Capitulo 32 - Arcando com as consequências
Giovana
- Eu tive medo dele não ficar preso – Continuo falando, precisava colocar tudo para fora e ser o mais verdadeira possível – Sabemos como é a justiça no Brasil, e achei que pudessem soltar ele e dar apenas uma medida protetiva, e isso não seria suficiente, sabemos quantas pessoas morrem mesmo tendo essas medidas, pois não são respeitadas.
Seu olhar está vazio, sei que não mereço seu perdão depois de tudo que a fiz passar, mas lutarei por ele.
- Olivia – Minha voz sai baixa, está tudo preso na garganta – Sei que o que eu fiz pode parecer bem cruel, que não pensei em você, mas o que mais fiz foi pensar na nossa família. Eu sabia que corria o risco de você nunca me perdoar, e arcarei com as consequências se você decidir por isso, mas só quero que você saiba que nunca foi por não te amar, muito pelo contrário, o medo dele mexer com qualquer um de vocês me paralisou e eu não poderia aceitar isso, eu não queria ser culpada por isso.
Ela abraça seu próprio corpo ainda em pé, posso ver que luta contra a razão e a emoção.
- Eu não sei o que te dizer – Rompe o pequeno silêncio que tinha se formado – Eu não sei se um dia vou conseguir te perdoar por não ter levado em consideração o quanto eu sofreria, o quanto Theo e Aurora sofreriam achando que você não voltaria.
- Sobre isso – Resolvo contar essa parte que tinha esquecido – Eu conversei com eles antes.
- O que? – Seu berro me assusta um pouco.
- No dia que dormi aqui pela última vez, que fui ao quarto deles, avisei que teria que fazer uma viagem e ficaria uns dias fora, mas que voltaria o mais rápido possível e que precisaria que eles ajudassem a cuidar de você.
- Você envolveu meus filhos nisso tudo e não me falou nada? – Seu rosto estava cada vez mais vermelho de raiva.
- Claro que não, Olivia – Digo o óbvio – Você acha que contaria toda a verdade para duas crianças que não conseguiriam entender a gravidade da situação? Eu apenas quis que eles soubessem que não estavam sendo abandonados, que eu iria voltar.
- Você mesma me disse que não sabia se voltaria, como quis deixar eles esperando?
- Bom, acho que na hora eu não pensei muito nessa parte, mas eu não quis machucar tanto eles, eu sei que para o Theo seria muito difícil apenas acordar e não me ver na vida dele.
“- Mas você vai ficar muito tempo longe, Gigi? – O pequeno me pergunta enquanto o ajudo a se arrumar para a escola.
- Não sei, carinha – Digo enquanto penteio seu cabelo – Mas quero que enquanto eu não volte, você ajude a cuidar da mama, ela ficará um pouquinho triste e precisará que você cante algumas musiquinhas legais para ela, ok?
- Por que ela ficará triste se sabe que você vai voltar?
- Ela não sabe muito bem dessa parte, isso é um segredo meu e seu, você me ajuda?
- Mas a mama não gosta de segredos – Seus olhinhos se arregalam – Ela ficará chateada com o Theo.
- Não ficará não, meu amor – Lhe faço um leve carinho – Não é correto ter segredos quando é do mal, mas esse é um segredinho do bem. Quero só que me ajude a deixar ela feliz, e que quando você sentir saudades minha, sempre lembre que eu vou voltar para você. Combinado?
- Combinado.”
- E você achou que para mim seria bem fácil, simplesmente não te ter mais na minha vida – Sua voz me traz de volta a realidade – Você falou com a Aurora também?
- Sim.
“- Você é doida se acha que ela vai te perdoar depois de ir embora sem explicação – Ela diz com desdém.
- Eu sei disso, mas vou correr o risco, eu preciso correr o risco.
- Por quê?
- Você não entenderia, ruivinha – A chamo pelo apelido – É muito para a sua idade, mas sei que posso contar com você para ajudar sua mama.
- Óbvio que pode – Revira os olhos – Mas se você não voltar no máximo em um mês, nem precisa mais voltar, porque mesmo minha mãe te aceitando de volta eu vou te colocar para correr.
- Você é bem filha da sua mama mesmo, hem – Brinco com ela.
- Está avisada.
- Combinado.”
- Não que eu queira que meus filhos tivessem sofrido mais do que o necessário – Balança a cabeça de um lado para o outro, sem acreditar – Mas não acredito que eu fui a única trouxa dessa história.
- Você não foi trouxa nenhuma – Me levanto novamente, porém rápido demais e preciso me sentar por conta da dor na costela – Você apenas não podia saber no momento, mas não se ofenda dizendo essas coisas.
- E como você veio parar aqui? Desmaiando na minha porta?
- Acho que isso foi pelo esforço que fiz correndo da rodoviária até aqui.
Explico um pouco sem jeito e vejo seus olhos se arregalarem pela milésima vez e suas narinas inflarem. Acredito que se não fosse pela minha cara machucada e pelo desmaio, ela já teria me deixado desse mesmo jeito com suas próprias mãos.
- Eu saí de Balneário Camboriú no início da tarde, mas o ônibus parou em vários lugares e não deu tempo de chegar antes da chuva – Explico – E quando cheguei na rodoviária me dei conta que não tenho mais celular, então não teria como chamar Uber ou ligar para alguém, e estou sem dinheiro, o resto que tinha gastei na passagem para cá, então vim o mais rápido que pude a pé.
- Você só pode estar de brincadeira – Diz – Garota, se você morresse na porta da minha casa, saiba que eu ia te procurar no inferno para te matar novamente.
Solto uma risada com sua ameaça, uma pequena faísca de esperança se acende dentro de mim, sei que em algum momento a raiva passará e torço para ter a oportunidade de reconquistá-la, mas preciso dar tempo ao tempo.
- Você recebeu as flores que mandei – Volto ao assunto.
- Que flores? – Seu rosto mostra confusão.
- Essas – Aponto para as rosas no vaso – Quando ele foi preso e eu soube que teria a chance de voltar, resolvi mandar as flores para que você soubesse que em algum lugar havia alguém que pensava em você.
- Seu plano deu errado – Solta um sorriso irônico – Em nenhum momento consegui pensar em quem mandava essas flores, estava mais ocupada te odiando.
Me levanto do sofá, dessa vez com mais calma e cuidado, conseguindo concluir o ato com sucesso. Dou alguns passos em sua direção e ela não se afasta.
- Nem por um minuto? – Insisto.
- Não – Vejo seu rosto vacilar e entregar que ela está mentindo.
- Nem por um segundo? – Me aproximo ainda mais.
- Talvez – Sussurra – Mas só talvez.
Consigo chegar à sua frente sem ser atacada, e ouso a colocar minhas mãos em sua cintura, mas Olivia permanece com os braços cruzados e não se abala com meu toque.
- Eu nunca quis te fazer sofrer, Olivia – Digo olhando em seus olhos – Por mais que saiba que foi exatamente o que fiz, mas eu só queria proteger vocês e garantir que poderíamos viver uma vida segura, que nada vai acontecer com nenhum de vocês.
Uma lágrima cai em sua bochecha e eu me arrisco a limpá-la, a dor dela é pior do que toda a dor que sinto em meus machucados.
- Eu sei que é difícil me perdoar – Continuo – Mas se você me der a chance, estou disposta a te provar todos os dias que estou ao seu lado, como estava fazendo antes dessa merd* toda acontecer. Também estou disposta a respeitar seu tempo e espaço.
- E o que acontece quando o próximo problema acontecer? – Sua voz não é brava, mas é direta – Você some de novo? Me esconde o que está acontecendo? É assim que você lida com as coisas e acha que eu vou aceitar?
- Não, eu não vou fazer isso com os problemas – A puxo mais para mim – Eu já me livrei do meu maior problema, e consegui abrir coisas da minha história que ninguém sabe, acho que daqui para a frente será mais fácil te explicar quando algum problema referente a isso aparecer.
- Não foi o que você me mostrou.
- Eu sei que não deveria ser medrosa, mas fui, e não tenho como voltar atrás, não tenho mais como agir diferente, e confesso que nem sei se agiria, porque sei o quanto ele era perigoso, e preferiria mil vezes não ter mais vocês em minha vida do que saber que minha presença traria perigo. Quero fazer bem a vocês, não mal.
- Acho que temos opiniões muito diferentes do que é fazer bem e fazer mal.
- Pode ser que sim, e não estou aqui para dizer que agi da forma mais correta do mundo, estou aqui explicando o que me levou a tomar essa atitude e sei muito bem que corro o risco de te perder – Me afasto só um pouco para respirar – Mas se isso acontecer... quero que saiba que eu te amo e acho que nunca serei capaz de amar alguém assim, você foi a melhor coisa que me aconteceu na vida, pode não acreditar mas é a verdade e espero ter conseguido mostrar isso no tempo que passamos juntas.
- Está tarde e preciso de um tempo para pensar em tudo que acabei de ouvir – Passa a mão pelo rosto em sinal de cansaço.
- Tudo bem – Respeito a nossa distância – Posso te pedir só mais uma coisa?
- Não acha que já pediu coisas demais?
- Sei que sim, mas isso é uma das mais importantes.
- Diga.
- Por mais que você não queira mais voltar comigo, que nunca me perdoe, que não me queira mais como sua mulher – Ela se espanta quando digo a última frase – Me deixe permanecer na vida das crianças, eu não queria ter que sair da vida deles.
- Por que quer permanecer tendo contato com meus filhos?
- Na verdade quero com você também – Sou atrevida – Mas não posso te obrigar a nada, e já será bem doloroso te perder de vez, mas eu amo seus filhos assim como amo você e não gostaria de perdê-los novamente.
Olivia solta um grande suspiro.
- Eu preciso pensar – É a única coisa que diz.
- Sem pressão.
Antes de continuarmos a conversa ou a despedida, que já nem sei mais o que é isso que estamos tendo, o telefone da minha professora toca e ela corre para atender.
- Oi... Tá tudo bem... Por quê?... Mas vocês não iam voltar em meia hora?... Eu vou te matar Gabriela... Não... Sim... Não... Não quero falar agora... Tchau.
Sua cara volta a ficar de poucos amigos e seus olhos me encaram como se eu fosse a razão de sua raiva, e com toda certeza sou.
- Elas não vão voltar hoje – Diz.
- Oh! – Exclamo – Sem problemas, eu ainda tenho a chave do dormitório porque não devolvi, e oficialmente ainda moro lá sendo que tenho o mês pago e não cancelei minha matrícula, então vou para lá.
- E como você pensa em ir? – Cruza os braços novamente como se estivesse falando com uma criança de cinco anos.
- Isso não será um problema – Respondo – Eu pedi que você me ouvisse e que depois iria embora, é isso que farei.
- Mama?
Ouvimos a vozinha de Theo chamar por Olivia no topo da escada e meu corpo treme de saudade e meus olhos se enchem novamente.
- A senhola tá aí? – Volta a chamar.
- Sim, filho – A mais velha vai em direção a ele – Você pode voltar para o quarto que eu já vou lá com você.
O pequeno já estava descendo a escada se segurando no corrimão, com todo cuidado necessário para não cair, mas quando me vê no meio da sala, se apressa para estar no último degrau e recebe a ajuda da mãe.
Theo corre o mais rápido que suas perninhas conseguem e se joga em meus braços, ignoro toda a dor física que sinto, não me importa sendo que estou com meu pequeno nos braços, posso suportar o que for.
- Você voltou, Gigi – Distribui beijos pelo meu rosto – Você estava falando a verdade.
- Claro que sim, pequeno – Volto a me sentar no sofá para evitar cair com ele – Eu disse que voltaria, não disse?
- Sim – Seu sorriso estava grandão – Viu mama, eu disse que ela ia voltar e eu cuidei direitinho da senhola, não foi?
Olivia está sem palavras e sei que ela não quer voltar para esse assunto agora.
- Claro que você cuidou – Respondo por ela – Mas agora é hora de mimir, já está tarde e a Gigi precisa ir para casa.
- Casa? Mas sua casa é aqui com a gente – Seus olhinhos brilham – Você volta amanhã?
- Lembra que a Gigi mora lá perto da universidade? – Ele só balança a cabeça – Então, vou voltar para lá, aqui é a casa de vocês.
Ignoro sua última pergunta, porque eu amaria dizer que sim, mas sei que a resposta é um redondo não, com letras garrafais.
- O que aconteceu no seu rosto? – Pergunta curioso referente aos machucados.
- A Gigi desceu a escada sem tomar cuidado e caiu, porque estava muito rápido – Invento a primeira desculpa que consigo.
- A mama sempre diz que não podemos correr na escada, não é mama? – Encaramos minha professora e ela apenas balança a cabeça – Você desobedeceu e caiu, agora aplendeu?
Sua fala errada é a coisa mais fofa que existe, meu coração fica quentinho ao ter ele em meus braços novamente.
- Aprendi – Faço carinho em seus cabelos – Mas agora você precisa voltar para a cama.
- Quero dormir com você – Ele repousa a cabecinha em meu peito – Estou com saudades.
- Mas hoje não...
- Filho – Olivia me interrompe – Você pode indo para seu quarto que a Giovana já vai lá te colocar para dormir, a mama só precisa falar com ela rapidinho.
- Mas vocês podem conversar quando forem dormir juntinhas, você precisa dividir a Gigi.
Meus olhos parecem que vão saltar da cara quando o ouço falar, acho que é de família ser opinioso, ou teimoso, ou seja lá o que for que combine com o momento.
- A Gigi não vai dormir com a mama – Meu coração se aperta ao ouvi-la, eu já sabia disso, mas dói ouvir em voz alta – Ela vai dormir aqui no quarto debaixo, como dormia antes, ela tá machucada e não pode dormir com ninguém.
- Então amanhã a gente pode brincar? – Ele pergunta esperançoso.
- Ela tá machucada, filho – Explica mais uma vez – Amanhã ela precisa ir no hospital.
- Ela não precisa não – Digo como se fosse de outra pessoa que estivéssemos falando, mas nem pensar que vou voltar para o hospital.
- Precisa sim – A voz da mais velha é mais firme – Porque quando a gente desobedece e cai da escada, precisamos ir ao médico ver se está tudo bem.
- Tá bom – Digo contrariada.
Não vou cutucar onça com vara curta, se ela diz que vou ao hospital então eu vou, irei para qualquer lugar que ela mandar eu ir, nem que seja para a casa do cara....
- Agora você pode fazer o que a mama pediu e ir para seu quarto? – Continua conversando com o filho.
- Tudo bem – Diz triste – Te espero no meu quarto Gigi.
- Já vou lá – É só o que digo.
O menino desce do meu colo e volta subir as escadas com a ajuda da mãe, e eu fico ali esperando ela voltar, esperando minha sentença.
Demora um pouco mais de cinco minutos até ela voltar, mas não se senta ao meu lado e nem está perto de mim.
- Você vai dormir aqui e já combinei com Gabriela, elas vão passar aqui amanhã pela manhã para te levarem ao hospital para ver como está sua costela, se não se machucou mais nessa sua aventura de vim até aqui, e ver se o desmaio não atrapalhou mais na sua recuperação.
Ela não me espera responder, apenas sai em direção ao quarto já bem conhecido por mim e eu a sigo, como um cachorrinho obediente.
Quando entramos, ela vai até o armário e pega as roupas de cama necessária para me acomodar. Troca o lençol e as fronhas, e estende um cobertor fino, que não seria tão quente para a noite de hoje.
- Escuta – Chama minha atenção quando termina – O fato de você dormir aqui não muda nada, eu ainda preciso de distância, eu preciso pensar em tudo que aconteceu e não quero você forçando a barra. Ok?
- Sim, senhora – Bato continência para quebrar o clima – Vou respeitar o seu tempo até voltarmos.
- Não iremos voltar.
- Iremos – Digo atrevida – Você pertence a mim assim como eu pertenço a você, e o fato de eu respeitar seu espaço não quer dizer que eu não lutarei pela gente, até o dia que você me disser com todas as letras que não me quer mais, aí sim desistirei.
Já que estou na chuva, vou me molhar. Me aproximo dela e a puxo contra meu corpo, não dando muito tempo para ela reagir. Colo nossos lábios, mas não aprofundo o beijo para não cruzar ainda mais o limite, que já cruzei.
- Boa noite, linda – Falo com a voz baixa bem próxima a sua boca – Durma bem e com a certeza que esse coração aqui bate por você.
Olivia não responde, apenas me deixa sozinha no quarto. Sei que o caminho pode ser longo, ou não. Mas irei correr o risco.
Fim do capítulo
E ai, pessoal... Alguem imaginava que essa era a história de vida da Gio? Para mim, foi muito emocionante escrever esses ultimos capitulos, espero que tenham gostado.
Apesar de tudo, a Gio mexeu no ponto fraco da Olivia que é a confiança, agora vai ter que correr atrás de reconquistar o que foi quebrado.
Espero que a leitura tenha te feito uma boa companhia. Até breve.
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