS TRAVESTUDAS CHEGOU PRA DOMINAR! – anunciou invadindo o espaço da pista sendo seguida por outras – AS INVEJOSA VAZA! -- ordenou

 

--Misericórdia! – Nazira exclamou arregalando os olhos

 

--QUE?? – uma das jovens sapatudas reagiu – TÁ PENSANDO QUE É ASSIM, PIRANHA? – desafiou – BORA SAPATUDAAAS!! – convocou levantando um braço

 

Empurrões e provocações tomaram conta do ambiente até que o inevitável aconteceu: o baile virou ringue. Completamente ensandecida, Nazira levou pescotapas e rabos de arraia mas revidou como pôde, puxando cabelos, mordendo e distribuindo socos desajeitados. Nunca tinha se visto em algo tão caótico; o coração pulsava, metade medo, metade euforia. Era como se tivesse sido engolida pela cena de um filme que jamais escolheria assistir, mas do qual agora era protagonista.

 

--O bolo tá com um cheirinho tão bom! – Malika sorriu para a filha – Assim que você tirar ele do forno eu despejo a calda! – comentou animada

 

--Isso! – concordou – Aí a gente espera uns 10 minutos e saboreia junto com aquele sorvetinho que eu trouxe! – Zaida exclamou – Nazira que não se cuide pra não ficar na saudade! – brincou

 

--Humpf! – fez um bico – A essa altura ela deve tá lá feito doida atrás do macho! – respondeu ao se sentar na cadeira – E a sua paciente, dona Adma? – perguntou curiosa – O que ela costuma fazer por essa hora?

 

--Depende muito, mas hoje parece que ela e Wanderleya iriam passear no shopping; só não sei exatamente em qual. – sentou-se numa cadeira também – E essa minha colega é uma figura! Um dia apresento! – riu ao se lembrar da outra – “Imagine Wanderleya e Nazira que dupla seria!” – pensou divertida

 

--Que agulhona!! – Adma arregalou os olhos – É preciso tudo isso pra ficar bonita?? – preocupou-se – AHHa! -- praguejou

 

--Não se assuste, querida! – a profissional respondeu ao pegar outra seringa de agulha bem fina – Antes de começarmos com as aplicações tem o anestésico. – explicou – Basta um pouquinho de lidocaína e a senhora não vai sentir nem as picadinhas da agulha!

 

--Relaxa, dona Adma! – Wanderleya se meteu na conversa – Há 20 anos atrás fiz esse tratamento aí e eles nem usavam agulha! – viajava – A esteticista arrancou cada ruga da minha cara passando a faca nas fuça, mas eu resisti bravamente!

 

--Eu hein? – a profissional achou graça – “Que cuidadora doida!” -- pensou

 

E no baile, a confusão cresceu até a chegada da polícia; várias pessoas foram arrastadas para fora, inclusive Nazira, que tentou se explicar em vão. Quando deu por si, já estava dentro de uma viatura. “Gente, que coisa bandida, tô sendo presa! Dona Malika vai me matar!” – sentia um filete de sangue escorrendo de uma das narinas

 

***

 

--Adorei! – Malika exclamou satisfeita – Depois me passa a receita, que esse bolo é maravilhoso! – sorria para a filha

 

--Aprendi com uma das minhas pacientes, que me ensinou várias receitas. – sorria também

 

--Você parece que se envolve bastante com seus pacientes... – a idosa observou – Fico muito orgulhosa de ver isso! Acho honrado o trabalho junto aos anciãos! – estava sendo sincera – Seu pai e até mesmo seus avós, com todo conservadorismo, ficariam orgulhosos!

 

Ficou feliz ao ouvir. -- Saiba que prezo muito por isso! – dizia a verdade – Gosto de trabalhar com idosos.

 

E o som do telefone fixo de repente se fez ouvir. -- Seu telefone, maama! – Zaida se levantou – Quer que eu atenda? – ofereceu

 

--Deixa que eu vou! – levantou-se também – Na certa é Nazira querendo ajuda pra voltar pra casa! – deduziu – Aí aproveito e já vou lhe passando um sabão! – foi para a sala

 

Zaida recolheu a louça e a colocou dentro da pia para começar a lavar.

 

--Alô? – Malika atendeu sem muita graça – É ela, por que? – estranhou – Delegacia?? – arregalou os olhos – Como é que é, Nazira foi presa?? – caiu sentada sobre o sofá

 

--Presa?? – a cuidadora largou tudo na cozinha e foi correndo para a sala – Opa! – sentiu o celular vibrando no bolso da calça e pegou para olhar – Ih, Patricia! Ela nunca me liga! – comentou antes de atender – Alô, Pat, aconteceu alguma coisa? – perguntou preocupada

 

--Oi, Zaida, então... – pensava em como falar – Wanderleya levou dona Adma prum centro de estética, mas alguma coisa aconteceu que ela... – pausou brevemente – ficou tarada!

 

--O que?? – a cuidadora caiu sentada também ao lado da mãe

 

Fim do capítulo