Giovana

            Faz umas duas horas que cheguei na casa de Olivia, e nesse tempo não tenho feito outra coisa a não ser repousar e dizer que estou bem a cada vez que ela pergunta.

            Sei que não estou em posição de reclamar de nada, afinal estou aqui para me redimir com o que fiz com ela, mas ela precisa lembrar que sou sua futura namorada e não sua filha. 

            Mas até que é fofinho o jeito que ela se preocupa comigo.

            - Eu estou bem, estou sem dor e não sinto que estou próxima a um desmaio – Respondo mais uma vez.

            - Você precisa se hidratar.

            Apenas levanto a garrafa de 1,5L de água que ela me entregou e ainda está pela metade.

            Toda essa preocupação é porque cai na bobeira de dizer a ela que o médico me diagnosticou com desidratação, e que o desmaio realmente foi provocado pelo esforço físico. 

Então, agora não posso sair do sofá e preciso tomar água até não aguentar mais. 

Palavras dela, não do médico.

- Por quê a Gigi não pode brincar comigo lá fola? – Pergunta com um enorme bico em seus lábios.

- Pois é mama, por que eu não posso? – Provoco, e faço a mesma carinha que o pequeno.

Esse garoto é uma cópia minha, mesmo não sendo meu filho de sangue, o que para mim não importa nada, o amor que sinto por ele é tão inexplicável quanto o que sinto por sua mãe e pela ruivinha também, ela foi mais osso duro de roer, mas ganhou meu coração com aquele jeitinho marrento de ser.

Mas Theo me ganhou de uma forma que nunca vou conseguir explicar, e nesse tempo fora, senti tanta falta do seu rostinho, do seu jeitinho carinhoso e inteligente.

Mesmo tendo total noção de que Olivia pode nunca mais me perdoar e isso significa que não iremos mais estar juntas, torço para que ela não me afaste das crianças, que me deixe fazer parte da vida deles de algum jeito.

- Porque a Gigi tá doente, filho – Fala com toda paciência que a situação exige – E ela precisa de repouso, mas por que vocês não aproveitam para jogar vídeo game juntos?

- É uma boa ideia, mama.

Ele sai de cima do sofá e corre até onde está seu PS5 e pega os controles sem ao menos me perguntar se quero, mas ele já me conhece tão bem que sabe que eu não recusaria.

Depois de algum tempo jogando com ele, enquanto minha professora está no outro sofá lendo um livro, que não vi sobre o que é, mas em algum momento ela solta algumas risadinhas, Theo para de repente de jogar e demonstra um semblante triste.

- Theo fez coisa errada – Diz triste.

Ao ouvi-lo, a mais velha fecha o livro e deposita sua atenção exclusivamente no filho, e eu fico atenta ao que ele tem a falar.

- Ontem na escolinha – Continua – Eu disse que tenho duas mamães – Encara suas mãozinhas.

- E por que você disse isso? – Olivia sai de seu lugar e se senta ao seu lado.

- Porque eu estava brincando com a Aninha e com o Pedrinho – Suspira – E eu não quero ser o único que só tem uma mamãe.

O pequeno olha para Olivia de canto de olho, esperando-a brigar com ele, mas isso não acontece, como sempre, ela sempre tenta lidar com seus filhos da melhor forma possível.

- Filho, já conversamos sobre isso, não tem nada de errado na sua família, e você não pode mentir para seus amiguinhos – Explica.

- Mas eu não menti – Cruza os bracinhos – Eu sabia que a Gigi ia voltar, e agora ela está aqui, ela é a minha outra mamãe.

Me espanto com a certeza estampada em sua vozinha, ele não está mais dizendo que eu poderia ser, que gostaria que eu fosse, ele diz que eu sou. 

Eu não sei como agir quando os olhos das duas pessoas ao meu lado me encaram, o silencio é ensurdecedor, e acreditem, eu quero falar, mas não sei se posso, não sei o que ela quer que eu diga.

- Theo – Olivia quebra o silêncio – Giovana e eu não namoramos, e mesmo que namorássemos isso não quer dizer que ela tem que ser sua mãe, isso tem que ser sentido no coração dos dois, tem que ser algo natural.

- Eu sinto – Ele diz convicto – Eu sinto aqui – Aponta em direção ao seu coraçãozinho.

O rosto de Olivia vai ganhando uma cor avermelhada, pois todos os argumentos possíveis são rebatidos pelo pequeno Einstein.

- Você também sente Gigi? – Seus olhinhos brilham.

- Sinto.

Minha voz sai tão baixa que nem sei se eles ouvem, mas é a mais pura verdade, eu sinto, e acho que já faz muito tempo que sinto isso dentro de mim, independente do meu relacionamento com sua mãe eu sinto que minha ligação com Theo é maior do que apenas uma amizade ou um carinho de madrasta.

Quando crio coragem para levantar meu olhar em direção a mais velha, seus olhos estão lagrimejando, mas também demonstram raiva.

- Você não pode dizer isso para uma criança de três anos – Sua voz é cortante.

- Eu só estou dizendo a verdade – Não quero afrontá-la, mas acho que vou – Sei que você se preocupa, mas é a verdade, eu sinto isso dentro de mim da mesma forma que ele sente.

- Viu, mama – Ele se levanta ficando de pé em cima do sofá – A Gigi voltou para nossa família, como ela me falou que faria, agora ela pode ser minha mamãe.

- Carinha – Chamo sua atenção para mim – A Gigi precisa conversar uma coisinha com você. Eu não sei se farei mais parte dessa família, mas eu posso garantir que mesmo que isso aconteça, eu vou fazer parte da sua vida – Seus olhinhos parecem perdidos.

- Não entendo o que você está falando – Senta em meu colo – Mas não importa, deve ser assunto de adultos, e crianças não entendem assuntos de adultos.

O trago para perto de mim, o abraço forte e não seguro as lágrimas. Ver sua pureza é tão surreal, ver que ele me quer como sua mãe independente de qualquer coisa, que ele me escolheu, eu faço parte da vida dele.

Esse sentimento é maior do que qualquer coisa, eu posso amar Olivia, posso amar muitas pessoas, mas esse sentimento que estou sentindo é completamente novo, é o sentimento de ser importante para uma criança que não sabe nada do mundo, mas que me escolheu para fazer parte do mundo dele.

Não consigo controlar minhas emoções e quando ele me abraça de volta as lágrimas ganham vida própria e rolam descontroladamente.

- Não chora, mamãe – Passa suas mãozinhas pelo meu rosto – Eu prometo que vou ser um bom filhinho.

- Você é o melhor filho que alguém poderia ter – Digo entre soluços – O melhor.

Ele volta me abraçar e a palavra mamãe ecoa pela minha cabeça. Ele me chamou de mamãe e esse é um dos melhores dias da minha vida.

Olivia permanece quieta olhando a cena, não sei o que está se passando pela sua mente, mas sei que vai vir bomba depois, mas que ela não falará nada na frente do filho.

- Bom – Ela resolve falar – Agora está na hora desse mocinho tomar um banho que já está quase na hora da janta.

- A minha barriguinha já tá quase roncando – Ele aponta para a própria barriga – Mas primeiro vou ficar cheirosinho.

Olivia o pega de meus braços e eles sobem para o quarto do menino e eu permaneço no meu mundo particular, chorando com todas as emoções que estou sentindo. 

Depois de uns vinte minutos, a mais velha desce as escadas sozinha.

- Ele dormiu? – Arrisco puxar assunto e segui-la até a cozinha.

- Não, mas quis ficar vendo um filme na cama – Explica – Assim é melhor que ele já vai se acalmando para depois dormir.

- Uhum – Concordo.

Ela vai até o armário e pega algumas coisas para cozinhar, depois vai até a geladeira pegar mais algumas coisas. Ela pega uma faca e uma tábua de picar temperos e começa a picar uma cebola.

- Olivia...

- Olha só – Aponta a faca em minha direção – Uma coisa é você brincar comigo, outra coisa é você brincar com meus filhos, está me entendendo, Giovana?

- Eu não brinquei quando falei o que falei.

- Acho bom – Volta a picar a cebola – Theo já lida com o fato de ser filho de uma mãe solo e lésbica, então não iluda o menino com seus papos se daqui a pouco for cair fora.

- Eu já te falei que não vou cair fora da vida dele e de Aurora – Digo firme – Independente do nosso relacionamento dar certo ou não.

- Não temos mais um relacionamento para dar certo.

- Porque você não quer – Nossas vozes já não estão mais calmas.

- Não – Diz séria, para o que está fazendo novamente e me encara – Porque você fez merd*, não jogue a responsabilidade de não estarmos juntas para cima de mim.

- Não estou jogando a responsabilidade do que fiz em cima de você – Tento me aproximar – Mas eu já lhe expliquei tudo, e só não estamos juntas porque você pediu seu espaço, porque você ainda precisa pensar, eu estou aqui esperando, tenho certeza do que quero.

- Claro, para você é bem fácil fazer coisa errada e voltar como se nada tivesse acontecido.

- Pelo amor de Deus, Olivia – Esbravejo – Sei que errei, mas estou aqui, tentado concertar as coisas, eu não estou fingindo que não aconteceu, mas não vou viver uma vida remoendo o que passou.

- Isso é sinal que não se arrepende.

- Já te falei que se fosse necessário faria de novo – Consigo me aproximar mais e colocar uma mecha de seu cabelo atrás de sua orelha – Isso não quer dizer que se ter algum outro problema vou agir sem pensar, eu consegui resolver esse problema que assombrava meu passado, vai ser diferente daqui para frente.

- O que vai ser diferente? – Me pergunta com desdém.

- Não sei – Digo já me desesperando – Mas podemos fazer acordos, eu prometo que quando ter algum outro problema vou falar com você antes de qualquer decisão.

- E não deveria ter sido assim antes?

- Você quer que eu te peça perdão mais quantas vezes? – Me afasto porque sei que a proximidade não está me fazendo pensar – Se você não consegue me perdoar, não há muito o que eu possa fazer, é um direito seu.

- Não quero que me peça perdão, quero que me prove que vai ser diferente – Berra em completo desespero.

Vejo suas bochechas começar a serem lavadas por algumas lágrimas, me aproximo dela e seguro seu rosto com as duas mãos, a fazendo olhar no fundo dos meus olhos.

- Então me dê a chance de te provar – Digo – Me deixa te mostrar que quero uma nova história, eu já enterrei meu passado nessas duas semanas, e se algo voltar a nos perturbar eu prometo agir diferente, mesmo que o medo me consuma, me deixa te provar isso, Olivia – Imploro.

- E se eu não conseguir? – Diz com medo – Eu não sei se consigo esquecer tudo.

- Eu não quero que esqueça, quero que consiga superar e eu estarei aqui para te ajudar.

- Eu te amo – Se rende.

- Eu também te amo, meu amor.

A beijo, com toda a intensidade e saudade que sinto, a beijo para ela sentir toda verdade que há em mim. Eu daria minha vida por ela, por essa família, e farei de tudo para reconquistar sua confiança. Um dia após o outro, um passo após o outro.

- Mas se você pisar na bola de novo – Fala ao quebrar nosso beijo – Melhor nem aparecer na minha frente. 

- Não irei mais vacilar com você – Beijo sua testa – Prometo.

- E sobre a conversa de antes – Suspira – Você não precisava ter falado aquilo para o Theo, você não tem obrigação nenhuma.

A seguro pela cintura a trazendo para mais perto.

- Eu sei que não tenho obrigação nenhuma, mas eu concordo com ele sobre termos o mesmo sentimento. Tenho ciência que ele é seu filho e não quero tomar um lugar que não seja meu...

- Eu sei, mas preciso pensar no meu filho, se não dermos certo, o que será dele?

- Como te falei, quero estar presente na vida deles independente do nosso relacionamento dar certo ou não.

- Assim espero.

E volta a me beijar, depois de muito tempo uma tranquilidade toma conta de mim, sei que ainda preciso mostrar que o que estou falando é para valer, mas daqui para frente teremos uma nova história.

- Olivia.

- Hum?

- Theo não nasceu de mim, mas nasceu para mim.

Fim do capítulo