Eu Gosto de Você
Apartamento de Verena e Silvia — Sexta, 19h12
Verena entrou devagar, como quem pede licença dentro da própria casa. Tirou os sapatos com um suspiro contido. As solas doíam. As costas também. Mas o que mais pesava era a cabeça — e o silêncio.
Silvia estava na sala, pernas cruzadas, lendo algo no tablet. O coque frouxo deixava escapar alguns fios que caíam sobre o rosto. Não levantou os olhos.
Verena largou o blazer na cadeira, hesitou.
— Cheguei.
Silêncio. O som distante da rua entrava pela janela fechada. O ar estava pesado, saturado de não-ditos.
Foi até a cozinha. Encheu um copo d’água. As mãos tremiam. Bebeu em goles rápidos. Olhou para o reflexo no vidro da janela: pálida, olhos fundos. A marca no pescoço parecia ter desaparecido, mas a memória dela não.
Voltou para a sala. Sentou-se na outra ponta do sofá, mantendo distância. Silvia não desviou o olhar do tablet. O único sinal de incômodo foi o dedo deslizando a tela rápido demais.
— Quer que eu peça alguma coisa pra comer? — arriscou Verena.
— Já comi. — respondeu Silvia, seca.
Verena apertou os olhos, como se pudesse apagar tudo com força.
— Posso... posso te trazer alguma coisa?
Silvia respondeu, sem virar o rosto:
— Verena, não tenta fingir que tá tudo bem. Não me trata como se eu fosse uma imbecil.
Verena assentiu sozinha. O coração batia devagar, como se pesasse.
— Tudo bem — murmurou — Mas… queria pelo menos que você soubesse que eu tô aqui.
— Tá mesmo? — Silvia fechou o tablet, pousou na mesinha. O olhar, frio. — Porque ontem à noite não tava.
A voz era firme. Fria. Mas sem grito. Sem raiva. Era pior: era decepção nua.
— Eu sei que você ainda tá magoada. E tem razão.
Silêncio
Verena ergueu o rosto.
—Só… não queria que a gente fosse dormir assim.
— Assim como? — Silvia virou-se de frente, finalmente encarando-a. — Como duas estranhas que dividem o mesmo teto?
O golpe veio seco. Verena não reagiu de imediato. Ficou olhando para o chão, tentando encontrar palavras que não soassem ensaiadas.
— Eu tô… tentando sobreviver ao caos do mundo real. — murmurou. — Você sabe como as coisas podem ficar difíceis as vezes.
Silvia balançou a cabeça, descrente. — Você sempre tem uma resposta pronta, Verena. Sempre. Exceto quando eu pergunto o que realmente importa.
— Não te ligar foi... foi um erro. Um erro idiota, arrogante. Mas eu não...
Silvia interrompeu, com calma:
— Você passou a noite fora. Inventou uma desculpa mal contada. Me deixou sem resposta.
Virou o rosto lentamente.
— Acha mesmo que o erro foi só não ter ligado?
Verena sentiu o estômago revirar. Aquilo não era um confronto. Era uma autópsia.
— Eu nunca... eu juro, Silvia, eu não dormi com ninguém.
— Mas queria?
Verena travou.
Silvia sustentou o olhar.
— Porque essa é a parte que você não fala. Mas que eu sei. — disse, com a voz mais baixa agora. — Não é a traição física. É a vontade. É o que eu vejo quando você volta pra casa e não me enxerga.
Verena baixou os olhos.
— Amor... — tentou começar, mas a voz falhou. — Não fala assim. Você sabe que o nosso casamento é a coisa mais importante pra mim.
Silvia respirou fundo.
— E o pior é que eu acredito.
Virou-se de novo para o outro lado.
— Mas isso não muda o que eu sinto. E nem me protege do que vem depois.
Verena ficou ali, sentada, olhando para a parede oposta, os olhos ardendo sem chorar.
Aquela era a verdadeira ressaca: a que vinha quando o corpo já não tinha mais álcool, mas a alma ainda tremia.
Silvia respirou fundo. Riu de leve, mas sem humor.
— Um hotel. Sem um aviso. Sem uma mensagem. — balançou a cabeça. — Você não entende que não é sobre onde você dormiu, Verena. É sobre quem você deixou acordada.
Verena abaixou o rosto. Sentiu o golpe.
— Eu não estava com ninguém. — disse rápido, quase defensiva. — Nunca faria isso com você.
— E você acha que isso me basta? — Silvia encarou-a pela segunda vez naquela noite. Os olhos marejados, mas duros. — Você some. Me deixa imaginando todas as possibilidades. E volta com uma desculpa mal contada, como se eu fosse incapaz de perceber a diferença.
Verena se encolhia, quase numa confissão muda, as mãos entrelaçadas, apertando uma à outra.
— Silvia— a voz que normalmente enchia auditórios saía agora quase num sussurro. —Acredita em mim. Eu não passei a noite com ninguém. — As palavras saíram rasgando a garganta. O peso da culpa a consumindo viva.
Silêncio.
Silvia respirou fundo, o olhar perdido por um instante. Depois voltou a ela.
— Sabe o que é pior? — perguntou, calma. — Eu acredito que você não deitou com ninguém. Mas não consigo acreditar que não quis.
Verena fechou os olhos. Era a sentença que temia ouvir. O beijo em Valentina atravessou a mente como um raio. O corpo estremeceu.
Silvia se levantou. Ajustou o vestido como quem veste uma armadura.
— Eu não vou discutir agora. — disse, caminhando em direção ao quarto. — Mas não mente mais pra mim. Não tenta me proteger com versões editadas. Eu prefiro ouvir a verdade dura do que uma meia-história.
Parou no início da escada, sem olhar pra trás:
— Porque se eu descobrir sozinha, Verena… vai ser muito pior pra você.
Foi para o quarto.
Fechou a porta devagar. Não por raiva. Mas porque, às vezes, o silêncio precisa ser embalado.
Verena ficou na sala, imóvel. O som do clique ecoou mais alto do que qualquer grito poderia. Ela levou as mãos ao rosto, respirou fundo, e se deixou cair contra o encosto do sofá. A cabeça girava. O corpo ainda era dela, mas a vida parecia escapar por entre os dedos.
Apartamento de Verena e Silvia — Sexta-feira, 23h48
O apartamento estava em silêncio absoluto. Silvia não voltou a sair do quarto. A porta permanecia fechada, como se fosse um muro. Verena, sozinha no sofá, encarava o celular sobre a mesa de centro. O aparelho piscava a cada notificação de grupos de política, jornais, alertas da agenda — mas nada dela. Nenhum sinal de trégua.
Ela pegou o celular, desbloqueou, abriu a lista de contatos. O dedo deslizou hesitante, como se a própria tela oferecesse resistência. Até parar no nome que não deveria estar ali: Valentina Moraes.
Ainda estava salvo desde o estágio. Não tinha motivo para estar. E, no entanto, nunca fora apagado.
Verena encostou o telefone na perna, respirou fundo. O coração batia num compasso estranho, como se fosse adolescente de novo. Tocou o campo de mensagem. Digitou:
“Oi, você tá bem?”
Leu, releu. Soava banal. Apagou.
Escreveu de novo:
“A gente precisa conversar.”
O peso da frase caiu como chumbo. As mãos tremiam. Ela apagou de novo.
Passou as duas mãos no rosto, o cabelo caindo pelos dedos. Respirou fundo mais uma vez. Era insuportável a lembrança: o beijo interrompido, o corpo da menina rígido, os olhos assombrados. Não podia simplesmente fingir que não tinha acontecido. Mas também não podia… o quê? O que exatamente queria com aquela mensagem?
Digitou outra vez, com os dedos rápidos, quase sem pensar:
“Não sei se devo estar falando com você… mas não consigo parar de pensar no que aconteceu.”
Parou. Leu. O coração disparou. O polegar tremia sobre o botão de enviar.
Um segundo.
Dois.
Três.
Apagou tudo.
O celular caiu sobre o sofá. Verena encostou a cabeça no encosto, fechando os olhos. A respiração pesada. Sentia-se ridícula. Uma mulher com seu status, casada, respeitada — e ali, derrotada pelo impulso de escrever para uma adolescente.
Mas o vazio não passou. Pegou o celular de novo.
Dessa vez escreveu só:
“Valentina.”
O cursor piscava. O nome parado na tela parecia mais íntimo que qualquer declaração. O polegar pairou sobre “enviar”.
E ela soube: uma vez apertado, não haveria volta.
Ficou olhando a palavra na tela por três segundos longos. E apertou enviar.
O coração disparou. O som do envio soou mais alto do que qualquer barulho no apartamento. O nome da menina subiu na tela.
Não bastava. A respiração ficou pesada. As mãos suavam. Digitou de novo, rápida, quase trêmula:
“A gente precisa conversar.”
E enviou também.
Deixou o celular cair no colo, exausta, os olhos fechados como se quisesse fugir da própria coragem. Não esperava resposta. Nem visualização. Era tarde demais, era um erro demais. O silêncio era o que merecia.
Mas o barulho seco de outra notificação a fez olhar novamente. Viu Os dois tracinhos ficarem azuis. Sentiu o coração pular no peito.
Visualizada.
Tão rápido. Rápido demais.
Verena fechou os olhos com força. A mão passou pelo rosto, pelo cabelo, nervosa. O peito parecia uma caixa de ferro se comprimindo.
Quarto de Valentina — Sexta-feira, 23h57
Valentina estava deitada, o uniforme da escola ainda largado sobre a cadeira, pijama simples, cabelo preso num coque desfeito. O quarto era iluminado só pela tela do celular. Ela rolava o feed sem atenção, só para distrair a cabeça — até que a notificação surgiu.
Verena Castilho.
O coração deu um pulo. Sentou-se na cama de imediato, como se precisasse de outro corpo para sustentar o próprio.
Leu uma vez.
Leu de novo.
Não acreditava.
“Valentina.”
“A gente precisa conversar.”
As mãos tremeram. Os olhos se encheram de lágrimas rápidas, quentes, de um choque doce, quase insuportável. Ela mordeu o lábio para não sorrir alto. Cobriu a boca com a mão, como se o quarto pudesse ouvir.
O corpo inteiro formigava. O estômago parecia vazio e cheio ao mesmo tempo.
Se jogou de costas na cama, o celular apertado contra o peito, como se fosse capaz de entrar dentro dele. Respirava rápido, sem conseguir se controlar. Fechou os olhos e abriu de novo, conferindo a tela, como se tivesse sonhando.
Era real.
Verena tinha escrito.
Verena tinha escrito pra ela.
Valentina rolou na cama, abraçando o travesseiro, rindo sozinha, quase chorando. A mente disparava em mil direções: o beijo, o toque, a caneta. O medo, a culpa, a paixão. Tudo ao mesmo tempo.
Digitou rápido, parou. Apagou. Digitou de novo. O dedo pairava sobre o “enviar”, mas travou. E se fosse um teste? E se fosse só pra despistar? E se fosse… nada?
Ficou olhando a tela, imóvel, respirando fundo, tentando controlar o coração que parecia não caber no peito.
O celular continuava aceso na palma da mão, iluminando o quarto em azul e branco. Valentina sentia o coração martelar contra as costelas como se quisesse escapar. “Valentina.” “A gente precisa conversar.” As palavras ficavam presas nos olhos, cada vez mais pesadas, como se ardessem de tanto serem relidas.
Ela queria responder.vPrecisava responder. Mas o dedo tremia no teclado.
Digitou:
“Oi.”
Apagou.
Digitou de novo:
“Oi, deputada.”
Apagou de novo.
Levantou-se da cama, começou a andar pelo quarto em círculos, o celular apertado contra o peito. A mente parecia uma pregação ao contrário: em vez de versículos, lembranças. O rosto de Verena no simpósio. O abraço. O beijo. O toque quente da mão adulta segurando a dela.
Valentina se sentia pecadora. Se sentia culpada. Mas também se sentia viva de um jeito que a fé nunca tinha feito. Sentou de novo, respirou fundo, como quem se prepara para um mergulho. Digitou, simples, direto:
“Oi.”
Ficou olhando a tela por segundos intermináveis antes de apertar “enviar”. Quando enviou, o corpo inteiro dela reagiu: um arrepio subindo pela espinha, as pernas tremendo, a boca seca.
A mensagem subiu no chat como um grão de areia. Pequena. Frágil. Mas era o máximo que ela conseguia. E, ao mesmo tempo, era tudo.
Valentina largou o celular no colchão, cobriu o rosto com as duas mãos, rindo nervosa e chorando junto. O coração parecia maior que o quarto.
Apartamento de Verena e Silvia — 00h02
Verena ainda estava no sofá, imóvel, o celular apoiado na coxa. Quando a tela acendeu, o estômago revirou. Leu a resposta. Uma única palavra.
Simples. Ingênua. Mas para ela, parecia gritar.
Passou a mão no rosto, o coração acelerado. Fechou os olhos. O que estava fazendo? Que tipo de fronteira atravessava naquele instante?
Mas o “oi” estava ali. Era real. Era um chamado.
As duas letras brilhavam na tela como se fosse mais do que uma palavra. Uma palavra comum, mas carregada de uma força que parecia atravessar paredes, convenções, alianças, votos. Verena riu baixo, de nervoso, a risada seca de quem não sabe se ri ou se chora. Encostou o celular contra o joelho, os olhos fechados por um instante, tentando recuperar o ar.
Olhou para o corredor. A porta do quarto permanecia fechada. A poucos metros dali, dormia uma mulher que a amava, que falava em filhos, em futuro, em raiz. Uma mulher com quem dividira cama, vida, projetos. Silvia respirava tranquila, alheia a tudo, enquanto ela — Verena Castilho — estava sentada no sofá como uma adolescente em crise, agarrada ao celular.
O peso do crime íntimo caiu sobre os ombros: Rafaela estava certa. Como podia fazer aquilo? Como ousava trair não apenas a confiança de Silvia, mas a promessa de uma vida inteira?
“Você vai se destruir antes de perceber o que perdeu.” As palavras de Rafaela ecoaram como uma sentença.
Mas bastava olhar de novo para a tela. Bastava encarar as duas letras tímidas, frágeis, inocentes, para tudo se dissolver. A culpa, o casamento, a carreira. Restava apenas a lembrança da boca que não beijou inteira, do arrepio adolescente, do abismo que insistia em chamá-la.
O coração de Verena bateu tão forte que parecia ecoar pelo apartamento. Uma mão subiu até o cabelo, puxando-o para trás num gesto brusco, como se pudesse arrancar junto o desespero. A outra segurava o celular como se fosse um vício, uma arma, uma salvação.
Se sentia um monstro. Mas também se sentia viva.
O riso voltou, mais baixo, quase um soluço. As lágrimas ameaçaram. Verena cobriu a boca com a mão, respirando fundo, os olhos marejados. A ironia era cruel: deputada, oradora brilhante, mulher de frases calculadas — e ali, reduzida a um nó na garganta diante de um “oi” digitado por uma menina.
Um monstro. E, ainda assim, incapaz de largar a tela.
Apartamento de Verena e Silvia — 00h14
O sofá parecia mais fundo a cada minuto, como se quisesse engoli-la inteira. Verena apertava o celular entre as mãos, encarando a tela acesa. O “oi” de Valentina ainda brilhava como uma lâmina simples, mas afiada o bastante para cortar por dentro.
Riu sozinha — um riso nervoso, curto, que doeu mais do que aliviou. Levou a mão ao rosto, pressionando as têmporas, como se pudesse conter o turbilhão. O silêncio da sala era quebrado apenas pelo zumbido distante do ar-condicionado.
Levantou os olhos em direção a escada. O silêncio era um lembrete cruel: a poucos metros, Silvia dormia. A mulher que lhe dava o nome de casa, que sonhava com filhos, que depositava nela confiança e amor. A respiração calma, mesmo invisível, parecia atravessar paredes, lembrando-a de tudo o que estava em jogo.
E, ainda assim, bastava olhar de novo para o celular para o resto desaparecer.
“Oi.”
Simples. Adolescente. Vivo. Tão diferente do peso adulto que carregava nas costas.
Verena respirou fundo, os olhos marejando. A política fria, calculista, que enfrentava microfones e plenários, agora tremia diante de uma tela. Rafaela estava certa: era loucura. Era monstruoso. Mas a lucidez não tinha força contra aquele impulso.
Digitou, devagar, como quem escolhe palavras com bisturi:
“A gente não pode fingir que nada aconteceu.”
Parou. Leu. Parecia frio demais. Impessoal demais.
Apagou.
Tentou de novo:
“Precisamos conversar. Você toparia me encontrar?”
O coração acelerou. As mãos suavam. O medo cresceu: parecia ousado demais, perigoso demais. Apagou a primeira frase, deixou só a segunda.
“Você toparia me encontrar?”
O polegar pairava sobre o botão de enviar, e a mente gritava: não faça isso, não atravesse essa linha. Por um segundo, hesitou. Era insano. Inaceitável. Mas ao mesmo tempo, era inevitável. O corpo venceu
Apertou. Enviar.
Verena encostou o celular no peito, fechou os olhos, respirando fundo. Riu outra vez, nervosa, quase em soluço. O estômago virou. A respiração saiu pesada. Recostou-se no sofá, os olhos fechados, um fio de lágrima descendo pela pele. Sentia-se um monstro. Mas um monstro que não conseguia mais parar.
Olhou de novo para a escada. A porta seguia fechada. Silvia seguia dormindo, alheia.
E no outro extremo da cidade, em um quarto simples, uma menina que nunca deveria ter recebido aquela mensagem provavelmente já estava sem ar, encarando a tela como quem encara um milagre e um pecado ao mesmo tempo.
Quarto de Valentina — 00h17
Valentina ainda estava sentada na cama, o celular entre as mãos, os olhos fixos na tela iluminada. O coração martelava tão alto que parecia ecoar pelo quarto inteiro. A notificação surgiu. Ela leu.
“Você toparia me encontrar?”
As mãos tremeram. Ela levou o celular ao peito, deitou de costas no colchão, o travesseiro abafando o riso nervoso que escapou. Queria gritar, chorar, rezar — tudo ao mesmo tempo.
Cobriu o rosto com as mãos, depois espiou de novo, como quem precisa confirmar que não estava sonhando. As palavras estavam lá, reais.
“Toparia me encontrar?”
O choque vinha acompanhado de uma culpa corrosiva. As vozes do culto, os sermões sobre pureza, tudo ecoava na mente. Mas nada, absolutamente nada, abafava a lembrança do abraço, da boca perto demais, da sensação de que o mundo cabia naquele instante.
Digitou qualquer coisa, apagou. Digitou de novo, apagou outra vez. Ficou apenas abraçada ao travesseiro, o celular sobre o peito, respirando rápido. A timidez era um muro. Mas por trás dele, havia um coração em chamas.
E ela sabia: cedo ou tarde, ia responder. Porque não havia como fingir que não queria.
Quarto de Carol — Sábado, 16h04
As cortinas estavam semicerradas, deixando passar um fio de luz que recortava o quarto em tons de fim de tarde. Carol estava deitada de bruços na cama, roendo a ponta de uma caneta, quando a porta se abriu devagar. Valentina entrou sem dizer nada, os olhos vermelhos, a expressão cansada.
— Valen? Amiga, por que não me avisou que tava vindo? — Carol se ergueu na mesma hora. — O que foi?
A amiga não respondeu. Sentou-se na beirada da cama e desabou. Os ombros tremiam, o rosto escondido entre as mãos. Um choro doído, descontrolado, o tipo que não dá para conter.
Carol puxou-a para perto, abraçando-a pelos ombros.
— Ei, calma. Me fala. O que aconteceu?
Valentina ergueu o rosto aos poucos. As lágrimas escorriam sem parar. A voz saiu em soluços.
— Ela… ela me beijou, Carol.
O silêncio foi imediato. O ar ficou mais pesado. Carol piscou, sem entender de início.
— Ela? Ela quem meu amor? Quem te beijou?
— No simpósio… aquele dia… — Valentina limpou o rosto às pressas, mas as lágrimas voltaram. —Ela me encontrou, e… e aconteceu. Eu não queria, mas… eu queria. — engasgou-se nas próprias palavras. — Eu não consigo parar de pensar nisso.
Carol respirou fundo, a mente tentando acompanhar. Apertou os ombros da amiga, firme.
— E você não me contou antes por quê?
— Porque eu achei que ia passar. Achei que… que era coisa da minha cabeça. — Valentina soluçava. — Mas não passou. Ela… ela me mandou mensagem ontem. De noite.
Os olhos de Carol se arregalaram.
— Mensagem? O que ela disse?
Valentina puxou o celular do bolso, as mãos trêmulas. Mostrou a tela. O histórico era curto, mas devastador: / “Valentina.” / “Precisamos conversar.” / “Você toparia me encontrar?”
Carol levou a mão à boca, em choque.
— Meu Deus, Valen…
Valentina largou o celular no colo e se encolheu no abraço da amiga.
— Eu sei que é errado… eu sei que é pecado, que é crime, que é tudo. Mas eu não consigo parar de sentir. Eu penso nela o tempo todo. Eu acordo e penso nela. Vou dormir e… e sonho com ela. — chorava como uma criança, a voz quebrada. — Eu tô com medo, Carol. Eu tô com muito medo.
Carol fechou os olhos por um instante, tentando manter a calma.
— Valen, você entende o que tá acontecendo? Isso não é mais brincadeira. Não é mais olhar de longe, crush de adolescente. É sério. Ela é uma deputada, Valen. Casada. Mais velha. E você… você só tem dezesseis anos.
Valentina soluçou, apertando ainda mais o abraço.
— Eu não consigo parar.
Carol acariciou os cabelos da amiga, a testa franzida em preocupação. Sentia o coração bater rápido — não pela intensidade da confissão, mas pelo risco real que se desenhava. Aquilo já não era só um segredo adolescente. Era uma bomba pronta para explodir.
— Você precisa de ajuda, Valen. — disse, firme, mas com ternura. — Não pode carregar isso sozinha.
Valentina fechou os olhos, esgotada, deixando-se afundar no ombro da amiga. O choro continuava, mas mais baixo agora, como se o corpo tivesse cansado. Carol continuou ali, abraçando-a em silêncio, o olhar perdido no quarto, já consciente de uma verdade que a amiga ainda não tinha coragem de encarar: aquilo estava prestes a ultrapassar todos os limites.
Quarto de Carol — Sábado, 16h28
Carol continuava com Valentina nos braços, sentindo os soluços diminuírem pouco a pouco, transformando-se num choro abafado. A blusa já úmida, mas não se importava. O que importava era aquela menina perdida, desmoronando no próprio colo.
— Você precisa de ajuda, Valen. — repetiu, agora mais baixo, quase um sussurro.
Valentina não respondeu. Apenas respirava fundo, como quem estava finalmente deixando o corpo se entregar ao cansaço depois de lutar contra ele o dia inteiro.
Carol fechou os olhos. A mente corria. Contar pros pais?
Não. Impossível. Sabia exatamente como Ana Paula e Carlos reagiriam: choque, culpa, sermões intermináveis sobre pecado e castigo. O que já era um peso para Valentina se tornaria uma cruz insuportável.
Então não. Não agora.
Ela afastou-se um pouco, segurando o rosto da amiga entre as mãos, obrigando-a a olhar nos olhos.
— Escuta, meu amor. Eu não vou deixar você passar por isso sozinha, tá? Mas a gente precisa ter cuidado. Muito cuidado.
Valentina fungou, a voz quase infantil:
— Ela… ela quer me encontrar, Carol.
O coração de Carol disparou.
— E você não vai. — disse sem titubear. — Não sozinha. Nem pensar.
Valentina estremeceu, apertando os lábios.
— Mas eu…
— Eu sei. — Carol interrompeu, com firmeza. — Eu sei que você quer. Eu sei o que você sente. Mas não é seguro. Não é certo. Você pode se machucar de um jeito que não dá pra voltar atrás.
Silêncio. Valentina desviou o olhar, o rosto molhado de lágrimas, as mãos apertando o tecido do travesseiro.
Carol respirou fundo. Passou a mão devagar pelos cabelos da amiga, num gesto quase materno.
— Eu vou ficar de olho em você. — prometeu. — Se ela mandar mensagem, se tentar falar mais alguma coisa… você me conta. Antes de responder, antes de qualquer coisa. Entendeu?
Valentina hesitou. Mas o olhar da amiga era tão firme, tão protetor, que apenas assentiu.
— Promete, Valen. — insistiu Carol.
— Eu prometo. — respondeu, num fio de voz.
Carol puxou-a de novo para o abraço, encostando o queixo na cabeça dela.
— Eu não vou deixar você cair nessa sozinha.
Enquanto acariciava os cabelos da amiga, Carol sabia que aquela promessa não seria fácil de cumprir. Mas era a única coisa que podia fazer: vigiar, proteger, segurar a mão de Valentina antes que ela se perdesse de vez.
E, no fundo, um medo se instalava: e se, mesmo vigiando, não fosse suficiente?
Quarto de Carol — Sábado, 17h10
Valentina continuava com o celular nas mãos, o rosto molhado de lágrimas. A tela iluminava os olhos vermelhos, fixos naquela última frase:
“Você toparia me encontrar?”
O peito subia e descia em soluços.
— Eu não sei o que responder, Carol. Não sei…
Carol puxou o celular, leu mais uma vez, e respirou fundo. Já não havia choque — isso já tinha passado. O que havia agora era a urgência de decidir.
— Tá. — disse, devolvendo o aparelho para a amiga. — A gente precisa pensar. Se você não responder, ela vai insistir. Se responder “sim”, você se coloca em risco. Se disser “não”, você vai se sentir destruída.
Valentina esfregou o rosto com as duas mãos, a voz abafada:
— Eu não posso ignorar. Ela vai achar que eu… que eu não quero.
— E você quer? — Carol perguntou, olhando firme.
Valentina engasgou. Tirou as mãos do rosto, os olhos vermelhos.
— Eu quero e eu não quero. Eu sinto e eu tenho medo. É tudo ao mesmo tempo. Mas... eu tenho medo de ela sumir.
— Mas você não tem ela, Valen. — Carol falou com cuidado, mas firme. — E é justamente por isso que isso pode te machucar muito.
O silêncio ficou pesado. Só o barulho do celular vibrando com alguma notificação aleatória, ignorada.
Carol ajeitou-se na cama, olhando para a amiga como quem pesa cada palavra.
— Você vai responder com calma. Nada de “sim” ou “não”. Só… pede tempo. Algo que não feche a porta, mas também não abre.
— Mas como? — Valentina perguntou, quase infantil.
— Diz algo neutro, mas que mostre que você não esqueceu. Que não tá fugindo, mas também não tá correndo pro abismo.
Valentina mordeu o lábio, nervosa.
— Tipo o quê?
Carol pensou por alguns segundos, escolhendo as palavras com bisturi.
— Escreve assim: “Agora não é possível. Mas eu não esqueci.”
Valentina arregalou os olhos.
— Isso não vai soar… sei lá… frio?
— Vai soar real. — Carol rebateu. — É seguro. — Carol cortou. — Não confirma, mas também não nega. E mostra que você não tá rejeitando. Vai dar espaço.
Valentina olhou para o celular, as mãos trêmulas. Digitou devagar:
“Agora não é possível. Mas eu não esqueci.”
Parou. O polegar pairava sobre o botão de enviar.
— Eu não consigo, Carol.
— Consegue. — a amiga segurou a mão dela, firme. — Você não tá sozinha.
Valentina fechou os olhos, respirou fundo, e apertou enviar.
As duas ficaram olhando para a tela até a mensagem subir no chat. O silêncio era absoluto, como se o mundo inteiro estivesse em espera. Valentina largou o celular na cama como se fosse um peso insuportável.
Carol puxou a amiga para perto, envolvendo-a num abraço.
— Pronto. — disse, num tom baixo, quase materno. — Agora você respondeu. E eu tô aqui.
Valentina se deixou afundar no ombro dela, chorando de novo, mas diferente: um choro cansado, misturado com alívio. Carol, no entanto, mantinha os olhos fixos no celular abandonado na colcha, atenta.
Sabia que tinham apenas ganhado tempo. E que, quando a resposta viesse, o verdadeiro dilema começaria.
Apartamento de Verena e Silvia — Domingo, 09h02
A manhã nasceu sem diálogos. O apartamento estava imerso num silêncio que não era confortável, mas também não chegava a ser explosivo. Era um silêncio funcional, quase burocrático, feito de portas abrindo devagar, xícaras pousadas na pia, passos que evitavam se cruzar. Verena caminhava pela sala sem rumo claro, arrumando papéis que não lia, alinhando objetos já alinhados, abrindo a janela só para fechá-la em seguida. O corpo parecia precisar de ocupação porque a mente não dava trégua.
Silvia surgiu do quarto com naturalidade ensaiada. Usava um maiô escuro sob uma saída de praia leve, uma bolsa pequena a tiracolo e o cabelo preso em um coque firme. O olhar dela passou pela sala sem parar em Verena, prendeu-se na própria rotina. Abriu a geladeira, retirou uma garrafa de água, colocou dentro da bolsa. Os óculos de sol repousavam no topo da cabeça, mais como ornamento do que necessidade.
— Vou descer pra piscina. — avisou, sem emoção na voz.
Verena ergueu o olhar, demorando um segundo para responder.
— Tá bom.
Nada mais.
A porta se fechou atrás dela, sem estrondo, apenas com a precisão de quem sabe que não precisa bater para ser ouvida.
No térreo, o ambiente da piscina coberta recebia a luz filtrada das claraboias. O espaço era amplo, silencioso, com o eco distante das próprias gotas caindo na água. Silvia deixou a bolsa sobre uma cadeira de lona, tirou a saída de praia e mergulhou devagar, o corpo deslizando até o centro. Ficou de costas, os braços abertos, deixando-se flutuar. A respiração calma, os olhos fechados. Dentro da água, não havia perguntas nem respostas. Só o som abafado das bolhas e a sensação de estar suspensa, protegida por um mundo líquido onde ninguém a alcançava.
Enquanto isso, no apartamento, Verena continuava circulando como quem não encontra lugar. Passava os dedos pelos cabelos, mexia em documentos, largava-os em seguida, sentava-se e levantava-se em questão de minutos. O espaço parecia maior do que era, como se o próprio lar tivesse se tornado um palco vazio onde cada gesto dela ecoava em falso.
Sentou-se por fim no sofá, pegou o celular. A tela preta refletia o próprio rosto: os olhos fundos, a pele cansada, a boca que não sabia se ria ou se pedia socorro. Respirou fundo, sem coragem de desbloquear de imediato. Ainda tinha a lembrança da noite anterior: a mensagem enviada, a resposta dolorida, a dúvida que latej*v*.
E sabia, sem precisar de notificação alguma, que o próximo movimento estava perto.
Piscina Coberta do Condomínio — domingo, 09h30
A água estava morna, sustentando o corpo de Silvia como um lençol líquido. De olhos fechados, deixava-se flutuar, os cabelos soltos espalhados na superfície como uma mancha clara. O teto envidraçado filtrava a luz cinzenta da manhã, criando reflexos irregulares no azulejo branco. Por alguns minutos, o mundo parecia suspenso.
Até que ouviu o som de passos. Fortes, decididos, ecoando sobre o piso de cimento ao redor da piscina.
Silvia abriu os olhos devagar, ainda deitada na água. Um rapaz atravessava o espaço, segurando uma toalha enrolada no ombro e uma garrafa de alumínio na outra mão. Tinha pouco mais de trinta anos, talvez, pele morena marcada pelo sol, o cabelo curto e escuro ainda úmido, como se tivesse acabado de sair da academia do andar de cima. Usava uma bermuda de natação preta e uma camiseta cinza colada ao corpo, que deixava evidente o físico treinado.
Os olhares se cruzaram. Silvia manteve-se imóvel na água, surpresa pela presença dele àquela hora. O rapaz, por sua vez, pareceu igualmente desconcertado ao vê-la ali sozinha. Por um instante, hesitou no passo, como se pensasse em voltar. Mas continuou, apoiando a garrafa na beira e tirando a camiseta num gesto simples, sem pressa.
— Bom dia. — disse, a voz grave, educada.
Silvia piscou, respondeu em tom baixo, quase automático:
— Bom dia.
Ele mergulhou de cabeça, a água se abrindo num estalo e voltando a fechar-se em círculos ao redor do corpo. Nadou até o outro lado, atravessando a raia com facilidade, e voltou em ritmo controlado. Quando emergiu, apoiado no azulejo, lançou um sorriso breve, cortês.
Silvia, ainda flutuando, ajeitou o cabelo com a mão molhada. O clima era estranho: não havia nada explícito, mas a simples presença dele roubava a sensação de refúgio que ela buscara. Agora tinha consciência dos próprios gestos — o braço que levantava, o modo como respirava, até o silêncio parecia observado.
O rapaz quebrou de novo a barreira:
— Não costumo encontrar ninguém aqui tão cedo. — comentou, sem intenção de invasão, mas só para preencher o ar.
Silvia respirou fundo antes de responder.
— Eu também não. — o tom saiu neutro, mas polido.
Houve uma pausa. Ele voltou a nadar, braçadas firmes, ritmadas, que cortavam o espelho da piscina. Silvia acompanhava de soslaio, tentando retomar o próprio eixo, mas a estranheza permanecia: aquele espaço que era só dela havia sido compartilhado, e agora cada movimento parecia carregado de uma consciência incômoda.
Quando ele parou de novo, passando a mão pelo rosto para tirar a água, disse apenas:
— Deve ser por isso que é bom. Silêncio de verdade.
Silvia concordou com um aceno leve de cabeça, recostando-se na borda. Não acrescentou nada. Não precisava. O constrangimento já falava sozinho.
Piscina Coberta do Condomínio — Domingo, 09h42
Silvia nadava em ritmo controlado, braços cortando a água com precisão. Cada braçada era pensada para afastar pensamentos, dissolver tensões, mas a presença do outro corpo na água lhe roubava a tranquilidade. Não precisava olhar para saber: havia um par de olhos sobre ela. O peso de ser observada é inconfundível.
A cada volta, percebia a respiração dele, o movimento das braçadas firmes na raia ao lado. Tentava manter a naturalidade, mas o silêncio entrecortado por respingos e fôlego ofegante já não lhe soava repouso, e sim intrusão.
Depois de poucas idas e vindas, Silvia desistiu. Encostou-se na borda, respirou fundo e decidiu sair mais cedo do que planejava.
Subiu pela escada metálica em passos elegantes e seguros, apesar do chão úmido. A água escorria pelo corpo firme, delineando as curvas sob o maiô escuro. A saída de praia leve estava dobrada sobre a cadeira de lona, à espera.
O rapaz, que até então nadava sem pressa, ergueu o rosto para segui-la com os olhos. Dessa vez, sem disfarce. O olhar percorreu o contorno do corpo, demorando-se mais do que seria aceitável.
Silvia não virou o rosto. Apenas ajeitou o coque com um gesto rápido, como se nada tivesse percebido. Mas o andar, mesmo descalço sobre o piso escorregadio, tinha a mesma elegância de sempre. Ombros retos, passos firmes.
Pegou a toalha, secou os braços com calma, vestiu a saída de praia. O rapaz ainda a observava, apoiado na borda da piscina, braços fortes sob a luz azulada. Não disse nada, mas o silêncio falava mais do que qualquer frase.
Silvia recolheu a bolsa e deixou o espaço com a mesma calma com que havia entrado. Por fora, um retrato de serenidade. Por dentro, um desconforto que a água não foi capaz de dissolver.
Apartamento de Verena e Silvia — Domingo, 10h07
A porta se abriu devagar. Silvia entrou no apartamento carregando a bolsa de lona no ombro, os óculos escuros agora firmes no rosto, embora a claridade fosse suave. Os cabelos ainda úmidos estavam soltos, caindo em ondas mais pesadas sobre o robe leve que usava por cima do maiô. A água escorrera até pouco antes, e a pele ainda brilhava em alguns pontos.
Verena estava no sofá, imóvel, o celular na mão como se fosse uma extensão do corpo. Levantou os olhos no instante em que ouviu a chave.
— Já voltou? — perguntou, sem emoção demais, só para quebrar o ar.
Silvia tirou os óculos, dobrando-os com cuidado antes de colocá-los sobre o aparador.
— Resolvi sair mais cedo. — disse simples, a voz limpa, mas fria.
O silêncio se estendeu. Verena apoiou o celular sobre a mesa de centro, disfarçando o gesto como quem ajeita qualquer objeto. Silvia caminhou até a cozinha, pegou um copo de vidro e encheu de água. Bebeu devagar, apoiada no balcão, sem pressa de retomar conversa.
Verena observava os gestos, cada detalhe. O jeito como ela passava os dedos pelo cabelo molhado, como apoiava o quadril no mármore, como parecia distante sem precisar dizer nada.
— A piscina estava cheia? — arriscou Verena, tentando puxar assunto.
Silvia pousou o copo.
— Não. Só eu… e depois chegou alguém.
Houve uma pausa curta. Verena inclinou levemente a cabeça.
— Conhecido?
Silvia balançou a cabeça.
— Não. — disse, seca, mas o olhar desviou rápido, como quem não queria prolongar o tema.
Verena percebeu, mas não insistiu. Havia algo ali — um incômodo, um detalhe não dito. Escolheu guardar a pergunta para si.
Silvia pegou a bolsa e caminhou para o quarto. A cada passo, deixava no ar um perfume fresco, mistura de cloro e creme suave. Verena permaneceu sentada, acompanhando com os olhos, mas não se levantou.
Quando Silvia desapareceu pelo corredor, o apartamento voltou ao silêncio pesado de antes. Só o som distante da água do chuveiro indicando que ela estava ali, mas em outro mundo.
Verena suspirou, apoiou os cotovelos nos joelhos, a cabeça entre as mãos. O celular vibrou sobre a mesa, e ela olhou como quem olha para um abismo.
Igreja Batista da Esperança — Domingo, 11h01
O templo simples, pintado de branco por fora, tinha janelas altas abertas para deixar entrar a brisa da manhã. No pátio, famílias chegavam aos poucos, cumprimentando-se com abraços e sorrisos familiares, o som de crianças correndo entre as cadeiras de plástico. O quadro de avisos trazia recados sobre a campanha de arrecadação de alimentos e o ensaio do coral juvenil.
Lá dentro, o culto já começava. O grupo de louvor estava à frente: três jovens com microfones, um rapaz no teclado, outro no violão. As letras das músicas eram projetadas na parede por um datashow antigo, as palavras brancas sobre fundo azul. A melodia preenchia o espaço, acompanhada por palmas ritmadas dos irmãos.
Valentina entrou ao lado da mãe, a cabeça baixa, a saia azul-marinho bem passada, a blusa clara engomada. O pai caminhava logo atrás, carregando a Bíblia gasta de capa preta, enquanto a irmã caçula já corria para encontrar as amigas da escola dominical.
— Vamos sentar mais pra frente. — disse Ana Paula, guiando a filha até a terceira fileira de cadeiras.
Valentina se deixou conduzir. Sentou-se, manteve a postura ereta, mas o coração batia descompassado. O louvor ecoava pelos alto-falantes, as vozes exaltando alegria. Todos cantavam de olhos fechados, braços erguidos. Ela, no entanto, não conseguiu abrir a boca.
As palavras presas na garganta.
“O Senhor é meu pastor, nada me faltará.”
Mas ela sentia falta.
Tentou acompanhar a melodia, mexendo os lábios sem emitir som. A cada verso, a lembrança a golpeava: o rosto de Verena tão próximo, o calor do abraço, o quase-beijo que já não era só quase. E depois, a mensagem. “Você toparia me encontrar?”
Fechou os olhos com força, tentando se concentrar no que ouvia. As palmas das pessoas ao redor, o eco da bateria improvisada num caixa eletrônico, as vozes se sobrepondo. Mas quanto mais tentava rezar, mais clara vinha a culpa: não era digna de estar ali.
O pastor subiu ao púlpito, microfone em mãos. Um homem de meia-idade, terno claro já um pouco gasto, mas a voz cheia de energia.
— Igreja, a paz do Senhor! — disse alto, sorrindo.
— Amém! — respondeu a congregação em coro.
Ele abriu a Bíblia, folheando com familiaridade.
— Vamos ler hoje em Tiago, capítulo 1, versículo 14: “Cada um, porém, é tentado pelo próprio mau desejo, sendo por este arrastado e seduzido.”
Valentina estremeceu. O versículo parecia apontar diretamente para ela.
— Meus irmãos — continuou o pastor —, a tentação não é o fim. Mas ceder a ela, sim, nos afasta da vontade de Deus. É aí que o inimigo encontra brecha.
Alguns irmãos acenavam com a cabeça, murmurando “glória a Deus”.
Valentina apertou os dedos sobre o joelho, como se pudesse segurar a própria alma no lugar. A cada palavra, sentia-se menor. A imagem de Verena voltava em flashes: o sorriso discreto, a voz grave, os olhos verdes. Sentia o rosto arder.
Ana Paula, ao lado, cantava baixinho, com as mãos erguidas. Carlos lia a passagem em silêncio, acompanhando palavra por palavra na Bíblia aberta. Nenhum dos dois percebia o estado da filha.
No fim do sermão, o pastor convidou a igreja para orar em pé. Todos se levantaram, mãos dadas ou erguidas, e o templo encheu-se de vozes. Algumas em súplica, outras em agradecimento, algumas chorando alto.
Valentina manteve a cabeça baixa. Os lábios se mexiam, mas não havia oração. Só um choro contido, silencioso, preso na garganta. O corpo tremia, e ela mordeu os lábios até sentir o gosto de sangue para não desabar ali, diante de todos.
“Eu sou suja. Eu sou errada. Deus me vê. Ele sabe.”
As palavras ecoavam dentro dela.
Quando o louvor final começou, todos cantavam de pé, sorrindo, abraçando-se. Valentina permaneceu imóvel. O som parecia distante, abafado. Sentia-se fora do lugar, uma intrusa no espaço que sempre fora sua casa espiritual.
Ana Paula pousou a mão em seu ombro, sorridente.
— Canta, filha. Louva com a gente.
Valentina forçou um aceno com a cabeça. Abriu a boca. Nenhum som saiu.
Apenas lágrimas discretas, que ela tentou esconder enxugando rápido com as costas da mão.
Gabinete 312 – Alesp, Segunda-feira, 10h14
O gabinete fervia desde cedo. Estagiários passavam de um lado a outro com pilhas de papéis, o telefone fixo tocava sem descanso, o cheiro de café frio misturava-se ao de impressora aquecida. Sobre as mesas, relatórios, ofícios, pastas abertas e nunca concluídas. O burburinho dos corredores entrava pelas frestas das portas como um zumbido constante.
Verena atravessou o ambiente com passos firmes, o blazer caindo pesado sobre os ombros. Segurava um relatório amassado na mão direita, os óculos escorregando no nariz. Os olhos verdes denunciavam a insônia: olheiras profundas, um cansaço que a maquiagem discreta não conseguiu apagar.
Parou diante da mesa de Rafaela.
— Na minha sala. Agora. — disse apenas.
Rafaela largou a caneta sem protesto, mas o olhar faiscava. Seguiu a chefe até a sala principal. A porta se fechou com um clique seco, abafando o caos do restante do gabinete. O silêncio que ficou dentro não era menor, apenas mais perigoso.
Verena jogou o relatório sobre a mesa de centro. As folhas se espalharam, deslizando até o carpete.
— O que é isso, Rafaela? Me explica. — a voz saiu baixa, mas dura.
— O que é isso? — Rafaela repetiu, cruzando os braços. — É o reflexo do caos que você mesma criou.
— Não me joga essa conta. — Verena rebateu, aproximando-se, o dedo apontado para os papéis. — Se esse material chega na comissão do jeito que tá, eu viro motivo de piada.
Rafaela ergueu o queixo, os olhos estreitos.
— O problema não é a comissão, Verena. O problema é você. Você tá instável, tá descontando em todo mundo, e espera que eu continue varrendo os cacos como se nada tivesse acontecendo.
Verena respirou fundo, mas o ar parecia não entrar. Aproximou-se da mesa, apoiando as duas mãos no tampo de madeira.
— Você não tem ideia do que eu tô segurando.
— Eu tenho sim. — Rafaela retrucou, firme. — Eu vejo todo dia. Vejo o gabinete girar em torno de uma deputada que não sabe mais onde tá pisando.
O silêncio que se seguiu era de faca afiada. Verena estreitou os olhos, como se cada palavra da assessora fosse uma afronta pessoal. Rafaela, porém, não recuou.
— Você acha que ainda controla tudo, mas a verdade é que tá se perdendo. Perdeu a paciência, perdeu o foco… e se não tomar cuidado, vai perder mais.
Verena sentiu o corpo tremer. Passou a mão pelo rosto, ajeitou os óculos, tentando recompor a armadura. A respiração estava pesada, quase um soluço contido.
A porta se abriu devagar.
Jéssica entrou com a calma calculada de quem nunca parecia deslocada. Um blazer preto bem cortado, pasta de couro no braço, o sorriso leve. Os olhos, no entanto, varreram a cena num segundo: Verena apoiada na mesa, Rafaela de braços cruzados, a tensão visível no ar.
— Estou interrompendo? — perguntou, a voz macia, estudada.
Verena virou-se de imediato.
— Sempre. — respondeu, seca.
Jéssica não se abalou. Fechou a porta atrás de si e caminhou até a mesa.
— Vim trazer o parecer do jurídico. — disse, pousando a pasta sobre a mesa. — Mas acho que o clima aqui precisa mais de um mediador do que de documentos.
Verena não respondeu. Apenas tirou os óculos, esfregando a ponte do nariz, como se quisesse apagar o mundo. Rafaela, por outro lado, soltou um suspiro carregado, olhando para Jéssica com uma mistura de desprezo e alívio.
E, por alguns segundos, a sala ficou tomada apenas pela presença da advogada. Como se o gabinete inteiro tivesse encolhido, cedendo espaço a mais um jogo que estava apenas começando.
— Aqui está o parecer. — Jéssica continuou, abrindo a aba de couro. — Mas pelo que vejo, talvez o problema não seja jurídico, e sim de gestão.
Verena ergueu os olhos, cansados, e a voz saiu cortante:
— Eu não pedi análise psicológica. Se quiser bancar a terapeuta, procure outro consultório.
O tom seco ressoou na sala como uma palmada. Dois segundos de silêncio.
Jéssica apenas inclinou a cabeça, o sorriso discreto não se alterou.
— Só constatei um fato. — respondeu, suave. — Mas, claro, não vou gastar seu tempo.
Rafaela se adiantou antes que o clima azedasse ainda mais.
— Vamos focar no parecer. — disse, firme, mas sem agressividade. — A gente precisa resolver isso até o fim do dia.
Verena a olhou de relance, semicerrando os olhos como quem lê nas entrelinhas. Rafaela sustentou o olhar, neutra, treinada em parecer profissional mesmo quando a cabeça gritava outra coisa.
Jéssica, então, aproveitou a brecha. Abriu a pasta, deslizando as folhas para frente de Verena.
— O jurídico entende que vocês têm espaço de manobra, mas precisa de decisão rápida. — explicou, sem se abalar pelo destempero da deputada. — Se demorar, o custo político dobra.
Verena folheou por cima, sem ler de fato. Estava irritada demais para absorver as linhas.
— Eu decido quando for a hora. — disse, ríspida. — Até lá, não aceito sermão.
Rafaela pigarreou, tentando neutralizar.
— Verena, é só questão de prazos. A Jéssica não tá questionando sua autoridade.
— Não é o que parece. — retrucou a deputada, seca, fechando a pasta com força.
Jéssica manteve a compostura. Os olhos dela, no entanto, deslizaram discretamente até Rafaela. Um olhar rápido, como quem agradece sem precisar de palavras. Rafaela desviou o rosto de imediato, fingindo procurar uma caneta sobre a mesa.
O silêncio ficou pesado. Verena recostou-se na cadeira, os óculos apoiados de volta no nariz, o maxilar tenso. Rafaela ajeitou os papéis diante de si, como se organizasse a própria respiração.
Jéssica recolheu a pasta com calma, arrumando os documentos de novo.
— Qualquer coisa, estou à disposição. — disse, com suavidade. — Só precisa chamar.
Verena não respondeu. Apenas fez um gesto com a mão, dispensando-a.
Rafaela, por reflexo, forçou um meio sorriso polido.
— Obrigada, Jéssica. Eu te retorno ainda hoje.
A advogada assentiu e saiu, fechando a porta com cuidado. O clique ecoou.
Na sala, o ar parecia mais denso. Verena massageava as têmporas, Rafaela encarava os papéis como se fossem inimigos. O contraste era claro: uma tentando conter os cacos do gabinete, a outra se esfarelando por dentro.
E Jéssica, lá fora, já tinha conseguido o que queria: plantara mais uma fissura no terreno onde tudo estava prestes a ruir.
Gabinete 312 – Alesp, Segunda-feira, 10h42
A porta se fechou atrás de Jéssica, e o silêncio que ficou não era de alívio, mas de pólvora no ar. Verena recostou-se na cadeira, tirou os óculos e os largou sobre a mesa com um estalo seco. Massageou a testa, os dedos pressionando forte, como se pudesse esmagar a dor de cabeça que não a largava desde a madrugada.
Rafaela continuava de pé, braços cruzados, o corpo inteiro tenso.
— Você precisa se controlar, Verena. — disse enfim, a voz firme, mas baixa. — Se continuar tratando as pessoas assim, vai acabar na corregedoria. Não adianta brigar aqui dentro e depois esperar que o jurídico resolva.
Verena ergueu os olhos devagar, e neles havia mais cansaço do que paciência.
— Me poupa, Rafaela. — a voz saiu cortante. — Não vou passar a mão na cabeça daquela mulher só porque você tá comendo ela.
O silêncio caiu pesado. Um segundo que pareceu um tiro.
Rafaela congelou. O maxilar travou, os dedos cerraram. Respirou fundo, mas o ar não entrou.
— Repete. — pediu, baixa, com veneno.
Verena não recuou.
— Você ouviu muito bem.
A assessora deu um passo à frente, o rosto em chamas.
— Mesmo que fosse verdade — disse, a voz agora mais alta —, eu sou solteira. E a Jéssica é maior de idade. Não tem nada de errado nisso.
Verena levantou-se de súbito, a cadeira arrastando contra o carpete.
— Não tem nada de errado? — rebateu, avançando. — Você, minha assessora, se enfiando com alguém do jurídico no meio de um processo que pode estourar no meu gabinete? Isso é a definição de errado, Rafaela!
— Errado é você! — Rafaela explodiu. — Errado é esse gabinete girar em torno dos seus surtos, enquanto todo mundo aqui se mata pra tapar os buracos que você mesma cava!
A voz ecoou pelo ambiente fechado. Do outro lado da porta, os estagiários pararam por um instante, trocando olhares nervosos.
Verena apontou o dedo em riste, o rosto próximo demais.
— Eu não vou ser destruída porque você resolveu abrir as pernas pra quem aparece com pasta de couro e sorriso fácil!
Rafaela deu um passo atrás, mas foi só para não perder o equilíbrio. O coração disparava, o peito subia e descia rápido. O choque inicial deu lugar à raiva pura.
— Você não sabe de nada. — disse, ríspida. — E se soubesse, ainda assim não teria o direito de falar comigo desse jeito.
Verena riu de nervoso, uma risada curta, amarga.
— Eu tenho o direito de falar como quiser quando o que tá em jogo é a minha carreira, a minha vida!
— A sua carreira você mesma tá destruindo! — Rafaela gritou, sem disfarce. — Não precisa de Jéssica, de mim, nem de ninguém. Só de você e desse seu jeito de achar que pode controlar tudo.
As duas ficaram imóveis, ofegantes, presas num duelo em que cada palavra era faca.
Verena fechou os punhos, respirou fundo, tentando retomar algum traço de controle. Mas a voz saiu rouca, falhada.
— Sai da minha frente, Rafaela. Antes que eu diga o que não devo.
Rafaela hesitou. Queria responder, queria jogar mais uma bomba, mas engoliu seco. As mãos tremiam. O olhar que lançou para Verena foi de ódio e mágoa, misturados demais para se separar.
Virou-se e saiu, batendo a porta com força.
Verena ficou sozinha, o corpo ainda em alerta, o peito subindo e descendo. A pasta de Jéssica sobre a mesa parecia um lembrete silencioso de que nada naquele gabinete era apenas trabalho.
Gabinete 312 – Alesp, Segunda-feira, 11h03
O som da porta batida ainda reverberava pelas paredes quando o silêncio tomou conta da sala. Verena permaneceu de pé por alguns segundos, o corpo rígido, as mãos fechadas em punho. O coração batia tão forte que parecia ecoar nos ouvidos. Aos poucos, o ar foi voltando, pesado, difícil de puxar.
Ela se deixou cair na cadeira, o blazer escorregando pelo braço até o chão. Passou as duas mãos pelo rosto, pressionando os olhos com força, como se pudesse apagar tudo — a discussão com Rafaela, o olhar de desprezo da própria amiga, a tensão que se acumulava havia dias. Mas nada desaparecia.
O celular sobre a mesa piscou, discreto. Não era notificação nova. Era a lembrança da última.
Verena puxou o aparelho com um gesto brusco. A tela iluminou-se, revelando a conversa aberta. Ali estava a mensagem que atravessava todas as suas defesas:
“Agora não é possível. Mas eu não esqueci.”
A respiração vacilou.
Nem os gritos de Rafaela, nem os silêncios de Silvia, nem as cobranças do jurídico tinham esse poder. Era uma frase curta, simples, mas era tudo o que ela precisava para não pensar em mais nada.
Verena apoiou o cotovelo na mesa, levando o celular até a altura do rosto. Releu a mensagem uma, duas, três vezes, como se cada leitura revelasse algo novo. O peso daquelas palavras não estava no que diziam, mas no que deixavam em aberto.
O olhar se perdeu. Não via mais os papéis espalhados, nem a pasta de Jéssica, nem o gabinete em desordem. Via apenas a lembrança de uma menina de olhos grandes, postura tímida e a inocência cruel de quem não sabe o quanto pode destruir alguém.
O casamento estava por um fio. A carreira, ameaçada por todos os lados. A imagem pública, manchada pelas próprias escolhas. Mas nada disso importava naquele instante. Porque, contra toda a lógica, contra todo o juízo, era Valentina quem dominava sua mente.
E pior: seu coração.
Verena largou o celular sobre a mesa, mas a tela ainda brilhava sobre as lentes dos óculos. Encostou-se na cadeira, a mão apertando o peito, como se pudesse controlar o que já não tinha volta.
Sozinha no gabinete, a deputada que aprendera a dobrar adversários, a encarar plenários hostis e a sobreviver em escândalos, estava rendida por uma única adolescente.
E sabia — ainda que não admitisse nem para si mesma — que já não havia saída possível.
Quarto de Valentina — Segunda-feira, 22h56
O dia tinha passado em arrasto, como se cada hora fosse uma pedra amarrada ao tornozelo. Na escola, fingira prestar atenção, mas os olhos vagavam pela janela. Em casa, os pais notaram o silêncio, mas atribuíram ao cansaço. Só Carol sabia. Só Carol tinha ouvido a promessa.
“Agora não é possível. Mas eu não esqueci.”
Valentina tinha digitado com os dedos trêmulos, obedecendo a amiga. Um recado estratégico, uma forma de ganhar tempo. Mas agora, sozinha no quarto, sentia que tinha mentido para si mesma. Não era só que não tinha esquecido. Era que lembrava o tempo inteiro.
O celular estava sobre o travesseiro, virado para baixo. Ela encarava a tela apagada como quem encara um inimigo. O ventilador rodava lento, espalhando o ar quente, e cada volta parecia uma contagem regressiva.
Pegou o aparelho. Abriu a conversa. O coração disparou de imediato. As mensagens antigas ainda estavam ali, e bastava reler para que a memória voltasse como um soco: o abraço no estacionamento, o calor da pele, o cheiro de perfume misturado a medo.
Valentina digitou rápido:
“Eu também não esqueci.”
Olhou a frase. A mão tremia. Apagou.
Tentou de novo:
“Penso nisso o tempo todo.”
Apagou outra vez, assustada com a própria ousadia.
As lágrimas vieram sem aviso. Não era choro alto, mas um desespero silencioso, que prendia o ar. Apertou o celular contra o peito, o coração batendo tão forte que doía. A culpa falava em uma voz, o desejo em outra, e nenhuma das duas calava.
Por fim, digitou devagar, quase como se rezasse:
“Quero te ver. Mesmo com medo.”
O dedo pairou sobre o botão. Um segundo de hesitação. Dois.
E então enviou.
A tela azulou com a confirmação, e naquele instante Valentina enterrou o rosto no travesseiro, abafando o soluço. Não era só a promessa a Carol que tinha sido quebrada. Era o último fio de contenção que a mantinha longe do abismo.
Agora, estava entregue.
Apartamento – Escritório de Verena, Segunda-feira, 23h14
A luz branca da luminária caía sobre a mesa de madeira escura, espalhando reflexos nos papéis empilhados. Eram pareceres, ofícios, projetos de lei — tudo acumulado, tudo urgente. Verena passava os olhos por uma página impressa, mas as linhas embaralhavam-se. Leu o mesmo parágrafo três vezes sem absorver uma palavra.
Tirou os óculos, esfregou as têmporas. O silêncio do apartamento pesava. Silvia já dormia, o quarto fechado a poucos metros dali, mas para Verena era como se estivesse em outro planeta. O único som era o tique seco do relógio de parede.
Suspirou fundo, pegou a caneta, rabiscou uma anotação sem sentido na margem. Tentava agarrar-se ao que sabia fazer: trabalho, estratégia, controle. Mas a mente estava em outro lugar. Sempre no mesmo lugar.
O celular vibrou ao lado da pasta de couro. Um som curto, quase tímido, mas que reverberou como um trovão.
Verena gelou. O coração disparou antes mesmo de tocar no aparelho.
Pegou o celular devagar, como se temesse o que estava prestes a ver. A tela acendeu. Lá estava. A mensagem dela.
“Quero te ver. Mesmo com medo.”
Sentiu as forças escapando. Encostou-se no espaldar da cadeira, a respiração presa. Por um instante, teve a sensação real de que ia desmaiar.
Riu. Uma risada curta, nervosa, fora de lugar. Levou a mão à boca, tentando calar, mas o som escapou mesmo assim.
Riu porque era absurdo. Riu porque era perigoso. Riu porque estava feliz.
A mulher que passara o dia enfrentando assessores, estourando com relatórios, brigando com Rafaela, agora parecia uma adolescente de coração descompassado. Uma boba apaixonada.
Passou os dedos pelos cabelos soltos, os olhos verdes brilhando sob a luz artificial. Voltou a olhar a tela. Releu a mensagem mais uma, duas, cinco vezes. Cada leitura era como um choque elétrico, um lembrete de que aquela paixão não cabia em planilhas, nem em discursos, nem em nenhuma gaveta da vida que ela tinha construído.
Verena, agora estava entregue.
Deixou o celular sobre a mesa, fechou os olhos. O sorriso insistia em surgir, mesmo contra a razão. Uma alegria proibida, intoxicante, que vinha junto do medo.
Porque ela sabia: bastava um passo em falso e tudo acabaria. Mas bastava uma palavra de Valentina, e nada mais importava.
O relógio marcou 23h20. O mundo político dormia. O país dormia. Mas Verena Castilho, no silêncio do escritório, estava acordada — devorada por um amor que não podia existir, e que ainda assim a fazia sentir-se mais viva do que nunca.
Apartamento – Escritório de Verena, Terça-feira, 00h19
O escritório seguia mergulhado num silêncio que pesava como chumbo. Apenas o tique do relógio na parede lembrava que o tempo avançava, impiedoso, apesar de ela sentir-se suspensa entre uma decisão e o abismo. Os papéis continuavam espalhados pela mesa em pilhas desordenadas, pareceres e projetos aguardando a caneta que, naquela noite, ela não seria capaz de empunhar. Verena encarava a tela do celular como quem encara um adversário mais forte que qualquer bancada, mais imprevisível que qualquer plenário.
“Quero te ver. Mesmo com medo.”
A frase piscava em sua mente com uma nitidez cruel. Por um momento, deixou o aparelho sobre a mesa, afastou-se da cadeira e começou a andar em círculos. Os chinelos se arrastando produziam um som discreto sobre o piso, cada passo refletindo a tensão contida. Passou a mão pelos cabelos, soltando-os de trás da orelha, respirando fundo, como se buscasse numa única tragada de ar o equilíbrio que lhe escapava.
Falava sozinha, num murmúrio baixo:
— O que eu respondo? Que não? Que sim?… Você… Me enlouquece menina — interrompeu-se com uma risada curta, nervosa, tão deslocada que ecoou pelo ambiente como um erro.
Apoiou-se na beira da mesa, inclinada para frente, e digitou rápido:
“Também quero.”
Apagou antes que pudesse refletir.
Digitou outra vez:
“Não podemos.”
E apagou de novo, com impaciência, como quem rasga uma folha de papel que não serve.
Encostou-se na estante, o olhar perdido no reflexo que via no vidro da moldura de uma foto de campanha. Uma mulher jovem, segura, aplaudida em palanques. Era a mesma que agora tremia diante da tela de um celular.
Verena voltou à cadeira, apoiou os cotovelos nos braços e deixou a testa pender contra os dedos entrelaçados. Era um gesto de exaustão, mas também de concentração — como se, nesse recuo, pudesse encontrar a resposta exata, o tom perfeito, a elegância que não permitia perder nem ali, nem em nada.
Endireitou-se. O olhar verde brilhou sob a luz fria da luminária. Segurou o celular, respirou fundo e, finalmente, escreveu devagar, palavra por palavra:
“Não precisa ter medo. Só me dizer a hora e o lugar”.
Leu a mensagem uma vez. Duas. Três. O coração acelerava, mas as mãos estavam firmes. Não apagou. Não hesitou. Apertou enviar.
O silêncio voltou a ocupar o espaço. A tela azul iluminou seus olhos, e Verena reclinou-se na cadeira, soltando uma risada abafada, sem graça, quase infantil. O riso logo cedeu espaço a um suspiro longo, profundo, como quem entrega ao ar o peso de um segredo impossível de guardar.
Por um instante, recostada, parecia outra: não a deputada estratégica, fria, mas uma mulher apaixonada, vencida pelos próprios impulsos. Ainda assim, mesmo no caos, havia nela uma elegância estranha — como se até a rendição tivesse forma de vitória.
Fechou os olhos, apoiou a cabeça contra o espaldar, os lábios ainda curvados num sorriso pequeno, proibido. E soube, com uma clareza que doía, que não havia retorno. A ponte estava quebrada.
Quarto de Valentina — Terça-feira, 06h11
O despertador do celular vibrou sobre o criado-mudo, mas Valentina já estava acordada. A noite tinha sido um vaivém de sonhos confusos, pesadelos interrompidos e lembranças vívidas demais. O corpo queria descanso, mas a mente não parava.
Ela desligou o alarme com um gesto rápido e, por reflexo, abriu a tela de mensagens. O coração disparou antes mesmo de ler. Ali estava:
“Não precisa ter medo. Só me dizer a hora e o lugar.”
A respiração falhou. O quarto pareceu menor, como se o ar tivesse sumido. Valentina levou a mão à boca, tentando conter um som que não sabia se era riso ou choro. Os olhos encheram-se de lágrimas que ardiam, mas ao mesmo tempo o peito parecia se abrir em fogo.
Queria gritar, acordar a casa inteira, sair correndo pelo corredor como uma menina de dez anos que acabou de receber o melhor presente da vida. Queria chorar, ajoelhar-se no chão e pedir perdão por estar feliz com algo que sabia ser errado. Queria desligar o celular, apagar a mensagem, fingir que nunca a recebera. Queria responder na mesma hora, com todas as palavras que o coração guardava.
Ficou imóvel por longos segundos, sentindo tudo ao mesmo tempo: felicidade, medo, culpa, amor. Era como se o corpo fosse pequeno demais para tanta contradição.
Deitou-se de lado, puxando o travesseiro para mais perto. Ao virar o rosto, a caneta estava ali. O pequeno objeto de corpo metálico, com o nome “Verena Castilho” gravado na lateral, repousava sempre no mesmo lugar desde a roda de conversa na escola. No início, guardava-a dentro da mochila. Depois, passou a deixá-la na cabeceira. Até que, sem perceber, acostumou-se a dormir com ela ao lado do travesseiro, como quem se agarra a um talismã secreto.
Estendeu a mão e tocou o objeto frio. O contraste do metal contra a pele quente a fez estremecer. Um gesto simples, íntimo, quase infantil, mas carregado de tudo o que não ousava dizer em voz alta.
O celular continuava aceso na outra mão, exibindo a frase que agora parecia gravada no coração. Uma ordem suave, um convite impossível. “Não precisa ter medo.”
As lágrimas desceram devagar, molhando o travesseiro. E, entre soluços contidos, Valentina sorriu — um sorriso breve, proibido, que logo desapareceu sob o peso da culpa.
Fechou os olhos, abraçando o travesseiro com força, a caneta prensada entre os dedos. O corpo finalmente cedeu ao cansaço, e adormeceu outra vez. Mas o sono não trouxe descanso, mas apenas a certeza de que, a partir daquele dia, nada seria igual.
Escola Estadual Prof. Luiz Roberto Pinheiro — Terça-feira, 10h36
O intervalo havia começado há poucos minutos, mas para Valentina parecia que o tempo corria em outra velocidade. Sentada no banco perto da quadra, apertava a sacola de lanche contra o colo como se fosse um escudo. Os colegas conversavam, riam alto, a fila da cantina crescia, mas ela não ouvia nada. Só conseguia sentir o coração, cada batida forte demais, como se denunciasse seu segredo a todos.
Carol apareceu ao lado, jogando a mochila no banco com a naturalidade de quem já percebera que algo não estava certo. Sentou-se, estreitando os olhos para a amiga.
— Valen, fala logo. O que foi?
Valentina mordeu o lábio inferior, baixou os olhos para o chão. A ponta do tênis desenhava linhas invisíveis na poeira.
— Eu… eu preciso te contar uma coisa.
— Huum… — murmurou, semicerrando os olhos. — Isso eu já sei. Desde que você chegou hoje tá parecendo que quer levantar e sair correndo.
Valentina engoliu em seco, desviou o olhar para o chão. Os tênis estavam sujos de poeira da quadra, e ela fixou-se nisso por um instante, como se fosse possível se esconder ali.
— Eu… eu mandei outra mensagem.
Carol demorou dois segundos para processar. Depois virou-se de frente para ela, a expressão incrédula.
— Você fala da Verena?
Valentina assentiu com a cabeça.
— Como assim, outra mensagem? Você tinha prometido!
Valentina já estava com os olhos marejados. A voz saiu baixa, trêmula.
— Ontem à noite… eu disse pra ela que também queria ver. Mas que tava com medo.
Carol arregalou os olhos, levando a mão à testa.
— Meu Deus, Valen…
— E hoje de manhã… — continuou, a voz quase um sussurro — eu vi que ela respondeu.
Carol segurou o braço da amiga, apertando sem perceber.
— O que ela disse?
Valentina respirou fundo, e a frase saiu como se pesasse toneladas.
— Disse que eu não precisava ter medo. Que era só eu dizer a hora e o lugar.
O silêncio entre as duas foi cortante. Carol afastou a mão devagar, os olhos fixos na amiga. O barulho do pátio parecia distante, abafado.
— Você entende o que isso significa? — perguntou, a voz baixa, mas firme.
Valentina balançou a cabeça, confusa.
— Não… não sei. Eu só… eu quero ver ela Carol.
Carol suspirou, fechou os olhos por um instante, tentando encontrar as palavras certas. Quando abriu de novo, havia uma preocupação misturada com raiva.
— Isso significa que você tá entrando numa coisa muito séria, Valen. E perigosa. Ela não é só “a mulher que você gosta”. Ela é uma deputada. Casada. Você entende? Casada.
A palavra pesou. Valentina empalideceu, como se tivesse levado um tapa.
— Casada…
— É. — Carol inclinou-se para frente, forçando a amiga a encará-la. — Se você continuar nisso, sabe o que você vai ser? A amante.
Valentina piscou, os olhos cheios d’água. A palavra ficou presa no ar, ecoando dentro dela.
— Amante… — repetiu, como se testasse o som pela primeira vez.
O rosto dela se contorceu, uma mistura de choque e dor. Encostou as costas na parede atrás do banco, tentando se esconder. Uma lágrima escorreu rápido, sem que ela tentasse conter.
— Eu não queria… — murmurou. — Eu juro que não queria.
Carol suavizou o tom, mas não recuou.
— Eu sei que não amiga. Mas você já tá dentro. E se não parar agora, pode se machucar de um jeito que não tem volta.
O sinal anunciando o fim do intervalo ecoou alto, mas nenhuma das duas se moveu. Os alunos levantavam, voltavam correndo para as salas, mas Carol e Valentina continuavam ali, imóveis.
Valentina apertou mais o plástico branco com os resquícios do que fora seu almoço, os olhos fixos no chão, o coração esmagado pela primeira vez diante daquela palavra que não conseguia aceitar.
Amante.
Escola Estadual Prof. Luiz Roberto Pinheiro — Terça-feira, 11h10
O sol da tarde entrava pelas janelas altas da quadra, criando faixas de luz dourada sobre o piso gasto. Os meninos corriam atrás da bola, gritos e risadas ecoando pelo espaço. Algumas meninas jogavam queimada num canto, enquanto a maioria preferia ficar sentada na arquibancada, conversando ou mexendo no celular.
Valentina estava entre as que não faziam nada. Sentada no degrau mais baixo, abraçava os joelhos e apoiava o queixo sobre eles. A voz do professor de educação física parecia distante, dissolvida no barulho da quadra. O coração dela ainda pesava, esmagado pela palavra que ouvira da amiga no intervalo.
Amante.
A mente repetia sem trégua, como se cada sílaba fosse uma pedra batendo contra o peito. Observava os colegas correndo, mas não via nada de verdade. O mundo parecia seguir normal, enquanto dentro dela havia só tumulto, medo e uma ponta de desejo que não sabia onde enfiar.
Carol, sentada dois degraus acima, observava a amiga em silêncio. O arrependimento crescia desde o recreio. Sabia que tinha pegado pesado, sabia que a palavra dita com tanta frieza tinha caído sobre Valentina como um castigo, quando o que ela queria era apenas alertar. Respirou fundo, inclinou-se para frente e falou baixo, quase só para a amiga ouvir.
— Ei… — chamou, hesitante. — Valen, me desculpa pelo o que eu falei. Você sabe que eu não falei pra te magoar não sabe?
Valentina ergueu os olhos devagar. O rosto ainda trazia marcas do choro: os cílios úmidos, a pele avermelhada ao redor do nariz. Não respondeu.
Carol continuou, escolhendo as palavras com cuidado.
— Mas se você já respondeu… se você disse que quer ver ela… — fez uma pausa, olhando para o chão da quadra antes de prosseguir — então a gente precisa pensar em como isso vai acontecer.
Valentina franziu o cenho, assustada.
— A gente?
Carol assentiu, firme.
— Sim. Eu vou junto. — disse, sem dar espaço para protestos. — E tem que ser num lugar público. Nada de esquina escura, nada de carro parado em rua vazia. Público. Com gente em volta.
Valentina arregalou os olhos, o coração disparado.
— Mas… ela não vai querer isso.
— Então ela que se vire. — Carol rebateu, a voz firme mas não agressiva. — Se essa mulher realmente gosta de você, se ela realmente quer alguma coisa de verdade, ela vai topar te ver do jeito certo. Onde você não corra risco, onde eu possa estar junto.
Valentina baixou os olhos de novo, abraçando os joelhos mais forte.
— Eu não sei se consigo…
Carol suspirou, passando a mão nos próprios cabelos levemente cacheados.
— Eu também não sei, Valen. Mas pelo menos assim você não fica sozinha nessa.
As duas ficaram em silêncio por alguns instantes. A bola bateu contra a parede, ecoando alto, antes de voltar para o jogo. Os gritos dos meninos enchiam o espaço, mas nada chegava de fato até elas.
Valentina respirou fundo, os olhos marejando outra vez.
— Você acha que eu já estraguei tudo? — perguntou, com a voz embargada.
Carol olhou para ela com ternura e dor misturadas.
— Não. — respondeu, baixinho. — Mas se não for com cuidado… você vai se machucar mais do que imagina.
O jogo de futebol seguia ruidoso, os meninos correndo de um lado a outro da quadra, suados, empurrando-se, rindo alto. Carol ainda observava a amiga, tentando medir cada reação, quando uma bola desviada veio quicando em alta velocidade na direção delas.
Valentina não percebeu a tempo. Foi Carol quem reagiu primeiro, erguendo o braço e desviando o impacto por um triz. A bola passou raspando e bateu na parede logo atrás, ecoando como um estampido.
— Caralh*, Eduardo! — Carol explodiu, levantando-se num salto. — Se não sabe jogar direito, sai do jogo, porr*!
Valentina abaixou o rosto na mesma hora, o sangue subindo às bochechas. Não sabia se pela bola que quase a atingira ou pelos palavrões da amiga ecoando na quadra inteira. Alguns meninos caíram na risada, apontando na direção delas. Algumas meninas cochichavam entre risadas.
Eduardo, suado e sem graça, correu para pegar a bola sem dar trela, resmungando algo que ninguém ouviu.
Carol ainda bufou, voltando a sentar-se, o olhar afiado acompanhando o garoto de longe.
— Moleque sem noção… — murmurou, baixando o tom.
Valentina, ainda vermelha, abraçou os joelhos e escondeu parte do rosto. Tentava desaparecer, mas ao mesmo tempo sentia uma pontinha de riso nervoso ameaçando escapar.
Carol a olhou de lado, percebeu o constrangimento, e deixou escapar um sorriso curto, quase cúmplice.
— Relaxa, Valen. Se essa bola bater aqui de novo eu entro lá e faço um gol naqueles pernas de pau.
A frase foi simples, mas arrancou da amiga um suspiro abafado, entre alívio e vergonha. O mundo na quadra seguiu barulhento, mas naquele canto, as duas respiravam num compasso só delas — entre confidências perigosas e a trivialidade de uma bola mal chutada.
Casa da Carol — Terça-feira, 14h48
O sol se projetava contra os muros e fachadas mal revestidas da rua simples e calma, tingindo de laranja o asfalto e a janela do quarto. As mochilas tinham sido largadas no chão, os tênis atirados num canto. Carol estava sentada de pernas cruzadas na cama, o caderno aberto sobre o colo, mas sem nenhuma palavra escrita. Valentina ocupava a cadeira da escrivaninha, os cotovelos apoiados e o celular nas mãos, girando-o entre os dedos como se fosse uma bomba prestes a explodir.
O silêncio entre as duas era cortado apenas pelo barulho distante do latido de um cachorro e do canto de um galo.
— Eu não vou aguentar. — Valentina murmurou, finalmente. A voz estava baixa, quase trêmula. — Parece que meu peito vai estourar se eu não responder.
Carol ergueu os olhos, estudando a amiga. Havia olheiras fundas debaixo daqueles olhos claros demais, a pele pálida, o nervosismo evidente no bater rápido da perna contra o chão.
— Eu sei. — respondeu, devagar. — Mas se for pra responder… tem que ser com cuidado.
Valentina piscou, os olhos marejados.
— E se eu estragar tudo?
— Já tá estragado, Valen. — Carol disse, mas suavizou na mesma hora. — Não do jeito que você pensa. Só… você precisa entender que não é mais um segredo bobo. Isso tá virando outra coisa.
Valentina apertou o celular contra o peito, respirando fundo, como se tentasse segurar o coração no lugar.
— Ela disse que não precisa ter medo. Que é só eu falar a hora e o lugar.
— É. — Carol concordou, mas com um suspiro pesado. — Então a gente precisa escolher um lugar seguro. Um café, uma praça… nada escondido.
Valentina virou-se lentamente, encarando a amiga.
— Você vai comigo mesmo?
Carol sustentou o olhar. A resposta não saiu de imediato, porque o medo também a atravessava. Engoliu em seco, ajeitou os cachos atrás da orelha e disse, firme:
— Vou. Não vou deixar você sozinha.
Valentina sorriu de leve, mas o sorriso morreu rápido, afogado pela culpa. As mãos tremiam, e ela tentou escondê-las entre os joelhos.
— Eu tô com medo, Carol. — confessou, a voz embargada. — Mas eu quero muito.
Carol fechou o caderno que estava intocado sobre o colo e deixou-o de lado. Inclinou-se para frente, pousando a mão sobre a da amiga.
— Eu sei. Mas vai dar tudo certo amiga.
Valentina baixou a cabeça, deixando o cabelo cair sobre o rosto. Uma lágrima caiu direto no celular, que descansava nas mãos trêmulas.
Carol, deitada de lado sobre a cama, apoiou o rosto na mão. Observava Valentina como quem vigia alguém à beira de um penhasco. Suspirou, calculando cada palavra antes de soltar.
— Tá. Então a gente precisa pensar direito.
Valentina ergueu os olhos, o coração disparado.
— Pensar o quê?
— No lugar, Valen. — Carol se levantou, sentando-se na beira da cama. O tom de voz era firme, quase adulto. — Não pode ser qualquer canto. Você sabe quem ela é, né? Não é a vizinha da rua de baixo. É uma deputada. Todo mundo sabe a cara dela.
Valentina baixou a cabeça, envergonhada, como se só naquele instante tivesse percebido o óbvio.
— Eu não tinha pensado nisso…
— Pois é. — Carol continuou, ajeitando os cachos nervosamente. — Não pode ser lugar vazio demais, porque aí fica perigoso. Mas também não pode ser lotado, porque aí alguém reconhece. Precisa ser… normal. Público, mas discreto.
Valentina mordeu o lábio, apertando o celular contra o peito.
— Tipo o quê?
Carol pensou por um instante.
— A praça do centro. — respondeu, decidida. — Tem sempre gente passando: mães com criança, gente indo e vindo do metrô, pessoal tomando café no quiosque. Ela pode se misturar ali sem chamar atenção. E, se alguém perguntar, você pode dizer que só tava esperando carona.
Valentina piscou, absorvendo a ideia devagar.
— E se alguém olhar?
— Quem vai desconfiar? — Carol rebateu. — Uma deputada sentada num banco, conversando. Ninguém vai imaginar… isso.
A palavra não dita ficou no ar, pesada.
Valentina deixou escapar um meio sorriso nervoso, mas o sorriso morreu rápido, afogado pela culpa.
— Você acha que vai dar certo?
— Óbvio. — Carol respondeu sem hesitar. — Eu fico por perto. Não quero você sozinha com ela.
Valentina respirou fundo, tentando disfarçar o tremor nas mãos. Olhou a tela do celular de novo, como se a frase já estivesse escrita, esperando apenas que tivesse coragem de confirmar.
— Então eu digo que… amanhã, depois da aula?
Carol se inclinou, lendo por cima do ombro dela.
— Isso. Amanhã, depois da aula, praça do centro, perto do coreto. É público, mas dá pra conversar. E no horário que a gente vai não tem muita gente. Marca umas 14h, assim a gente almoça com calma.
Valentina digitou devagar, cada letra parecendo pesar mais que o próprio celular. Releu a frase, o coração martelando no peito. Olhou para a amiga, os olhos marejados.
— Tá certo?
Carol assentiu, embora os dedos se entrelaçassem nervosos sobre o colo.
— Tá. Do jeito mais seguro que dá.
Valentina apertou enviar. O frase brilhou na tela, e naquele instante o silêncio pareceu ainda mais sufocante.
Ela encostou a testa no celular, rindo de nervoso, lágrimas contidas nos olhos.
— Eu não acredito que eu fiz isso…
Carol passou a mão nos cabelos, desviando o olhar para a janela. Lá fora, o sol ainda brilhava com força.
— Eu também não. — murmurou. — Mas agora já não tem mais volta.
Gabinete 312 — Alesp, Terça-feira, 18h47
A mesa de Verena estava tomada por pilhas de relatórios, ofícios com prazos estourando e minutas de projetos à espera de sua assinatura. A sessão da tarde trouxera mais tensão do que qualquer outra, e ainda assim, o que lhe consumia não era o orçamento da saúde nem a articulação da próxima votação. Era a tela acesa do celular, repousado discretamente ao lado do bloco de anotações.
“Amanhã, 14h. Na praça do centro, perto do coreto.”
O coração de Verena disparou como se não reconhecesse o próprio ritmo. Passou a mão pelos cabelos, tirou os óculos por um instante e fechou os olhos, respirando fundo, tentando retomar o controle. Não conseguiu. Riu baixinho, um riso nervoso, abafado, quase infantil — daqueles que surgem quando se está prestes a desmoronar.
Voltou a abrir os olhos e encarou o celular como quem encara um inimigo irresistível. Levantou-se da cadeira, deu alguns passos pelo gabinete. O salto de seu scarpin ressoava no assoalho encerado, ritmado, como se cada batida fosse um lembrete: você não pode fazer isso, você não pode fazer isso.
— Merda… — murmurou, passando a mão pelo rosto.
Na porta de vidro, o reflexo devolveu a imagem de uma parlamentar elegante, de blazer impecável, o crachá oficial preso à lapela. A mesma mulher que, horas antes, dera entrevista para um jornal, defendendo com firmeza cortes em verbas supérfluas. Mas dentro dela não havia discurso, não havia controle. Havia apenas aquela frase que ecoava como uma sentença.
Sentou-se de novo, apoiou os cotovelos na mesa, a mão esquerda segurando a testa. Pegou o celular com a direita e leu outra vez. Como se precisasse se certificar de que não tinha imaginado.
Uma praça. Um banco de concreto. Tão banal, tão arriscado. Bastava um olhar curioso, uma foto tirada de longe, e o castelo que construíra ao longo dos anos ruiria em segundos.
O peito apertou. A imagem de Silvia surgiu de imediato: a esposa que lhe cobrava estabilidade, que sonhava com filhos, que acreditava na mulher pública e íntegra. E, por trás dela, o rosto de Valentina — olhos cheios de luz e medo, voz embargada de adolescente que ainda descobria o peso da própria paixão.
Verena deixou escapar um suspiro profundo, quase um gemido de frustração. Levantou-se outra vez, caminhou até a janela e olhou a cidade lá fora. São Paulo se estendia em prédios, concreto e pressa. A cidade que ela dominava em discursos, mas que agora parecia maior do que sua coragem.
Pegou o celular outra vez. Digitou:
“Não é seguro.”
Apagou.
Digitou de novo:
“Não posso.”
Apagou.
Apertou os olhos, inclinando a cabeça para trás. O teto branco do gabinete não oferecia respostas. Voltou a sentar-se, respirando fundo, até que finalmente digitou apenas três palavras:
“Eu estarei lá.”
Ficou olhando a tela por longos segundos, os dedos imóveis sobre o aparelho. O coração pulsava no pescoço, denunciando o nervosismo. Não enviou de imediato. Guardou o aparelho na gaveta, fechando-a como se fosse possível aprisionar o próprio impulso.
Mas a verdade já estava cravada nela: não havia mais volta.
Gabinete 312 — Alesp, Terça-feira, 19h20
A caneta repousava esquecida sobre o parecer de trinta páginas que exigia sua assinatura. O ar-condicionado soprava frio constante, mas o corpo de Verena estava quente, tomado por uma ansiedade que não se deixava domar.
Se recostou na cadeira, respirou fundo, tentando lembrar da mulher que era nos palanques, nos corredores da Assembleia, diante das câmeras. A mesma que sabia medir cada palavra, cada gesto. Mas ali, sozinha, não havia máscara que a segurasse.
Abriu a gaveta. Pegou o celular outra vez. As mãos estavam firmes, embora o coração descompassado quase a denunciasse. Olhou a frase da menina como quem encara uma promessa proibida. Olhava o próprio texto não enviado.
“Eu estarei lá.”
Ficou olhando. O cursor piscava depois da última palavra, como se perguntasse: tem certeza?
Verena passou a língua pelos lábios, respirou fundo, inclinou-se para frente. Apoiou os cotovelos na mesa, o celular entre as mãos. Por um segundo, pensou em apagar. Pensou em guardar o aparelho de novo, convencer-se de que tinha tido um surto. Mas não. O impulso era mais forte.
Com o polegar, tocou em enviar.
A tela confirmou. Mensagem enviada. Dois tracinhos cinzas.
Verena recostou-se na cadeira, levando a mão ao rosto, rindo sozinha, nervosa. Não sabia se chorava ou se gargalhava. O riso abafado saiu como um soluço.
— Que merd* eu tô fazendo… — murmurou.
O celular vibrou na mesma hora, não com a resposta, mas com uma notificação qualquer de outro aplicativo. Ainda assim, o coração saltou no peito, como se fosse Valentina respondendo.
Levantou-se de novo, caminhou até a janela larga do gabinete. A cidade estava ali, pulsante, indiferente. Lá fora, carros e pessoas seguiam como se nada tivesse mudado. Mas dentro dela, tudo tinha.
Quarto de Valentina — Terça-feira, 19h50
A luz fraca que tremulava no bocal torto e empoeirado, espalhava um tom amarelado pelas paredes, deixando o quarto em meia-sombra. Valentina estava deitada de lado, o cabelo solto caindo pelo travesseiro, já de pijama, o celular nas mãos. Tinha passado o dia inteiro com o coração em guerra, mas agora, sozinha, o silêncio lhe trazia um alívio ansioso.
A vibração suave fez o corpo inteiro estremecer.
“Eu estarei lá.”
Três palavras. Só isso. Mas o peito dela se abriu como se tivesse engolido uma estrela. Os olhos se encheram de lágrimas, o riso nervoso escapou sem permissão. Virou-se de barriga para cima, apertando o celular contra o peito, rindo baixinho, com a respiração curta.
— Ela vai… — murmurou, sentindo as bochechas queimarem.
Foi quando a porta se abriu de supetão.
— O que você tá rindo? — a voz de Isadora cortou o quarto. A menina entrou de pijama estampado, os cabelos castanhos claros presos num rabo de cavalo meio torto, os pés descalços batendo no chão.
Valentina se sentou rápido, escondendo o celular debaixo do travesseiro. O rosto ainda vermelho.
— N-nada.
— Nada o quê? — Isadora estreitou os olhos, desconfiada. — Eu ouvi você rindo. Tá falando com alguém?
Valentina balançou a cabeça depressa, o coração acelerado.
— Não, Isa. É que… eu tava lembrando de uma coisa engraçada da escola. Só isso.
A irmã franziu o nariz, desconfiada, mas depois deu de ombros.
— Tá. A mamãe perguntou se você vai querer pão com leite.
— Daqui a pouco. — Valentina sorriu sem jeito, puxando a coberta até o queixo.
Isadora ainda ficou um instante parada na porta, como se quisesse arrancar mais alguma coisa, mas acabou correndo de volta pelo corredor. A porta bateu leve.
Valentina suspirou fundo, voltou a deitar, puxou o celular debaixo do travesseiro. Abriu a tela de novo, e lá estavam as palavras. As mesmas que a fariam perder o sono naquela noite.
Apertou a caneta com o nome de Verena contra o peito e fechou os olhos. Tentou controlar o riso, mas ele escapava, misturado com lágrimas. O coração, desobediente, batia como se não coubesse dentro dela.
Praça Dom José Gaspar — Quarta-feira, 13h58
O sol de início de tarde caía direto sobre o calçamento de pedras portuguesas, refletindo um brilho branco que fazia os olhos semicerrar. A praça estava viva: vendedores de picolé disputavam espaço com carrinhos de pipoca, um grupo de aposentados jogava cartas sob a sombra de uma árvore grande, enquanto crianças corriam ao redor da fonte central. O coreto, pintado de branco já descascado, erguia-se ao fundo como um ponto de referência óbvio, cercado por bancos ocupados por gente de passagem.
Valentina vinha devagar, ao lado de Carol. Carregava a mochila junto ao corpo como se fosse proteção. Vestia uma calça jeans clara, camiseta lilás simples e tênis branco um pouco gasto. O cabelo, preso num rabo baixo, deixava alguns fios rebeldes soltos na testa, denunciando a pressa com que tinha se arrumado. Os olhos estavam atentos demais, inquietos demais, como se cada pessoa na praça pudesse descobrir de repente o que ela guardava no peito.
Carol andava ao lado, passos mais firmes, o casaco leve aberto sobre uma blusa branca, calça jeans escura e tênis preto. Os cachos soltos balançavam nos ombros, e o olhar era quase clínico, avaliando os arredores com a objetividade de quem sabia o peso daquilo. Por dentro, também estava nervosa, mas não deixava transparecer — e até se divertia, de certo modo, ao observar a amiga tomada por uma ansiedade tão desajeitada.
— Você parece que vai desmaiar. — comentou, a voz baixa, mas com um sorriso de canto.
Valentina apertou ainda mais a mochila contra o peito, a voz presa na garganta.
— Eu não devia ter vindo.
— Devia, sim. — Carol rebateu, o tom meio irônico. — Só não devia andar como se estivesse carregando um segredo de Estado.
Valentina deixou escapar um riso nervoso, rápido demais, que logo se perdeu no silêncio. As bochechas coraram.
Os passos das duas ecoavam no calçamento, misturados ao burburinho da praça. Valentina sentia o coração bater no pescoço, tão alto que parecia que qualquer um ali poderia ouvir. O cheiro de pipoca doce misturado com gasolina do trânsito ao redor parecia atravessá-la sem que percebesse.
Carol olhou em volta mais uma vez, depois voltou o olhar para a amiga.
— Relaxa, Valen. Ninguém aqui sabe de nada. Pra eles, você é só mais uma menina que acabou de sair da escola.
Valentina respirou fundo, tentando acreditar, mas a ansiedade não cedia. Cada passo a aproximava do coreto, e cada metro parecia uma sentença.
Praça Dom José Gaspar — Quarta-feira, 14h03
O som abafado do motor se calou quando o carro preto estacionou junto à calçada, numa vaga improvavelmente livre à sombra de uma árvore alta. O sol ainda era forte, mas ali o banco ao lado permanecia vazio, como se esperasse por alguém.
Verena desligou a ignição, apoiou as mãos no volante por um instante e respirou fundo. O blazer tinha ficado em casa. Hoje usava apenas uma camisa polo cinza de corte simples, calça bege bem passada e sapatênis discretos. Tinha passado a manhã inteira escolhendo o que vestir — algo que não chamasse atenção, mas que não a diminuísse. Não era a deputada em plenário, mas também não podia parecer uma mulher comum demais.
Abaixou o vidro alguns centímetros. O ar quente da rua entrou de imediato, trazendo o cheiro de pipoca doce e gasolina. Pegou o celular, os dedos hesitantes sobre a tela, e digitou rápido:
“Cheguei. Estou no carro, do lado da sombra, perto do banco vazio, perto de um carrinho de pipoca”.
Enviou. Guardou o aparelho sobre a perna, mas não conseguiu largar de verdade.
O reflexo no espelho retrovisor devolveu uma imagem que não a convencera. Os óculos escuros disfarçavam o olhar verde inquieto, mas não escondiam a tensão do maxilar travado. Ajeitou os cabelos, soltos, passando os dedos pelas ondas escuras como se pudesse domar a própria ansiedade.
A noite anterior voltava em flashes: a insônia, o travesseiro revirado, as frases que ensaiava em silêncio e logo desfazia. “Eu preciso terminar o que nunca devia ter começado.” Repetira isso como mantra, tentando convencer a si mesma. Era a conclusão racional, a única possível. Havia Silvia, havia seu nome, sua carreira, havia tudo o que construíra com disciplina e sangue frio.
Mas o coração, insolente, dizia outra coisa.
Apoiou os cotovelos no volante e levou as mãos ao rosto, respirando fundo mais uma vez. O gesto parecia quase uma prece. Depois voltou a endireitar-se, ajeitando os óculos.
Lançou um olhar rápido para a praça. Crianças corriam em volta da fonte, aposentados riam alto em meio ao baralho. E entre todos eles, em algum ponto, estaria a menina que lhe roubava o juízo desde o primeiro dia.
Verena apertou os dedos contra o volante. Sabia que não podia arriscar. Que tinha que encerrar aquilo ali mesmo, antes que fosse tarde demais. Mas, enquanto encarava o próprio reflexo no retrovisor, percebeu que já tinha atravessado a linha.
Praça Dom José Gaspar — Quarta-feira, 14h07
O celular vibrou sobre a perna. Verena pegou-o rápido, como quem agarra uma prova comprometida, e viu a tela acender. Os dois tracinhos cinzas tinham acabado de ficar azuis. Mensagem visualizada. O estômago se contraiu num espasmo quase físico, como se tivesse engolido pedra. Encostou as costas no banco, os dedos tamborilando nervosos no volante, tentando ocupar o silêncio com um som que a traía. Mesmo com o ar-condicionado ligado, sentia a umidade se formar nas palmas das mãos, um suor frio que não combinava com a imagem da mulher sempre impecável.
Respirou fundo, ajeitou os óculos escuros, mexeu nos cabelos como se aquele gesto pudesse organizar também a mente em frangalhos. Só então ousou olhar para fora.
E a viu.
Valentina atravessava devagar o piso quadriculado da praça, abraçada à alça da mochila como quem guarda ali não livros, mas o próprio coração. O cabelo preso num rabo baixo deixava fios soltos escaparem na testa, o passo era curto, hesitante, e o olhar colado ao chão revelava uma timidez que parecia gritar. O peito de Verena reagiu de imediato, um salto descompassado, e por um instante, todo o barulho da praça se dissolveu. Crianças correndo ao redor da fonte, o chiado da máquina de pipoca, os risos de velhos jogadores de cartas — nada chegava até ela. Só aquela figura franzina, nervosa, vindo em sua direção.
Mas o encanto durou pouco.
Valentina não estava sozinha.
Ao lado dela vinha outra garota. Verena demorou um segundo para reconhecer, mas a memória puxou depressa: os cachos hesitantes, a postura atenta, o olhar firme. Era a mesma que vira nos corredores da escola, durante a roda de conversa. O estômago se revirou de novo, dessa vez com amargura.
O sangue subiu rápido. O que aquela menina fazia ali?
A irritação latej*v* junto com o nervosismo. Será que Valentina tinha contado alguma coisa? Do beijo no simpósio? Do quase, do toque roubado, da vertigem que nenhuma das duas soube encobrir? Será que aquela garota sabia — tudo?
Verena apertou os dedos no volante, até os nós ficarem brancos. A racionalidade, sempre tão pronta em plenário, parecia lhe escapar pelas mãos. Não era apenas o risco do encontro proibido, era a ameaça de um segredo compartilhado. Doía vê-la tão perto, tão real, e ao mesmo tempo com outra ao lado, como se roubassem dela a única parte que ainda parecia só sua.
Abaixou o vidro um pouco mais, o olhar cravado nelas. O coração batia no pescoço, cada pulsação uma martelada. O que antes parecia apenas um encontro clandestino agora assumia ares de armadilha.
Praça Dom José Gaspar — Quarta-feira, 14h11
Valentina apertava a alça da mochila com tanta força que os dedos já doíam. O coração parecia bater fora do peito, acelerado, desordenado, como se fosse explodir a qualquer instante. As mãos geladas contrastavam com o calor da tarde, os pés pesavam, cada passo custava como se atravessasse areia movediça. O estômago se revirava em cócegas dolorosas, e por um instante, pensou em virar as costas e correr — desaparecer da praça antes que fosse tarde.
Mas então o vidro do carro baixou, e ela viu.
Os óculos escuros não escondiam o contorno conhecido do rosto, nem o peso daquele olhar que parecia atravessar qualquer barreira. Bastou um segundo, e as pernas de Valentina cederam, moles e pesadas ao mesmo tempo, obrigando-a a parar. Respirou fundo, tentando não tropeçar nas próprias emoções.
Carol seguia ao lado, atenta a tudo. O passo era firme, mas os olhos se moviam rápido, atentos ao redor. Segurava a outra alça da mochila de Valentina como se isso fosse manter as duas de pé, como se fosse possível segurar também o que a amiga carregava dentro de si. Estava nervosa, mas se obrigava a parecer sólida.
Chegaram ao meio-fio e pararam diante do carro.
O silêncio pesou.
Verena, sentada ao volante, manteve o vidro abaixado. O braço apoiado, o rosto inclinado na direção delas. Não disse nada de imediato. Apenas olhou.
Valentina retribuiu o olhar, incapaz de desviar. Não tentou esconder, não tentou fingir. Ali, diante da amiga, diante da cidade que passava indiferente ao redor, era como se só existissem elas duas. O ar parecia mais denso entre o vidro e o meio-fio, carregado de algo impossível de explicar.
Carol pigarreou, desconfortável. Não sabia onde enfiar o rosto. Olhou para o chão, para os sapatos, para o movimento na praça, qualquer coisa que não fosse o óbvio: a amiga e a deputada se olhando como se não houvesse mais nada no mundo.
A cada segundo, a tensão crescia. Não havia palavras, só o choque de duas presenças que nunca deveriam estar ali, mas estavam.
Praça Dom José Gaspar — Quarta-feira, 14h14
O silêncio já se tornava insuportável. Verena ajeitou os óculos escuros, pigarreou baixinho e, num esforço quase físico para soar natural, falou:
— Bom… eu não posso demorar. — a voz saiu firme, mas levemente rouca. Fez uma pausa curta, um ajuste de respiração. — Valentina, você pode entrar, por favor?
O clique seco da trava soou mais alto do que deveria, abrindo o carona.
Valentina congelou. O corpo inteiro se recusava a obedecer. O coração martelava tão alto que parecia expor seu segredo para toda as pessoas que passavam ao redor. O suor frio escorria pelas mãos, mas ela não ousou largar a alça da mochila. Um nó fechava a garganta, e por um instante pensou que fosse desmaiar.
Ao lado, a amiga respirou fundo, tentando disfarçar o próprio constrangimento. Inclinou-se de leve, sussurrando só para ela, rápido, num tom quase imperceptível:
— Diz que é melhor no banco… aqui fora.
Valentina piscou devagar, hesitante, e não se moveu.
Do lado de dentro, Verena percebeu a pausa longa demais, o olhar preso, o gesto contido. A hesitação da menina a atingiu como facada. O peito apertou. Ainda mais porque a presença da outra — aquela garota de cachos que lembrava vagamente da escola — não estava nos planos. Um elemento extra que embaralhava tudo, que a deixava exposta.
O silêncio voltou a dominar o espaço estreito entre elas. O som distante das crianças correndo, do vendedor de picolé anunciando, do trânsito ao redor, parecia vir de outro mundo. Dentro do carro, Verena sustentava o olhar, mas sentia a tensão crescer no estômago, junto com a irritação que tentava mascarar.
Valentina não disse nada. Só ficou ali, os olhos marejados, as pernas presas ao chão. E era nesse vazio que Verena percebia: já não tinha mais controle sobre nada.
Praça Dom José Gaspar — Quarta-feira, 14h15
Valentina engoliu em seco, os dedos suados ainda agarrados à alça da mochila. Juntou toda a coragem que tinha para soltar as palavras que Carol lhe pedira. Mas quando abriu a boca, a voz saiu tão baixa que se perdeu no barulho ao redor.
— A… aqui no banco…
Verena inclinou-se mais para fora da janela, os óculos escuros baixando levemente pela ponta do nariz. O movimento fez o coração de Valentina tropeçar dentro do peito.
— Desculpa, não entendi.
O sangue subiu direto às bochechas da menina. Sentiu o corpo inteiro arder, como se estivesse exposta no meio da praça. Respirou fundo, buscou fôlego e, com uma força que parecia maior que ela mesma, repetiu, mais alto:
— É melhor… a gente conversar aqui fora. No banco.
O silêncio que se seguiu pareceu cortar o ar. Verena fechou os olhos por um instante, suspirou devagar, pesando as consequências. Aquilo era insano. Estava em pleno centro de São Paulo, numa tarde comum, com processos de oposição acumulando-se contra seu nome. Bastava uma foto maldosa, uma narrativa torcida, e sua carreira poderia ser destruída. E pior, seu casamento.
Mesmo assim, não conseguiu dizer não. O pedido tinha sido feito com uma doçura impossível de recusar.
Verena deum suspiro longo, recolheu os óculos e empurrou a porta. Quando desceu, o mundo pareceu desacelerar. A luz forte do sol desenhou contornos firmes no corpo alto, a camisa polo ajustada com sobriedade, a calça bege impecável, os passos seguros que denunciavam sua presença antes mesmo de qualquer palavra.
Valentina sentiu o chão se abrir sob seus pés. Nunca tinha reparado em como ela era mais alta de perto, e isso a deixou ainda menor, ainda mais exposta. O ar lhe faltou, e a única coisa que conseguiu foi segurar a respiração, tentando esconder o desespero e a admiração que a consumiam.
Carol pigarreou ao lado, incomodada, a tensão clara no rosto. De repente, olhou para o celular, fingindo um sobressalto.
— É minha mãe. — disse rápido, com um sorriso amarelo. — Melhor eu atender.
A desculpa era tosca, transparente, mas serviu. Deu alguns passos para trás, afastando-se, sem perder as duas de vista. Verena quase riu, teve que segurar o impulso. A garota não sabia disfarçar nem que fosse para salvar a própria vida. Ainda assim, algo a tocou naquela encenação mal feita: a forma como aquela menina parecia proteger Valentina com unhas e dentes. Um carinho genuíno. Um cuidado puro.
“Pela minha garota…” O pensamento veio como uma lâmina, e Verena o cortou imediatamente, reprimindo o arrepio que percorreu sua nuca.
Valentina, com as pernas trêmulas, deixou-se conduzir até o banco sob a sombra. Sentou-se devagar, o coração batendo tão alto que parecia ecoar pela praça. Verena acomodou-se ao lado, mantendo certa distância, mas próxima o suficiente para que o silêncio se tornasse insuportável.
Carol, a poucos metros, fingia falar ao telefone, mas não desgrudava os olhos delas por um segundo.
Ali, sob o zumbido da cidade, estavam enfim “sozinhas”. Mas sozinhas apenas na aparência, já que o mundo inteiro parecia rondar aquele banco.
Praça Dom José Gaspar — Quarta-feira, 14h20
O banco de pedra guardava o calor do sol, apesar da sombra generosa da árvore. Valentina sentou-se na ponta, as mãos unidas sobre o colo, tão apertadas que os nós dos dedos já embranqueciam. O tecido azulado da calça parecia estranhamente pesado. O coração latej*v* no pescoço, fazendo cada fio de cabelo colado à nuca vibrar.
Verena ajeitou-se ao lado, deixando um espaço respeitoso, mas não o suficiente para afastar o ar denso entre elas. Mantinha a postura impecável: costas eretas, uma das mãos sobre o joelho, a outra repousando no encosto do banco, como se controlasse o cenário ao redor. A camisa polo clara se esticava levemente no peito a cada respiração.
Por alguns segundos, só o som da cidade. O vendedor de balas que passava oferecendo a mercadoria; a buzina apressada de um táxi na rua lateral; os passos de alguém correndo. O mundo girava normal, indiferente. Mas para Valentina, tudo parecia suspenso, comprimido num espaço que começava e terminava naquele banco.
Verena respirou fundo. A experiência de anos na vida pública haviam lhe ensinado que, antes de qualquer coisa, é preciso controlar a voz. Mas não havia discurso pronto que servisse ali. Havia apenas a urgência de quebrar o silêncio que sufocava.
— Valentina… — começou, a pausa breve, calculando as palavras. O tom veio baixo, firme, mas o maxilar denunciando a tensão. — Essa sua amiga… ela sabe de alguma coisa?
Valentina arregalou os olhos, a boca entreaberta, mas nenhuma resposta saiu. O sangue queimava nas bochechas, e ela abaixou o olhar, fixando-se nos cadarços do próprio tênis, como se ali houvesse uma saída.
Verena fechou os olhos por um segundo, sentindo a própria raiva misturada ao pânico. A imagem de si mesma, dependente de duas adolescentes para manter intacto tudo o que construíra, lhe parecia absurda. Indigna. Quase insuportável.
Ajeitou o cabelo para trás com força, respirando de novo. Tentou suavizar, mas a aspereza já tinha sido registrada.
Verena sustentou.
— Ok. — continuou, com a calma de quem tenta convencer a si mesma. — Vamos só conversar, tudo bem?
A menina respirou fundo, o peito subindo e descendo rápido. Abriu a boca outra vez, fechou em seguida. Nenhuma palavra. O silêncio se alongava, cruel.
A deputada inclinou o corpo levemente para a frente, sem invadir.
— Valentina, fala comigo. — pediu, a voz grave suavizada, um tom entre ordem e súplica.
Mas Valentina não falou. Sentiu as lágrimas ameaçarem, piscou rápido, engolindo em seco. A garganta era um nó que não se desfazia.
O olhar da deputada desceu até as mãos da menina — trêmulas, presas uma à outra como correntes. A imagem doeu.
Verena recostou-se devagar no banco, tentando disfarçar a tensão com um suspiro discreto.
— Tudo bem. — disse, mais baixo. — Eu espero.
E o silêncio voltou a se instalar, denso como concreto.
Praça Dom José Gaspar — Quarta-feira, 14h22
O silêncio entre as duas não era vazio: era denso, palpável, quase físico. Como se o ar tivesse engrossado entre o corpo alto e controlado de Verena e a fragilidade encolhida de Valentina.
A menina permanecia imóvel, os dedos entrelaçados com tanta força que as unhas deixavam marcas na pele. O peito subia rápido, mas ela não ousava levantar o rosto. Sabia que, se encarasse, perderia o fôlego.
Verena observava em silêncio. Os olhos escondidos pelas lentes escuras não impediam que cada gesto da menina fosse lido como um grito. O medo doía. Doía mais do que gostaria de admitir. Não queria assustá-la. Não queria que aquela doçura tão ingênua se transformasse em receio por sua causa.
Com um suspiro quase imperceptível, quebrou de novo a barreira.
— Ei… — disse baixo, a voz grave mas suave. — Tá tudo bem. Você não precisa ter medo.
As palavras, simples, caíram como bálsamo, mas também como ferro em brasa. Valentina mordeu o lábio inferior, apertou ainda mais a mochila contra o peito. O coração parecia pedir para se jogar no colo dela, e o corpo só conseguia se encolher.
Verena ajeitou-se no banco. Cruzou as pernas com elegância natural, apoiando o braço no encosto de pedra. O gesto, em si contido, fez com que os dedos dela se aproximassem da linha das costas da menina. Não chegaram a tocar, mas estavam próximos o suficiente para que a garota sentisse o calor.
O efeito foi devastador.
Valentina puxou o ar rápido, como se tivesse levado um choque. O corpo reagiu antes da mente: os olhos dispararam para o chão, depois para a ponta dos tênis, depois para qualquer lugar que não fosse o rosto da mulher ao lado. Mas o olhar de Verena — ainda invisível sob as lentes — permanecia fixo nela, pesado, inevitável, como se fosse impossível escapar.
A menina tentou sustentar. Tentou erguer os olhos uma vez. Durou menos de um segundo. A intensidade do olhar de Verena a atravessou como lâmina, e ela cedeu, desviando de novo, o rosto corado, a respiração entrecortada.
Verena viu. Viu e sentiu, como se o desejo pulsasse no ar entre elas. O desejo da menina, bruto, puro, inocente demais para disfarçar.
E aquilo a esmagava por dentro: a mistura impossível entre a culpa e a atração.
Verena umedeceu os lábios, virou levemente o rosto na direção dela, e num tom baixo, de voz firme mas carregada de cuidado, insistiu:
— Eu não vou te machucar. Só quero conversar com você.
Valentina fechou os olhos por um instante, sentindo o corpo estremecer com a promessa. O coração já tinha se rendido, mesmo que a boca ainda não conseguisse pronunciar uma única palavra.
Praça Dom José Gaspar — Quarta-feira, 14h29
O som da praça parecia distante, abafado, como se o mundo tivesse diminuído até caber apenas naquele banco. A brisa leve mexia os cabelos soltos de Verena, que caíam em ondas negras sobre o ombro. Valentina, encolhida ao lado, ainda não havia conseguido erguer o olhar por mais de um segundo, mas a presença dela parecia inflamar o ar.
Verena girou a cabeça devagar, observando o perfil franzino da menina. Os dedos que ainda estavam presos na alça da mochila, como se aquilo fosse o último elo com a realidade. A respiração era curta, irregular. Cada detalhe denunciava: estava assustada. E, ao mesmo tempo, tomada por algo que não tinha nome.
A deputada respirou fundo, ajeitou o corpo com cuidado, recostando-se mais contra o encosto do banco. O braço continuou ali, apoiado, próximo demais das costas da menina. Não tocava. Mas estava perto. O suficiente para que Valentina sentisse.
A voz veio baixa, grave, quase um sussurro, como se fosse um segredo entre elas.
— Eu não consigo parar de pensar naquele dia.
Valentina arregalou os olhos, mas não respondeu. Um arrepio percorreu sua nuca, e a mão tremeu sobre a mochila.
Verena manteve o olhar, firme, mas sem dureza.
— Naquele momento… no auditório. — continuou, escolhendo cada palavra com extremo cuidado. — Quando você… quando nós…
Não terminou a frase de imediato. A pausa era longa, carregada. O silêncio dizia mais do que qualquer palavra.
Valentina fechou os olhos, como se aquilo pudesse protegê-la. Mas o rosto denunciava: estava de volta ali, no instante em que os lábios se encontraram, quando o mundo inteiro desapareceu.
Verena inclinou-se um pouco, apenas o suficiente para que a voz chegasse clara, sem que ninguém mais pudesse ouvir.
— Eu sei que não devia ter acontecido. — disse, e o grave da voz roçou o ar entre elas. — Mas aconteceu. E não dá pra fingir que não.
O coração de Valentina disparou. Os olhos marejaram, e ela mordeu o lábio com força para não tremer ainda mais. O desejo latej*v*, bruto, inocente, impossível de esconder. E era justamente isso que fazia Verena se sentir dividida entre a culpa e o fascínio.
Ela ajeitou a postura outra vez, os dedos batendo de leve no encosto atrás da menina. Quase um gesto nervoso, quase um gesto de posse.
— Eu não queria te assustar. — murmurou, e havia uma verdade cortante naquela confissão. — Nunca quis.
Valentina respirou fundo, finalmente ousando erguer o olhar por um instante. Encontrou os olhos verdes por trás das lentes escuras. Durou só dois segundos, mas foi insuportável. Desviou de novo, o rosto em chamas.
Verena suspirou, e pela primeira vez desde que descera do carro, deixou a máscara da razão rachar.
— Mas, quando você me olhou… daquele jeito... eu... não consegui parar.
O silêncio que se seguiu foi absoluto. Nem as vozes da praça, nem os ruídos da cidade, nem os risos distantes das crianças chegaram até elas. Era como se o mundo inteiro tivesse parado para ouvir.
Praça Dom José Gaspar — Quarta-feira, 14h41
Valentina mantinha os olhos colados ao chão, como se o cimento irregular pudesse engolir seus segredos. As mãos ainda presas à mochila, os ombros curvados, cada músculo retesado. A respiração vinha curta, entrecortada, prestes a se transformar em soluço.
Ao lado, Verena observava. A tensão lhe corroía por dentro. A cada segundo sem resposta, a cada gesto miúdo de medo, sentia-se mais culpada. E mais aflita.
Inclinou-se levemente para a frente, aproximando o corpo sem invadir, a voz grave suavizada por um peso quase suplicante:
— Valentina… conversa comigo. Por favor.
A menina mordeu o lábio com tanta força que sentiu o gosto metálico na boca. O nó na garganta era insuportável. Se falasse, choraria. Se olhasse, cederia. Então não fez nenhum dos dois. Ficou imóvel, o silêncio como único escudo.
Verena passou a mão pelo próprio rosto, nervosa, tirou os óculos escuros e apoiou-os no colo. Os olhos verdes, enfim descobertos, brilhavam com a frustração de não alcançar a menor reação.
— Você tá com raiva de mim? — perguntou, num tom mais baixo, quase íntimo, carregado de angústia.
Valentina balançou a cabeça devagar, negando, mas ainda sem levantar o olhar. As lágrimas pesavam nos cílios, prontas para ceder.
Verena fechou os olhos por um instante, respirou fundo, e quando voltou a encará-la, havia dor na firmeza.
— Então olha pra mim. — disse, quase em súplica. — Só uma vez.
O silêncio ao redor parecia zombar. O barulho da praça seguia, indiferente — passos, risos, buzinas. Mas naquele banco, o mundo inteiro se resumia ao pedido de uma mulher e à luta interna de uma menina para não despencar em lágrimas.
Praça Dom José Gaspar — Quarta-feira, 14h44
O pedido ficou suspenso no ar.
“Olha pra mim. Só uma vez.”
Valentina continuou imóvel por segundos que pareceram longos demais. O coração batia com tanta força que chegava a doer. O nó na garganta apertava como corda, a respiração presa no peito. Segurou mais um instante, acreditando que conseguiria se manter firme. Não conseguiu.
Ergueu o rosto, devagar, como quem carrega peso demais.
Os olhos, marejados, encontraram os de Verena — verdes, intensos, agora sem os óculos que a escondiam. Bastou um segundo, e a represa rompeu.
As lágrimas escorreram em linhas rápidas, molhando o rosto sem que ela tivesse qualquer controle. A boca se abriu num soluço mudo, e o corpo se curvou ligeiramente, como se a dor fosse física.
Verena sentiu o impacto como um soco no peito. O coração disparou, mas não era paixão o que dominava naquele instante: era culpa. Uma culpa aguda, cortante, que a fez se inclinar de imediato, estendendo a mão no ar — parando a centímetros de tocar, como se não tivesse direito.
— Ei… não chora. — murmurou, a voz grave, baixa, carregada de uma ternura que ela não mostrava a ninguém. — Por favor, não chora.
Valentina não respondeu. O choro vinha em ondas, curtos soluços que sacudiam o corpo magro. Tentava limpar as lágrimas com as costas da mão, mas elas voltavam, insistentes.
Verena se mexeu no banco, cruzou o corpo na direção dela. O braço apoiado no encosto acabou alcançando suas costas, de leve, sem apertar. Um gesto mínimo, mas que fez Valentina estremecer.
— Eu não queria te fazer mal. — disse Verena, firme, mas com a voz embargada. — Nunca foi minha intenção.
Valentina balançou a cabeça, soluçando, as palavras presas no meio da garganta.
— Eu… eu não sei o que fazer. — saiu num fio, quase imperceptível.
Verena fechou os olhos por um instante, deixando o ar escapar devagar, como se cada suspiro fosse uma batalha.
— Nem eu. — confessou, baixinho.
Os olhares se encontraram de novo. O rosto da menina lavado em lágrimas, o da mulher marcado por uma dor silenciosa. O mundo ao redor continuava, mas ali, havia apenas duas pessoas presas num redemoinho impossível.
Valentina levou a mão ao rosto, envergonhada, tentando esconder o choro. Verena, sem pensar, aproximou-se alguns centímetros mais, a voz tão suave que parecia roçar a pele.
— Você não precisa ter vergonha de mim.
O choro da menina se intensificou, um soluço profundo, desesperado. E Verena, ao vê-la assim, teve certeza: não havia saída ilesa para nenhuma das duas.
Praça Dom José Gaspar — Quarta-feira, 14h47
O choro de Valentina não passava despercebido. Os soluços, ainda que contidos, começavam a atrair olhares dispersos: uma senhora que ajeitava a sacola de compras reduziu o passo, um rapaz que atravessava a praça com fones de ouvido lançou um olhar rápido, curioso. Verena percebeu de imediato. Cada olhar era um risco, cada segundo a céu aberto uma tragédia em potencial.
O coração disparou, não só pelo que sentia pela menina, mas pelo peso do que aquilo representava. Bastava um celular levantado, uma foto mal tirada, e toda a sua vida poderia virar combustível para a oposição.
Sem pensar, levantou-se do banco.
— Valentina, vem comigo. — disse firme, mas baixo, estendendo discretamente a mão. — Vamos pro carro. Lá a gente pode conversar melhor...
Valentina piscou, confusa, ainda chorando. Os olhos vermelhos, as mãos úmidas. A cabeça balançou num gesto mínimo, incapaz de decidir.
Foi nesse instante que Carol, que não desgrudava os olhos a alguns metros dali, correu de volta. O rosto dela carregava urgência. Ajoelhou-se em frente à amiga sem cerimônia, tomando-a nos braços.
— O que foi, meu amor? — perguntou, a voz carregada de desespero.
Valentina desabou no abraço, escondendo o rosto no ombro da amiga. O corpo tremia, as lágrimas molhando a blusa de Carol.
Verena parou, o peito arfando. Passou as mãos pelos cabelos, puxando-os com força para trás, tentando ganhar fôlego. Os olhos verdes varriam a praça, nervosos, procurando se certificar de que ninguém estava observando de perto. Era como se o chão tivesse se tornado uma armadilha pronta a desmoronar.
— Precisamos ir. — insistiu, controlando a voz. — Não é seguro aqui.
Carol ergueu o olhar, o cabelo bagunçado pelo vento, o rosto tenso. Acariciou as costas da amiga com uma mão firme e respondeu com a outra, gesticulando para Verena:
— A gente vai embora, sim. Mas pra casa.
Verena piscou, surpresa, a respiração presa.
— Não… — começou, o tom quase suplicante. — Eu não fiz nada. Mal tivemos tempo de conversar.
Carol estreitou os olhos, descrente. Não disse nada, mas o gesto de apertar Valentina contra o peito dizia tudo.
Verena respirou fundo, tentando se recompor. O olhar duro que usava durante boa parte do dia ainda não voltava por completo. Havia nervosismo demais, fragilidade demais. Mesmo assim, buscou firmeza no tom.
— Eu juro. Só quero conversar.
O silêncio pesou. Carol não respondeu de imediato. Apoiou-se melhor no banco, segurando Valentina, que ainda soluçava, e manteve o olhar fixo na mulher à sua frente — como quem marcava território.
Verena desviou os olhos por um instante, o coração em descompasso. Não lembrava da última vez em que havia se sentido tão vulnerável.
Praça Dom José Gaspar — Quarta-feira, 14h52
Carol levantou a amiga com cuidado, quase erguendo-a pelos ombros. Valentina tentava, em vão, conter o choro. Esfregava o rosto com as mãos em movimentos rápidos, desesperados, como se pudesse apagar as lágrimas pela força. O rosto úmido só denunciava ainda mais sua fragilidade.
— Vamos pra casa, Valen. — Carol murmurou, firme, entrelaçando os dedos nos dela.
Verena deu um passo à frente, a urgência escapando antes que conseguisse conter.
— Esperem. — a voz saiu grave, quase trêmula. — Por favor… fiquem.
Foi a primeira vez que deixou a súplica à mostra, sem verniz de autoridade, sem máscara. Seus olhos iam de uma para a outra, até pousarem de novo em Valentina.
— Só dois minutos. Conversa comigo, Valentina. Só dois minutos.
A menina mal conseguia respirar. O peito subia e descia rápido, a garganta presa. Não respondeu. Olhou para Carol, que já a puxava pelo braço, decidida a tirá-la dali. Mas então, o coração falou mais alto.
— Eu… eu preciso falar com ela. — saiu quase sem voz, um sopro que fez Carol parar de andar.
— Valen, você não tá bem. Vamos embora. — a amiga insistiu, olhos duros, voz carregada de urgência.
— Tá tudo bem. — Valentina balançou a cabeça, limpando mais uma lágrima com o dorso da mão. — Vai ser rápido. Eu prometo.
Carol não acreditava naquelas palavras. Sabia que não ia ser rápido, sabia que nada daquilo era seguro. Mas ao olhar para a amiga, ao ver o rosto frágil, a força do desejo estampada no olhar perdido, percebeu que não conseguiria lutar contra aquilo sozinha.
Suspirou, tensa, e se voltou para Verena. A mulher estava imóvel, como se prendesse o ar, à beira de um colapso silencioso.
— Tá bem. — disse Carol, seca. — Mas eu fico aqui.
A permissão fez Verena reagir de imediato. Apressou-se até o carro, abriu a porta do carona com um gesto delicado, e ficou ali, em silêncio, esperando que Valentina entrasse. Um cuidado que lhe saía automático, como se fosse natural protegê-la até nos mínimos gestos.
Carol observava, incrédula. Aquilo era loucura. E, ainda assim, era real.
Verena deu a volta até o lado do motorista, mas antes de entrar parou diante de Carol. O olhar era assombrado, nervoso, mas não recuava. E então, sem pensar demais, levou a mão ao bolso de trás. Tirou um molho de chaves, o tilintar metálico cortando o silêncio, e estendeu para a garota.
— Pra você não se preocupar. — disse, séria, firme. — Eu não vou sequestrar sua amiga.
Carol arregalou os olhos, surpreendida. Olhou para as chaves na própria mão, sem saber o que dizer. Era um gesto pequeno, mas carregado de algo maior: um pedido de confiança.
Quando ergueu o rosto, Verena já tinha fechado a porta com força controlada. O som seco ecoou pela praça. Carol ficou parada, as chaves frias na palma da mão, sem entender se aquele ato a tranquilizava ou a aterrorizava ainda mais.
Praça Dom José Gaspar — Quarta-feira, 15h00
O clique da porta se fechando pareceu selar um pacto silencioso. Dentro do carro, o mundo do lado de fora virou borrão, abafado pelos vidros escuros. O ar era denso, carregado pelo cheiro de couro novo misturado ao perfume amadeirado de Verena, intenso demais para um espaço tão pequeno.
Valentina manteve os olhos fixos nos próprios pés, as mãos presas na alça da mochila. O coração batia tão forte que parecia sacudir seu corpo por dentro. Um arrepio atravessou a pele fina dos braços, como se o ar condicionado estivesse gelado demais, mas era o nervosismo queimando sob a pele.
Verena ajeitou-se no banco, a camisa polo colando levemente ao corpo pelo suor que começava a surgir. Passou a mão pelo câmbio, depois pelo volante, tentando manter o controle nos gestos. A voz saiu grave, firme, mas carregada de uma hesitação rara:
— Sobre o beijo… aquilo que aconteceu… não deveria ter acontecido. — Ela respirou fundo, os olhos fixos na frente, como se guiasse um carro em movimento. — Foi um impulso.
As palavras vieram como uma repetição mental, quase mecânica, o discurso que ela tinha ensaiado a madrugada inteira. Parte dela acreditava que poderia pôr um ponto final ali, naquele instante.
Mas então, do canto do olho, algo a desarmou.
Uma lágrima desceu pelo rosto de Valentina e caiu na calça jeans clara, formando um ponto escuro. A menina limpou rápido com a palma da mão, envergonhada, como quem tenta esconder uma falha. Só que não conseguiu impedir a segunda lágrima, nem a terceira.
Verena virou o rosto devagar, encarando a cena como se fosse uma facada invisível. Sentiu o estômago se contrair, um som seco quebrando dentro dela. Todas as frases ensaiadas evaporaram. A certeza de que precisava encerrar aquilo perdeu o peso diante daquela visão: a garota tremendo, tentando se recompor, mas frágil como vidro prestes a estilhaçar.
A mão de Verena, antes firme no volante, cedeu. Os dedos tamborilaram em desespero contido. Algo se partiu dentro dela, e junto com esse estalo foi-se embora qualquer plano de racionalidade.
Não havia mais discurso pronto. Não havia mais erro a ser declarado. Só a angústia de ver a menina chorar.
Praça Dom José Gaspar — Quarta-feira, 15h05
Valentina continuava com o rosto baixo, tentando secar as lágrimas com o dorso das mãos, mas quanto mais limpava, mais as bochechas se avermelhavam, manchadas pelo choro mal contido.
Verena mordeu o lábio inferior, o maxilar rígido. A cena diante dela a despia de qualquer armadura que tivesse construído em anos de política e plenário. Não havia adversário, não havia eleitorado, não havia Silvia esperando em casa. Havia só aquela menina — e o peso de vê-la quebrar diante do que as duas tinham vivido.
— Ei… — a voz saiu mais baixa, rouca. Um sussurro que parecia não combinar com o corpo grande, a presença imponente. — Olha pra mim, por favor.
Valentina não respondeu. O peito subia e descia rápido, como se o ar não fosse suficiente.
Verena soltou um suspiro tenso, largando de vez o volante. Estendeu a mão, hesitante, até alcançar o espaço entre elas. Não tocou de imediato. Deixou os dedos pairarem no ar, tão perto da manga fina da blusa da garota que o calor da pele quase se tocava.
— Não precisa ter medo de mim. — disse, mais firme agora, mas com a mesma urgência que a corroía por dentro. — Eu não quero te machucar.
Valentina mordeu o canto do lábio, finalmente levantando o olhar. Os olhos castanhos, ainda molhados, encontraram os verdes de Verena, que queimavam de intensidade. O impacto foi imediato. Ela desviou de novo, como se encarar fosse insuportável.
Mas Verena não recuou. Pelo contrário, inclinou-se um pouco mais, apoiando o braço no encosto do banco do carona. O gesto era natural, mas fazia a proximidade aumentar perigosamente. A voz grave ecoou pelo espaço estreito:
— Se quiser que ir embora, eu não vou te segurar. Mas, se ficar aqui, conversa comigo. Só isso.
O silêncio pesou de novo. A respiração de Valentina soava quase trêmula, como se cada palavra que não conseguia dizer fosse um peso preso à garganta.
Verena não suportou mais. Com cuidado, pousou a mão sobre a dela — a mão pequena, que tremia levemente em cima da mochila. O contato foi suave, quase casto, mas carregado de eletricidade.
Valentina sentiu o corpo inteiro estremecer. As costas encostaram no banco num reflexo nervoso, o coração acelerando tanto que parecia ecoar dentro do carro.
Verena, por um instante, fechou os olhos. Queria se controlar. Queria ser adulta, racional, responsável. Mas a cada segundo perto daquela pele quente e frágil, sentia-se mais longe de qualquer limite.
E quando abriu os olhos de novo, viu a garota olhando para a mão dela, sem afastar. Sem protestar. O que havia ali não era consentimento declarado — era rendição silenciosa, confusa, perigosa.
Verena engoliu em seco. A voz quase falhou:
— Fala comigo, Valentina. Eu preciso ouvir de você.
Do lado de fora, a vida seguia. Crianças atravessavam a praça com mochilas coloridas, um casal caminhava de mãos dadas, um vendedor passava empurrando um carrinho de pipoca. Mas dentro do carro, o tempo parecia suspenso.
Um espaço tão pequeno guardava uma tensão que poderia destruir as duas.
Praça Dom José Gaspar — Quarta-feira, 15h10
Verena respirou fundo, como quem busca ar antes de se afogar. O olhar pousado sobre Valentina era tão intenso quanto contido, como se ela própria não soubesse se queria falar ou calar.
— O beijo… — começou, a voz grave, baixa, quase um sussurro — não foi culpa sua. Foi minha.
Valentina piscou devagar, surpresa pelo tom doce que não esperava.
— Eu… eu não queria… — tentou balbuciar, mas Verena ergueu a mão suavemente, pedindo silêncio.
— Shhh… — Ela inclinou o corpo, mais perto. — Não carrega isso com você. Foi meu impulso, minha fraqueza. E eu te peço perdão, Valentina. Perdão de verdade.
Cada palavra parecia arrancada de dentro, como se sangrasse ao ser dita. A cada frase, Verena sentia uma fisgada no peito, porque a boca dizia que aquilo jamais voltaria a acontecer, mas o corpo ardia pelo contrário.
Valentina fechou os olhos, deixando outra lágrima escapar. A declaração, em vez de alívio, a sufocava ainda mais. O coração martelava forte demais, e a sala de aula, a mãe, a igreja — nada disso existia. Existia apenas aquela mulher, tão perto que o perfume elegante misturava-se ao cheiro do couro do carro.
Verena hesitou um instante, antes de erguer a outra mão. Tocou a bochecha da garota com delicadeza, o polegar deslizando pela pele quente e molhada. O gesto foi quase um sacramento, algo íntimo demais para ser apenas consolo.
— Perdão… — repetiu, mas agora a voz falhou.
Foi então que sentiu. Os dedos finos apertaram os próprios com força inesperada, desesperada.
Um arrepio atravessou Verena da nuca até os pés. A chama que tentava apagar dentro de si explodiu em fogo aberto.
Ela inclinou-se sem pensar, vencida pelo próprio instinto. Puxou Valentina num abraço, forte e imediato, como se o mundo estivesse prestes a desmoronar e aquele fosse o único refúgio possível.
O rosto da menina encostou no peito dela, quente, trêmulo. Verena fechou os olhos, o maxilar trincado, o coração batendo tão rápido que parecia ecoar entre as duas. A mão que estava na bochecha deslizou para a nuca, segurando-a com firmeza.
Era loucura. Era perigoso. Mas, naquele instante, Verena não ligava mais.
Praça Dom José Gaspar — Quarta-feira, 15h20
O abraço começou como um gesto de consolo, mas se transformou em algo impossível de conter. Verena fechou os olhos com força, respirando fundo, e a cada segundo a sensação se tornava mais perigosa. O peito contra o dela, o calor daquela menina que parecia feita de vidro e fogo ao mesmo tempo, era insuportável.
A mão desceu lentamente da nuca para as costas, apertando o tecido fino da blusa simples, quase infantil. A respiração se acelerava, densa, irregular. Os cílios roçaram no próprio rosto quando a deputada mordeu o lábio inferior, tentando calar o gemido que quase lhe escapava. A tensão que a consumia descia em ondas, acumulando-se entre as pernas, num peso quente e urgente que a fazia sentir-se criminosa dentro da própria pele.
— Valentina… — sussurrou, como se a simples pronúncia do nome fosse quebrar o silêncio.
A menina não respondeu. Mas o corpo respondeu por ela.
Valentina permanecia imóvel, e ainda assim tudo nela tremia: os ombros, o peito, até os dedos que se agarravam ao braço de Verena. O coração parecia prestes a explodir. Sentia o ventre se contrair de um jeito estranho, desconhecido, um formigamento que descia, aquecendo regiões que ela não sabia nomear sem corar. O corpo clamava por algo que a mente não compreendia.
Ela encostou mais o rosto contra o peito de Verena, escondendo as lágrimas, mas ao mesmo tempo buscando o calor. O perfume elegante misturado ao cheiro de tabaco a envolvia, deixando-a atordoada. Sentiu o próprio quadril pressionar de leve contra a coxa da deputada e, envergonhada, recuou um milímetro, como se o gesto tivesse sido visto.
Verena percebeu. E aquilo a rasgou por dentro. O contraste brutal entre a doçura daquela adolescente e a excitação que crescia sem piedade a deixou sem ar. O coração pedia que ficasse. A razão gritava que fugisse.
Ela afundou o rosto nos cabelos da menina, aspirando o cheiro doce e simples de shampoo barato, e o gesto era quase uma oração silenciosa.
Por um instante, esqueceu tudo: a carreira, a esposa, os riscos. Ali, dentro daquele carro de vidros fumês, só existia a verdade crua de dois corpos frágeis e famintos por algo que não sabiam nomear.
Praça Dom José Gaspar — Quarta-feira, 15h27
Para Verena, o abraço já tinha perdido qualquer aparência de consolo. Era outro corpo colado ao dela, quente, vulnerável, pulsando em descompasso.
A mão, antes emaranhada nos cabelos de Valentina, descia lentamente pela nuca até pousar na curva frágil das costas. A pele sob o tecido reagia como se cada fibra captasse o contato.
Verena apertou os olhos, como se assim pudesse conter o que lhe queimava por dentro. O peito arfava, a respiração irregular embatia contra o rosto da menina. O perfume doce do shampoo misturado ao próprio, criava uma vertigem impossível de suportar.
— O que você faz comigo… — a voz saiu rouca, baixa, um pedido e uma sentença ao mesmo tempo.
A menina não respondeu. Mas o corpo, sim. As mãos pequenas se agarraram ao braço de Verena com uma força desesperada, como se temesse que ela fosse soltá-la. O rosto escondido no peito denunciava as lágrimas, mas também o desejo confuso que a fazia tremer inteira.
Verena sentia. O coração disparou, o corpo gritou, a razão quase desmoronou.
Com um gesto brusco, quase desesperado, ela afastou o rosto apenas o suficiente para encarar a menina. Os olhos verdes ardiam, suplicantes.
— Me manda embora, Valentina… — pediu, num sussurro trêmulo. — Me manda parar. É a única coisa que pode me segurar.
A menina ergueu os olhos pela primeira vez. O olhar marejado, assustado, mas cheio de algo maior que o medo. E Verena, diante daquilo, se quebrou.
O tom mudou, a voz falhou.
— Eu gosto de você, Valentina… mais do que eu devia.
As palavras caíram no ar como uma sentença irreversível.
Valentina arfou, o coração preso na garganta. Antes que pensasse, antes que pudesse se proteger, os lábios dela já estavam sendo tomados.
Verena não suportou mais. A mão, ainda pousada no rosto quente e úmido de Valentina, puxou-a com delicadeza irresistível. As bocas se encontraram num selinho longo, firme, quase eterno. Não havia pressa, só a intensidade do contato.
Valentina sentiu as pernas ficarem pesadas, como se não pudesse movê-las nunca mais. Era a segunda vez que provava aquela sensação, mas parecia a primeira — o coração disparado, a respiração suspensa, os lábios cedendo sem saber como, apenas por instinto.
Verena, entregue, manteve os olhos fechados, lutando contra si mesma para não aprofundar mais do que devia. Cada fibra do corpo pedia por mais, mas ela se obrigava a permanecer no limite. Entre um suspiro e outro, murmurou com a boca ainda colada à da menina:
— Você me enlouquece… essa boca macia…
A cada palavra, roçava os lábios novamente, beijando de novo, devagar, como se quisesse decorar o gosto, a textura, a inocência. Até que, incapaz de segurar o próprio desejo, deixou escapar a ponta da língua, tocando com leveza os lábios menores de Valentina.
O susto foi imediato. A menina recuou um pouco, abrindo os olhos, assustada, o rosto tomado por um rubor intenso. Verena também parou, congelada por um instante. O coração batia descompassado, dividido entre o medo de ter ido longe demais e o fascínio por aquela timidez crua, pura, que a desarmava por completo.
Segurou então o rosto da menina entre as mãos, aproximando-se de novo até que as bocas quase se tocassem. O sopro quente das palavras saiu como promessa e consolo:
— Tá tudo bem.
Valentina mordeu o lábio, como se buscasse coragem. Quase sem voz, deixou escapar um sussurro que mal existia:
— Desculpa.
Verena sorriu. Não de deboche, mas de encanto. Achou aquela desculpa tão doce, tão absurda em sua inocência, que não resistiu. Tomou novamente os lábios da menina, desta vez com um pouco mais de firmeza. Uma repetição lenta, delicada, quase reverente, como quem reza baixinho uma oração proibida.
Praça Dom José Gaspar — Quarta-feira, 15h36
Carol estava sentada no banco de concreto, as chaves frias do Audi pesando na mão como se fossem uma granada sem pino. Tentava se manter imóvel, mas a inquietação a corroía. De minuto em minuto, desviava o olhar para os vidros escuros. Nada. Nenhum movimento visível. Apenas o reflexo das árvores e das nuvens.
O tempo se arrastava. O coração batia rápido, como se já soubesse de algo que o corpo não queria confirmar. Por fim, incapaz de suportar mais, levantou-se de repente. A madeira do assento rangeu sob o peso que saía. Ela caminhou devagar, quase sem perceber, até a frente do carro. O sol refletia no para-brisa, ofuscando, mas aos poucos, à medida que se inclinava, as silhuetas surgiram.
E então ela viu.
Os rostos colados. As bocas unidas num beijo lento, insistente, cheio de algo que Carol não conseguia nomear. O ar saiu dos pulmões de uma vez.
— Caralh*… — escapou, num fio rouco.
As pernas fraquejaram, deu um passo em falso para trás, tropeçando quase no próprio pé. A mão apertou instintivamente o controle que segurava e o estalo seco ecoou pelo estacionamento.
Bip!
As travas do Audi soaram alto demais, um clique metálico que se espalhou pelo ar como um tiro.
Dentro do carro, Verena congelou. O beijo que parecia ter suspenso o tempo foi interrompido de forma brutal. Ela afastou-se no mesmo instante, os olhos verdes arregalados, o corpo em alerta. Valentina, confusa, levou as mãos ao rosto, como se quisesse apagar o que acabara de acontecer.
Do lado de fora, Carol estava imóvel, coração disparado, olhando para o carro como quem tivesse acabado de testemunhar um acidente.
O mundo, até ali suspenso, tinha despencado inteiro em um segundo.
Fim do capítulo
Oie, boa noite!
Pra você que chegou até aqui, quero primeiro agradecer, por ter esperado e continuado. Sei que nem tenho mais o direiro de pedir desculpas pelos meus atrasos. Como leitor(a), sei que não tem culpa da correria, das coisas que vão acontecendo.
Espero poder compensar todos os meus atrasos e fazer com sinta novamente a emoção do desenrolar dos acontecimentos. Mais uma vez, obrigada por continuar. E ainda que não se justifique, perdão por tanta espera.
Abraço apertado! S2
PS.: Ah, e pra quem comenta peloo facebook, a autora não tem nenhuma rede social rs, e pelo que entendi, precisa de uma conta pra responder né (por favor, me corrija se estiver errada). Mas eu leio todos. E respondo mentalmente rsrs. :)
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Zanja45
Em: 29/09/2025
Estou rindo da cara de assustada de Valentina. - Quando Carol se sente culpada por ter sido muito dura com a amiga, ao dizer que Valen seria apenas a amante de Verena. E propõe que ela a acompanhe no encontro. Ela diz : "a gente" tem que marcar num lugar público que não coloque você em risco. - Tem que ser assim para que eu possa te proteger.
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Zanja45
Em: 25/09/2025
Quer dizer que Carol era o último fio que segurava Valentina?
Então, ela não se sente mais guiada por ele, porque com a mensagem que ela enviou "quero te ver, mas tenho medo". Quer dizer que agora ninguém é capaz de segurar ela.
anonimo2405
Em: 04/10/2025
Autora da história
Pois é. Valentina cada vez mais rendida pelo sentimento pela Verena.
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Zanja45
Em: 24/09/2025
Verena está estrapolando muito com Rafaella. - Ela não sabe tratar a amiga com respeito - Ela, simplesmente chega na frente de todos os outros funcionários do gabinete e fala daquele jeito com Rafa. - Ela começou a colher o que ela mesma está plantando. Quanto a questão de Rafa estar comendo Jéssica, também não sou a favor não, pois ela é do jurídico, e esse envolvimento afeta diretamente Verena, pois a advogada é uma adversária dela. Porém, Rafa foi muito santa para aguentar essa carga toda. Até tentou alertar do perigo que Jéssica representava, mas Verena abre muitas brechas. Então, ela está descontando as frustrações em quem não tem nada a ver. - O que faz com que afundei mais.
E, Jéssica está conseguindo juntando as informações para derrubar a deputada, fazendo uma "cama de gato" para conseguir êxito. - Ela está explorando bem as fraquezas de Verena, as fissuras já estão começando a aparecer. - E o verdadeiro tiro de misericórdia, parece ser a passagem de Rafa pro lado de Jéssica. - Que está por um fio.
anonimo2405
Em: 04/10/2025
Autora da história
É, a relação da Verena com a Rafaela tá bem difícil. E realmente, a rafa aguentou muita coisa, engoliu muito sapo. mas tudo tem um limite né. Uma hora cansa ser tratada como ela vinha sendo. O maior problema é que realmente, tem muita coisa em jogo, que pode colocar muita gente na berlinda, não só as duas. E a Jéssica é esperta. Mesmo a Rafaela sabendo, na hora da carência e da raiva, ela acaba cedendo.
Mas uma hora isso pode dar errado.
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Sem cadastro
Em: 23/09/2025
Carol deu asas a cobra e agora tá com medo kkkkk
Brincadeiras a parte
Que incrível e prazeroso ler sua escrita
A Verena já " perdeu" essa batalha
O mais digno é ela terminar o casamento ou pelo menos abrir a caixa de pandora pra Silvia e esperar que a Silvia a perdoe.
Ela já tá dentro do abismo
Talvez assim encontre o que pode ajuda lá
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Sem cadastro
Em: 23/09/2025
Carol deu asas a cobra e agora tá com medo kkkkk
Brincadeiras a parte
Que incrível e prazeroso ler sua escrita
A Verena já " perdeu" essa batalha
O mais digno é ela terminar o casamento ou pelo menos abrir a caixa de pandora pra Silvia e esperar que a Silvia a perdoe.
Ela já tá dentro do abismo
Talvez assim encontre o que pode ajuda lá
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Zanja45
Em: 23/09/2025
Quando se está vivendo em desalinhamento, cada palavra parece apontar diretamente para as situações as quais está passando. - São ecos dissonantes - que não espelha, mas reflete a própria realidade. E as passagens em que Valentina está no culto reafirma bem isso. No versículo que fala "Cada um é tentado pelo próprio mau desejo, sendo por ele arrastados" e o louvor " O Senhor é o meu pastor, nada me faltará ". Percebe - se claramente que o que está dentro já não se sincronizam com que está fora. Pois, leva - na a contrapor essas "verdades" - É uma quebra.
anonimo2405
Em: 04/10/2025
Autora da história
Nossa, que análise bem construída! Adorei.
E concordo, acho que é bem isso mesmo!
Bjs! S2
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Sem cadastro
Em: 21/09/2025
Carol deu asas a cobra e agora tá com medo kkkkk
Brincadeiras a parte
Que incrível e prazeroso ler sua escrita
A Verena já " perdeu" essa batalha
O mais digno é ela terminar o casamento ou pelo menos abrir a caixa de pandora pra Silvia e esperar que a Silvia a perdoe.
Ela já tá dentro do abismo
Talvez assim encontre o que pode ajuda lá
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Em: 21/09/2025
Carol deu asas a cobra e agora tá com medo kkkkk
Brincadeiras a parte
Que incrível e prazeroso ler sua escrita
A Verena já " perdeu" essa batalha
O mais digno é ela terminar o casamento ou pelo menos abrir a caixa de pandora pra Silvia e esperar que a Silvia a perdoe.
Ela já tá dentro do abismo
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Em: 21/09/2025
Carol deu asas a cobra e agora tá com medo kkkkk
Brincadeiras a parte
Que incrível e prazeroso ler sua escrita
A Verena já " perdeu" essa batalha
O mais digno é ela terminar o casamento ou pelo menos abrir a caixa de pandora pra Silvia e esperar que a Silvia a perdoe.
Ela já tá dentro do abismo
Talvez assim encontre o que pode ajuda lá
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Em: 21/09/2025
Carol deu asas a cobra e agora tá com medo kkkkk
Brincadeiras a parte
Que incrível e prazeroso ler sua escrita
A Verena já " perdeu" essa batalha
O mais digno é ela terminar o casamento ou pelo menos abrir a caixa de pandora pra Silvia e esperar que a Silvia a perdoe.
Ela já tá dentro do abismo
Talvez assim encontre o que pode ajuda lá
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Zanja45
Em: 19/09/2025
Silvia da é sorte de encontrar esses caras. - Ela deve ser muito linda para despertar tanto interesse no sexo oposto. - A bichinha não deu sorte de ficar a sós com os pensamentos dela que tinha que aparecer logo um homem, para tirar a paz dela.
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N@ty
Em: 19/09/2025
Carol deu asas a cobra e agora tá com medo kkkkk
Brincadeiras a parte
Que incrível e prazeroso ler sua escrita
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O mais digno é ela terminar o casamento ou pelo menos abrir a caixa de pandora pra Silvia e esperar que a Silvia a perdoe.
Ela já tá dentro do abismo
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anonimo2405
Em: 04/10/2025
Autora da história
Oiee!
Rsrssrs, bem isso. Poxa, ela que zoava no começo agora parece que tá com medo de verdade. Só qur agora já um pouco tarde. Já aconteceu muita coisa pra simplesmente ignorar.
Ah e muito obrigada pelo carinho. S2
Sei que eu tô em falta esses dias, mas dou a minha palavra que tô tentando não te deixar esperando muito.
Bjs!
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Zanja45
Em: 17/09/2025
O apoio que Carol está dando a Valentina é impagável, por isso ela está se sentindo segura para compartilhar suas desventuras sobre o amor com ela. Achei muito engraçado a parte em que Valen conta para Carol que foi beijada por Verena, e ela pergunta o porque de não ter contado antes, e ela responde " é porque pensei que ia passar", como ia acontecer isso? - Fez foi ficar mais intenso - Mas entendi o lado de Valentina, pois ela nunca havia sido beijada ante, principalmente por uma mulher.
Outro ponto nesse desabafo com a amiga foi quando ela fica preocupada se não responder a Verena ela vai achar que ela não queria encontrar ela. E Carol pergunta e você quer? Valentina responde " eu quero ... e não quero". Porque ela sabe que o que ela está sentindo vai de encontro a diversos ensinamentos .
Esses dilemas vivenciados por Valentina, gera dúvidas, medo e confusão, pois fere todos os princípios morais e religiosos, os quais ela acredita, mas também essa repressão do sentir, leva a romper com tudo isso. Porque por mais que ela queira resistir, os sentimentos teimam em sobrepor as outras coisas que até então eram bem rotineiros para ela. - Há uma dualidade de vontades, e, é claro que o que é mais forte vai prevalecer.
Apesar de Carol fazer de tudo para resguardar a amiga das implicações de se relacionar com uma mulher que é uma figura política, casada e mais velha. - Por estar apaixonada, ela não consegue fazer a distinção disso, por a emoção fala mais alto do que a razão. - E o desejo de experienciar o que não se viveu ainda, torna - se mais atrativo.
anonimo2405
Em: 17/09/2025
Autora da história
Nossa, eu concordo com cada vírgula. Vc foi certeira. Acho que a Valentina tá chegando num ponto onde a vontade de se entregar é maior do que o medo das consequências. Aí, vai ficar difícil pra Carol segurar.
Tadinha da Valentina, no futuro quando ela lembrar de como foi o primeiro beijo dela... rsrs
Zanja45
Em: 17/09/2025
Não vai ter mesmo, Carol vai estar numa quase impossível de segurar Valentina.
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Zanja45
Em: 16/09/2025
Autora, estava aqui olhando para a capa e bateu um pensamento ao ver Valentina olhando para dentro da imagem e Verena olhando para fora dessa mesma imagem. - Os sentidos são opostos - Lembrei que recentemente li uma citação do psicólogo suíço Carl Jung que diz assim : " Quem olha para fora sonha, mas quem olha para dentro desperta".
anonimo2405
Em: 17/09/2025
Autora da história
Nossa, sério? Nossa, que incrível. Confesso que não foi proposital casar com essa citação rsrsrsrrs, mas parece que ficou exatamente do jeito que tinha que ser. Mas a intenção de certa forma foi mostrar os dois mundos diferentes, mas que de alguma forma se completam
Zanja45
Em: 17/09/2025
Sim. E olhe que já havia olhado para essa imagem várias vezes, mas nunca me veio essa sacada.
Ah, entendi. E que são completamente distintos e ainda por cima bem dramático.
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Zanja45
Em: 16/09/2025
Um monstro que se vê dissolvida diante de duas letras. - Esquece esposa, pretensões de filhos, vida política .- Ela está se deixando levar pela correnteza. - Porque perdeu a racionalidade? Ou o que ela viveu era apenas o superficial?
Porque nessa linguagem, ela não precisa mostrar o que ela parece ser de verdade, mas sim o que ela é, desprovida das máscaras. Por isso esses sentimentos viscerais e avassaladores atravessam ela e a deixam livre de qualquer filtro.
anonimo2405
Em: 17/09/2025
Autora da história
Pois é. A Verena se transforma totalmente quando o assunto é a Valentina, parece que ela não consegue impor qualquer limite a si própria. A questão é que tem dois corações inocentes nesse jogo. A Silvia e a Valentina. Apesar que tbm não deve ser fácil pra Verena, mas não concordo dela fazer isso com a Silvia
Zanja45
Em: 17/09/2025
É, com certeza!
Ela está com a vida muito bagunçada para alimentar esses sentimentos de Valentina. - E ela é a adulta nessa história toda. - Precisa pensar nas consequências do que ela tá fazendo. - E concordo plenamente que Silvia não merece o que ela está fazendo, nem Valentina merece ficar no meio desse amor pela metade. - Porque Verena não se decide por nada, fica aí nessa corda bamba com a esposa, sem querer perder o que tem com ela. E ainda está começando um relacionamento com uma menina inocente e que ela bem sabe que não pode oferecer muita coisa, até porque é um relacionamento proibido que pode trazer muito sofrimento para todos os envolvidos.
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Crika
Em: 15/09/2025
Fico pensando,onde isso irá chegar,tem que ter uma mente muito brilhante pra dá um fim maravilhoso pra essas duas.Valentina esse doce de menina merece isso. Torço pra que ela se abra mais,mesmo demonstrando com tanta emoção,tudo que está dentro dela,que ela venha a verbazar,que assim ela possa não entrar em colapso,pq minha irmã,vai ficar tenso,e que Verena seja mulher pra assumir e lutar por essa garota. Afinal ela está sim envolvendo e insistindo que essa situação está aonde chegou.
Meu alívio é que com a idade da Valentina ela pode ir adiante sem problemas,ao menos nisso,pq o mais ela terá problema,pq aqui estou falando só da idade.kkkkk
anonimo2405
Em: 17/09/2025
Autora da história
Oiee!
Olha, que responsabilidade hein rsrs. Eu espero sempre conseguir corresponder a altura.
E concordo com tudo o que você disse. A Valentina é uma menina muito sensível. E ingênua. E a Verena, na posição dela, já que ela tá insistindo tem que ter essa maturidade. Porque a Valentina pode se machucar muito, ainda mais pra quem tá começando a vida assim. É uma responsabilidade muito grande da parte da Verena agora.
E convenhamos, problema é o que não vai faltar. São tantos fatores que vão pesar. Religião, casamento, e até a idade, embora não vá ser um problema legal, a gente sabe que o povo fala né rsrsrs. Então, espero que a Verena saiba mesmo o que quer e o que tá fazendo.
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Zanja45
Em: 15/09/2025
Valentina é muito meiguinha e sensível. - Ela transpira emoções profundas. - Chora de alegria de medo, paixão e tudo mais. - Esses versículos ao contrário estão surtindo efeito.. - porque ela agora só pensa na Depu. Está eufórica e meio que surtando de tanto amor.
anonimo2405
Em: 17/09/2025
Autora da história
Ahhh ela tão fofinha. Dá vontade de abraçar e colocar num potinho. Mas concordo. Ela tá tão apaixonada que todo o resto tá ficando em segundo plano.
PS.: Adorei o "Depu" rsrsrss
Zanja45
Em: 17/09/2025
Ah, é mesmo, por isso Verena já está fazendo isso. - Esse potinho já está transbordando, pois ela não se contenta mais em admirar, ela quer pegar, sentir e extravasar todos os sentimentos que estão consumindo ela por dentro.
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Zanja45
Em: 15/09/2025
Autora, fiquei imaginando como comprimir uma caixa de ferro.- Estou visualizando aqui na minha mente. - Estou viajando - olha a que ponto você fez eu ir. - criando mil possibilidades de compressão.kkkk!
anonimo2405
Em: 17/09/2025
Autora da história
Kkkkkkkkkkkkk
Ah sério? Olha, eu não tava imaginando nesse nível rsrsrs, mas agora tô kkkkk. E pra te ajudar a imaginar, pra comprimir uma caixa de ferro de 1 metro de cada lado, precisaria de todos os carros do Brasil em cima rsrsrsr.
E água então? Comprimir água é praticamente impossível. O ferro tbm entra nessa listinha rsrsrs.
Zanja45
Em: 17/09/2025
Kkkkk! Meu Deus, você me levou a viajar muito nessa comparação do coração com uma caixa de ferro. - Mas eu particularmente gosto disso.
anonimo2405
Em: 18/09/2025
Autora da história
Kkkkkkkk, bom fico feliz que tenha gostado. Espero que eu consiga te fazer embarcar em outras viagens em breve.
Zanja45
Em: 18/09/2025
Também espero, pois já estou pronta pra embarcar, pois imaginação é que não me falta. Rsrsrs! S2 .
anonimo2405
Em: 18/09/2025
Autora da história
Ahh e se eu não me engano vc me perguntou em qual área do direito a Silvia atua né? E se eu não me engano, fiquei te devendo a resposta.
Mas ela atua como advogada empresarial/contratual. Ou seja, ela atua na elaboração e revisão de contratos, negociações, conflitos nesse sentido.
Zanja45
Em: 18/09/2025
Ah, sim, se bem me recordo foi no capítulo anterior.
Entendi a especialidade dela agora, mas ela como advogada pode atuar em outras áreas?
Quando Carmona( não me lembro se o nome dele é assim) agrediu verbalmente Verena na plenária, foi Silvia que moveu uma ação contra ele?
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HelOliveira
Em: 15/09/2025
Nossa capítulo tenso, mas cheio de emoção....
A hora que elas começam a relaxar um minuto Carol para tudo no susto..rs
anonimo2405
Em: 17/09/2025
Autora da história
Tinha que ter um susto né. Sempre que elas estão juntas acontece alguma coisa. Acho que pra dá certo tem que ser só as duas.
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Zanja45
Em: 15/09/2025
Fico pensando na fala da Verena. Ela guardou o número de Valentina o tempo inteiro na agenda. Agora vem com esses pensamentos intrusivos que não era para estar ali.- Mas se ela deixou foi por uma razão muito forte. Kkkk! E, como Silvia está de banda pro lado dela. - Ela agora está se sentindo mais a vontade pra falar com Valentina. - Essa mulher é uma incongruência, fica querendo esconder o óbvio. - Ela não deletou porque nunca perdeu as esperanças.
anonimo2405
Em: 17/09/2025
Autora da história
Kkkkkkkkkkk, amei os pensamentos intrusivos rsrsrs. Mas é isso que vc falou. Ela sabe perfeitamente porque não apagou.
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Zanja45
Em: 15/09/2025
Quer dizer que Verena passa a noite fora, não dá uma explicação plausível por ter dormido fora de casa, agora que que Silvia seja condescendente com ela?
anonimo2405
Em: 17/09/2025
Autora da história
Cara de pau né.
Zanja45
Em: 17/09/2025
Pois é, ainda foi chamar Silvia de amor e dizer que não fez nada. - Mas queria fazer, como inquérito a esposa.
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Silvanna
Em: 14/09/2025
Capítulo excitante! O que um beijo pode fazer??? A descrição de um beijo....
Kkkkk
Perfeito autora!
Mas a Carol deu um banho de água fria! Kkkkk
Bj
anonimo2405
Em: 17/09/2025
Autora da história
Ahhh gente, que maravilhoso saber que você gostou. E mais ainda, que consegui despertar essas sensações rsrs
A Carol, tadinha. Perdida ali, não foi por mal.
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Zanja45
Em: 14/09/2025
Eu entendo, Autora. Inclusive esperava que postasse na terça. Então, já está perdoada, porque compensou direitinho, vou dormir feliz, pois aquela cena no carro valeu toda a espera..S2.
anonimo2405
Em: 17/09/2025
Autora da história
Ahh fico mais tranquila então :) e olha, tô tentando mesmo não demorar tanto. Afinal, tenho que fazer por merecer a presença de leitores tão especiais.
Mas fico feliz que consegui compensar a espera! S2
Zanja45
Em: 17/09/2025
Quando falei na terça, me referi a ontem, que é o dia que geralmente posta. - Não estava questionando a demora. - Gostei que foi no sábado.
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Zanja45
Em: 14/09/2025
Nossa que beijo foi esse? Verena não resistiu. Essa cena dentro do carro foi muito excitante.- A Deputada pegou Valentina de jeito.
anonimo2405
Em: 17/09/2025
Autora da história
Fico imaginando a Valen tadinha. Eu no lugar dela acho que desmaiada e não tô nem brincando rsrs. Mas acho que deu pra mexer um pouco com a nossa imaginação né rsrs
Zanja45
Em: 17/09/2025
Kkkk! Ela não desmaiou, porque Verena já tinha dado uma acalmada e quando ela percebeu que o nervosismo e o choro já tinha passado e que restará ali era outra coisa, ela investiu no momento certo.
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anonimo2405 Em: 04/10/2025 Autora da história
Oiee!
Carol sendo Carol! rsrssr
Não sei se a Carol pegou pesado, ela zoava no começo e agora não quer que a amiga se envolva. Mas ela não falou nenhuma mentira tbm né.
Bjs! S2